domingo, 5 de julho de 2009

Para entender: Ciência vs. Pseudociências - parte 2

Parte 1: Para entender: Ciência vs. Pseudociências

Pensemos, finalmente, na homeopatia, doutrina médica segundo a qual diluições extremas de um princípio ativo são capazes de ter os mesmos (ou superiores) efeitos que o princípio sem diluir. As diluições homeopáticas são tão extremas que nem sequer tomando o equivalente à água de todos os oceanos de medicamento homeopático existe uma possibilidade real de encontrar uma só molécula de tal princípio. Uma diluição homeopática CH14, típica por exemplo em alguns dos medicamentos que se vendem atualmente em nossas farmácias contém 10-28 partes de soluto (princípio) para cada parte de solvente (água normalmente). Se recordarmos da química que o número de Avogadro nos dá o número de moléculas presentes em um mol, 6.233 x 1023, em um mol de medicamento deste tipo haveria tipicamente 6 x 10-5 moléculas: seriam necessários ao menos 10.000 mols (vários metros cúbicos) para encontrar uma molécula. E isto com um CH14, mas normalmente se encontram nestas farmácias diluições até CH18 ou CH20. É possível realizar um teste sobre a homeopatia? Dificilmente: se dá negativo, os homeopatas vão afirmar que isso se deve a que sua “Medicina” não fala de enfermidades, mas sim de enfermos, com o que as provas epidemiológicas não se revelam adequadas. As provas químicas tampouco valem: eles não renegam (agora, não certamente há dois séculos) a química, só que invocam uma entelequia informacional, algo chamado “memória da água”, completamente indetectável, e não refutável, portanto.

Por outro lado, é certo que os proponentes das pseudociências são normalmente muito resistentes à avaliação ou escrutínio público de seus experimentos. Isto vem sucedendo, por exemplo, à parapsicologia durante o último século. Amiúde, um sensitivo presumido (pessoa da qual se afirma que tem poderes mentais não convencionais {1}) perde suas faculdades quando se delineia o experimento de maneira que se evitem as possibilidades de fraude, isto é, de conseguir os resultados mediante truques, como fazem os ilusionistas e mentalistas. Costuma aduzir-se então a existência de uma espécie de força mental negativa que surge normalmente dos céticos, e que bloqueia estas pessoas “sensitivas”.

Algo similar sucede no caso dos videntes e astrólogos. Apesar de ganharem a vida, amiúde, com suas atividades, muito poucas vezes permitem fazer provas sobre seus poderes. De fato, eles próprios costumam superestimar suas capacidades quando se pode contrastar sua habilidade, como mostrou Luis Angulo [5], estudando predições publicadas de mais de uma dezena de videntes espanhóis. Apesar de que afirmavam ser capazes de adivinhar corretamente acima de 90%, o certo é que nenhum superava os 20% de acertos, incluindo como tais obviedades do estilo “no verão haverá incêndios”, etc.

Tem-se o costume de esquecer um princípio fundamental do método científico, expresso na máxima de Hume: “o peso da prova reside em quem faz a afirmação”, e completado com “afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias”. Mais adiante falaremos do papel do ceticismo científico, mas atendo-nos a estas máximas vemos como sistematicamente as pseudociências se furtam à análise para evitar ter que demonstrar suas afirmações. A gente não tem que demonstrar que não existem discos voadores: mas deve exigir aos que afirmam que são naves extraterrestres que forneçam as provas suficientes para suportar tal teoria. E que ademais essas provas sejam “extraordinárias”: ou seja, que não sejam circunstanciais ou um conjunto de casos curiosos. Podemos entender isto com uma analogia: se eu afirmasse que na sala de minha casa tenho uma vaca, a afirmação poderia parecer curiosa ou extravagante a qualquer um. Mas poderiam acreditar em mim sem mais aquela (por outro lado, bastaria visitar a sala da minha casa para comprovar a veracidade da minha afirmação). Porém, se o que afirmo ter em casa é um unicórnio, as coisas mudam: a ciência nunca encontrou um unicórnio, e por isso minha afirmação é extraordinária. Neste caso não bastaria que eu mostrasse minha casa a uma pessoa (ou várias), e sim estaria obrigado a permitir que especialistas – zoólogos neste caso – comprovassem que o que há em minha sala realmente é um unicórnio, e não um cavalo com um chifre colado na testa...

Evidentemente, o mundo das pseudociências é tão amplo como o são as fronteiras da ciência, onde elas ficam, adquirindo uma marca de “alternativo” bem a gosto desta época de pensamentos tolerantes e Novas Eras. Mas podemos distinguir dois tipos fundamentais, atendendo ao grau de “alarme social” que podem criar. É claro que ler horóscopos, ou freqüentar as mesas de adivinhos não vai provocar maiores males além de uma perda econômica. Talvez, certos sujeitos sem escrúpulos que aproveitam sua consulta de vidência para roubar às vítimas todo o seu dinheiro e posses seriam o mais grave neste tipo de pseudociências. Igualmente, algumas pessoas especialmente suscetíveis podem chegar a hipotecar sua vida pelo que lhes digam ou deixem de dizer essas pessoas. Neste grau, próximo ao mundo dos estelionatários, estão os produtos milagre, como a água imantada que faz alguns anos encheu os lares espanhóis de ímãs em volta das torneiras de água corrente. As maravilhas que prometiam estes inventos do TBO eram tão inexistentes como a possibilidade de imantar a água... Jogando com a incultura científica, estas companhias “matavam o boi” vendendo ímãs de quinhentas a quinze mil pesetas.

O mesmo acontece com o assunto dos discos voadores: são crenças em princípio não nocivas para o conjunto da sociedade. Uma vez mais, com a ressalva de fenômenos sectários como o sucedido na esteira da passagem do cometa Hale-Bopp com a seita “Heaven´s Gate”, cujos adeptos se auto-imolaram buscando a salvação com seus amigos extraterrestres. Numa escala superior de periculosidade está precisamente o mundo das seitas, que amiúde utiliza o atrativo do paranormal ou pseudocientífico para conseguir novos adeptos. No fundo, entretanto, a periculosidade destas seitas é um assunto difícil de definir, porquanto o limite entre o que se conhece como seita e uma religião estabelecida poderia não ser muito mais que demográfico.

Possivelmente, o grau mais alto da escala é ocupado pelas pseudociências associadas aos temas sanitários. As mal chamadas medicinas alternativas supõem em muitos casos um perigo real. Um exemplo é o caso divulgado há alguns anos em Barcelona em torno do “método Hamer” de cura do câncer. Segundo este austríaco e seus seguidores em vários países (médicos diplomados, por certo), o câncer tem uma origem exclusivamente psicossomática: no fundo é produzido por uma atitude negativa e autodestrutiva do paciente. A terapia que vai curá-lo é conseguir que elimine tal negatividade, mediante terapias de grupo, esquecendo-se os tratamentos “convencionais”. Mas estes pacientes com câncer estão normalmente perdendo a possibilidade de que um desses tratamentos os cure realmente, e está perdendo na maior parte dos casos um tempo precioso para atacar o câncer antes que seja irreversível.

É especialmente penoso constatar que em nosso país (também em nosso entorno europeu) a ciência médica preste tão pouca atenção a estes fenômenos pseudomédicos. Em especial, as organizações médicas colegiadas só lutam contra a intrusão: ou seja, denunciam os que praticam pseudomedicinas se e somente se não forem médicos diplomados ou não estiverem colegiados. Pelo contrário, em numerosas organizações provinciais já se criaram seções oficiais de homeopatia, naturopatia e outras pseudomedicinas. Pensemos na gravidade do tema quando nos encontramos com enfermidades como o câncer ou a AIDS (outro dos campos em que as pseudoterapias estão literalmente matando pessoas com completa imunidade).

Finalmente, dentro desta caracterização difusa ou tipologia das pseudociências, não deveríamos deixar de lado outras correntes de pensamento irracionalista dentro do âmbito das ciências humanas. Devemos mencionar que fenômenos similares aos comentados, e em alguns casos com grande capacidade de danificar nossa sociedade, se produzem em outras áreas de conhecimento onde normalmente não falamos de pseudociências. Nos referimos por exemplo a fenômenos relacionados com a xenofobia e o racismo, amiúde (recordemos as teorias nazistas do III Reich sobre pureza étnica ariana) sustentados com profusão de dados aparentemente científicos. Numa escala similar se situam as colocações sexistas ou racistas que se vêem freqüentemente em nossa sociedade. Às vezes, por falta outras vezes por excesso, ainda que esses temas nos levariam mais longe do que dá para ir neste artigo. Igualmente, mencionaremos nesta linha certas tendências extremistas que acontecem na temática do meio ambiente, onde se estão criando quase sistemas de crença e se estão utilizando as piores artes das falsas ciências para defender ideologias irracionais ou interesses econômicos. Um tema amplo, onde no momento todavia há pouco debate crítico.

Autor: Javier Armentia
Fonte: Paranormal e Pseudociência em exame
Original: Euskonews & Media #30
Fonte: ateus.net

Javier Armentia, Diretor do Planetário de Pamplona(Espanha) e
membro da ARP-Sociedad para el Avance del Pensamiento Crítico

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