Acabei assistindo novamente a primeira parte desse documentário Cultura do Ódio quando fui trocar o link que estava morto, e uma coisa me chamou atenção dessa vez pois como considerava burrice ao extremo (e ainda considero) as declarações dos vários cabeças-ocas do vídeo, tinha passado desapercebido que essa ideia regional deles professada em várias declarações no primeiro vídeo, que é uma ideia adquirida no dia-a-dia e no senso comum da cidade, não é uma criação deles pois esses grupos em geral não possuem capacidade pra criar uma ideologia própria e preconceito, tanto que importam uma ideologia ultranacionalista usando-a pra extravasar esses "ressentimentos".
Aos que pegaram o "bonde andando", eu comentei antes (aqui) que iria comentar estes assuntos no blog.
Mas como dizia... o cara no vídeo de 1992 diz que "nordestino" é "mestiço de negro", o que é claro para mim que isso é o uso do preconceito regional ou de expressões regionais como uma máscara/camuflagem pra preconceito racial, como se o estado em que ele nasceu fosse algo à parte, algo "idealizado" que só existe na mente distorcida e cheia de porcaria dessas figuras. Em parte é curioso o delírio desses fascistas de São Paulo achando que são parte de uma suposta "raça pura", "arianos" (falando português), quando todos os estados, de uma forma geral, são miscigenados e possuem a mesma formação histórica colonial portuguesa, africana e indígena, uns com mais miscigenação com índios (a presença indígena se dá em todo território do país) e alguns com maior integração com população negra. É certo que o impacto da imigração do século XIX em alguns estados se reflete até hoje, mas a maioria foi assimilada à cultura brasileira que em sua matriz é portuguesa, indígena e africana ficando esse caldo (ou recalque) étnico manifestado por esses bandos. A formação histórica do país tem pelo menos meio milênio e não "cinco semanas" de existência como alguns elementos desses creem piamente, como se houvesse uma ideia de descontinuidade dos processos históricos do país.
O termo "nordestino" é referente a quem nasce numa região, é um termo geográfico basicamente, não oriundo da região a qual ele faz referência, e não é nem nunca foi termo "étnico" (a não ser na cabeça de estrume dos "neonazis" curupiras brasileiros e em quem pensa como eles já que o problema não fica restrito a esses idólatras do cabo austríaco), e acaba sendo deturpado pra outros fins ideológicos, e usado de forma aleatória como preconceito em alguns estados da federação.
Fico imaginando um Fernando Collor sendo chamado de "subraça" por um indivíduo desses (o sobrenome Collor é alemão), não entra aqui o julgamento da ideologia política do político citado, a citação da pessoa (por ser conhecida) é apenas pra ilustrar a profunda estupidez, burrice e ignorância desses bandos.
São Paulo tem nome indígena em várias ruas, monumentos etc (Butantã, Morumbi, Anhangabaú, Anhembi), a cultura indígena é parte formadora desse estado, por isso fica o questionamento de onde esse bando de "nazis" curupiras tiram essas ideias esdrúxulas e provincianas sobre regiões a não ser de um senso comum deturpado, arrogante, complexado, compartilhado por um coletivo e norteado por uma profunda estupidez e culto a esse tipo de "ganguerismo".
Eu ainda farei um post sobre o livro A Invenção do Nordeste pra justamente detonar um dos mitos esdrúxulos que esse pessoal cultiva que é a questão regional. O livro em questão fala sobre a questão regional (acesso ao link original que expirou: Link1) e da criação da região Nordeste (e das demais) pelo Estado Novo varguista, sendo que essas regiões nunca existiram antes do século XX, por isso que sempre tive dificuldade em aceitar o termo "Nordeste" por ser um termo criado artificialmente, impositivo, sem ser formado historicamente (que surgiu no local atribuído a sua "origem"), apesar de ser difundido por intelectuais locais que reproduzem esse discurso vitimista e segregador achando que estão fazendo uma "rendenção" da região, e que vai de encontro (ataca) a identidade de vários estados com forte formação identitária como Bahia e Pernambuco, que possuem identidades com quase meio milênio de existência e não são fruto de modelitos fabricados no século XX pra serem simplesmente varridas do mapa por imposição do poder político, ideológico e econômico da União ou de alguns estados da Federação.
A bem da verdade é que fica difícil até de rotular esses "lunáticos" como neonazis, o termo extrema-direita fascista é mais apropriado e exato pra definir o problema. Muita gente já colocou apelido nesse tipo de manifestação mas segue mais, o "nazismo curupira", que nem eles sabem ao certo o que é e não passa de uma cópia mal feita do lixo fascista produzido na Alemanha na primeira metade do século XX. Nazista sem ser alemão? Falando português? Separatista? Falando em Reich num país onde isso nunca fez parte da formação histórica do mesmo (o Império Português não se chamava "Reich")? Haja cretinice, não bastasse a cretinice habitual negacionista que é tema de vários posts do blog sobre a outra "bandeira" que esses bandos carregam e propagam.
Não existe bandeira do Nordeste porque Nordeste é meramente uma divisão regional e geográfica artificial, algo que geralmente é idealizado e estereotipado pela mídia/imprensa. O Brasil é o país do bairrismo, formado no bairrismo (disputas entre estados), sem desmerecer os demais estados, mas com estados históricos antigos como Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, Pará, Minas Gerais com forte participação na formação do país. Até parte do começo do século XX o país ainda era dividido em Norte e Sul, classificação do Império Português. Você assiste um vídeo desses e vê a falência do ensino público e do ensino de história nas escolas (particulares ou públicas) do país. O que esses elementos aprenderam no colégio? Nada.
Esse documentário foi gravado em 1992, há 21 anos atrás. Destaco a data pra quem acha que o 'problema' é "novo", que surgiu "um dia desses".
Obviamente que o que foi citado no post é só uma parte citada no documentário e que não chega a ser o ponto central do mesmo (quem quiser saber do resto que assista os vídeos), como por exemplo quando falam abertamente que deveriam exterminar judeus ou que, "caso (o Holocausto) fosse verdade que Hitler deveria ter exterminado mais judeus", o que é uma declaração explícita do que pensa esses bandos sobre minorias, independente de sua própria deformação intelectual e moral.
Esse documentário é chave pra entender a questão do negacionismo no Brasil e dessa extrema-direita de cunho fascista, um dos documentários mais bem elaborados no país pois evita fazer rodeios sobre o problema e vai direto ao ponto.
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domingo, 28 de abril de 2013
Delírios mitológicos geográficos "revisionistas" no Brasil - O Nordeste mitológico revimané
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sábado, 5 de maio de 2012
Shlomo Sand: A invenção do povo judeu (livro)
Toda a história dos judeus nada mais é do que uma invenção intencional? Jonathan Wittenberg permanece cético.
Jonathan Wittenberg
The Guardian, Sábado, 9 de janeiro de 2010
"Como podemos desnacionalizar histórias nacionais?" pergunta Shlomo Sand, fazendo uma citação com aprovação do historiador francês Marcel Detienne, antes de fazer o desafio com suas próprias palavras: "Como poderemos parar a marcha ao longo de estradas pavimentadas principalmente com materiais forjados com fantasias nacionais?" Esta é a questão-chave de um livro que pretende, a partir do título, ser provocativo.
Livros desconfortáveis, se são bons, podem ser importantes. Narrativas nacionais não precisam de desconstrução, pois elas muitas vezes nos cegam para diferentes percepções do mundo e nos ensurdece junto às reivindicações dos outros. Isto é certamente verdadeiro no Oriente Médio, e eu sou um dos muitos judeus que concordaria com Sand que um fator decisivo para o futuro de Israel será sua capacidade de ser muito mais atento às narrativas e direitos de seus palestinos e outros cidadãos não-judeus.
Mas o livro é uma grande decepção. Sua tentativa de varredura para desmontar toda a história do povo judeu desde suas origens até o tempo presente de Israel tentando provar que é uma invenção intencional é marcada por premissas tendenciosas, com uma leitura errada dos acontecimentos-chaves e ignorância de textos centrais e instituições.
O argumento de Sand começa com conceitos europeus de nação e people-hood do século XIX. Ele afirma que historiadores judeus como Graetz foram profundamente influenciados por noções germânicas do "Volk" no qual a ideia a ideia do Estado moderno é construída. Este nacionalismo foi aguçado pelo discurso de raça e eugenia correntes na época e até mais tarde na Europa, com resultados desastrosos para a judiaria. Sand traça uma linha de Graetz aos historiadores sionistas que, como ele afirma, empregaram conceitos bioétnicos para inventar uma entidade imaginária, um povo com continuidade racial judaica que foi exilado de sua terra, e que portanto poderia retornar até ela 2000 anos mais tarde. Tal continuidade, argumenta Sand, é uma ficção e o povo judeu portanto é uma "invenção".
Um ponto chave para Sand é o destino dos judeus depois da destruição do tempo em Jerusalém pelos romanos em 70EC(d.C.). Sand tenta provar que o exílio dos judeus na sequência desta e subsequentes derrotas nunca aconteceu. É uma ficção da historiografia judaica moderna: portanto, nem mesmo as comunidades judaicas da África do Norte e europeias podem ser produtos de uma diáspora de exilados, mas são antes de tudo o resultado de conversões em massa de populações das mais racialmente diversas. Portanto, não há continuidade genética entre judeus de hoje e aqueles que uma vez habitaram a antiga Judeia.
As falhas no argumento de Sand são ambas histórica e conceitual. A idéia de exílio, como ele sugere, foi adotada a partir da visão cristã de que os judeus foram punidos com a dispersão pelo crime de matar Jesus. Mas isso não faz sentido. O paradigma do exílio e do retorno é encontrado na Bíblia em Deuteronômio e Jeremias em relação à destruição do Primeiro Templo pelos babilônios em 576AEC(a.C.). É, portanto, parte das narrativas judaicas de séculos antes do cristianismo. Além disso, ao contrário do que sustenta Sand, historiadores sérios do período consideram que os romanos, de fato, mataram ou venderam como escravos muitos dos milhares de judeus. O resto da população foi proibida de ter acesso à Jerusalém que foi renomeada Aelia Capitolina. Isso certamente geraria um sentimento de exílio em qualquer povo.
O que é indiscutível é que as primeiras comunidades judaicas cresceram através da conversão. Mas a tese central de Sand é de que a maior parte dos judeus da moderna Europa Oriental deve sua origem ao convertido reino dos khazares, algo que tem sido amplamente discutido e rejeitado, especialmente na esteira do famoso livro de Arthur Koestler sobre o assunto. A alegação de Sand é de que todo esse episódio foi abafado porque enferma a noção sionista de continuidade etnobiológica judaica, que não pode ser mantida.
Igualmente importante é o que Sand fracassa em discutir. Para um grande número de judeus, os argumentos sobre origens raciais são ambos feios e, mais importante, irrelevantes. Em vez disso, a continuidade judaica tem como premissa fatores religiosos, incluindo a observância da Torá, o estudo do Talmud, a criação de comunidades, a vida da sinagoga e os laços da liturgia. Estes pontos são o que fazem as ligações vitais entre as gerações de judeus. Para examinar a história judaica quase sem referência à sua vida religiosa e da literatura é como tentar discutir o Islã sem mencionar o Hadith, a Sharia ou o papel da comunidade muçulmana. Considerando que Sand é muito certo de que a vida judaica sempre refletiu as culturas locais, a sua afirmação "de que nunca houve cultura de um povo judeu" não pode ser levado a sério.
Sand praticamente ignora a perseguição e antissemitismo como fatores que contribuíram para formação de narrativas judaicas, assim como ele omite o papel dessa hostilidade na influência e formação de atitudes israelenses mais tarde.
No capítulo final, Sand oferece uma crítica severa às limitações da democracia israelense. É um tributo ao liberalismo do país, que ele reconhece apesar de suas reservas profundas, que seu livro foi lido lá. Rejeitando a viabilidade de um estado binacional, ele salienta a necessidade urgente de um fim da ocupação e para a participação genuína igualitária de todos os cidadãos do país em seus processos civis como forma de evitar conflitos profundos dentro de suas fronteiras pré-1967. Nisso eu concordo.
Sand deixa claro desde o início que ele se identifica com os excluídos pela narrativa judaico-israelense. Infelizmente, o livro não tem empatia com o forasteiro como poderia se esperar. Em vez disso, o livro é impulsionado por uma polêmica sustentada contra uma leitura equivocada do judaísmo, mais imposta pelo próprio autor do que por aqueles "historiadores autorizados" cuja suposta repressão de "insolentes pequenos fatos" ele se propõe a desvendar. Ironicamente, para um livro destinado a desconstruir mitos, pode muito bem ser listado por estes, com uma mitologia alternativa de que os judeus não têm direito a um Estado. Infelizmente, isso não serviria para promover os interesses dos palestinos, dos israelenses, ou da paz.
Jonathan Wittenberg é rabino da Sinagoga New North de Londres. Seus livros incluem "The Silence of Dark Water: An Inner Journey" (Robin Clark/Joseph's Bookstore).
Fonte: The Guardian (Reino Unido). Crítica do livro The Invention of the Jewish People (A invenção do povo judeu) de Shlomo Sand
http://www.guardian.co.uk/books/2010/jan/09/invention-jewish-people-sand-review
Tradução: Roberto Lucena
Leitura adicional:
A invenção do povo judeu (A "equivoco" do livro de Shlomo Sand) (blog avidanofront)
Ver mais:
Os Khazares e o "revisionismo"
Jonathan Wittenberg
The Guardian, Sábado, 9 de janeiro de 2010
"Como podemos desnacionalizar histórias nacionais?" pergunta Shlomo Sand, fazendo uma citação com aprovação do historiador francês Marcel Detienne, antes de fazer o desafio com suas próprias palavras: "Como poderemos parar a marcha ao longo de estradas pavimentadas principalmente com materiais forjados com fantasias nacionais?" Esta é a questão-chave de um livro que pretende, a partir do título, ser provocativo.
Livros desconfortáveis, se são bons, podem ser importantes. Narrativas nacionais não precisam de desconstrução, pois elas muitas vezes nos cegam para diferentes percepções do mundo e nos ensurdece junto às reivindicações dos outros. Isto é certamente verdadeiro no Oriente Médio, e eu sou um dos muitos judeus que concordaria com Sand que um fator decisivo para o futuro de Israel será sua capacidade de ser muito mais atento às narrativas e direitos de seus palestinos e outros cidadãos não-judeus.
Mas o livro é uma grande decepção. Sua tentativa de varredura para desmontar toda a história do povo judeu desde suas origens até o tempo presente de Israel tentando provar que é uma invenção intencional é marcada por premissas tendenciosas, com uma leitura errada dos acontecimentos-chaves e ignorância de textos centrais e instituições.
O argumento de Sand começa com conceitos europeus de nação e people-hood do século XIX. Ele afirma que historiadores judeus como Graetz foram profundamente influenciados por noções germânicas do "Volk" no qual a ideia a ideia do Estado moderno é construída. Este nacionalismo foi aguçado pelo discurso de raça e eugenia correntes na época e até mais tarde na Europa, com resultados desastrosos para a judiaria. Sand traça uma linha de Graetz aos historiadores sionistas que, como ele afirma, empregaram conceitos bioétnicos para inventar uma entidade imaginária, um povo com continuidade racial judaica que foi exilado de sua terra, e que portanto poderia retornar até ela 2000 anos mais tarde. Tal continuidade, argumenta Sand, é uma ficção e o povo judeu portanto é uma "invenção".
Um ponto chave para Sand é o destino dos judeus depois da destruição do tempo em Jerusalém pelos romanos em 70EC(d.C.). Sand tenta provar que o exílio dos judeus na sequência desta e subsequentes derrotas nunca aconteceu. É uma ficção da historiografia judaica moderna: portanto, nem mesmo as comunidades judaicas da África do Norte e europeias podem ser produtos de uma diáspora de exilados, mas são antes de tudo o resultado de conversões em massa de populações das mais racialmente diversas. Portanto, não há continuidade genética entre judeus de hoje e aqueles que uma vez habitaram a antiga Judeia.
As falhas no argumento de Sand são ambas histórica e conceitual. A idéia de exílio, como ele sugere, foi adotada a partir da visão cristã de que os judeus foram punidos com a dispersão pelo crime de matar Jesus. Mas isso não faz sentido. O paradigma do exílio e do retorno é encontrado na Bíblia em Deuteronômio e Jeremias em relação à destruição do Primeiro Templo pelos babilônios em 576AEC(a.C.). É, portanto, parte das narrativas judaicas de séculos antes do cristianismo. Além disso, ao contrário do que sustenta Sand, historiadores sérios do período consideram que os romanos, de fato, mataram ou venderam como escravos muitos dos milhares de judeus. O resto da população foi proibida de ter acesso à Jerusalém que foi renomeada Aelia Capitolina. Isso certamente geraria um sentimento de exílio em qualquer povo.
O que é indiscutível é que as primeiras comunidades judaicas cresceram através da conversão. Mas a tese central de Sand é de que a maior parte dos judeus da moderna Europa Oriental deve sua origem ao convertido reino dos khazares, algo que tem sido amplamente discutido e rejeitado, especialmente na esteira do famoso livro de Arthur Koestler sobre o assunto. A alegação de Sand é de que todo esse episódio foi abafado porque enferma a noção sionista de continuidade etnobiológica judaica, que não pode ser mantida.
Igualmente importante é o que Sand fracassa em discutir. Para um grande número de judeus, os argumentos sobre origens raciais são ambos feios e, mais importante, irrelevantes. Em vez disso, a continuidade judaica tem como premissa fatores religiosos, incluindo a observância da Torá, o estudo do Talmud, a criação de comunidades, a vida da sinagoga e os laços da liturgia. Estes pontos são o que fazem as ligações vitais entre as gerações de judeus. Para examinar a história judaica quase sem referência à sua vida religiosa e da literatura é como tentar discutir o Islã sem mencionar o Hadith, a Sharia ou o papel da comunidade muçulmana. Considerando que Sand é muito certo de que a vida judaica sempre refletiu as culturas locais, a sua afirmação "de que nunca houve cultura de um povo judeu" não pode ser levado a sério.
Sand praticamente ignora a perseguição e antissemitismo como fatores que contribuíram para formação de narrativas judaicas, assim como ele omite o papel dessa hostilidade na influência e formação de atitudes israelenses mais tarde.
No capítulo final, Sand oferece uma crítica severa às limitações da democracia israelense. É um tributo ao liberalismo do país, que ele reconhece apesar de suas reservas profundas, que seu livro foi lido lá. Rejeitando a viabilidade de um estado binacional, ele salienta a necessidade urgente de um fim da ocupação e para a participação genuína igualitária de todos os cidadãos do país em seus processos civis como forma de evitar conflitos profundos dentro de suas fronteiras pré-1967. Nisso eu concordo.
Sand deixa claro desde o início que ele se identifica com os excluídos pela narrativa judaico-israelense. Infelizmente, o livro não tem empatia com o forasteiro como poderia se esperar. Em vez disso, o livro é impulsionado por uma polêmica sustentada contra uma leitura equivocada do judaísmo, mais imposta pelo próprio autor do que por aqueles "historiadores autorizados" cuja suposta repressão de "insolentes pequenos fatos" ele se propõe a desvendar. Ironicamente, para um livro destinado a desconstruir mitos, pode muito bem ser listado por estes, com uma mitologia alternativa de que os judeus não têm direito a um Estado. Infelizmente, isso não serviria para promover os interesses dos palestinos, dos israelenses, ou da paz.
Jonathan Wittenberg é rabino da Sinagoga New North de Londres. Seus livros incluem "The Silence of Dark Water: An Inner Journey" (Robin Clark/Joseph's Bookstore).
Fonte: The Guardian (Reino Unido). Crítica do livro The Invention of the Jewish People (A invenção do povo judeu) de Shlomo Sand
http://www.guardian.co.uk/books/2010/jan/09/invention-jewish-people-sand-review
Tradução: Roberto Lucena
Leitura adicional:
A invenção do povo judeu (A "equivoco" do livro de Shlomo Sand) (blog avidanofront)
Ver mais:
Os Khazares e o "revisionismo"
sábado, 13 de fevereiro de 2010
O inimigo judeu-maçônico na propaganda franquista (1936-1945)
Livro de J. Domínguez Arribas
Marcial Pons, 2009. 534 páginas. (29/01/2010)
Os espanhóis que viveram sob a ditadura franquista nunca poderão esquecer das alucinações do próprio Franco, de seus ministros e de outros altos responsáveis políticos contra a aliança judaico-maçônica-esquerdista que, supostamente, sempre a espreita, pretendia subverter ou quebrar a Espanha. Qualquer opositor ao regime sabia além disso que aquelas ameaças não ficavam em mera retórica e que constituíam normalmente o anúncio de uma repressão que se aplicava com manifesta discricionariedade, assimilando a condição semita, maçônica ou marxista a todo aquele que lutasse pelo restabelecimento das liberdades ou se atrevesse a discordar. Que essa aversão se manifestara contra as forças de esquerda em geral e contra os comunistas em particular - o adversário por antonomásia durante a guerra civil - tinha todo o seu sentido e não requer explicação alguma.
Mas, por que pintavam os outros no quadro de honra de inimigos do regime? Uma pergunta - ou uma perplexidade - que surge da constatação de que na Espanha não havia judeus como comunidade visível desde a expulsão de 1492 e que a maçonaria como organização havia tido sempre em nosso país - em que pese que se afirme com frequência desde tribunas conservadoras - uma influência bastante limitada, devido em boa parte porque as lojas não contavam com muitos membros (uns 5.000 militantes em 1936). É verdade que houve durante a República maçons proeminentes em postos-chaves, mas eles haviam sido varridos pelo furacão furacão da guerra civil e suas redes destruídas e neutralizadas.
Não obstante, deixando já à parte os comunistas, que não são objeto deste trabalho, um peculiar antissemitismo (muito distinto do nazi ou ao de outros Estados fascistas) e uma proverbial animosidade antimaçônica distingue o sistema franquista desde suas origens. A reiteração durante décadas de problemas furibindos contra esses grupos pode conduzir paradoxalmente a uma saturação que, ainda hoje, impede o entendimento cabal daquela obsessão. Começando, por exemplo, com um dado que a muitos lhes parecerá surpreendente e que se destaca neste livro desde os compassos iniciais: a expressão “mancomunagem judeu-maçônico” não aparece no período que aqui se estuda, ao correspondente chamado de primeiro franquismo. Não é a única falsa crença que há que se combater, pois ainda mais importante é desfazer o preconceito de que se trata de um tema conhecido. Muito pelo contrário, como também se sublinha desde o princípio, que há muito pouca bibliografia específica sobre as questões concretas que aqui se abordam. Por exemplo, graças sobretudo ao trabalho de Ferrer Benimeli, conhecemos muitos dados acerca da maçonaria espanhola, mas muito menos de seu contrário, o antimaçonarismo militante e doutrinal. Algo não muito distinto pode se dizer dos judeus (neste tramo histórico) e o antissemitismo hispânico, ainda que neste caso contamos com a magnífica síntese de Alvarez Chillida "El antisemitismo en España"(O antissemitismo na Espanha). (M. Pons, 2002).
Tem razão portanto o autor, Javier Domínguez (1975), quando destaca que falta um estudo sitemático e em profundidade sobre a matéria que se aborda, que é, não a esqueçamos, a amálgama e representação que se faz desses coletivos a propaganda franquista e não a atenção aos judeus e maçons reais (enfoque que, por outra parte, não daria muito de si, dada a escassa presença de ambas comunidades no âmbito espanhol). Esse paradoxo é a que ilumina o sentido dessa investigação - tese de doutorado em sua origem -, que pretende rastrear a lógica interna do discurso franquista para explicar porque se justapõem dois grupos tão minoritários e tão diversos entre si e, sobretudo, quais são as funções que desempenha sua presença insistente na propaganda franquista. Dito de outro modo, o que pretendia o regime ao assinalar enfaticamente essas coletividades como seus inimigos?
Para contestar a essas questões, Domínguez começa por examinar os “condicionamentos” em dois sentidos distintos mas convergentes: a genealogia do inimigo judeu-maçônico na tradição espanhola (destacando o papel que desempenharam na construção do mito conspiratório no ranço católico e o pensamento reacionário do século dezoito) e a posição pessoal de Franco a respeito dessas questões. Resulta especialmente reveladora a atividade de uma misteriosa rede de informação denominada cripticamente de APIS que, segundo o autor, esteve fornecendo falsos informes maçônicos ao Caudilho, e que este tomava por autênticos e que, sempre segundo o investigador, foi determinante para o rígido antimaçonismo do ditador. É um assunto de importância que leva a concluir que, enquanto esta mania “marcou seu pensamento de maneira obsessiva”, o antissemitismo “nunca foi uma face definitória das ideias do Caudilho” (p. 154).
As duas partes centrais da obra são dedicadas a estudar as características concretas do discurso franquista contra judeus e maçons durante a guerra civil e a II Guerra Mundial, respectivamente. No primeiro período (1936-1939) se destaca o trabalho de uma editora que levava ironicamente o título de Edições Antisectárias e de seu fundador, o sacerdote barcelonês Juan Tusquets; no segundo período, o protagonismo destaca o nome das Edições Toledo (1941- 1943), com outro nome próprio indiscutível, o do maiorquino Francisco Ferrari. Ainda que com matizes distintas, o resultado de ambas atividades editoriais foi uma coleção de panfletos, de elevadas tiragens, que se moviam sempre na órbita de um catolicismo muito tradicional e de acusações apocalípticas contra a hidra judeu-maçônica.
A quarta e última parte da obra reune todos os fios anteriores para contestar as grandes questões propostas desde o princípio, com duas derivações fundamentais, o uso do discurso antimaçônico como arma política e a utilização do espantalho judeu-maçônico como fator de coesão nas fileiras franquistas. Segundo Domínguez houve quatro grandes razões para que o franquismo assumisse e desenvolvesse esta hostilidade: uma função explicativa da realidade de forma mítica, muito rentável em termos propagandísticos; uma simplificação ideológica, com clara delimitação do inimigo “antiespanhol”; uma legitimação em termos nacionais e religiosos frente a uma conspiração de tintas anticristãs e internacionalistas e, por último, o esboço de um referente quase demoníaco que não só permitia, por contraste, reforçar uma reta identidade coletiva senão que justificava a existência de um poder forte (e com ele a restrição das liberdades).
Todos esses envolvidos estavam, como é óbvio, profundamente imbricados e tinham inclusive desvios surpreendentes como as veladas acusações de conivência com a maçonaria entre as diversas facções franquistas como instrumento para infrigir os competidores. Há que sublinhar neste sentido que a aversão antimaçônica sempre foi mais importante - até no próprio Franco - que a predisposição antijudaica. Ainda que o afã minucioso do autor lhe leva a assinalar ao final, algumas questões ainda pendentes de se elucidar (da dimensão internacional à recepção desse discurso na sociedade espanhola da época), o certo é que seu livro constitui um exaustivo estudo do tema que não deixa quase nenhum fio solto, tão sólido no aspecto documental como bem ordenado e belamente escrito.
Rafael NUÑEZ FLORENCIO
Maçons franquistas
O caso do general Cabanellas
http://www.elcultural.es/version_papel/LETRAS/26539/El_enemigo_judeo-masonico_en_la_propaganda_franquista_(1936-1945)
Tradução: Roberto Lucena
Ler mais: infoEnpunto(Espanha)
Marcial Pons, 2009. 534 páginas. (29/01/2010)
Os espanhóis que viveram sob a ditadura franquista nunca poderão esquecer das alucinações do próprio Franco, de seus ministros e de outros altos responsáveis políticos contra a aliança judaico-maçônica-esquerdista que, supostamente, sempre a espreita, pretendia subverter ou quebrar a Espanha. Qualquer opositor ao regime sabia além disso que aquelas ameaças não ficavam em mera retórica e que constituíam normalmente o anúncio de uma repressão que se aplicava com manifesta discricionariedade, assimilando a condição semita, maçônica ou marxista a todo aquele que lutasse pelo restabelecimento das liberdades ou se atrevesse a discordar. Que essa aversão se manifestara contra as forças de esquerda em geral e contra os comunistas em particular - o adversário por antonomásia durante a guerra civil - tinha todo o seu sentido e não requer explicação alguma.
Mas, por que pintavam os outros no quadro de honra de inimigos do regime? Uma pergunta - ou uma perplexidade - que surge da constatação de que na Espanha não havia judeus como comunidade visível desde a expulsão de 1492 e que a maçonaria como organização havia tido sempre em nosso país - em que pese que se afirme com frequência desde tribunas conservadoras - uma influência bastante limitada, devido em boa parte porque as lojas não contavam com muitos membros (uns 5.000 militantes em 1936). É verdade que houve durante a República maçons proeminentes em postos-chaves, mas eles haviam sido varridos pelo furacão furacão da guerra civil e suas redes destruídas e neutralizadas.
Não obstante, deixando já à parte os comunistas, que não são objeto deste trabalho, um peculiar antissemitismo (muito distinto do nazi ou ao de outros Estados fascistas) e uma proverbial animosidade antimaçônica distingue o sistema franquista desde suas origens. A reiteração durante décadas de problemas furibindos contra esses grupos pode conduzir paradoxalmente a uma saturação que, ainda hoje, impede o entendimento cabal daquela obsessão. Começando, por exemplo, com um dado que a muitos lhes parecerá surpreendente e que se destaca neste livro desde os compassos iniciais: a expressão “mancomunagem judeu-maçônico” não aparece no período que aqui se estuda, ao correspondente chamado de primeiro franquismo. Não é a única falsa crença que há que se combater, pois ainda mais importante é desfazer o preconceito de que se trata de um tema conhecido. Muito pelo contrário, como também se sublinha desde o princípio, que há muito pouca bibliografia específica sobre as questões concretas que aqui se abordam. Por exemplo, graças sobretudo ao trabalho de Ferrer Benimeli, conhecemos muitos dados acerca da maçonaria espanhola, mas muito menos de seu contrário, o antimaçonarismo militante e doutrinal. Algo não muito distinto pode se dizer dos judeus (neste tramo histórico) e o antissemitismo hispânico, ainda que neste caso contamos com a magnífica síntese de Alvarez Chillida "El antisemitismo en España"(O antissemitismo na Espanha). (M. Pons, 2002).
Tem razão portanto o autor, Javier Domínguez (1975), quando destaca que falta um estudo sitemático e em profundidade sobre a matéria que se aborda, que é, não a esqueçamos, a amálgama e representação que se faz desses coletivos a propaganda franquista e não a atenção aos judeus e maçons reais (enfoque que, por outra parte, não daria muito de si, dada a escassa presença de ambas comunidades no âmbito espanhol). Esse paradoxo é a que ilumina o sentido dessa investigação - tese de doutorado em sua origem -, que pretende rastrear a lógica interna do discurso franquista para explicar porque se justapõem dois grupos tão minoritários e tão diversos entre si e, sobretudo, quais são as funções que desempenha sua presença insistente na propaganda franquista. Dito de outro modo, o que pretendia o regime ao assinalar enfaticamente essas coletividades como seus inimigos?
Para contestar a essas questões, Domínguez começa por examinar os “condicionamentos” em dois sentidos distintos mas convergentes: a genealogia do inimigo judeu-maçônico na tradição espanhola (destacando o papel que desempenharam na construção do mito conspiratório no ranço católico e o pensamento reacionário do século dezoito) e a posição pessoal de Franco a respeito dessas questões. Resulta especialmente reveladora a atividade de uma misteriosa rede de informação denominada cripticamente de APIS que, segundo o autor, esteve fornecendo falsos informes maçônicos ao Caudilho, e que este tomava por autênticos e que, sempre segundo o investigador, foi determinante para o rígido antimaçonismo do ditador. É um assunto de importância que leva a concluir que, enquanto esta mania “marcou seu pensamento de maneira obsessiva”, o antissemitismo “nunca foi uma face definitória das ideias do Caudilho” (p. 154).
As duas partes centrais da obra são dedicadas a estudar as características concretas do discurso franquista contra judeus e maçons durante a guerra civil e a II Guerra Mundial, respectivamente. No primeiro período (1936-1939) se destaca o trabalho de uma editora que levava ironicamente o título de Edições Antisectárias e de seu fundador, o sacerdote barcelonês Juan Tusquets; no segundo período, o protagonismo destaca o nome das Edições Toledo (1941- 1943), com outro nome próprio indiscutível, o do maiorquino Francisco Ferrari. Ainda que com matizes distintas, o resultado de ambas atividades editoriais foi uma coleção de panfletos, de elevadas tiragens, que se moviam sempre na órbita de um catolicismo muito tradicional e de acusações apocalípticas contra a hidra judeu-maçônica.
A quarta e última parte da obra reune todos os fios anteriores para contestar as grandes questões propostas desde o princípio, com duas derivações fundamentais, o uso do discurso antimaçônico como arma política e a utilização do espantalho judeu-maçônico como fator de coesão nas fileiras franquistas. Segundo Domínguez houve quatro grandes razões para que o franquismo assumisse e desenvolvesse esta hostilidade: uma função explicativa da realidade de forma mítica, muito rentável em termos propagandísticos; uma simplificação ideológica, com clara delimitação do inimigo “antiespanhol”; uma legitimação em termos nacionais e religiosos frente a uma conspiração de tintas anticristãs e internacionalistas e, por último, o esboço de um referente quase demoníaco que não só permitia, por contraste, reforçar uma reta identidade coletiva senão que justificava a existência de um poder forte (e com ele a restrição das liberdades).
Todos esses envolvidos estavam, como é óbvio, profundamente imbricados e tinham inclusive desvios surpreendentes como as veladas acusações de conivência com a maçonaria entre as diversas facções franquistas como instrumento para infrigir os competidores. Há que sublinhar neste sentido que a aversão antimaçônica sempre foi mais importante - até no próprio Franco - que a predisposição antijudaica. Ainda que o afã minucioso do autor lhe leva a assinalar ao final, algumas questões ainda pendentes de se elucidar (da dimensão internacional à recepção desse discurso na sociedade espanhola da época), o certo é que seu livro constitui um exaustivo estudo do tema que não deixa quase nenhum fio solto, tão sólido no aspecto documental como bem ordenado e belamente escrito.
Rafael NUÑEZ FLORENCIO
Maçons franquistas
O caso do general Cabanellas
Destaca Javier Domínguez no livro que, ainda que a maçonaria fosse percebida desde o início da guerra como um dos maiores adversários do chamado bando nacional, numerosos maçons se uniram a suas fileiras. “Ironicamente, até o general Miguel Cabanellas era maçon, presidente da primeira institução que dirigia em teoria os militares rebeldes, a Junta de Defensa Nacional. Contudo, como organização, a maçonaria espanhola manifestou publicamente seu apoio às autoridades republicanas legítimas, e é quase seguro que centenas de maçons foram fuzilados durante os primeiros meses da guerra nas zonas controladas pelos sublevados, ainda que, ao que parece, não só por serem maçons como por pertencerem às forças de esquerda” (p. 157)Fonte: ElCultural.es(Espanha)
http://www.elcultural.es/version_papel/LETRAS/26539/El_enemigo_judeo-masonico_en_la_propaganda_franquista_(1936-1945)
Tradução: Roberto Lucena
Ler mais: infoEnpunto(Espanha)
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