sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Entrevista com Norman Finkelstein, autor de "A Indústria do Holocausto"

Por Ricardo Besen (ricardobesen@ig.com)

iG Ler - Você rejeita a idéia da singularidade do holocausto. Não acha que esse é um assunto bastante complexo que é discutido de forma muito simplista em seu livro? Você poderia ter levado em consideração que historiadores e filósofos alemães discutiram o tema a sério e sem motivações políticas, como Theodor Adorno, por exemplo.

Finkelstein - Eu discuto o dogma de que o holocausto é CATEGORICAMENTE único. Como todos os temas de investigação histórica, ele deveria estar sujeito aos procedimentos fundamentais de contraste e comparação. Não há dúvida que alguns aspectos do holocausto nazista são significativamente únicos - cito inclusive o historiador Raul Hilberg quanto a esse ponto.

Aspectos da bomba atômica lançada sobre Hiroshima também são significativamente únicos. Mas será que um historiador japonês diria que não pode compará-la com o bombardeio convencional de Tóquio (onde provavelmente mais gente morreu)? O ponto de partida da indústria do holocausto é: "Não compare". O que quer que isso seja, não é história.

iG Ler - Você não exagera ao dizer que as pessoas eram indiferentes ao holocausto durante sua infância? Você menciona que seus pais sofreram privadamente. Deve-se admitir que o tema era de difícil tratamento, e não só por parte dos sobreviventes. Vários anos se passaram até que o livro de Primo Levi, "É isso um homem?" fosse publicado na Itália. Uma biógrafa de Levi, Sylvie Braibant, notou: "O mundo não estava preparado para isso". Não lhe parece que a hesitação em lidar com o assunto possa ter tido outras motivações que não as políticas?

Finkelstein - Em geral é difícil lidar com o sofrimento. Ainda ontem à noite assisti a um excelente - pois honesto - documentário sobre o Vietnã, "Regret to Inform....", ("Sinto informar..."). Foi terrivelmente doloroso rever o horror colossal infligido pelos EUA ao Vietnã.

A questão interessante é por que certos horrores são lembrados, enquanto outros são esquecidos. Essa é uma questão política e não "humana".

iG Ler - Uma das principais críticas a seu livro é que ele é movido por vingança pessoal pelos problemas que sua mãe teve para receber a indenização de guerra. De fato, você parece estar com pressa de chegar ao que considero a parte principal de seu livro, ou seja, a crítica à elite judaica americana. Você afirma que a posição dessa elite com relação a Israel mudou por razões políticas após a Guerra dos Seis Dias em 1967, mas trata o tema muito brevemente. Não lhe parece que o livro trata de questões complexas de forma muito rápida, tornando-o um alvo fácil para críticas (que, dado o tema, viriam mesmo que o livro fosse perfeito)?

Finkelstein - O subtítulo do livro é "Reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus". É uma intervenção modesta. No entanto, acho que o livro levanta questões importantes. Raul Hilberg considerou minhas teses basicamente corretas. Ele sugere que talvez eu devesse expandi-las em um outro livro. É pouco provável que eu vá fazê-lo.

Considero o livro um acerto de contas com os "publicitários" do holocausto que corromperam e rebaixaram a memória do sofrimento do povo judeu. É uma desgraça, um crime até. A indústria do holocausto é uma das maiores fomentadoras do anti-semitismo e da negação do holocausto no mundo hoje. Ela deve ser exposta, repudiada e banida da vida pública.

Se - como Hilberg tem reiterado - esses "camelôs" do holocausto estiverem implicados em chantagem e extorsão contra a Suíça, eles devem ser processados criminalmente.

iG Ler - Você afirma que a maior parte das críticas que seu livro tem recebido nos EUA é composta de ataques pessoais e não às suas idéias. Houve alguma crítica preocupada em debater apenas idéias? Qual foi a reação do público norte-americano ao livro?

Finkelstein - A única resenha séria de meu livro nos EUA foi feita por William Rubinstein em "First Things" (que pode ser lida no site de Finkelstein). O "New York Times" liderou o ataque pessoal, logo seguido pelo "Washington Post".

O propósito desses ataques dos principais jornais foi impedir a discussão pública do livro e alertar as bibliotecas para que não o comprassem. Parece que a campanha de vilanização deu resultado. Não fui convidado a participar de nenhum programa importante no rádio ou na televisão. O número total de resenhas escritas pode ser contado nos dedos.

Em compensação, a maior autoridade mundial no holocausto nazista, Raul Hilberg, tem continuamente elogiado meu livro em entrevistas.

iG Ler - Qual é a dificuldade de debater nos EUA um tema como o holocausto, quando se vai contra a corrente?

Finkelstein - Os EUA são o quartel-general da indústria do holocausto. Não surpreende, portanto, que qualquer crítica a essa indústria, ou seja, à exploração do sofrimento dos judeus para obtenção de ganhos políticos e financeiros, seja suprimida. Um livro documentando que chocolate dá câncer provavelmente seria banido na Suíça.

iG Ler - Qual foi a recepção do livro na Alemanha e em Israel? Houve uma diferença muito grande com relação à recepção nos EUA?

Finkelstein - Na Alemanha o livro provocou um debate nacional. 130 mil cópias do livro foram vendidas em duas semanas. Ele está em primeiro ou segundo lugar na lista de best sellers lá, bem como na Suíça e na Áustria.

A reação oficial da mídia alemã foi quase que completamente negativa. Já há dois livros em processo de impressão denunciando o meu livro. Outras obras, que me atacam menos que essas duas, mas são também bastante críticas, serão publicadas pela minha editora alemã, a Piper.

A reação do público, pelo que posso julgar pelos e-mails que recebo, é mais positiva. A Alemanha está sufocada pelo "politicamente correto" no que se refere ao tema holocausto.

Acho que muitos alemães estão gratos que um judeu finalmente tenha publicado o que quase todo mundo pensa privadamente: o negócio do holocausto fugiu do controle.

Em Israel houve pouca repercussão.

iG Ler - Você cita múltiplas fontes em seu livro. Considerando que o assunto atrai um grande número de pessoas fora do ambiente acadêmico e que não terão acesso a essas fontes, a leitura não fica prejudicada? Que tipo de público você pretendeu atingir?

Finkelstein - Minha intenção foi escrever o livro para o grande público, daí sua brevidade e aparato acadêmico modesto. Escrevi muitos livros nos quais o espaço reservado às notas é maior que o corpo do texto. Evitei conscientemente fazer isso nesse livro.

As linhas gerais de meu argumento são claras e as fontes em que me apoio suficientes para meus propósitos. Aliás, ainda não li nenhuma resenha que tenha discutido realmente meus argumentos e fontes. Em vez disso, tudo que ouço são conversas sobre "teorias conspiratórias", "judeu que se odeia", "negador do holocausto" e por aí vai.

A primeira regra de um bom advogado é: se você não pode responder a uma questão, mude de assunto.

iG Ler - Embora não seja o tema direto do livro "A Indústria do Holocausto", tem-se afirmado que você compara a situação do povo palestino hoje com a dos judeus na Alemanha nazista. É verdade? Em caso positivo, como você justifica essa posição?

Finkelstein - Como notei acima, há alguns aspectos que são comparáveis, outros não. Algumas semelhanças são bastante significativas, como, por exemplo, a meta de criar em Israel um país etnicamente puro, o uso extensivo de prisões administrativas, tortura e assim por diante.

Por outro lado, não há câmaras de gás ou assassinatos em série. Nesse caso as duas situações contrastam significativamente.

Em um nível moral eu não comparo sofrimentos: sofrimento é sofrimento. Essa é a herança que meus pais me deixaram. É o que eu mais admirava neles. Não pretendo abandonar esse nobre princípio moral.

iG Ler - Você está a par da polêmica criada na Alemanha pelo discurso (veja matéria ao lado) proferido pelo escritor Martin Walser ao receber o "Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães" em 1998, no qual ele externa uma opinião semelhante à sua sobre a instrumentalização do holocausto? Concorda com o ponto de vista dele?

Finkelstein - Sim, acho que ele está correto. De fato, acabei de receber um e-mail de um jovem alemão que afirma que aquilo que eu disse em minha recente visita à Alemanha ecoava o que Walser afirmou. A diferença é que eu sou judeu, de forma que posso me "livrar" do sentimento (da instrumentalização do holocausto).

A exploração do holocausto nazista e a coerção moral da Alemanha, são, francamente, um espetáculo nauseante. É tempo de todos os moralizadores "desses alemães" olharem para o espelho. A imagem não é bonita, se formos honestos conosco enquanto, digamos, norte-americanos.

iG Ler - Você afirma que há poucos historiadores do holocausto -Raul Hilberg seria um deles - com credibilidade. Você acredita que a polêmica gerada por seu livro possa mudar isso?

Finkelstein - Meu livro não pretende ser uma contribuição para o entendimento do holocausto nazista. Há excelentes historiadores trabalhando nesse campo. O propósito de meu livro é expor todas as bobagens que a "educação do holocausto" vem promovendo, que são, na verdade, propaganda pura - uma arma ideológica em uma ação política corrupta.

Fonte: IG
http://www.ig.com.br/paginas/igler/especiais/finkel/entrevista.html

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...