sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Doutores do inferno: o caso médico

Publicado em 9 de junho, 2012

Karl Brandt. Julgamento de Nuremberg
Em 25 de outubro de 1946, os Estados Unidos imputou quatro acusações a vinte médicos alemães e três auxiliares médicos no caso 'Estados Unidos da América contra Karl Brandt et al'. Assim se deu início ao primeiro e mais horrendo dos doze processos posteriores.

A primeira acusação era por conspiração.

A segunda, por crimes de guerra.

A terceira, por crimes contra a humanidade, entendendo por isto: assassinatos, brutalidades, humilhações, torturas, atrocidades e atos inumanos.

A quarta se referia à ato de pertencer a uma organização criminosa, declarada assim pelo Tribunal Internacional e conhecida comumente como a SS.

(…)

A medida que eles eram chamados, os acusados iam se levantando um por um. Eu os olhei todos. Tinham um aspecto desalinhado, usavam roupas sem passar, paletós e calças, ou uniformes militares despojados de todas as suas insígnias. Muitos calçavam botas militares. Pareciam ressentidos e arrogantes. Alguns tinham (sic) os lábios tensos, uma expressão dura e mesquinha no semblante, e a mandíbula apertada. No meu modo de ver, os de aparência mais vil eram os doutores Karl Brandt, com seus olhos penetrantes, e Wolfram Sievers, com sua barba negra e seu bigode pontiagudo. Apelidei-lhe de Barba Azul. (…)

O general de brigada Telford Taylor leu em voz alta as quatro acusações acima mencionadas e prosseguiu dizendo:

Entre setembro de 1939 e abril de 1945 os acusados aqui presentes cometeram de maneira intencional, voluntária e contrária ao Direito, crimes de guerra tal e como aparecem definidos no Artigo II da Lei 10ª do Conselho de Controle, no sentido de que perpetraram, fizeram papel coadjuvante, ordenaram, instigaram, foram partícipes voluntários e estiveram relacionados a planos e projetos que implicavam experimentos médicos, sem o consentimento das pessoas, com civis e membros das forças armadas de países então em guerra contra o Reich alemão e que estavam sob custódia do Reich alemão no exercício de seu poder como força de ocupação. Experimentos no curso dos quais os acusados cometeram assassinatos, brutalidades, humilhações, torturas, atrocidades e outros atos inumanos. Tais experimentos incluíram os seguintes, ainda que não se limitassem a eles:

- Experimentos relativos a altitudes elevadas. Muitas das vítimas desses experimentos (levados a cabo em uma câmara de baixa pressão na qual era possível reproduzir as condições atmosféricas e de pressão imperantes em altitude elevada, até um máximo de vinte mil metros) morreram como resultado desses experimentos e outras sofreram lesões graves, torturas e humilhações.

- Experimentos de congelamento. Às vítimas eram colocadas num tanque de água gelada até um máximo de três horas, ou lhes mantinha nus à intempérie pelo período de horas a temperaturas abaixo de zero, com o resultado no qual muitos morreram.

Chegado a este ponto, começava a custar para mim um grande esforço manter a moderação e conservar a compostura. O general prosseguiu:

- Experimentos com malária. Utilizando mosquitos ou injeções de extratos das glândulas mucosas de mosquitos, infectaram contra sua própria vontade a mais de mil pessoas que contraíram a malária, muitas delas morreram, enquanto outras sofreram fortes dores e deficiência permanente.

- Experimentos com gás mostarda. Infligiram feridas às vítimas de maneira premeditada e as infectaram rapidamente com gás venenoso; algumas das vítimas morreram e outras sofreram dores agudas e lesões graves.

- Experimentos com sulfanilamida. Às feridas que foram infligidas de maneira premeditada aos sujeitos da experimentação, infectaram-lhes com estreptococos, gangrena gasosa e tétanos, e na continuação foram introduzidas nas feridas lascas de madeira e vidro moído, no qual se produzia mortes, lesões graves e fortes dores.

- Experimentos relativos à regeneração de ossos, músculos e nervos e ao transplante de ossos. Extraíam-se das vítimas seções de osso, músculo ou nervos, o que lhes causavam fortes dores, mutilações, deficiência permanente e morte.

- Experimentos com água marinha. Os elementos eram desprovidos por completo de alimento e lhes davam unicamente água marinha processada quimicamente, o que causava intensas dores, sofrimento, lesões físicas graves e loucura.

- Experimentos com icterícia epidêmica. Infectavam os elementos premeditadamente com icterícia epidêmica, com o resultado de dores, sofrimento e morte.

- Experimentos de esterilização. Milhares de vítimas foram esterilizadas mediante Raios X, cirurgia e remédios, com o resultado de graves padecimentos físicos e mentais.

- Experimentos com tifo exantemático. Morreram centenas de pessoas: mais e 90 por cento dos sujeitos que foram infectados premeditadamente no transcurso dos experimentos.

- Experimentos com veneno. O veneno era administrado de maneira secreta na comida dos elementos da experimentação, no qual todos faleceram ou foram assassinados premeditadamente com a finalidade de fazer autópsia. Em outros casos eram disparadas, nas vítimas, balas de veneno que ocasionavam grandes sofrimentos e morte.

- Experimentos com bombas incendiárias. Infligiam queimaduras aos elementos da experimentação com fósforo extraído das bombas, o que ocasionava fortes dores, sofrimento e graves lesões físicas.

Civis e membros das forças armadas dos países então em guerra com a Alemanha foram assassinados no exercício de seu poder como força de ocupação. Cento e doze judeus foram escolhidos, assassinados e descarnados para completar uma coleção de esqueletos destinada à Universidade do Reich em Estrasburgo (França) sob a ocupação nazi.

(…)

Mediante o fato de ter sido posto em prática o programa de "eutanásia" do Reich alemão, assassinaram a centenas de milhares de seres humanos, entre eles cidadãos de países ocupados pelos alemães. Isto incluso a execução sistemática e secreta de anciãos, dementes, enfermos incuráveis, crianças deformes e outras pessoas por meio de gás, injeções letais e outros métodos em clínicas de repouso, hospitais e asilos. Essas pessoas eram consideras "bocas inúteis" e um fardo para o maquinário de guerra alemão. Era informado aos familiares das vítimas que eles haviam morrido de causas naturais, tais como infartes cardíacos. Os médicos alemães implicados no programa de "eutanásia" foram assim mesmo enviados aos países ocupados do leste da Europa para contribuir com o extermínio massivo de judeus.

- Vou pedir aos acusados que se declarem culpados ou inocentes das acusações que lhes são imputados - anunciou o juiz Beals -. (…)

A partir daqui, foram interpelados um a um os demais acusados. Todos tinham advogado. Todos se declararam inocentes das acusações que lhes foram imputadas.

(…) Teria me surpreendido se algum deles se declarasse culpado.

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
http://universoconcentracionario.wordpress.com/2012/06/09/doctores-del-infierno-el-caso-medico/
Trecho do livro (citado no blog): "Doctores del Infierno" (livro original em inglês, Doctors from Hell), Tempus, 2009, págs. 89-95; de Vivien Spitz
Tradução: Roberto Lucena

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