segunda-feira, 14 de abril de 2008

O Mundo Maluco de Walter Sanning - Parte 2

Traduzido por Leo Gott à partir do link:

Na Parte 1 desta série, analisamos a distorção das fontes por Sanning relativas à população judaica da Polônia pré-guerra. Esta segunda parte analisa o tratamento de Sanning a uma fonte judaica do tempo de guerra que se refere aos refugiados judeus poloneses que haviam sido deportados para a URSS.

Em sua tentativa de colocar os judeus da Polônia ocidental e central fora do alcance dos nazistas, Sanning alega que 750.000 judeus cruzaram a linha de demarcação germano-soviética entre Setembro de 1939 e Junho de 1941, e que posteriormente Stalin tinha deportado todos eles para áreas no interior da União Soviética onde a maioria deles posteriormente morreu por maus tratos. Na seguinte passagem (p.43-44) Sanning explica como o valor de 750.000 foi obtido:

A Enciclopédia Judaica Universal [Universal Jewish Encyclopedia] informou que o Comitê Misto de Distribuição - uma grande organização internacional que ajuda refugiados judeus - iniciou um programa de ajuda no início de 1942 -600.000 refugiados judeus de origem polonesa refugiaram-se na Rússia asiática. No entanto, se houvesse 600.000 destes refugiados judaicos na Ásia Soviética, no início 1942, muitos mais devem ter sido enviados para a Sibéria pelos soviéticos, porque a viagem trouxe a morte e o sofrimento a muitos. Em conexão com o transporte desumano para o leste, o Comitê Misto de Distribuição escreveu em seu Boletim de Junho de 1943: "A partir de um quinto até a um terço do número de refugiados morreram... quem não viu as milhares de sepulturas, principalmente das crianças, não pode compreender". Isto significa que o número de refugiados judeus da Polônia Ocidental que foram presos e deportados pelos soviéticos para a Sibéria variou entre 750.000 a 900.000! Mas apenas 600.000 sobreviverem à incrível viagem e chegaram ao seu destino. [...]Por falta de mais uma prova, vamos aceitar o menor valor de 750.000 judeus como tendo abandonado o oeste da Polônia para o antigo território polonês ocupado pela União Soviética.


Uma grave falha de metodologia pode ser encontrada nesta passagem. Porque Sanning depende de uma fonte secundária (A Enciclopédia Judaica Universal), para fazer referência a uma fonte primária (o JDC) cujos arquivos são facilmente acessíveis? Para investigar essa questão, nós contatamos a seção de arquivo do JDC, que gentilmente nos enviou digitalizações da publicação mensal JDC Digest e relatórios anuais de 1942 e 1943. A primeira referência a um valor de 600.000 nestas digitalizações está contida no JDC Digest, Vol. 1, n º 4, Outubro de 1942:

… A JDC está comprando equipamento completo com 6x100 camas-bases de hospitais para cuidar dos muitos enfermos entre os estimados 2.000.000 de refugiados poloneses na Sibéria, dos quais 600.000 dizem ser judeus.

Provavelmente esta fonte é da Universal, mas ainda é visível a partir desta passagem que o valor de 600.000 são boatos: "600.000 dizem ser judeus". Sanning evita a fonte direta porque ele seria envergonhado por ser de natureza de um boato. Mais importante ainda, Sanning teria sido obrigado a mencionar posteriormente que uma JDC Digest, a partir de Abril de 1943, continha um relatório intitulado 'Field Trip to Teheran by Harry Viteles'("Viagem de Campo à Teerã por Harry Viteles"), que admitiu que haviam enormes variações nas estimativas disponíveis:

Estimativas sobre a variação do número de judeus poloneses nas Repúblicas Russas Asiáticas. Algumas alegações foram tão altas como os 600.000, outros indicaram que havia menos de 100.000...


Além disso, Sanning não faz uma pergunta óbvia crítica sobre a origem da suposta informação do JDC: o JDC tinha pessoas no território da Rússia para distribuir ajuda? A resposta pode ser encontrada na edição de Novembro 1942, p.4:

O Governo polonês [no exílio] providenciou este material para entrar com isenção de direitos aduaneiros e ser enviado para a sua embaixada em Kuibyshev, o ponto a partir do qual serão distribuidos para seus 300 escritórios distritais.


Além disso, era uma condição de que esse programa de ajuda tivesse de ser distribuído em uma "base-não-sectária". Esta estrutura, não se aplicava apenas à JDC, mas a todas as associações caritativas. Portanto, não se exige muita imaginação para saber por que razão os funcionários do Governo polonês no exílio poderiam ter alimentado a JDC com falsas informações sobre o número de judeus poloneses na União Soviética.

A JDC deve ter pensado que seus pacotes iriam para Judeus mas estes funcionários devem ter os desviado para seus próprios parentes e amigos.

Esta suspeita é apoiada por um estudo de uma outra entidade de caridade, a "Vaad", que forneceu ajuda aos estudiosos judeus poloneses exilados na Rússia em 1942, e passou por essa mesma burocracia como a JDC, discutido aqui. Note a seguinte passagem:

Este projeto enfrentou formidáveis obstáculos técnicos, uma vez que muitas vezes era difícil localizar as pessoas a quem o Vaad procurou ajudar e, por outro lado, o auxílio do governo soviético foi dificultado pela regulamentação do trabalho. A mais importante diretiva estabelecia que todos os cidadãos poloneses na União Soviética ajudassem em massa, teve de ser canalizadas através de agências do governo polonês no exílio. Enquanto a assistência poderia ser direcionada para indivíduos específicos, poderia haver nenhuma ajuda especial de programas de judeus para judeus. Assim a ajuda enviada para a Rússia teve de ser dividida entre os refugiados-judeus poloneses e não-judeus por funcionários poloneses. Esta medida punha refugiados judeus a mercê dos funcionários poloneses, muitos dos quais eram anti-semitas.

A falta de citação diretamente das fontes do JDC por Sanning deve, portanto, levar a uma suspeita de que ele tenha ocultado as fontes primárias, a fim de evitar revelar que a JDC não tinha funcionários na União Soviética e foi confiando em boatos, que o conduziu a uma citação de um vasto leque de estimativas de "inferior a 100.000" para "600.000". Na citação, Sanning usa a estimativa mais elevada, embora omitindo uma menor do Viteles Report, ou é simplesmente negligente ou fraudulento.

A suspeita de fraude, ao invés de simples negligência é reforçada pelo fato de Sanning ter distorcido da mesma forma a fonte da JDC nos valores para a Polônia Ocidental. No intuito de "mostrar" que 750.000 judeus cruzaram a linha de demarcação, Sanning tenta demonstrar que apenas 630.000 judeus foram deixados na parte ocidental da Polônia, em Junho de 1941. Para isso, ele recorre a uma citação fora do contexto da supracitada Enciclopédia Judaica Universal(Universal Jewish Encyclopedia), sugerindo que o JDC tratava de 630.000 judeus na zona alemã. Conforme demonstrado por Zimmerman, a citação que Sanning retirou do contexto está nesta passagem:

Na área ocupada pela Alemanha cerca de 1.725.000 judeus foram submetidos a força à toda fúria alemã. Cerca de 250.000 perderam a vida durante os 12 meses após a eclosão da guerra. Pelo menos um número igual foi arrancado das suas casas. Eles, juntamente com o restante dos judeus da Polônia, foram confinados em guetos, espancados, expulsos de suas casas, arrastados para trabalho forçado e reduzidos a mendigos. Mais uma vez, fome e doença tiveram seu porte. A taxa de mortalidade no gueto de Varsóvia, contendo mais de 500.000 pessoas em 100 quarteiros de área, subiu para 15 vezes do tamanho no pré-guerra. Durante todo este período trágico a rede de instituições que a JDC tinha acumulado na Polônia desde a primeira Guerra Mundial, elas se mantiveram bem firmes... a ajuda da JDC estava atingindo 630.000 pessoas diariamente em mais de 400 localidades em todo o território ocupado pela Alemanha...


Sanning, portanto, tira o seu valor de 630.000 de uma fonte que declara explicitamente que 1.725.000 judeus foram “guetificados” e postos em trabalhos forçados em grupo, dos quais 500.000 estavam somente no gueto de Varsóvia. Mais uma vez, portanto, nós flagramos Sanning abusando de sua fonte.

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