BERLIM - Um novo filme produzido na Alemanha questiona a consagrada versão do "bom nazista", tão cultivada pelo general Erwin Rommel (1891-1944) e sua família. O filme mostra que o general, famoso na guerra no Norte da África - que lhe rendeu o lendário apelido de Raposa do Deserto e a admiração até dos inimigos - era um carreirista disposto a fazer qualquer coisa pelos nazistas para galgar postos. Pior: ele teria se recusado a participar da conspiração para matar o ditador Adolf Hitler.
Condecorado na Primeira Guerra Mundial, Rommel optou por fechar os olhos sobre o que estava acontecendo na Alemanha nazista. Como admite seu filho Manfred Rommel - prefeito de Stuttgart, de 1976 a 1996 - ele não compartilhava do ódio aos judeus, mas aceitava a política de perseguição por admiração a Hitler.
Rommel ficou famoso na guerra na África, nas batalhas contra as tropas britânicas na Líbia. Figura central dos documentários de propaganda do regime feitos por encomenda do ministro Joseph Goebbels, o general era uma espécie de popstar do regime, admirado até pelos inimigos.
Os Afrika Korps, que ele comandava, nunca foram acusados de crimes de guerras. Soldados capturados durante sua campanha africana teriam sido tratados com humanidade. Além disso, ele teria ignorado ordens de matar tropas capturadas, soldados judeus e civis em todos os lugares onde esteve.
Os próprios ingleses contribuíram para a lenda do "bom nazista" em parte por um mal entendido da História. Winston Churchill, o então primeiro-ministro britânico, fez um comentário positivo sobre Rommel: "Ele merece a nossa atenção, porque, embora seja um soldado alemão leal, passou a odiar Hitler e os seus crimes e participou da conspiração de 1944, para salvar a Alemanha através da deposição do tirano louco."
Segundo a versão oficial, como Rommel era muito renomado, Hitler, ao descobrir sua suposta participação na conspiração para matá-lo, teria optado por dar um fim discreto ao general - Rommel concordou em cometer suicídio - e poupar sua família. Na época foi anunciado que ele teria morrido do coração. A verdade sobre a morte e a suposta traição só viria à tona anos depois, contribuindo ainda mais para a fama do "bom nazista", o sujeito que até o fim teria lutado internamente contra o tirano.
O filme, entretanto, começa a desfazer tal imagem. O general teria tido um papel destacado na guerra criminosa do nazismo, segundo o historiador Peter Steinbach, professor de história contemporânea da Universidade de Mannheim e diretor do Memorial da Resistência de Berlim, que assessorou a equipe do produtor Nico Hoffmann.
"Rommel", que deverá ser lançado no início do próximo ano, aborda os sete últimos meses de vida do general, tempo durante o qual ele teve a oportunidade de distanciar-se do seu ídolo, Hitler, apoiando o grupo de oficiais liderados por Claus von Stauffenberg, que planejava um atentado contra o ditador. Ele, entretanto, teria se recusado a participar.
Como uma figura trágica, um "Hamlet de uniforme", na expressão usada pelo jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung", ele hesitou, embora soubesse, como um militar inteligente, sobre o ataque iminente à Normandia, onde servia como comandante de um dos grupos que combateu os Aliados em 1944.
Hans Speidel e Eberhard Finckh, tentaram convencer Rommel a aderir ao grupo de resistência de Claus von Stauffenberg, que planejava matar Hitler. O ditador estaria como que "embriagado", disse Rommel a Speidel e Finckh. Os dois reagiram: "Se Hitler quer continuar lutando, precisamos matá-lo." Mas Rommel esquivou-se de uma decisão.
- Os altos militares apoiaram Hitler quase até o final. Alguns nacionalistas, porém, como foi o caso de Stauffenberg, passaram a ver o ditador como um problema ao constatar que ele estava comprometendo a Alemanha por um período muito longo, mesmo depois da guerra - constata Peter Steinbach.
O filme mostra exatamente como o carreirista Rommel - que fez tudo para subir na vida com a ajuda dos nazistas, teve sete promoções em um período curto de oito anos - hesitou quando teve a chance de tomar a decisão certa.
Mas ao mostrar a face real de Rommel a equipe do filme, dirigido por Niki Stein, com o conhecido ator de TV Ulrich Tukur no papel do general, causou protestos da família Rommel. Catherine Rommel, neta do general, escreveu uma carta de protesto tentando preservar a imagem do avô que nunca conheceu. Na carta, ela acusa a equipe de mostrar uma imagem falsa de Rommel, como o criminoso nazista e aproveitador.
Steinbach, que também é autor de uma biografia de Stauffenberg, o responsável pelo atentado malsucedido contra Hitler, está convicto de que se trata de um mal entendido histórico:
- Rommel não foi o bom nazista porque ser nazista e ser bom eram duas coisas inconciliáveis. O que houve foi que ele passou a duvidar de Hitler ao ver que este queria continuar a guerra até a autodestruição.
Na sua campanha de conquista, no Norte da África, Rommel não precisou sujar as mãos, mandando assassinar judeus, porque nas regiões ocupadas praticamente não havia judeus. Se não tivesse sido detido pelos ingleses e tivesse continuado a expansão, em aliança com as tropas fascistas de Benito Mussolini, o general teria alcançado territórios palestinos para onde haviam fugido judeus europeus. O plano de Hitler era também exterminar os judeus no Oriente Médio.
Graça Magalhães-Ruether (ciencia@oglobo.com.br)
Fonte: O Globo
http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/09/30/filme-livro-revelam-nova-face-de-erwin-rommel-general-de-hitler-considerado-justo-925484114.asp
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