quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Negando a História - Da Eutanásia ao Holocausto

Michael Shermer & Alex Grobman
páginas 124 a 126

[...]
Gould [N.do T.: Stephen Jay] está certo. A história da vida é massivamente contingente-todas as facetas dela: a história da civilização, a história da guerra, a história do Holocausto, e a história dos campos de concentração nazistas. Os negadores do Holocausto parecem desconhecer esta contingência. Eles acham que, porque campos de extermínio como Auschwitz e Majdanek não parecem máquinas de extermínio perfeitamente projetadas, ninguém as usou para o genocídio. Entretanto, a história é um produto tanto de eventos planejados quanto de não-planejados. Raramente os eventos históricos desenrolam-se como esperado.

O que acontece normalmente é que os planos mudam conforme os eventos se desdobram, uns sobre os outros. À medida que esses planos e eventos interagem e mudam, eles criam um ciclo de resposta que alteram constantemente os eventos enquanto eles se
desenvolvem, freqüentemente levando-os para mais e mais longe das intenções originais. Uma breve história da evolução dos campos de extermínio em geral, e Auschwitz em particular, sustenta esta visão contingente da história.

Muito antes de eles terem conduzido prisioneiros para dentro de câmaras de gás e os matado com Zyklon-B ou monóxido de carbono, os nazis haviam desenvolvido um programa de assassinato sistemático e secreto de grupos de pessoas visadas. Como detalhamos abaixo, começou com os programas de esterilização no início dos anos 30, evoluiu para programas de eutanásia do final dos anos 30, e intensificaram-se em assassinato em massa nos campos de extermínio de 1941 a 1945. Embora a idéia de se gasear massas de prisioneiros numa câmara pareça chocante, psicólogos indicaram o quão fácil é levar as pessoas a fazerem praticamente qualquer coisa quando os passos para isso são pequenos e progressivos.3 Nós defendemos que depois de os nazis terem assassinado dezenas de milhares de alemães "inferiores" (veja abaixo), a idéia de tentar aniquilar o povo judeu não pareceu inimaginável. A demonização, exclusão, expulsão, esterilização, deportação, e eutanásia de pessoas visadas fizeram parecer pequeno o passo para o assassinato em massa.

O Terceiro Reich aprovou leis de esterilização no final de 1933. Dentro de um ano, 32.268 pessoas haviam sido esterilizadas. Em 1935, o número pulou para 73.174, com as razões oficiais incluindo doença mental, esquizofrenia, psicose
maníaco-depressiva, alcoolismo, surdez, cegueira, e más formações. Os chamados criminosos sexuais eram simplesmente castrados - não menos que 2.300 na primeira década do programa.4

Em 1935, Hitler disse ao médico número um do Reich, Gerhard Wagner, que quando a guerra começasse ele queria mazer a mudança: da esterilização à eutanásia. Fiel à sua palavra, no verão de 1939 os nazis começaram a matar crianças deficientes
físicas, então passaram rapidamente para crianças deficientes mentais, e logo depois para adultos com ambas as deficiências. Os assassinatos eram inicialmente executados através de grandes doses de remédios "normais" dados em forma de líquido ou tabletes, de forma a parecerem acidentes (as famílias eram notificadas da morte). Se os pacientes resistiam, eram usadas injeções. Quando os números escolhidos para morte se tornaram incontrolavelmente grantes, entretanto, as operações passaram para pavilhões especiais de matança, ao invés de unidades isoladas.5

Em 1939, os alemães tinham expandido sua operação para um complexo de escritórios estabelecido numa residência judaica confiscada em Berlim, localizada na Tiergarten Strasse no. 4. O programa então tornou-se conhecido como Operação T4, ou apenas T4, o "Grupo de Trabalho de Sanatórios e Casas de Enfermagens do Reich"6. Os médicos do T4 decidiam quem viveria e quem morreria: status econômico era um dos critérios comuns - indivíduos incapazes de trabalhar ou que podiam fazer apenas o trabalho de "rotina" poderiam ser enviados para a morte. Historiadores estimam que
aproximadamente 5 mil crianças e 70 mil adultos foram assassinados no programa de eutanásia antes de agosto de 1941. 7

À medida que os números cresciam, também cresciam as complicações de assassinar em tal escala. Assassinato em massa exige um processo de assassinato em massa, e os remédios e injeções não eram suficientes. De acordo com o médico da eutanásia,
Dr. Karl Brandt (também membro da Chancelaria do Führer), ele e Hitler discutiram várias técnicas e decidiram pelo gás como "o jeito mais humano." 8 Certamente, ao longo do programa Hitler foi mantido informado do seu processo. Em 1939, sobre
papel da Chancelaria carregando o emblema do Partido Nacional-Socialista, Hitler emitiu uma ordem escrita pedindo que certos médicos tivessem a autoridade de conceder uma "morte misericordiosa" para pacientes "considerados incuráveis" (veja o capítulo 8). 9

Os administradores do T4 estabeleceram seus primeiros centros de extermínio num antigo presídio na cidade de Brandenburgo.

Em algum momento entre Dezembro de 1939 e janeiro de 1940, uma série de dois dias de gaseamentos experimentais foi conduzida lá e considerada bem-sucedida. Cinco outros centros de extermínio foram logo estabelecidos, incluindo Grafeneck em Würtenberg, Hartheim próximo a Linz, Somenstein na Saxônia, Bernburg na província prussiana da Saxônia, e Hadamar em Hessen. As câmaras de gás eram disfarçadas como banheiros, os pacientes "deficientes" conduzidos para dentro, e o gás ministrado. Um observador, Maximilian Friedrich Lindner, recontou o processo em Hadamar:

Se eu já vi um gaseamento? Santo Deus, infelizmente, sim, e tudo graças à minha curiosidade... escadaria abaixo, à esquerda, estava um caminho curto, e lá eu olhei através da janela... Na câmara havia pacientes, pessoas nuas, algumas
semi-desfalecidas, outras com suas bocas terrivelmente escancaradas, seus peitos ofegantes. Eu vi aquilo, eu nunca vi nada mais horríveis. Dei meia-volta, subi as escadas, lá em cima havia um banheiro. Eu vomitei tudo que eu tinha comido. Isto me
perseguiu por dias.10

De acordo com Lindner, o gás era ventilado da câmara com ventiladores; os corpos eram desembaraçados e removidos da sala; os cadáveres, marcados com um "X" nas costas, eram-lhes roubados o ouro de seus dentes, e então cremados. O processo todo - da chegada aos centros de extermínio à cremação - levava menos que vinte e quatro horas. Henry Friedlander, que traçou este processo evolucionário, conclui: "O sucesso da política de eutanásia convenceu a liderança nazista de que o assassínio em massa era tecnicamente viáveis, e homens e mulheres comuns estavam dispostos a matar grandes números de seres humanos inocentes, e que a burocracia cooperaria em tal empreendimento sem precedentes."11

Nos centros de matança T4 nós vemos todos os componentes dos campos de extermínio como Auschwitz. Ao longo do tempo a burocracia nazista evoluiu junto com os centros T4, estabelecendo a base para a conversão dos campos de concentração e de trabalho em campos de extermínio. Em 1941-42, esta conversão foi apenas mais um passo complementar no sistema de evolução contingente que tornou-se a Solução Final.
[...]

Notas:

3. Veja S. Milgram, Obedience to Authority: An Experimental View (New York: Harper, 1969); H. C. Kelman and V. L. Hamilton, Crimes of Obedience: Toward a Psychology of Authority and Responsibility (New Haven: Yale University Press, 1989); R. J.
Lifton, The Nazi Doctors: Medical Killing and the Psychology of Genocide (New York: Basic Books, 1986).
4. Segundo H. Friedlander, Origins of Nazi Genocide (1995); E. Kogon, H. Langbein, and A. Rückerl, eds, Nazi Mass Murder: A Documentary History of the Use of Poison Gas (New Haven: Yale University Press, 1993).
5, Segundo Friedlander, Origins of Nazi Genocide (1995).
6. Veja ibid., por uma história do T4 e o programa de eutanásia.
7. Ernst Klee apresenta documentos do T4 confirmando estes números, assim como dados das chamadas pessoas doentes mentais mortas em territórios ocupados no leste, incluindo entre 1800 e 2200 mortos em Riga, Jelgava e Dvinsk; 544 em Aglona; 545
em Poltava; 836 em Minsk e Mogilev; 1500 em Dnepropetrovsk; 240 em Markayevo; e 360 em Kiev (Ernst Klee, "Euthanasie" im NS-Staat: Die Vernichtug-Lebensunwerten Lebens" [Frankfurt, 19851). Nos Julgamentos de Nuremberg, o número de vítimas da
eutanásia foi estimado em 275.000, embora historiadores dêem o número cumulativo pouco preciso de 200.000 (veja Lifton, Nazi Doctors [1986]; F. Mielke, Medizin ohne Menschlichkeit: Dokumente des Nürnberger Arzteprozesses [Frankfurt, 1960]; K.
Nowak, "Euthanasie " und Sterilisterting im Dritten Reich: Die Konfrontation der evangelischen und katholischen Kirche mit dem Gesetz sur "Verhütung erbkranken Nachwuchses" und der "Euthanasie"-Aktion [Gõttingen, 1978]; e W. Wuttke-Groneberg,
Medizin im Nationalsozialismus: Ein Arbeitsbuch [Rottenburg, 1982]).
De acordo com arquivos que sobreviveram, o detalhamento para o número de pessoas "desinfectadas" nas instalações de "eutanásia" é:

Instituto 1940 1941 Total
Grafeneck 9.839 - 9.839
Brandenburg 9.772 - 9.772
Bernburg - 8.601 8.601
Hartheim 9.670 8.599 18.269
Sonnenstein 5.943 7.777 13.710
Hadamar - 10.072 10.072
==================================
Total 35.224 35.049 70.273

(Fonte: GStA Frankfurt a/Main AZ: Ks 1166, julgamento de 20 de dezembro de 1968,
44 [ZSL Coll.: 416]).
8. Testemunho do Dr. Brandt's no "Julgamento dos Médicos", registro de evidência, 2419-25
9. Veja "Julgamento dos Médicos", registro de evidência, 7654, 7661ff; testemunho de
Viktor Brack, GStA Frankfurt a/Main AZ: Ks t/66 (JS 15/61); testemunhos do Dr.
Hefelmann em 31 de agosto de 1960, do Dr. Nietsche de 11 de Março de 1948 e do Dr. Heyde de 12 de Outubro 12 a 11 de Dezembro de 1961 (AZ: ZSL: 439 AR-Z 340159, arquivo "eutanásia", sub-arquivos "Hefelmann" e "Heyde").
10. Citado em Friedlander, Origins of Nazi Genocide (1995), 97.
11. Ibid., 284.

Tradução: Marcelo Oliveira
http://br.groups.yahoo.com/group/Holocausto-Doc/message/3802

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