sexta-feira, 4 de março de 2011

Notas de um campo de trânsito

Localizado em Dubrovitsi próximo à Staraja Russa, ao sul do lago Ilmen depois de 6 de setembro de 1941, Durchgangslager (Dulag) 150, um campo de trânsito para prisioneiros de guerra soviéticos, era subordinado à 281ª Divisão de Segurança e ao comandante do exército de retaguarda da área 584.

O cozinheiro do campo, Franz H., manteve um diário, que está anexado ao registro de sua deposição em 17.10.1970 (Arquivos Federais Alemães da Seção da Secretaria de Ludwigsburg, 319 AR-Z 10/70, Vol. 1, fl. 187f.) e parcialmente transcrito na coleção de documentos Deutscher Osten 1939-1945. Der Weltanschauungskrieg in Photos und Texten., editada por Klaus Michael Mallmann, Volker Rieß and Wolfram Pyta, 2003 e pelo Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt. Os excertos deste diário transcritos na p. 163 e ss. da coleção traduzidos como se segue:
6.10.1941
"Várias centenas de prisioneiros recusaram-se a trabalhar (Robott). Como da última v ez que eles tiveram que se ajoelhar na praça durante toda tarde no vento frio e cortante. K. atirou em um desses prisioneiros. As pessoas se sentem como se fossem números de alvo em um campo de tiro."

13.10.1941
"Os prisioneiros estão morrendo como moscas, o cemitério foi deslocado. 12 prisioneiros estavam mortos esta manhã. Melhor morto que um prisioneiro."

18.10.1941
"M. golpeou novamente entre 2-3 prisioneiros. Pessoas que de outro modo pouco teriam a dizer da vida descobrem seu talento para interpretar os mestres da crueldade aqui. Por mais que demore, tudo [que alguém faz] retorna algum dia."

31.10.1941
"O destino e as tragédias continuam tendo seu curso. O frio determina que que mais pessoas irão morrer. Nesta manhã mais de 30 mortos estão estirados lá. Nesta semana houve 20 mortos várias vezes. Novamente eles estão congelando no portão e esperando por roupas que os mortos não precisam mais, pois eles estão despidos. Há sempre um aglomerado de gente. […] Pacientes como animais, indiferentes e aparentemente sem qualquer emoção eles aceitam a vida. M. disse que quando enterrava o 'morto' ele ainda se movia e eles pisavam em seu corpo e sua garganta até ele se engasgar, pois de outra forma eles teriam que levá-lo de volta."

2.11.1941
"No transporte para Riga, P. sozinho atirou em 30 prisioneiros."

5.11.1941
"50 estavam mais uma vez mortos esta manhã. […] Os mortos estão estirados como camundongos. Ontem no transporte novamente 10 morreram até chegar à estação. Hoje havia de novo um transporte de prisioneiros feridos e doentes. Como sempre eles são levados em veículos abertos, primitivos e frágeis. No frio forte, 10 graus no mínimo, eles vêm descalços para a sala fria e então são transportados."

6.11.1941
"Agora eles estão usando um panje cart para transportar os cadáveres. Os carregadores não conseguem administrar. Totalmente despidos eles são atirados dentro de carroças como sacos. Eu ficarei doente se assistir mais isso."

12.11.1941
"Esta manhã houve um incidente pavoroso aqui. Ele relembra o de Dünaburg. Eles besuntaram a cabeça de um judeu com graxa e atearam fogo. Quando ele gritou de dor eles bateram em sua cabeça com um machado. Ele foi levado para as valas comuns, jogado em uma vala e, quando ele estava dentro provavelmente recuperou a consciência e gritou que estava ferido. Então a vala foi rapidamente fechada com pás."

27.11.1941
"Novamente os judeus foram terrivelmente assassinados no campo."

12.1.1942
"Um comissário foi recentemente capturado, após interrogatório ele foi perguntado se não tinha mais nada a dizer. Com uma postura firme, ele declarou que os prisioneiros alemães estavam em melhores condições do que os russos conosco. Pouco antes de deixar o campo ele foi assassinado, para 'simplificar' as coisas. Nesse meio tempo, no bunker onde ele se sentou, outros 2 prisioneiros foram adicionados, entretanto, o homem que realizava a execução não sabia qual deles era o comissário. Então ele simplesmente atirou nos três."

26.1.1942
"Os presos selecionados por nós aqui para o transporte mais distante, viviam da maneira mais primitiva. 200 já estão mortos. Cenas horríveis estão ocorrendo. Eles comem uns aos outros. Continuamente se encontra cadáveres faltando uma parte da coxa, do braço, do peito, ou do rosto. Até mesmo o cérebro é comido. Se apenas eu conseguisse sair daqui."

28.1.1942
"Os prisioneiros arrancam corações e pulmões de outros e os comem. 500 foram levados embora, os que podiam andar, os outros estão mortos. Nenhum é deixado."

18.2.1942
"Como já sabemos há algum tempo, os judeus da Alemanha são levados para o leste, principalmente para a Letônia (Riga), e lá são fuzilados depois de algum tempo."
De acordo com o relatório soviético que faz parte da coleção de documentos, cerca de 5.000 prisioneiros de guerra sucumbiram à fome, frio, maus tratos e fuzilamentos no inverno de 1941/42 em campos na área de Staraja Russa.

Uma foto mostrando algumas das vítimas de Dulag 150 está incluída no blog em Fotos do leste alemão.

Fonte: Holocaust Controversies
Texto: Roberto Muehlenkamp
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2010/12/notes-from-transit-camp.html
Tradução: Roberto Lucena

3 comentários:

Daniel Moratori disse...

Impressionante as passagens do diário. Realmente, prisioneiros russos eram tratados da pior forma possível. A parte em que fala do canibalismo eu já vi em varias passagens nos livros do Christian Bernadac. Quando der posto lá também. Tem uma passagem de uma revolta em algum campo, se não me engano Mauthausen, onde tinha um barracão fechado até para os outros presos, onde só iam prisioneiros russos e nunca voltavam. Vou ver se acho e posto, é interessante tbm.
Mas voltando ao assunto dos prisioneiros, é deplorável ver como a mortalidade entre eles causada pelos nazista é alta. Não é atoa que quando os prisioneiros do exercito de Von Paulus foram para os campos de trabalho, poucos voltaram com vida.

Roberto disse...

Sobre essa parte do canibalismo eu vi muita pouca coisa, vou até anotar pra procurar mais coisas sobre isso depois.

Outro tema que mal foi citado no blog é a Gestapo, não citações sobre ela espalhadas nos textos, mas só sobre ela, pode procurar que não há quase nada, e também uma ênfase na questão do emprego da tortura que é uma das coisas que mais deixa as pessoas repugnadas.

"Mas voltando ao assunto dos prisioneiros, é deplorável ver como a mortalidade entre eles causada pelos nazista é alta. Não é atoa que quando os prisioneiros do exercito de Von Paulus foram para os campos de trabalho, poucos voltaram com vida."

E é algo pouco citado abertamente quando se menciona segunda guerra e Holocausto, de que a visão de seres humanos como inferiores também atingiu em cheio os soviéticos, vi um relato de um cara da SS naquele documentário da BBC que eu falei(War of the century) no cerco de Leningrado ou Moscou eu acho, e ele comentava o assunto e dizia que as atrocidades contra os russos em grande parte vinha dessa visão de que eles eram subumanos, inferiores e portanto podiam ser mortos que não faria a menor falta.

Teve um ex-SS no mesmo documentário, ao contrário desse que narra a coisa bem consciente e de forma a mostrar como esse tipo de mentalidade é estúpida, que começa a rir quando fala dos russos sendo mortos porque se renderam e eram vistos como covardes. Incrível como um cara já idoso conserva a mesma mentalidade doente daqueles tempos de guerra.

Bem, a gente nem deveria se chocar tanto com um relato desses, porque é só ver ao redor os ditos "revis" e ver como há gente que comunga dessa mesma mentalidade doentia em pleno século XXI mesmo sabendo que isso é moralmente errado e cientificamente não tem fundamento algum.

Roberto disse...

"Moral da história", se é que história possui moral(na verdade essa frase é força de expressão pois a História de fato não possui mesmo moral, pessoas sim): gente estúpida e desprovida de moral sempre irá existir, o problema é quando essa visão 'amoral' e genocida se torna o norte de um país ou Estado e vira um regime político liderado por alguma figura carismática.

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