Toda a história dos judeus nada mais é do que uma invenção intencional? Jonathan Wittenberg permanece cético.
Jonathan Wittenberg
The Guardian, Sábado, 9 de janeiro de 2010
"Como podemos desnacionalizar histórias nacionais?" pergunta Shlomo Sand, fazendo uma citação com aprovação do historiador francês Marcel Detienne, antes de fazer o desafio com suas próprias palavras: "Como poderemos parar a marcha ao longo de estradas pavimentadas principalmente com materiais forjados com fantasias nacionais?" Esta é a questão-chave de um livro que pretende, a partir do título, ser provocativo.
Livros desconfortáveis, se são bons, podem ser importantes. Narrativas nacionais não precisam de desconstrução, pois elas muitas vezes nos cegam para diferentes percepções do mundo e nos ensurdece junto às reivindicações dos outros. Isto é certamente verdadeiro no Oriente Médio, e eu sou um dos muitos judeus que concordaria com Sand que um fator decisivo para o futuro de Israel será sua capacidade de ser muito mais atento às narrativas e direitos de seus palestinos e outros cidadãos não-judeus.
Mas o livro é uma grande decepção. Sua tentativa de varredura para desmontar toda a história do povo judeu desde suas origens até o tempo presente de Israel tentando provar que é uma invenção intencional é marcada por premissas tendenciosas, com uma leitura errada dos acontecimentos-chaves e ignorância de textos centrais e instituições.
O argumento de Sand começa com conceitos europeus de nação e people-hood do século XIX. Ele afirma que historiadores judeus como Graetz foram profundamente influenciados por noções germânicas do "Volk" no qual a ideia a ideia do Estado moderno é construída. Este nacionalismo foi aguçado pelo discurso de raça e eugenia correntes na época e até mais tarde na Europa, com resultados desastrosos para a judiaria. Sand traça uma linha de Graetz aos historiadores sionistas que, como ele afirma, empregaram conceitos bioétnicos para inventar uma entidade imaginária, um povo com continuidade racial judaica que foi exilado de sua terra, e que portanto poderia retornar até ela 2000 anos mais tarde. Tal continuidade, argumenta Sand, é uma ficção e o povo judeu portanto é uma "invenção".
Um ponto chave para Sand é o destino dos judeus depois da destruição do tempo em Jerusalém pelos romanos em 70EC(d.C.). Sand tenta provar que o exílio dos judeus na sequência desta e subsequentes derrotas nunca aconteceu. É uma ficção da historiografia judaica moderna: portanto, nem mesmo as comunidades judaicas da África do Norte e europeias podem ser produtos de uma diáspora de exilados, mas são antes de tudo o resultado de conversões em massa de populações das mais racialmente diversas. Portanto, não há continuidade genética entre judeus de hoje e aqueles que uma vez habitaram a antiga Judeia.
As falhas no argumento de Sand são ambas histórica e conceitual. A idéia de exílio, como ele sugere, foi adotada a partir da visão cristã de que os judeus foram punidos com a dispersão pelo crime de matar Jesus. Mas isso não faz sentido. O paradigma do exílio e do retorno é encontrado na Bíblia em Deuteronômio e Jeremias em relação à destruição do Primeiro Templo pelos babilônios em 576AEC(a.C.). É, portanto, parte das narrativas judaicas de séculos antes do cristianismo. Além disso, ao contrário do que sustenta Sand, historiadores sérios do período consideram que os romanos, de fato, mataram ou venderam como escravos muitos dos milhares de judeus. O resto da população foi proibida de ter acesso à Jerusalém que foi renomeada Aelia Capitolina. Isso certamente geraria um sentimento de exílio em qualquer povo.
O que é indiscutível é que as primeiras comunidades judaicas cresceram através da conversão. Mas a tese central de Sand é de que a maior parte dos judeus da moderna Europa Oriental deve sua origem ao convertido reino dos khazares, algo que tem sido amplamente discutido e rejeitado, especialmente na esteira do famoso livro de Arthur Koestler sobre o assunto. A alegação de Sand é de que todo esse episódio foi abafado porque enferma a noção sionista de continuidade etnobiológica judaica, que não pode ser mantida.
Igualmente importante é o que Sand fracassa em discutir. Para um grande número de judeus, os argumentos sobre origens raciais são ambos feios e, mais importante, irrelevantes. Em vez disso, a continuidade judaica tem como premissa fatores religiosos, incluindo a observância da Torá, o estudo do Talmud, a criação de comunidades, a vida da sinagoga e os laços da liturgia. Estes pontos são o que fazem as ligações vitais entre as gerações de judeus. Para examinar a história judaica quase sem referência à sua vida religiosa e da literatura é como tentar discutir o Islã sem mencionar o Hadith, a Sharia ou o papel da comunidade muçulmana. Considerando que Sand é muito certo de que a vida judaica sempre refletiu as culturas locais, a sua afirmação "de que nunca houve cultura de um povo judeu" não pode ser levado a sério.
Sand praticamente ignora a perseguição e antissemitismo como fatores que contribuíram para formação de narrativas judaicas, assim como ele omite o papel dessa hostilidade na influência e formação de atitudes israelenses mais tarde.
No capítulo final, Sand oferece uma crítica severa às limitações da democracia israelense. É um tributo ao liberalismo do país, que ele reconhece apesar de suas reservas profundas, que seu livro foi lido lá. Rejeitando a viabilidade de um estado binacional, ele salienta a necessidade urgente de um fim da ocupação e para a participação genuína igualitária de todos os cidadãos do país em seus processos civis como forma de evitar conflitos profundos dentro de suas fronteiras pré-1967. Nisso eu concordo.
Sand deixa claro desde o início que ele se identifica com os excluídos pela narrativa judaico-israelense. Infelizmente, o livro não tem empatia com o forasteiro como poderia se esperar. Em vez disso, o livro é impulsionado por uma polêmica sustentada contra uma leitura equivocada do judaísmo, mais imposta pelo próprio autor do que por aqueles "historiadores autorizados" cuja suposta repressão de "insolentes pequenos fatos" ele se propõe a desvendar. Ironicamente, para um livro destinado a desconstruir mitos, pode muito bem ser listado por estes, com uma mitologia alternativa de que os judeus não têm direito a um Estado. Infelizmente, isso não serviria para promover os interesses dos palestinos, dos israelenses, ou da paz.
Jonathan Wittenberg é rabino da Sinagoga New North de Londres. Seus livros incluem "The Silence of Dark Water: An Inner Journey" (Robin Clark/Joseph's Bookstore).
Fonte: The Guardian (Reino Unido). Crítica do livro The Invention of the Jewish People (A invenção do povo judeu) de Shlomo Sand
http://www.guardian.co.uk/books/2010/jan/09/invention-jewish-people-sand-review
Tradução: Roberto Lucena
Leitura adicional:
A invenção do povo judeu (A "equivoco" do livro de Shlomo Sand) (blog avidanofront)
Ver mais:
Os Khazares e o "revisionismo"
2 comentários:
Depois da uma olhada na pagina de reviews do livro que tem a parte do Jonathan Wittenberg, e só pegaram a parte que ele concorda dessa entrevista do The Guardian
Mais uma pra cota de picaretagem do Sand. Quem ler só o trecho não vai entender nada da crítica do Wittenberg sobre o livro dele, que foi uma crítica certeira. É mais ou menos isso o livro do Sand, uma série de distorções forçadas só porque ele acha que fazendo isso (fazendo essa distorção histórica) ajudará no "processo político de paz" entre palestinos e israelenses. É algo que beira a tolice grossa pois ele acha que algum conflito se encerrará se alguém "provar" (que não é o caso dele) que um povo é "inventado"? rs.
À parte do delírio dele, o conflito lá prossegue independente desse bla bla bla bla "teórico" e picareta dele, é muita cretinice do cara ou má fé (lançou o livro pra ganhar dinheiro pois sabe que isso vende como água devido ao público antissemita que compra em peso).
Ele usa o termo exílio pra não comentar o termo diáspora(dispersão), e distorce um monte de conceitos como não tratar do assunto como "formação de um povo" dizendo que houve uma "invenção" e não uma formação (que é o que ocorre com quase todos os povos).
Em suma, o livro do cara é ruim mesmo, não sei nem se vai conseguir se sustentar como polêmica por muito tempo já que nem os neos (e afins) se entusiasmaram muito com o livro passado o "impacto" inicial feito pela mídia.
Desserviço ele fez, além de não ajudar em nada na resolução dos conflitos do país dele (ele é israelense), ele criou outro panfleto pros neonazistas na Europa, EUA e América Latina, troféu paspalho pro cara ou de má fé (sabe-se lá qual o real propósito dele com esse livro).
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