terça-feira, 19 de julho de 2011

Um paraíso da literatura nazi

O Supremo Tribunal absolveu os membros da livraria Kalki, acusados de difundir ideias genocidas. A Espanha converteu-se no país ideal para publicar esta categoria de livros.

 Aquela demanda acabava com quarenta anos de impunidade na Espanha. Violeta Friedman sabia que quando as guerras terminam, começa a batalha pela memória. E ela estava predisposta a livrá-la com todos os resortes que permitisse a lei. Léon Degrelle negou o Holocausto em 1985 em umas polêmicas declarações. O ex-oficial das Waffen-SS havia eludido a Justiça internacional refugiando-se na Espanha. Em 1954, camuflou sua identidade com um nome falso. Mas ela não estava predisposta a lhe levar aos tribunais. Havia sobrevivido à campanha de extermínio do Terceiro Reich. Apresentou uma denúncia e obteve uma condenação.

No passado mês de junho, o Supremo Tribunal, amparando-se no fato de que na Constituição «não proíbe as ideologias» e que tampouco se podem perseguir «as ideias», absolveu os quatro membros responsáveis da livraria Kalki, anulando a sentença que a Audiência Provincial de Barcelona havia ditado contra eles. Eram acusados de difundir ideias genocidas que vulneraban a liberdade e os direitos. A Embaixada de Israel mostrou seu desacordo total. «Israel vê com muita tristeza e preocupação a sentença absolutoria do Supremo Tribunal da Espanha para com os donos da Livraria nazi Kalki, permitindo assim a difusão de livros que apoiam a violência racista e demonstra falta de conhecimento histórico. O direito e a liberdade de expressão não pode amparar ações ou ideologias que incitam a violência e o genocídio».

Uma barbaridade

Esta decisão reabre o debate sobre a permissividade das leis espanholas neste aspecto. «É uma barbaridade, porque fomenta a literatura desta categoria de grupos de extrema-direita. A letra impressa reveste de autoridade as mensagens que tentam transmitir», afirma Clara Sánchez, ganhadora do Prêmio Nadal com «O que teu nome esconde» (Destino), uma novela sobre o amparo e a proteção que receberam muitos dirigentes nazis em nosso país. Antonio Salas, autor de «Diário de um skin» (Temas atuais), que se infiltrou entre neonazis para escrever este livro, compartilha sua opinião: «A Espanha está no meio dos grupos da Iberoamérica e Europa. Nos anos 80, uma livraria de Barcelona era a que difundia maior propaganda nazi. Na Grã-Bretanha e na Alemanha é proibido este material. Contudo, os nazis da América Latina podiam conseguir estas obras porque eram impressas na Espanha». Para Salas, os livros, revistas e fanzines que eram distribuídos aqui contribuem a reforçar a ideologia de extrema-direita e respaldam seu «modus operandi» com impunidade. E alerta: «Cada vez estão melhor organizados. Aprenderam com seus erros. Estão muito ativos. Existe uma relação muito estreita entre os que vivem em Portugal e na Espanha. E as atividades que organizam unem a eles pessoas desde a França passando por outros lugares. A Espanha é algo frouxa neste assunto, por assim dizer. Só cobra trasparência quando se comete um assassinato».

Antoni Daura, presidente do grêmio de livreiros da Catalunha, tem uma ideia precisa sobre este tema: «Não creio que sejam edições rentáveis a nível comercial, porque as pessoas em geral não adquirem estes títulos. São pessoas que difundem estas obras não por uma valorização comercial, senão ideológica. Não lhes importa perder dinheiro. A Espanha, neste sentido é permissiva. Alemannha age de uma maneira clara contra eles. O certo é que estas ideias são perigosas. Nós livreiros, em geral, somos amigos da liberdade de expressão, mas existe uma linha vermelha muito clara». María Royo, portavoz das comunidades judaicas da Espanha, é direta: «Há um vazio legal. A UE incentivou a todos os países a revisar seus códigos penais para eliminar, precisamente, estes vazios e combater os delitos de xenofobia e racismo. A Espanha não o fez. Só se pede uma revisão para que ninguém se ampare na liberdade de expressão para difundir livros racistas ou que se divulguem ideias como discriminação por raça ou etnia». Clara Sánchez, que, como Antonio Salas, recebeu ameaças destes grupos por seu último livro, erradica qualquer classe de dúvidas sobre como atuam e o que defendem: «Não é divagar sobre o que podem fazer. É que já o fazem. Temos fatos, dados. Estão na história». Respeito a decisão do Supremo Tribunal, mas assegura se sentir «envergonhada»: «Que se apele à liberdade de expressão e ideológica para absolvê-los não é mais razoável, porque estes grupos cortam as demais. Se algo tem o nazismo é que é irracional e parcial na liberdade e o livre arbítrio».

Tempos de crise

Salas ressalta os bons resultados que estes grupos, revestidos com a aparência de formações políticas, conseguiram nas últimas eleições. Inclusive, revela com preocupação, que entraram em alguns municípios. «A ultradireita está diretamente ligada à imigração. Em tempos de crise, gente normal se aproxima desses partidos. Defendem o lema “Espanha para os espanhóis”». Clara Sánchez também finca o pé na situação econômica que atravessamos: «Sempre há gente que necesita sentir-se superior, que tem descontentamentos viscerais e que se refugiam nos grupos neonazis. Estes livros fomentam este tipo de sentimento. E mais ainda nesta época. Somos muito flexíveis com a venda de iconografia e de livros  nazis na Espanha».

Livros contra a intolerância

Antonio Salas e Clara Sánchez, com seus livros, «Diário de um skin» (Temas atuais) e «O que teu nome esconde» (Destino), tiraram o nazismo da «invisibilidade» na qual é protegido na Espanha. Se Clara Sánchez recebeu ameaças, Salas, além delas – todavia tem que tomar precauções básicas -, ao menos conseguiu desmascarar os negócios de alguns dirigentes de extrema-direita. Muitos jovens se afastaram desta ideologia por conta de sua investigação.

Fonte: Larazon.es(Espanha)
http://www.larazon.es/noticia/165-un-paraiso-de-la-literatura-nazi
Tradução: Roberto Lucena

3 comentários:

www.amsk.org.br disse...

Eh caro sr. Roberto Lucena, não que já esperávamos isso, no mesmo momento em que a universidade madrilenha abre o curso de cultura rhom e coloca em alguns distritos a possibilidade de se aprender em espanhol e romanês, busca o ingresso de ciganos nas universidades. Contraditório e triste. Perigoso e nocivo. A boa e velha superioridade, tão almeijada pela raça humana. A boa e velha brecha nos autos judicis.

AMSK - Brasil

Roberto disse...

Primeiro peço desculpas pela demora em comentar esse comentário deixado(pela AMSK), eu ia comentar tão logo ele foi publicado mas acabei colocando outros posts na sequência deste e acabei por demorar a retornar a esse post.

Roberto disse...

"caro sr. Roberto Lucena, não que já esperávamos isso, no mesmo momento em que a universidade madrilenha abre o curso de cultura rhom e coloca em alguns distritos a possibilidade de se aprender em espanhol e romanês, busca o ingresso de ciganos nas universidades. Contraditório e triste. Perigoso e nocivo. A boa e velha superioridade, tão almeijada pela raça humana. A boa e velha brecha nos autos judicis."

Eu vejo com preocupação esses atos de racismo e fascismo organizado estourando por toda a Europa, há muito se noticia o aumento da extrema-direita naquele continente(e dá também pra mencionar o crescimento dela nos EUA só que o impacto nos EUA não é o mesmo que o impacto que ela gera na Europa) e não se vê nenhuma medida dura e séria pra conter o avanço desses grupos, só palavras soltas, discursos bonitos e uma punição ou outra aqui e ali, salvo raras exceções como a ação da Alemanha pra monitorar e conter esses bandos.

A questão é que pra se combater esse extremismo político é preciso levar a questão extremamente a sério, não é pra se levar na brincadeira, quando um Estado não leva esses problemas a sério(mesmo tomando iniciativas como essa que você mencionou) acaba se transformando nisso que a matéria transcreveu, um paraíso pra proliferação desses bandos, da cultura discriminatória e do xenofobismo organizado.

Espero que a Espanha mude de postura em relação a esse extremismo, eu acho que por vezes esses estados europeus brincam com pólvora, literalmente, esquecendo do passado recente deles achando que não pode haver um retrocesso nessas democracias. Mas não só espero uma mudança da Espanha como dos vários países europeus propensos às ações/pregações desses grupos políticos.

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