segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Holocausto cigano: ontem e hoje

Familia Aristich-Marcovich, Chile 1918
Em 1496: auge do pensamento “humanista”. Os povos rom (ciganos) da Alemanha, são declarados “traidores dos países cristãos, espiões a soldo dos turcos, portadores da peste, bruxos, bandidos e sequestradores de crianças”.

1710: século “das luzes e da razão”. Um edito ordena que os ciganos adultos de Praga sejam enforcados sem julgamento. Os jovens e as mulheres são mutilados. Na Bohemia, que lhes sejam cortada a orelha esquerda. Na Morávia, a orelha direita.

1899: clímax “da modernidade e do progresso”. A polícia da Baviera cria a Seção Especial de “assuntos ciganos”. Em 1929, a seção foi elevada à categoria de Central Nacional, e trasladada para Munique. Em 1937, se instala em Berlim. Quatro anos depois, meio milhão de ciganos morrem nos campos de concentração da Europa central e do leste.

2010: fim das “metanarrativas” e das “ideologias” (sic). Na Itália, (onde nasceu a “razão do Estado”), e na França (sede mundial da reunião intelectual), os gabinetes em exercício de ambos os governos (com forte apoio popular, ou seja, “democráticos”), ficham e deportam milhares de ciganos para a Bulgária e Romênia.

A tragédia dos Roma começou nos Balcãs. Qual drama europeu não começou nos Balcãs? Em meados do século XV, o príncipe Vlad Dracul (o Demônio, um dos heróis nacionais na resistência contra os turcos), regressou de uma batalha devedora na Bulgária com 12 mil escravos ciganos. Por certo... não era cigano o misterioso cocheiro do conde Drácula?

O doutor Hans Globke, um dos redatores das leis de Nuremberg sobre a classificação da população alemã (1935), declarou: os ciganos são de sangue estrangeiro. Estrangeiros de onde? Sem poder negar que “cientificamente” eram de origem ária, o professor Hans F. Guenther os classificou numa categoria à parte: Rassengemische (mistura indeterminada).

Em sua tese de doutorado, Eva Justin (assistente do doutor Robert Ritter, da seção de investigações raciais do Ministério da Saúde alemã), afirmava que o sangue cigano “era enormemente perigoso para a pureza da raça alemã”. E um tal doutor Portschy enviou um memorando a Hitler sugerindo-lhe que eles sejam submetidos a trabalhos forçados e a esterilização em massa, porque punham em perigo “o sangue puro do campesinato alemão”.

Qualificados como “criminosos inveterados”, os ciganos começaram a ser determinados em massa, e a partir de 1938 os internaram em blocos especiais nos campos de Buchenwald, Mauthausen, Gusen, Dautmergen, Natzweiler e Flossenburg.

Num campo em sua propriedade de Ravensbruck, Heinrich Himmler, chefe da Gestapo (SS), criou um espaço para sacrificar as mulheres ciganas que eram submetidas a experimentos médicos. Esterilizaram 120 crianças ciganas. No hospital Dusseldorf-Lierenfeld esterilizou-se as ciganas casadas com não ciganos.

Mais milhares de ciganos foram deportados da Bélgica, Holanda e França ao campo polonês de Auschwitz. Em suas Memórias, Rudolf Hoess (comandante de Auschwitz), conta que entre os deportados ciganos havia velhos quase centenários, mulheres grávidas e um grande número de crianças.

No gueto de Lödz (Polônia), as condições ficaram tão extremas, que nenhum dos 5 mil ciganos sobreviveu. Trinta mil mais morreram nos campos poloneses de Belzec, Treblinka, Sobibor e Majdanek.

Durante a invasão alemã à União Soviética (Ucrânia, Crimeia e os países bálticos) os nazis fuzilaram em Simferopol (Ucrânia) 800 homens, mulheres e crianças na noite de Natal de 1941. Na Iugoslávia, executava-se por igual a ciganos e judeus no bosque de Jajnice. Os campesinos recordam todavia dos gritos das crianças levadas aos lugares de execução.

Segundo consta nos arquivos dos Einsatzgruppen (patrulhas móveis de extermínio do exército alemão), haviam sido assassinados 300 mil ciganos na URSS, e a 28 mil na Iugoslávia. O historiador austríaco Raul Hilberg, estima que antes da guerra viviam na Alemanha cerca de 34 mil ciganos. Ignora-se o número de sobreviventes.

Nos campos de extermínio, só o amor dos ciganos pela música foi às vezes um consolo. Em Auschwitz, famintos e cheios de piolhos, juntavam-se para tocar e alentavam as crianças para dançar. Mas também era legendária a coragem dos guerrilheiros ciganos que militavam na resistência polonesa na região de Nieswiez.

“Também eu tinha / uma grande família / foi assassinada pela Legião Negra / homens e mulheres foram esquartejados / entre eles também pequenas crianças” [versos do hino Roma, Gelem, gelem (Caminhei, caminhei)].

As exigências de assimilação, expulsão ou eliminação (não necessariamente nessa ordem) justificariam a afeição dos povos Roma pelos talismãs. Os ciganos levam três nomes: um para os documentos de identidade do país onde vivem; outro para a comunidade, e um terceiro que a mãe canta durante meses ao ouvido do recém-nascido.

Esse nome, secreto, servirá como talismã para protegê-lo contra todo o mal.

DEPOIS DA GUERRA

Depois da guerra, os países aliados dissolveram o Estado nazi alemão e suas lideranças foram julgadas por crimes contra a humanidade (Nuremberg, 1945-1946). Em inícios de 1950, quando começou a negociação das indenizações pelo Holocausto, o novo Estado alemão estimou que só os judeus tinham direito a elas.

Sem organizações políticas que os defendessem, os povos Roma(ciganos) foram ignorados e excluídos. O governo democrata-cristão de Konrad Adenauer afirmou que as medidas de extermínio tomadas contra os ciganos antes de 1943, eram “políticas legítimas do Estado”. Mas os sobreviventes a este ano tampouco cobraram um centavo.

A polícia criminal da Bavária ficou como responsável dos arquivos do doutor Robert Ritter, o especialista nazi sobre os Roma que não foi condenado. Ritter retornou à atividade acadêmica e em 1951 se suicidou. Recentemente em 1982, o chanceler social-cristão Helmut Kohl reconheceu o genocídio dos Roma. Em tempo: a maioria que houvera tido direito à restituição já havia morrido.

Contudo, a ira da Suíça contra os yenishes (assim chamam os ciganos no país de Heidi) foi mais... discreto? Durante cerca de meio século (desde 1926), com ajuda da polícia e do clero, a Obra de Assistência às Crianças de Rua, da muito respeitável Fundação Pró-Juventude, arrancou de suas famílias mais de 600 crianças ciganas.

O doutor Alfred Siegfried (1890-1972), diretor e fundador da obra, foi um psicopata ferozmente decidido a “vencer o mal do nomadismo”. Num informe sobre suas atividades (1964), Siegfred afirmou que “...o nomadismo, como algumas enfermidades perigosas, é transmitido principalmente pelas mulheres... todos os ciganos são maus, mentem, roubam...”.

O financiamento oficial se manteve até 1967, e em 1973 a “obra” se dissolveu. Mas, de acordo com uma lei de 1987, tudo o que foi relativo a seus experimentos médicos com crianças ciganas poderia ser revisado dentro de... cem anos. Em 1996, a Confederação Helvética(Suíça) reconheceu sua responsabilidade moral, política e financeira acerca da Pró-Juventude encarregada de “proteger as crianças ameaçadas de abandono e vagabundagem”.

Mais de três quartos da população mundial de ciganos (12 a 14 milhões), vive nos países da Europa central e do leste. Mas só na Iugoslávia de Tito os Roma conseguiram ser reconhecidos como uma minoria com os mesmos direitos de croatas, albaneses e macedônios. Não obstante, depois do “reordenamento balcânico” que teve lugar no decênio de 1990, dez mil ciganos bósnios se refugiaram em Berlim.

Na Romênia os ciganos tiveram que sobreviver à ditadura de Ceausescu. O “socialismo real” reforçou os tenebrosos orfanatos que funcionavam desde a época da monarquia, e neles colocou a milhares de crianças Roma. Ceausescu caiu e o “livre mercado” foi mais duro ainda. As tendas de alguns ciganos, que tiveram sucessos econômicos com a liberalização da economia, foram saqueadas.

A deportação em massa de ciganos para Romênia e Bulgária, ordenada pelo governo do presidente francês, Nicolas Sarkozy, resulta particularmente perversa. Segundo país mais pobre da União Europeia, a população da Romênia é sumamente hostil aos 2 milhões de ciganos que ali vivem, e além disso mais de um governo que para cumprir com o FMI acaba de baixar 25 por cento o salário dos funcionários e subir o IVA a 24 por cento.

Em dias passados, o presidente romeno, Traian Basescu, chamou de “cigana asquerosa” a uma jornalista e o chanceler Teodor Baconschi declarou em fevereiro que “…algumas comunidades romenas têm problemas psicológicos (sic) relacionados com a delinquência, especialmente as comunidades ciganas”.

A situação dos ciganos na antiga Tchecoslováquia não levou à fúria como a romena. Até o momento da participação (1992), eram cidadãos. Depois, nem tchecos nem eslovacos os reconheceram como tais, apesar de haver vivido durante gerações no país.

Em julho de 1998, um cigano foi atacado e apunhalado por um skinhead(neonazi) em Pisek, pequena cidade ao sul da Boêmia checa. Pisek está situada a poucos quilômetros do campo de concentração de Lety, estabelecido pelos checos e só para ciganos, em tempos da ocupação alemã. E de Lety, eles eram enviados aos campos nazis de extermínio.

Por sua parte, os vizinhos da cidade eslovaca de Michalovce acabam de concluir um muro de 500 metros para evitar a passagem dos ciganos que habitam uma aldeia próxima. A obra recebeu o apoio das autoridades. Em finais de 2009, obras similares isolaram os ciganos nas cidades de Ostrovany, Secovec, Lomnicka e Trebisov.

E desta maneira o holocausto silencioso e consentido pelos cruzados da União Europeia, os meios de comunicação da “aldeia global” conseguem o que queriam. No 30 de agosto passado, a CNN informou de um assassino que matou oito pessoas, ferindo a mais 14 na Bratislava, capital de Eslováquia. Em parte alguma da notícia a CNN esclareceu que todas as vítimas eram ciganos.

Da civilização versus a barbárie, a barbárie da civilização.
Por José Steinsleger
Jornalista argentino-mexicano, colunista de La Jornada
Fonte: http://www.surysur.net/

Fotografia: Familia Aristich-Marcovich ao chegar ao Chile em 1918.
Mais informação sobre ciganos no Chile:
Ciganos: 1.000 anos de viagens no corpo
http://www.gitanoschile.cl/
gitanosdechile.blogspot.com
Ciganos do Chile

Fonte: La Jornada/El Ciudadano
http://www.elciudadano.cl/2010/09/09/el-holocausto-gitano-ayer-y-hoy/
Tradução: Roberto Lucena

Observação: quando fui traduzir o texto notei que já havia algumas traduções de parte do texto publicadas pela rede. Achei-as quando procurei pela tradução correta dos nomes de lugares que aparecem no texto(como "Simferopol"), por isso que esta tradução não é uma cópia de outras. Todas as traduções colocadas no blog, traduzidas pelos postantes, não são cópias. Sempre que houver ou há uma cópia de algum texto ou tradução será citada a fonte de origem, sendo que esta tradução é do texto completo. Eu o havia guardado pra traduzir depois e acabou não dando pra postar rápido, por isso que só o estou publicando agora.

Texto revisado em: 09.04.2014

11 comentários:

Anônimo disse...

Adenauer foi um puxa-saco de Hitler. Depois da guerra se tornou o "maior democrata do mundo". Oportunista sem-vergonha!

Anônimo disse...

Finkelstein denunciou a marginalização dos ciganos do museu do holocausto.
ah.. muitos ciganos foram mortos em Jasenovac

Anônimo disse...

a DDR reconheceu o genocidio contra os ciganos ?

Roberto disse...

"Adenauer foi um puxa-saco de Hitler. Depois da guerra se tornou o "maior democrata do mundo". Oportunista sem-vergonha!"

Maior democrata pra quem?

Anônimo disse...

ora... a RFA é considerada mu modelo de democracia e liberdade pro Ocidente. Adenauer, antigo puxa-saco de Hitler, jurou amor democracia depois de 1945.

Roberto disse...

"a DDR reconheceu o genocidio contra os ciganos ?"

Você fala da RDA(República Democrática Alemã), vulgo Alemanha Oriental?

Olha o 'reconhecimento' dela do genocídio cigano:
Germany's Gypsies Commemorate Buchenwald

"For more than four decades, the holocaust on the Sinti and Romany people was excluded from historical recollection, in west Germany as well as in former east Germany," says Edgar Bamberger of the Sinti and Romany Documentation Centre in Heidelberg."

Parece que a Alemanha Oriental, na época 'orientada' pela União Soviética, não só orientada como criada pela URSS, não era o paraíso na Terra e só reconheceu o genocídio cigano após décadas, junto com a então Alemanha Ocidental, em 1985.

http://www.jstor.org/pss/30154229
The Roma and the Holocaust of World War II: Victims, Then and Now
By Julia Hajdu

http://www.jstor.org/pss/494697

Anônimo disse...

Não estou censurando a BRD (RFA)... censuro apenas o portunismo de Adenauer

Leo Gott disse...

O Stefano deve ter feito um curso com "nossos amigos revisionistas" lusitanos. Como fala bobagem...putz!

Roberto disse...

"O Stefano deve ter feito um curso com "nossos amigos revisionistas" lusitanos. Como fala bobagem...putz! [2]

É a velha mania do "tem que comentar porque tem que comentar" pra "combater os sionistas". Depois quando se responde de forma mais áspera os caras(pela repetição da ladainha "revi" tentando criar uma imagem "mais amena"(e falsa/distorcida) pro nazismo) eles chiam.

Prof. Cândida disse...

Ok... Indo requisitar indenização em 3,2,1...

Roberto disse...

Se pedissem teriam direito, sendo que indenização alguma irá reparar uma vida perdida num genocídio. É muito pouco (como "reparação") pro que a Alemanha sob regime nazi fez.

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