quinta-feira, 10 de junho de 2010

Relato do SS Kurt Gerstein - Campo de extermínio de Belzec

Kurt Gerstein, oficial alemão** da SS da seção de 'serviço sanitário', escreveu estas linhas em seu diário, sobre o campo de extermínio de Belzec, antes de seu suicídio em 1945:
"Logo a seguir começa a marcha. À frente uma mocinha muito bonita; Caminham ao longo da avenida, completamente nus, os homens, as mulheres, as crianças. Estou junto do capitão Wirth, responsável pela organização do extermínio na escada exterior de um só lance que há entre as câmaras.

As mães - que apertam nos braços seus bebês - sobem, hesitam, entram nas câmaras da morte. À esquina um corpulento SS, com voz sonora e afável, diz àqueles desgraçados 'nada vai acontecer de mau! Basta respirar fundo nas câmaras; Isto fortalece os pulmões e é um meio preventivo contra as doenças e epidemias'.

Aos que indagam sobre o destino que os espera, responde: 'Evidentemente os homens terão de trabalhar, construir casas e ruas. As mulheres tratarão da casa e da cozinha'. Isto representava a última esperança, capaz de os fazer caminhar sem resistência até as câmaras da morte. A maioria porém conhece a sua sorte, pois o cheiro dominante é bastante eloquente. Sobem uma pequena escada e abrangem tudo num último olhar: As mães com seus filhos apertados contra o peito, crianças de tenra idade, velhos, homens, mulheres, totalmente nus; Vacilam, mas entram empurrados pelos que vêm atrás, ou pelas vergastadas dos SS, a maioria sem dizer uma palavra. Uma judia com cerca de 40 anos, de olhos ardentes, amaldiçoa os assassinos: 'Que o nosso sangue caia sobre vocês!' E, tendo recebido 5 ou 6 chicotadas no rosto, dadas pelo próprio capitão Wirth, desaparece na câmara de gás.

Muitos rezam, e eu rezo com eles. Vou para um recanto e oro ao meu Deus que é também o Deus deles. Queria entrar ao seu lado nas câmaras de gás. Quanto teria gostado de morrer da mesma morte! Se houvessem encontrado então nas câmaras de gás um oficial SS de uniforme, julgariam tratar-se de um acidente não voltariam a falar no caso. Mas não devo fazê-lo. Primeiro tenho que denunciar o que vi aqui. As câmaras lotam. 'Encher bem!', ordenara Wirth. As pessoas estão de tal modo apertadas que pisam os pés uma das outras. Há 700, 800 pessoas em 25m² e 45 m². Os SS os colocam como numa prensa, tal como folhas de um livro. As portas são fechadas. Enquanto isso, os outros estão do lado de fora à espera, completamente nus, no inverno ou no verão. 'Estão aqui para morrer', diz um SS.

Compreendo então a inscrição que vi na entrada: 'Fundação Heckenholt'. Heckenholt é o encarregado do Diesel, um dos 3 ou 4 técnicos encarregados que construíram a instalação. São os gases de escape do diesel que matam aqueles infelizes. O diesel põe-se em movimento e até estes instantes todos permaneciam vivos: 4 vezes 750 homens em 4 vezes 45 m³. Decorreram mais 25 minutos. Agora muitos já morreram. Pode-se ver pela vigia: Uma lâmpada elétrica ilumina por momentos o interior da câmara. Passados 28 minutos, poucos restam com vida. 32 minutos: todos morreram.

Do lado de fora os homens do Kommando de trabalhadores abrem as portas de madeira. Como colunas de basalto, os homens ainda estão de pé nas câmaras, sem o menor espaço para cair ou dobrarem-se sobre si próprios.

A morte não separou os que pertencem às mesmas famílias, pois estão de mãos dadas. Custa muito a separá-los quando as câmaras são esvaziadas para o próximo carregamento. Despejam-se os corpos úmidos de suor e urina, as pernas cobertas de fezes. Atiram-se pelo ar os cadáveres das crianças. Não há tempo a perder. Duas dezenas de dentistas revistam as bocas com ganchos. Ouro à esquerda; não há ouro, à direita. Outros dentistas, com a ajuda de pinças e martelos, arrancam as peças de ouro e as coroas.

Entre eles, vai e vêm o capitão Wirth. Está no seu elemento. Procura-se nos cadáveres o ouro, os diamantes e as joias. Wirth chama: 'Veja o peso desta lata cheia de dentes de ouro. São os despojos de ontem e anteontem'. Numa linguagem incrivelmente cínica, diz-me: 'Não pode imaginar a quantidade de ouro, diamante e dólares que encontramos todos os dias! Vá ver com seus próprios olhos!' Wirth é capitão do exército imperial austríaco, cavaleiro da cruz de ferro, e tem agora a seu cargo o campo de kommandos dos trabalhadores judeus.

Nem em Belzec nem em Treblinka pessoa alguma se incomodou em contar ou em fazer o registro dos mortos. Os números eram calculados por aproximação, segundo o conteúdo dos vagões. O capitão Wirth rogou-me que não propusesse em Berlim, nenhuma modificação nas instalações que dirigia visto haverem provado sua eficácia.

No dia seguinte, 19/08/1942, partimos no carro do capitão Wirth para Treblinka, a 120 km de Varsóvia. As instalações eram mais ou menos as mesmas, porém muito maior que em Belzec. 8 câmaras de gás e montanhas de malas e roupas.

Ofereceram um banquete em nossa honra, ao velho estilo alemão, tão típico de Himmler. A comida foi simples, mas abundante. Himmler ordenara que se entregasse aos homens do kommando todas as bebidas alcoólicas, a carne e a manteiga que desejassem."
Mais sobre Christian Wirth:
"Ele era um homem alto de ombros largos, quarentão com uma face vulgar. Ele nasceu um criminoso, a besta extrema". Rudolf Reder - sobrevivente de Belzec.

"Wirth era mais que brutal. Em minha opinião, sua brutalidade era baseada mais em sua natureza humana do que em sua mentalidade política. Ele gritou, ofendeu e nos destratou, e bateu em membros da guarnição alemã no rosto. Não havia ninguém em Belzec que não tivesse medo de Wirth". Werner Dubois - Guarda SS em Belzec
**No texto postado na comunidade consta que o oficial era holandês, sendo que ele era alemão. O texto no blog já foi reproduzido com as correções feitas.

Fonte: Grande Crônica da Segunda Guerra Mundial - 3 volumes(Subtítulo: De Munique a Pearl Harbor, Stalingrado e Hiroxima); Editores: Claude Steban, Anka Muhlstein; Seleções do Reader's Digest
Título: "O Testamento de um SS"; Autor: Kurt Gerstein
Créditos: Antonio Freire
Obs: Trecho do relato reproduzido na comunidade Holocausto x "Revisionismo" em 2006.

Ver também:
Kurt Gerstein - Parte 1 - Um alemão como tanto outros: O peso de uma tradição (Blog avidanofront)

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