"Jan Karski" relata as aventuras de um polaco que entrou nos campos de concentração e denunciou o extermínio dos judeus a Franklin Roosevelt
É possível escrever um novo livro, depois de contar a história do homem que tentou travar o Holocausto? Esta pergunta martelou durante muito tempo na cabeça do autor de "Jan Karksi". Yannick Haenel, escritor francês, de 43 anos, que venceu o Prémio Interallié 2009 com o romance-ensaio sobre o herói da resistência polaca que tentou evitar o Holocausto. "Depois de escrever o livro, todos os temas me parecem demasiado leves e mundanos. Só há umas semanas é que consegui voltar a escrever", explica o autor ao i.
Jan Karksi é um herói à antiga. Fugiu da Gestapo e dos comunistas russos para transmitir uma mensagem que podia ter mudado o curso da história. Os alemães tinham começado a exterminar os judeus na Polónia e ele testemunhou tudo. Visitou o gueto de Varsóvia com a estrela de David ao peito, e infiltrou-se no campo de concentração Izbica Lubelska disfarçado de guarda. "Serei sempre perseguido por aquelas visões do campo da morte. Não posso desembaraçar-me delas e a sua lembrança dá-me náuseas", escreveu nas suas memórias. No campo de concentração viu corpos empilhados e nazis a encherem comboios com judeus. "O chão do comboio, explica, foi coberto de cal viva [reagente químico]. Com o calor das carruagens, os corpos tornam-se húmidos, desidratam-se ao contacto com a cal e ardem", lê-se no livro de Haenel.
Depois de testemunhar tais atrocidades, em 1943, o polaco foi para Reino Unido e a seguir para os Estados Unidos. O católico tinha-se transformado no porta-voz dos judeus e queria tentar persuadir os aliados a acabarem com o extermínio. Falou com o presidente do Supremo Tribunal norte-americano, Feliz Frankfurter, e chegou até a Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos na altura. "Decidi escrever este livro porque com Jan Karski compreendemos que a responsabilidade do extermínio também pertencia aos aliados. Ele tentou transmitir a mensagem dos judeus, mas foram precisos mais dois anos até alguém reagir", diz Yannick. Porquê? "Acho que o governo norte-americano achava impossível tais atrocidades e havia pouca vontade política de se juntarem à guerra. Além disso, Rooselvet tinha conselheiros anti-semitas. Ele não o era, mas no departamento do tesouro existiam alguns."
Realidade e ficção Quem pensar que estamos a falar de uma biografia, engana-se. Yannick Haenel investigou durante quatro anos a vida do mensageiro dos judeus, visitou a Polónia, leu dezenas de livros, mas não quis ficar-se pelo relato dos eventos. "Dividi o livro em três partes. A primeira é um relato do documentário ''Shoah'', de Claude Lanzmann, onde aparece Jan a falar e a segunda é baseada nas memórias escritas pelo próprio. Na última, lanço uma hipótese sobre o que lhe aconteceu depois de 1945. Jan ficou deprimido, e entrou em silêncio. Neste caso, a ficção é necessária quando não sabemos mais", diz.
Durante 15 dias, Yannick, que não é judeu, apesar de toda a gente lhe perguntar, trancou-se em casa para escrever a última parte. "Queria pôr as minhas forças à disposição deste homem." Confessa que nunca decidiu ser escritor e que começou a escrever aos 15 anos quando foi para um colégio militar. "Sou filho de militares, mas a experiência no colégio foi um pesadelo. A promiscuidade, a violência... Tudo isso levou-me a procurar refúgio na escrita. Escrever era fugir dos pesadelos. O meu próximo livro é sobre isso. Uma autobiografia sobre a descoberta da minha escrita."
Por Vanda Marques
Fonte: IOnline(Portugal)
http://www.ionline.pt/conteudo/85936-se-tivessem-dado-ouvidos-karski-historia-podia-ser-outra
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