Entrevista coletiva à imprensa em Varsóvia
O depoimento do cineasta foi dado à imprensa em Varsóvia, Polônia, em 28 de Março de 2001, quando ainda filmava "O Pianista"
- Por que você ficou tão atraído pelo livro de Wladyslaw Szpilman? O que havia nele de tão importante e por que, como você mesmo disse, acredita neste filme como não acreditou em nenhum outro antes?
Roman Polanski: Este livro descreve os eventos que lembro de minha juventude. Por muitos anos, planejei fazer um filme sobre esta época, mas não conseguia encontrar o assunto certo, a história certa. O livro de Szpilman não é mais um capítulo da história sobre o martírio judeu que todos conhecemos. O livro descreve esses eventos sob o ponto de vista de um homem que viveu nele. Ele mostra a realidade dessa época com uma objetividade fria e surpreendente. Existem no livro poloneses maus e poloneses decentes, judeus maus e judeus decentes, alemães maus e alemães decentes. Como sabemos, o livro foi escrito logo depois da guerra e, talvez por isso, ele seja tão
verdadeiro, diferente do que foi escrito 20, 30 anos depois da guerra. Assim que li os primeiros capítulos soube que aquele seria o tema do meu próximo filme.
- O Sr. Ronald Harwood, co-autor do roteiro, disse: "A contribuição de Roman Polanski ao roteiro foi enorme. Muitas soluções, que ninguém mais teria pensado, foram tiradas de suas próprias experiências." Até que ponto este filme é sua criação pessoal?
R.P.: Veja, por muitas vezes, li coisas que poderiam ou não ser o tema de um filme como este, mas estavam sempre muito próximos das minhas experiências da guerra. Não era isso que eu queria. Neste aqui, entretanto, temos a descrição do gueto de Varsóvia, eu estava
no gueto de Cracóvia, o que significa que eu vivi naquele período, que conheci os alemães da época, bem como os judeus e poloneses. Ao mesmo tempo, poderia usar a minha própria experiência enquanto escrevia o roteiro, sem torná-lo biografia. Era tudo o que queria
evitar. Foi fácil para mim trabalhar neste roteiro, porque ele não estava relacionado aos eventos, ruas e pessoas que eu me lembro da época.
- Falando de Ronald Harwood, qual foi o motivo que o levou a escolhê-lo para escrever o roteiro, considerando que ele é um dramaturgo muito conhecido?
R.P.: Precisava de alguém que soubesse como escrever este tipo de roteiro, isto é, alguém que já tivesse alguma experiência no assunto. Ronald Harwood já escreveu peças e roteiros relacionados a este período na história. Eu o admiro enormemente tanto como escritor quanto dramaturgo, principalmente por suas peças, a já mencionada O Fiel Camareiro (The Dresser) e... não me lembro do título em polonês da outra peça, Taking Sides, que foi recentemente montada em Varsóvia. É uma peça sobre Furgwegler, o condutor que foi acusado de
colaboração com os nazistas. Qual é o título mesmo? "Za i przeciw". Depois de assistir a esta peça, grande sucesso em Paris do ano passado, que me convenci de que ele era perfeito para o trabalho.
- Você disse muitas vezes que tratou a história contada em O PIANISTA de forma muito pessoal. Você planeja dar seu testemunho, aparecendo pessoalmente em alguma das cenas?
R.P.: Absolutamente não. Quero que tudo no filme pareça o mais realista possível. Fazer aparições em filmes é uma das características de Hitchcock e... isto deixa no ar uma sensação de uma brincadeira pessoal, o que quero evitar neste tema em particular. É claro que seria simbólico, mas já que sou conhecido e as pessoas costumam me reconhecer pelas ruas, provavelmente provocaria conotações enganosas. Todos logo dirão: "É o Polanski, o Polanski!", prefiro evitar.
- Qual foi o maior desafio de seu filme?
R.P.: Provavelmente todos sabem que interpretar é, de certa forma, uma profissão pouco saudável. Isso porque a verdadeira interpretação requer a vivência do papel. Quando você diz isso a pessoas que não entendem muito sobre interpretação, elas normalmente reagem com um sorriso condescendente. Mas como alguém que tem experiência nesta profissão, posso garantir que é totalmente viciante. Um bom ator, que incorpora realmente o que interpreta, vive o seu papel por 12, 14, ou, como foi no nosso caso, 16 semanas até o final, raramente sai ileso.
- Falando nisso, como você imaginou o ator para interpretar o papel principal? Que características especiais queria? E como procurou e o que o fez escolher o Sr. Adrien Brody?
R.P.: Posso lhe dizer uma coisa com certeza: nunca procurei semelhança física, porque na minha opinião, isso não importava. O que eu queria era um ator que se encaixasse no personagem que tinha em mente enquanto escrevia o roteiro com Ronald Harwood. Era muito
importante que ele não fosse uma celebridade, um ator muito conhecido, pela mesma razão que já falei antes com relação a minha participação no filme. Foi por isso que decidimos, desde o começo, tentar encontrar um ator iniciante. Mas já que o filme seria filmado na Inglaterra, precisávamos de alguém que falasse inglês fluentemente. Então, procuramos em Londres, por talentos ainda não descobertos. Fizemos o casting lá. Os organizadores ficaram surpresos
ao ver tantos candidatos; 1.400 pessoas se candidataram, dentre eles algumas mulheres, alguns chineses, alguns negros, etc. Depois dos testes, percebemos que seria difícil encontrar alguém sem nenhuma experiência; então, começamos a procurar entre os atores rofissionais. Não encontrei ninguém na Inglaterra, então resolvi ampliar a minha busca. A América era a escolha óbvia, pois como todos sabem, fala-se inglês fluentemente lá.
- Quando se lê O PIANISTA, tem-se a impressão que Szpilman se culpa por não tentar encontrar Hosenfeld, o oficial alemão. Você concorda com isso? E neste caso, há algum momento de hesitação em seu filme, enfatizando a tragédia do oficial alemão?
R.P.: Há um momento assim no filme, mas não concordo que Szpilman tenha tido algum tipo de arrependimento, ou tenha se culpado. Na minha opinião, a questão é a expressão de sua modéstia. Como sabemos, le fez tudo que pode para salvar a vida de Hosenfeld. Ele até
recorreu às autoridades comunistas e não teve sucesso, é claro. Todos sabem que era uma causa perdida. Nós também sabemos que ele foi procurado pela família de Hosenfeld e que eles tiveram contato. Creio que a família esteve em Varsóvia duas vezes. A propósito, nós também procuramos o filho de Hosenfeld em Berlim.
- Como você ajudou o seu ator a entender a realidade mostrada no filme, a atmosfera da época?
R.P.: É difícil de explicar verbalmente. Você teria de ir até o set e ver como é feito. Depende do momento, da cena e, é claro, do autor. Não quero falar demais sobre Adrien aqui, para que não vire uma troca de elogios. Ia virar o próprio clubinho de elogios mútuos. Espero que
o filme chegue em breve aos cinemas poloneses e que vocês possam assistir.
- Gostaria de perguntar sobre o impacto psicológico ao realizar este filme. Como se sentiu filmando na Polônia? Sei que é o seu primeiro filme realizado aqui depois de A Faca na Água Este fato dá um toque diferente, principalmente quando o tema central do filme está
enraizado em suas próprias experiências? Ele é totalmente diferente de "O Último Portal". Como se você preparou emocionalmente para isto?
R.P.: Não precisei me preparar, foi suficiente ler o livro para voltar imediatamente àqueles momentos, psicologicamente falando. Voltar fisicamente, sem dúvida, ajuda, o idioma polonês, os costumes poloneses, a atmosfera do país, etc. Tudo aconteceu automaticamente.
Devo admitir, entretanto, que filmar com alemães em Berlim foi muito mais fácil para nós. Ao ouvir os alemães gritarem e ao vê-los vestidos em seus uniformes, dei-me conta que não poderia filmar em outro lugar que não fosse a Polônia.
- Deve ter sido uma experiência significante filmar na Polônia depois de tantos anos. A Faca na Água marcou sua estréia, é um dos melhores filmes que eu já vi. Gostaria de lhe fazer uma pergunta técnica: você filmará em locações originais em Varsóvia, como a Avenida Niepodlegosci, na rua Noakowskiego, ou na rua Puawaska?
R.P.: Não. Infelizmente essas ruas não existem mais. Mas temos que dar um jeito. Devo dizer que, felizmente, a tecnologia atual nos permite recriar certas coisas que já não existem mais. Estou falando do uso do computador que é tão comum em outros filmes, mas no nosso,
passará despercebido. Com relação às locações originais, só iremos filmar nas ruas Kralowskie Przedmiescie e na Kozia. As outras locações serão na cidade de Praga. Devo admitir que tive muita sorte. Não sei se é a palavra certa. Em 1939, logo depois que a guerra começou, todos os homens foram para o leste por alguma razão que não sei, visto que eu, minha mãe e irmã fomos para Varsóvia. Eu sobrevivi ao bombardeio de Varsóvia e vivi aqui por duas semanas. Lembro-me de tudo muito bem. Queria recriar tudo o que me lembro de minha infância. Não me lembro da Avenida Ujazdowskie, eu me lembro de uma Varsóvia igual à Praga de hoje: ruas escuras, tráfego intenso, prédios da virada do século. Foi por isso que filmamos lá.
- Mais uma pergunta técnica que esteve presente em nossa discussão desde o princípio. Gostaria de lhe pedir que comentasse sobre a ironia da história, você filmando O PIANISTA simultaneamente ao caso Jedwabno. Poderia comentar a coincidência?
R.P.: É, como você falou, uma coincidência e é difícil para mim relacionar isto à minha própria experiência de fazer o filme na Polônia. As pessoas continuarão a descobrir outros casos, talvez
porque muitos anos se passaram daquela época e os poloneses têm, agora, uma perspectiva maior e mais objetiva da história de seu país. E mais, a geração de hoje não precisa sentir qualquer responsabilidade pelo que aconteceu naquela época.
- Por quanto tempo vocês filmarão em Varsóvia?
R.P.: Resta ainda mais 11 semanas.
- Já considerou fazer um filme sobre Abi Rozner? Sua biografia foi mostrada recentemente na TV, acho que talvez mereça um roteiro para cinema? Estou segurando um livro "Roman by Polanski". Você vai filmá-lo ou entregará o roteiro para outra pessoa?
R.P.: Quanto a primeira pergunta, nunca pensei em desenvolver este projeto. Acho que já respondi a sua segunda pergunta. Voltando a primeira, posso garantir que não. Definitivamente, não estou fazendo a minha biografia, porque não me interessa. Faço filmes e não documentários. Espero que nunca realizem um filme sobre a minha vida.
- Pode nos falar sobre sua relação com o Sr. Szpilman? Vocês conversaram sobre o filme? Quais foram suas exigências? Quais foram suas sugestões?
R.P.: O Sr. Szpilman não fez nenhuma sugestão em particular, ele apenas se limitou a dizer como estava feliz de ver seu livro virar filme e ser dirigido por mim. Eu só vi o Sr. Szpilman três vezes. A primeira vez, em Los Angeles, muito tempo atrás, durante uma de suas
visitas a América. A segunda vez foi aqui, no Clube dos Jornalistas, cerca de 12 anos atrás. Jantava com Morgenstern, Szpilman apareceu e se sentou conosco, e jantamos juntos. Depois que resolvi fazer o filme, nós nos vimos pela terceira vez; visitei Szpilman com Gene
Gutowski, tomamos chá e conversamos sobre o filme.
- Seus filmes normalmente criam a realidade, mais do que a recriam. Depois do que disse hoje, posso assumir que você tentará recriar a realidade de Szpilman e não acrescentar nada de si mesmo?
R.P.: A minha aproximação neste filme é, definitivamente, diferente. Cada assunto requer um tratamento diferente.
- Existem atores poloneses famosos no elenco de O PIANISTA. Nós os identificaremos no filme?
R.P.: Você verá atores poloneses em pequenos papéis, pois como já falei, o filme é filmado em inglês. Por isso nossa escolha ficou limitada a atores poloneses que falassem bem inglês.
- Por que você se desviou da área do grotesco, em direção aos valores fundamentais como lágrimas, medo, fuga? O que aconteceu? Spielberg passou muito tempo lhe pedindo que fizesse um filme assim?
R.P.: A decidi, subitamente, fazer este filme. Essa situação pode ser comparada a escolha de um prato no cardápio de um restaurante. Meus mais recentes filmes foram puro entretenimento e careciam de profundos valores filosóficos e sociais. O PIANISTA é, sem dúvida, um prato mais elaborado. Com relação a A Lista de Schindler, ele estava muito próximo das minhas experiências pessoais. Evito situações assim, porque sei que não faria um bom filme. Acho que Spielberg fez um grande trabalho. Ninguém mais poderia fazê-lo tão bem quanto ele. Ele contou uma história sobre uma época, pessoas e até mesmo de ruas muitos familiares para mim. Enquanto procurava as locações para O PIANISTA, fomos com o Sr. Starski a Cracóvia, já que não existem mais muitas ruas antigas em Varsóvia. Estávamos caminhando pelas ruas do antigo gueto e o que senti comprovou que não deveria filmar em
Cracóvia. Até mesmo por razões pessoais. Eu raramente visito ruas que um dia significaram muito para mim e estive em Cracóvia uma segunda vez. Se eu trabalhasse nos lugares que tiveram valores históricos e pessoais para mim, certamente eles perderiam estes valores e se
tornariam apenas um cenário para mim. O fato é que não conseguia encontrar o tema certo. Perguntaram-me diversas vezes se eu faria um filme na Polônia e sempre respondi: "Sim, e planejo fazer, só não sei quando." Eu sempre soube que queria fazer um filme na Polônia sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre o período pós-guerra, só não conseguia encontrar o tema certo. O livro de Szpilman foi este tema.
Divulgação Europa Filmes
Fonte: http://oscar.uai.com.br/
Holocausto-Doc lista(Yahoo)
Postado em: http://www.casaamarela.org.br/cineclube/arquivo/novembro_03/novembro_roman_polanski.htm