… os crimes dos nazis durante a Segunda Guerra Mundial se limitaram essencialmente à matança de judeus nas câmaras de gás de alguns campos de extermínio, uma vez que é esta a matéria em que se foca a atenção dos chamados "Revisionistas", aqueles malucos geralmente motivados pela admiração do regime nazi e/ou o ódio aos judeus.
No entanto, as câmaras de gás dos campos de extermínio de Chelmno, Belzec, Sobibor e Treblinka e dos campos de dupla finalidade de Auschwitz-Birkenau e Majdanek foram apenas um aspecto do genocídio dos judeus pelos nazis. Segundo The Destruction of the European Jews ("A Destruição dos Judeus Europeus") de Raul Hilberg, Tabela B-1 na página 1219, cerca de 800.000 judeus morreram em resultado de "guetização e ocupação em geral" em guetos na Europa de Leste ocupada pela Alemanha, em Theresienstadt e nas colônias da Transnístria do aliado romeno da Alemanha, ou devido a privações fora dos guetos. Cerca de 1,3 milhões foram mortos em fuzilamentos a céu aberto pelas Einsatzgruppen, unidades da SS e da polícia e unidades da Wehrmacht ou do exército romeno, e cerca de 300.000 pereceram em campos de concentração, de trabalho ou de trânsito ou sucumbiram à chacinas em massa pelos aliados croatas da Alemanha ou a outras causas. Portanto um total de 2,4 milhões das 5,1 milhões de vítimas judias do genocídio nazi estimadas por Hilberg, ou 47 % do total, não foram mortas por gaseamento em massa em campos com instalações dedicadas a esta finalidade. Pesquisas mais recentes, incluindo sem limitação os estudos país por país publicados por Wolfgang Benz e outros, Dimensionen des Völkermords (“Dimensões do Genocídio”), apontam para uma mortandade total judaica acima dos 6 milhões e para uma proporção ainda mais alta de mortes fora de tais campos, especialmente fuzilamentos a céu aberto por unidades assassinas móveis. No entanto, a preocupação dos "Revisionistas" com as operações de unidades assassinas móveis é insignificante ao lado da sua obsessão com as câmaras de gás (especialmente as de Auschwitz-Birkenau), e a mortandade em massa dos judeus devido a privações em guetos e campos quase nem é abordada por eles. Em conformidade com a natureza populista do "Revisionismo", esta fixação nas câmaras de gás é, desde logo, o espelho do conhecimento público dos vários aspectos do genocídio dos judeus pelos nazis.
O genocídio nazi dos judeus, por sua vez, foi apenas uma aspecto da chacina deliberada de não combatentes fora de ações de combate pelos nazis em toda a Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Embora este fato seja sobejamente conhecido por quem fez alguma pesquisa sobre o regime nazi e os seus horrores, parece até ser menos conhecido ao público em geral do que as mortes judias fora dos campos inteira ou parcialmente dedicados ao extermínio em massa, e em consonância ocupa um espaço ainda menor nas tentativas dos "Revisionistas" de falsificar a história. Mesmo estudiosos sérios dos crimes nazis às vezes parecem estar bastante mal informados sobre os crimes contra os não-judeus, como se vê, por exemplo, no artigo Are The Jews Central To The Holocaust de Gord McFee (Link de backup, de 04.12.2011; Link original, passar o mouse), membro de The Holocaust History Project, em que o autor escreve o seguinte (minha tradução):
O Holocausto, desde a sua concepção até à sua implementação, tinha um aspecto distintamente judeu, sendo sustentável afirmar que, sem este aspecto judeu, não teria havido Holocausto. A maior parte dos não-judeus não teria sido morta porque a maquinaria assassina não teria sido posta em operação.
De fato a sequência foi mais bem ao contrário. A maquinaria assassina foi posta em movimento visando judeus entre outros segmentos da população, é só posteriormente se focou principalmente nos judeus. Na página 10 do seu livro Krieg, Ernährung, Völkermord ("Guerra, Alimentação, Genocídio"), o historiador alemão Christian Gerlach escreve o seguinte (minha tradução, ênfases acrescentadas por mim):
Há muito que a ciência histórica se preocupa com a política de extermínio alemã nos primeiros meses da guerra contra a União Soviética. Foi de certo modo o preâmbulo de chacinas em massa em dimensões até então desconhecidas. A fim de esclarecer este desenvolvimento, parece útil distinguir entre duas fases: se o regime nacional-socialista tivesse repentinamente chegado ao fim em Maio de 1941, teria ficado na infâmia principalmente pelo assassinato de 70.000 pessoas doentes e inválidas na chamada ação de "eutanásia", de várias dezenas de milhares de polacos judeus e não-judeus e de muitos milhares de presos dos campos de concentração no Reich alemão. Perto do fim do ano 1941, o número de vítimas da política alemã de violência tinha aumentado em mais de três milhões de pessoas (sem contar as tropas do Exército Vermelho mortas em combate) – das quais cerca de 900,000 judeus, nove em cada dez destes nos territórios soviéticos ocupados, e cerca de dois milhões de prisioneiros de guerra soviéticos. [Nota de rodapé: Outros números elevados de vítimas tinham até então resultado da política alemã de combate a alegados guerrilheiros (um mínimo de 100,000 pessoas, principalmente na Bielorrússia, na Rússia Central e na Sérvia) e do bloqueio de fome contra Leningrado com centenas de milhares de mortos.] Somente no decurso do ano 1942 a população judaica da Europa se tornou o maior grupo de vítimas da política alemã de extermínio.
Quais foram as razões por trás deste salto quantitativo da chacina em massa nazi, que Gerlach salienta?
Um dos principais fatores que conduziram a este incremento, segundo Gerlach, foi o chamado Plano de Fome dos nazis. No seu artigo The Fate of Soviet Prisoners of War ("O Destino dos Prisioneiros de Guerra Soviéticos") (Link backup, de 06.10.2011, Link original, passar o mouse) outro historiador alemão, Christian Streit refere o seguinte (minha tradução):
A obtenção de alimentos do Leste era um dos principais objetivos do Reich alemão na guerra contra a Rússia Soviética. O colapso da Alemanha em 1918 tinha sido uma experiência traumática para os líderes alemães, e era ainda lembrado por Hitler e os seus generais. A exploração sem piedade de recursos alimentícios no Leste visava possibilitar que a população alemã desfrutasse de consumo alimentício como em tempos de paz, estabilizando assim a moral de guerra.
Os burocratas envolvidos no planejamento desta exploração, segundo Streit (minha tradução),
estavam perfeitamente conscientes do fato de que isto implicava "sem dúvida na morte por fome de muitos milhões de pessoas."
O que estes burocratas tinham em mente resulta claro de dois documentos parcialmente transcritos e traduzidos para inglês no tópico The Nazi Hunger Plan for Occupied Soviet Territories ("O Plano de Fome Nazi para os Territórios Soviéticos Ocupados") (Link backup, de 18.07.2011; Link original, passar o mouse) do fórum RODOH (Link backup, de 18.07.2011, Link original, passar o mouse): o protocolo de uma reunião dos secretários de estado em 02.05.1941 e as "Diretivas de Política Econômica para a Organização Econômica Leste, preparadas pelo Grupo [de Trabalho] Agricultura". No primeiro destes documentos lê-se o seguinte (minha tradução):
1.) A guerra só pode ser continuada se a Wehrmacht inteira for alimentada a partir da Rússia no 3º ano da guerra.
2.) Devido a isto muitos milhões de pessoas sem dúvida morrerão de fome quando retirarmos do país aquilo que é preciso para nós.
O segundo documento é mais detalhado a este respeito (minha tradução, ênfases acrescentadas por mim):
Não há interesse alemão em manter a capacidade produtiva destas regiões, também no que respeita ao abastecimento das tropas lá estacionadas. […] A população destas regiões, especialmente a população das cidades, deverá antecipar uma fome das maiores dimensões. O problema será redirecionar a população para as áreas da Sibéria. Estando fora de questão o transporte por via férrea, este problema também será extremamente difícil de resolver. […]
Do acima exposto conclui-se que a administração alemã nestas regiões podia bem tentar minguar as conseqüências da fome que sem dúvida ocorrerá e acelerará o processo de naturalização. Poder-se-á tentar cultivar lá áreas de forma mais extensiva, no sentido de expandir a área para cultivo de batatas e outros frutos de rendimento elevado para consumo. Isto não deterá a fome, contudo. Muitas dezenas de milhões de pessoas tornar-se-ão supérfluas nesta área e morrerão à fome ou terão que emigrar para a Sibéria. Tentativas de salvar a população da morte por fome utilizando excessos da zona de terra negra apenas podem ser feitas a custas do abastecimento da Europa. Tais tentativas impedem a capacidade da Alemanha de agüentar a guerra, impedem a resistência ao bloqueio da Alemanha e da Europa. Isto tem que ficar absolutamente claro.[…]
Estas considerações mostram quais são os pontos essenciais. O objetivo mínimo deverá ser o de libertar completamente a Alemanha de ter que alimentar a sua própria Wehrmacht no 3º ano da guerra, a fim de dar à economia alimentar alemã a possibilidade de, por um lado, manter as rações emitidas até agora e, por outro, criar certas reservas para o futuro. Será ainda necessário disponibilizar abastecimentos para a Alemanha na maior medida possível nos três campos chave da alimentação – sementes oleaginosas, trigo e carne – a fim de garantir a alimentação não apenas da Alemanha, mas também das áreas ocupadas ao norte e ao oeste. […]
Finalmente, cumpre salientar de novo os aspectos básicos. A Rússia, sob o sistema bolchevique, afastou-se da Europa por meras razões de poder e perturbou assim o balanço europeu de divisão de trabalhos. A nossa tarefa de reintegrar a Rússia neste balanço implica necessariamente destroçar o atual balanço econômico da URSS. Está fora de questão manter o que lá há, mas estamos conscientemente a nos afastar daquilo e a integrar a economia alimentar da Rússia na área européia. Isto conduzirá necessariamente à extinção da indústria e de uma grande parte das pessoas nas áreas até agora importadoras de alimentos.
Cumpre salientar esta alternativa da forma mais clara e dura possível.
Este monstruoso plano de chacina em massa através da fome não foi de forma alguma apenas a idéia de alguns burocratas malucos, contrariamente ao que Hermann Göring afirmou perante o Tribunal Internacional Militar no Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra em Nuremberg. Conforme referido nas "Diretivas", a "situação" lá descrita tinha sido "aprovada pelas mais altas entidades", e de fato as afirmações dos mais altos líderes nazis neste sentido mostram que estes consideravam a inanição massiva nos territórios ocupados da União Soviética como um dos seus objetivos, ou como uma das conseqüências inevitáveis da sua política. Gerlach cita algumas das afirmações neste sentido nas páginas 51 e seguintes do seu livro Kalkulierte Morde ("Assassinatos Calculados"), das quais traduzi o extrato seguinte (vide a minha mensagem no fórum RODOH de 30-Jul-2005 16:05):
O Plano de Fome também aparecia em outras ocasiões. Era um dos temas preferidos de Göring. Em Novembro de 1941 este disse ao ministro dos negócios estrangeiros italiano, Conde Ciano, que no espaço de um ano, de 20 a 30 milhões de pessoas morreriam de fome na Rússia. Talvez isto fosse uma coisa boa, acrescentou, uma vez que certos povos precisavam de ser reduzidos. Hitler falou de uma "catástrofe populacional" dos "moscovitas" e declarou que devido à falta ou destruição de alimentos "milhões teriam de morrer". Segundo Goebbels, os líderes alemães declararam "publicamente que a Rússia não tem nada a esperar de nós e que a deixaremos morrer de fome." O Plenipotenciário Geral para Procura de Mão de Obra, Fritz Sauckel, afirmou em 4 de Agosto de 1942, durante uma visita aos territórios soviéticos ocupados, que quando lá tinha estado no Outono de 1941 "todas as autoridades alemãs tinham persistido na convicção de que no Inverno seguinte, i.e. no Inverno passado, pelo menos dez a vinte milhões destas pessoas simplesmente morreriam de fome." Ao menos algumas autoridades de ocupação no local cingiram-se, portanto, às diretivas repetidamente formuladas de forma similar à seguinte: "Não podemos alimentar o país inteiro. A inteligência tem sido morta, os comissários desapareceram. Grandes áreas ficarão entregues a si próprias (morrerão de fome)." Também o Ministro do Leste Rosenberg repetidamente afirmou que a morte por inanição de milhões era "uma dura necessidade que se situa fora de qualquer sentimento."
Afortunadamente para a maioria das 20 a 30 milhões de vítimas preconizadas – essencialmente os habitantes da zona florestal do norte da Rússia e das grandes cidades – este programa assassino sem precedentes não era tão fácil de executar, entre outras razões porque as forças de ocupação alemãs mal tinham os recursos humanos necessários para vedar cidades e regiões inteiras contra a entrada de alimentos e impedir os habitantes de se defender da morte por inanição que lhes era destinada (conforme o expressou um especialista alemão citado na página 32 do livro Krieg, Ernährung, Völkermord de Gerlach, Peter-Heinz Seraphim) procurando alimentos no campo e mediante transações no mercado negro. A constatação deste fato, segundo Gerlach, levou os nazis a sistematicamente visar grupos específicos de "comedores inúteis", que podiam ser alvo de programas de matança exeqüíveis.
Um destes grupos era o dos prisioneiros de guerra soviéticos em mãos dos alemães. No último lugar da lista de prioridades desde o início da guerra contra a União Soviética, e sujeitos à matança seletiva de certos elementos entre eles (especialmente comissários políticos bem como prisioneiros judeus e "asiáticos"), considerados particularmente indesejáveis sob aspectos políticos e/ou raciais, os prisioneiros de guerra soviéticos tornaram-se alvo de uma política sistemática de inanição em massa no Outono de 1941, conforme descrito por Gerlach nas páginas 30 a 56 de Krieg, Ernährung, Völkermord , a minha tradução para inglês das quais se encontra na minha mensagem no fórum RODOH de 30-Jul-2005 16:21.
Para o fim do Inverno de 1941/42, cerca de 2 milhões de um total de cerca de 3,3 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos capturados tinham sido abatidos ou – na maioria dos casos – morrido de inanição, exposição aos elementos ou (mais raramente) doença em campos de passagem ou de base ou a caminho dos mesmos. O tratamento dos prisioneiros de guerra soviéticos começou a melhorar na Primavera de 1942, mas a matança seletiva de certas categorias de prisioneiros continuou, e a mortalidade devida à subnutrição e a causas relacionadas com esta (especialmente tuberculose) foi enorme até ao fim da guerra. O número total de vítimas é referido como segue por Streit, no seu artigo acima referido (minha tradução):
Um total de aproximadamente 5,7 milhões de soldados do Exército Vermelho foram feitos prisioneiros entre 22 de Junho de 1941 e o fim da guerra. Em Janeiro de 1945, restavam cerca de 930.000 prisioneiros de guerra soviéticos nos campos de prisão da Wehrmacht. Cerca de 1 milhão tinham sido libertados do cativeiro, a maioria como chamados "Hilfswillige", isto é, auxiliares da Wehrmacht. Segundo estimativas do Estado-maior do Exército Alemão, outros 500.000 prisioneiros tinham escapado ou sido libertados pelo Exército Vermelho.
Os restantes 3.300.000 ou cerca de 57 por cento do número total, tinham perecido até 1945. Para tornar estas cifras mais significativas, cabe compará-las com as estatísticas relativas aos prisioneiros de guerra britânicos e americanos. Do total de 231.000 destes prisioneiros em mãos dos alemães, 8.348 ou 3,6 por cento morreram até o fim da guerra.
Algo mais baixo do que a estimativa de Streit é a de Alfred Streim, quem calculou 2,53 milhões de mortes entre os prisioneiros de guerra soviéticos, de um total de 5,2 milhões capturados. Quanto as diferenças entre os cálculos de Streit e de Streim, vide a mensagem do Dr. Nick Terry de 26 Feb 2006 22:42 no tópico Soviet Death Toll in WWII As A Whole ("Mortes Totais da União Soviética na Segunda Guerra Mundial") do Axis History Fórum.
Outro grupo destinado à inanição em massa segundo o Plano de Fome era a população da cidade de Leningrado, que foi sitiada pela Wehrmacht durante cerca de 900 dias e perdeu por volta de um milhão de habitantes, principalmente vítimas da fome e do frio, durante este período. Como resulta dos documentos contemporâneos citados e traduzidos para inglês na minha mensagem no fórum RODOH de 25-Jul-2005 10:48 e de um estudo recente pelo historiador alemão Jörg Ganzenmüller, não se tratava de um sítio convencional, com o objetivo de obter a rendição de uma praça inimiga e portanto permitido segundo o Direito Internacional da época. Isto porque os exércitos alemães sitiantes estavam proibidos de aceitar a rendição da cidade mesmo que fosse oferecida , e o propósito declarado do sítio era não a rendição da cidade, mas sim a sua obliteração e a remoção da sua população, que os sitiadores não queriam ter nas suas mãos como bocas famintas a alimentar. Num artigo no semanário alemão Die Zeit, traduzido para inglês na minha mensagem no fórum RODOH de 28-Nov-2005 21:32, Ganzenmüller escreveu o seguinte (minha tradução):
Hitler e o comando da Wehrmacht não queriam conquistar Leningrado, mas sim destrui-la. Já no início da campanha da Rússia, o chefe do Estado-maior do exército, Franz Halder, tinha escrito o seguinte no seu diário de guerra: »É a firme decisão do Führer destruir completamente Moscou e Leningrado a fim de evitar que lá fiquem pessoas, as quais teríamos que alimentar no Inverno.«
Nessa altura ninguém estava ainda seriamente pensando no que aconteceria aos habitantes de Leningrado. Ainda não se planejava um genocídio naquela altura, mas foi aqui que as primeiras fantasias de extermínio tiveram o seu início. Assim, Goebbels pôs o seguinte oráculo no seu diário em 12 de Julho de 1941: »Também não se pode dizer o que será dessa gigantesca massa de milhões num futuro próximo. Vejo aproximar-se uma catástrofe cujas dimensões são ainda completamente imprevisíveis.«
Várias semanas depois começava a vislumbrar-se o fracasso da estratégia alemã de blitzkrieg. Não tinha sido possível derrotar uma grande parte do Exército Vermelho junta à fronteira soviética e depois ocupar amplas extensões do país num »avanço por comboio« sem combate. Em vez disso o atraso no calendário previsto colocava em questão a totalidade da Operação Barbarossa. Os líderes alemães começaram a fazer reduções em relação aos seus objetivos originais. Em primeiro lugar renunciaram à conquista completa do norte da Rússia, uma vez que estas áreas não eram de importância decisiva para a guerra. Mas havia ainda indecisão quanto ao tratamento de Leningrado.
Já no fim de Abril de 1941, dois meses antes da invasão da União Soviética, o Ministério de Alimentação do Reich tinha declarado »que o problema de abastecer Leningrado não pode ser resolvido de forma alguma em termos de alimentação caso a cidade caia nas nossas mãos«. Quando no fim do Verão e no Outono de 1941 a Operação Barbarossa ficou atascada, e a exploração das áreas conquistadas também não dava os resultados esperados, a população civil tornou-se um »problema de alimentação« aos olhos da Wehrmacht. Isto deu ao Marechal do Reich Göring, quem coordenava a exploração econômica nas áreas ocupadas, a ideia de não capturar grandes cidades soviéticas de todo »devido a considerações econômicas«. Em vez disso considerava o seu cerco como sendo mais »vantajoso«.
Assim, o cerco de Leningrado virou uma tentativa de asfixiar mesmo a cidade. Considerações temporárias de comandantes locais sobre uma »deportação« dos habitantes para trás das linhas soviéticas rapidamente perderam o seu significado, uma vez que os soldados alemães não deveriam ser expostos à »pesada carga psicológica« que resultaria de presenciarem tal »marcha de fome«. Os responsáveis na retaguarda do exército também não estavam dispostos, contudo, a acolher e alimentar as pessoas. Assim, apenas restava ao Alto Mando do 18º Exército, como »última possibilidade« a seguinte: »Deverão todos morrer de fome.«
Esta decisão de genocídio, aparentemente motivada »por necessidade« ou por »política alimentícia« estava no entanto em completa consonância com o programa de germanização dos nacional-socialistas. Isto porque Leningrado pertencia a uma área da União Soviética que no futuro deveria ser colonizada por alemães sob o nome de »Ingermanland«. O Plano Geral Leste, um gigantesco programa de realojamento elaborado sob a supervisão do Reichsführer SS Heinrich Himmler, ainda em 1942, previa que a população urbana daquela região teria diminuído de 3,2 milhões em 1939 para 200.000 depois da guerra. A diferença de três milhões de pessoas que assim »desapareceu« no papel correspondia ao número de habitantes de Leningrado naquela altura.
Embora Leningrado foi de longe o mais mortífero caso de aplicação do Plano de Fome, o mesmo também foi aplicado – embora em escala reduzida se comparada com o alcance originalmente pretendido – em relação às cidades nos territórios soviéticos ocupados, tais como Kiev. Segunda a Tabela I na página 317 do estudo Harvest of Despair. Life and Death in Ukraine under Nazi Rule ("Colheita do Desespero. Vida e Morte na Ucránia sob o Domínio Nazi"), do historiador holandês Karel C. Berkhoff, a população de Kiev diminui de um número estimado de 400.000 em Outubro de 1941 para 352.139 em 1 de Abril de 1942, 305.366 em 1 de Outubro de 1942 e 295.639 em 1 de Julho de 1943. Na página 186 Berkhoff escreve (minha tradução):
A morte por inanição não foi a única razão para o rápido declínio da população: as deportações para a Alemanha e os fuzilamentos pelos nazis também tiveram o seu papel. No entanto, a política de fome foi um fator importante, assemelhando-se em muito às considerações de Hitler e Erich Koch em 1941 sobre o despovoamento da cidade.
Pior do que em Kiev, segundo Berkhoff (página 164), foi a fome em Kharkov, na área sob administração do Grupo de Exércitos do Sul alemão. No seu clássico relato Russia at War 1941-1945 ("A Rússia em Guerra 1941-1945"), o extrato pertinente do qual se encontra citado na minha mensagem no fórum RODOH de 25-Jul-2005 11:04, o jornalista britânico Alexander Werth escreveu que, segunda as autoridades russas, umas 70.000 ou 80.000 pessoas tinham morrido em Kharkov durante a ocupação nazi e que várias verificações feitas por ele tinham revelado que este número estava "ligeiramente, mas não muito, exagerado".
Quantos civis sucumbiram à inanição induzida pela ocupação nos territórios da União Soviética ocupados pelos nazis ainda não foi estabelecido, embora haja algumas estimativas, tais como as seguintes, referidas no livro Democide: Nazi Genocide and Mass Murder de R.J. Rummel, que não merece recomendação:
• Gil Elliot, Twentieth Century Book of the Dead, 1972 Allen Lane The Penguin Press, Londres, páginas 54-58: 6.500.000 a 7.500.000 ("de fome, doença, exposição aos elementos; 0,5 milhões que se presume morreram depois da guerra não estão incluídos");
• Roy Medvedev, Let History Judge: The Origins and Consequences of Stalinism, traduzido por Colleen Taylor, 1972 Alfred A. Knopf, Nova Iorque, página 140: 5.000.000 ("fome/doença; segundo o demógrafo soviético M. Maksudov").
Na sua tese recentemente aprovada com o título The German Army Group Centre and the Soviet Civilian Population, 1942-1944 ("O Grupo de Exércitos do Centro Alemão e a População Civil Soviética, 1942-1944"), o Dr. Nick Terry escreveu o seguinte (página 260):
Embora a inanição em massa dos prisioneiros de guerra soviéticos fosse extensivamente documentada pelos investigadores de crimes de guerra, as mortes por fome entre os civis eram reconhecidas com menos frequência pelas comissões acerca de Rayon e Óblast. No entanto, as estatísticas remanescentes indicam um nível de mortalidade escondido assustador devido a estas causas. Em muitos distritos na linha da frente, o número de mortos por fome, doença e exaustão pode ter excedido o número de mortos em matanças cara-a-cara. No Óblast de Kalinin, uma das poucas províncias a fornecer tais dados, pelo menos 34.000 civis morreram de fome e doença entre 1941 e 1943, a maioria destes dentro e em volta da cidade de Rzhev.3 Rzhev não foi a única localidade na linha da frente que sofreu desta forma, conforme o comprovam os dados apurados pela comissão do rayon de Baturino, Óblast de Smolensk. Esta registou 1.544 mortes por fuzilamento ou enforcamento, mas 2.616 mortes por fome e exaustão provocada por trabalho forçado. Esta mortalidade não foi levada em conta pelas autoridades do Óblast de Smolensk quando calcularam em 87.026 o número total de vidas civis perdidas em toda a província.4 A evidência retirada de fontes alemãs e apresentada nesta dissertação indica que as mortes por fome eram muito numerosas entre a população civil, não apenas nas zonas de guerra em território russo, mas também na Bielorrússia oriental. A mortandade ainda aumentou devido às três grandes epidemias de tifo que assolaram a zona de guerra durante os três anos de ocupação, surtos estes que infectaram várias centenas de milhares de civis (capítulos 7 e 9). Uma estimativa conservadora da mortandade induzida pela fome na zona de operações de Grupo de Exércitos do Centro aponta para 200.000 mortes por fome e doença.
A zona de operações do Grupo de Exércitos do Centro, objeto da dissertação de Nick Terry, abrangia apenas uma parte dos territórios da União Soviética ocupados pela Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial, e até uma parte relativamente pequena, como se pode ver neste mapa da Europa em 1942, que mostra também as zonas de operações do Grupo de Exércitos do Norte e do Grupo de Exércitos do Sul bem como as áreas sob administração civil, os Comissariados do Reich de Ostland e Ucrânia. No entanto, a estimativa de Nick Terry para o que no mapa parece corresponder a pelo menos 15 % do território soviético sob ocupação nazi sugere que as cifras acima referidas de Elliot e Medvedev são demasiado altas, mesmo se presumirmos que incluem as vítimas do sítio de Leningrado, cujo número é de cerca de um milhão.
Além do risco de morrer de fome e doença, os civis soviéticos não-judeus nos territórios ocupados pela Alemanha nazi também corriam um grande risco de serem mortos diretamente, embora as suas hipóteses de sobrevivência fossem maiores do que as dos judeus, alvo de extermínio. O risco de ser brutalmente morto pelas forças de ocupação era particularmente elevado para civis, que os ocupadores viam como estando de alguma forma ligados à resistência guerrilheira, nem que fosse apenas porque as suas aldeias se encontravam nas chamadas áreas infestadas de guerrilheiros.
Uma particularidade da guerra livrada pelos guerrilheiros soviéticos contra o invasor alemão consiste em que Hitler, ao ter conhecimento da ordem correspondente de Stalin, de fato ficou satisfeito com a notícia. De acordo com as notas de Martin Bormann sobre uma reunião no quartel geral do Führer com Rosenberg, o Ministro do Reich Lammers, o Marechal de Campo Keitel e o Marechal do Reich Göring em 16.07.1941, parcialmente transcritas em Ernst Klee / Willi Dreßen, "Gott mit uns": Der deutsche Vernichtungskrieg im Osten 1941-1945 («"Deus está Connosco": A Guerra de Extermínio Alemã no Leste 1941-1945»), páginas 22-24, segundo o Documento de Nuremberg 221-L, Hitler afirmou o seguinte (minha tradução):
[…]Os russos deram agora uma ordem para se fazer guerra de guerrilha atrás da nossa linha da frente. Esta guerra de guerrilha também tem as suas vantagens: dá-nos a oportunidade de exterminar o que se virar contra nós. […] Aquela área gigantesca deve ser pacificada o mais rápido possível, o que melhor se consegue abatendo mesmo quem só olhe de forma torta.[…] Os habitantes devem saber que se fuzila a qualquer um que não funciona, e que serão responsabilizados por qualquer infração.[…]
De acordo com este princípio, a luta contra os guerrilheiros soviéticos (inicialmente bem mais fracos e desorganizados) foi utilizada como pretexto para eliminar todo tipo de indesejáveis na retaguarda alemã, com o foco predominante de tais ações de extermínio mudando gradualmente dos judeus à população não-judia camponesa local, a medida que os primeiros desapareciam e a segunda ia sendo mais influenciada pelo movimento guerrilheiro, para cuja força e efetividade crescentes a política de fome nazi e – especialmente na Ucrânia – as deportações de trabalhadores forçados para o Reich eram fatores essenciais. As operações contra a guerrilha efetuadas por divisões de segurança da Wehrmacht, forças das SS e da polícia e auxiliares locais eram matanças indiscriminadas, em que a população de aldeias inteiras era abatida a tiro ou queimada viva dentro de celeiros e igrejas, e depois das quais tractos inteiros de terra, especialmente na Bielorrússia, às vezes ficavam sem um único habitante vivo. Estas ações eram dirigidas não tanto contra os guerrilheiros como contra a população camponesa local "infectada", e tal como as políticas de fome contra prisioneiros de guerra e populações urbanas eram largamente guiados por considerações econômicas. Isto é explicado nos extratos do livro Kalkulierte Morde de Christian Gerlach que traduzi para o inglês no tópico do fórum RODOH Major Antipartisan Operations in Belorussia ("Grandes Operações Contra a Guerrilha na Bielorrússia"), do qual é retirado o texto seguinte (minha tradução, ênfases acrescentadas por mim):
Por que os alemães mal atacavam os guerrilheiros diretamente, como teria sido possível, e até conseqüente, com a tática de cerco? Por que preferiam "combater" os guerrilheiros nas redondezas? Conforme demonstrado, o terreno pouco acessível, e o melhor conhecimento da área pelos guerrilheiros, a covardia e a idade excessiva das tropas alemãs eram algumas das razões. Os guerrilheiros propriamente ditos também conseguiam habitualmente escapar ao cerco alemão – que chamavam de "bloqueio" – retirando, deslizando ou rompendo o cerco, o que os camponeses não faziam. A razão principal, no entanto, era a seguinte: tal como no caso de outros movimentos guerrilheiros os ataques militares dos guerrilheiros e as perdas próprias não eram o aspecto mais perigoso do ponto de vista das autoridades de ocupação alemãs (vide o capítulo 9.1). O que as preocupava mais era a influência crescente dos guerrilheiros sobre a população local. Os guerrilheiros deviam assim ser isolados dos camponeses a todo custo. Quanto mais a resistência armada atraía os camponeses para o seu lado, menor era a quantidade de produtos agrícolas que estes entregavam aos alemães. O principal interesse dos ocupantes, contudo, residia em ter uma população tão leal e disposta a entregar o quanto possível. Onde a população se punha do lado dos guerrilheiros, tornava-se uma ameaça ao regime alemão através da sua desobediência, e como era mais fácil de atingir, os ocupadores concentravam-se em erradicar as aldeias "infestadas por guerrilheiros" (um termo freqüentemente utilizado) de forma a evitar que a "infecção" política se propagasse.
Concretamente esta situação era vista da parte alemã como segue: os acampamentos de guerrilheiros estavam habitualmente localizados em grandes áreas florestais. A partir destas os guerrilheiros tentavam paralisar o sistema administrativo e agrícola nas redondezas. Desde o início de 1942 os camponeses eram gradualmente convencidos ou obrigados a abster-se de entregar produtos agrícolas aos alemães. Os starosts, presidentes da câmara, polícias e empregados administrativos locais eram intimidados ou atacados. Assim, os alemães deixavam, a longo prazo, de receber produtos agrícolas destas áreas. Isto significa que do seu próprio ponto de vista o poder de ocupação não precisava "de ter em consideração se a produção agrícola destas áreas seria danificada [por estas ações] ou se cessaria completamente, uma vez que estas áreas infestadas de bandidos não tinham de qualquer forma feito entregas anteriormente mas apenas beneficiavam os bandos de forma direta ou indireta", conforme o expressou Göring em Outubro de 1942. Por outras palavras: a Alemanha não perdia nada com a morte destes camponeses. Isto aplicava-se pelo menos "àquelas áreas que não se espera serem pacificadas mesmo depois de terem sido sujeitas a rastreio" (vide o capítulo 9.4 quanto aos detalhes). A devastação até beneficiava o poder de ocupação uma vez que se previa evitar, desta forma, que a faísca política atingisse outras regiões, mais importantes em termos de agricultura. Os habitantes das áreas de influência dos guerrilheiros eram – às vezes corretamente – suspeitos de fornecerem alimentação, outras necessidades e informação ao movimento de resistência, voluntária ou involuntariamente. A chacina ou o realojamento destas pessoas pelos alemães não tinha como objetivo estabelecer os alegados culpados, contudo; conforme foi demonstrado, isto era freqüentemente impossível sob aspectos organizacionais durante as grandes operações. O objetivo consistia em privar os guerrilheiros de apoio, alojamento e alimentos. Um antigo participante testemunhou como segue:
"Nós membros do EK[Einsatzkommando - Destacamento Especial] VIII reagimos a isto destruindo aldeias inteiras nesta área, cujos habitantes abatemos a tiro. O nosso objetivo era privar os guerrilheiros nas florestas da possibilidade de obterem alimentos, roupa, etc. destas localidades. Em um ou dois casos nós membros do EK VIII revistamos a floresta nesta área de forma a encontrar os guerrilheiros nos seus esconderijos. No entanto, rapidamente desistimos de tais métodos. Considerávamo-lhes demasiado perigosos para nós, uma vez que podíamos nós próprios ser atacados e destruídos pelos guerrilheiros."
O que resulta claro quando se reconstrói o desenvolvimento de quase todas as ações de combate à guerrilha no mapa também se vê diretamente em muitas fontes: estas ações eram dirigidas contra áreas no limiar de grandes florestas ou aldeias na floresta. Testemunhas e autores individuais posteriormente lembraram esta tática de forma muito exata. Por exemplo, o antigo comandante do regimento de polícia 26 das SS, Georg Weisig, referiu o seguinte em sobre a operação "Otto" por volta do fim de 1943/inícios de 1944:
"Cerca de duzentos e cinquenta habitantes das aldeias localizadas fora da floresta foram deportados para campos. As pessoas que se encontravam nas aldeias dentro da floresta, contudo, foram todas mortas. […] Em toda a área entre Sebesh e o Lago Osweskoje – onde se tinha efetuado a operação – não restava um único ser humano vivo depois do nosso regimento ter passado."[…]
São especialmente reveladoras sobre o caráter desta guerra contra os civis as fontes que mostram que durante as "grandes operações" as unidades alemãs e os seus auxiliares marchavam exclusivamente nas estradas e "reparavam" aldeias, conforme já se mostrou em relação à Operação "Bamberg". É claro que não era expectável desde o início que fossem encontrados guerrilheiros. O já citado SS-Hauptsturmführer Wilke do comando da polícia de segurança e do SD [Sicherheitsdienst - Serviço de Segurança] de Minsk escreveu o seguinte sobre o comandante de um batalhão de polícia para o qual tinha sido destacado:
"Tenho a impressão de que o comandante quer muito poupar as suas tropas ou não as considera capazes de muita coisa. Tem sempre a tendência de se aproximar das áreas de operação tanto quanto possível com veículos motorizados." O seu superior, o comandante da polícia de segurança e do SD Strauch, em Abril de 1943 criticou abertamente, perante um grande público, que as formações alemãs eram "muito torpes [schwerfällig] como tropas", pelo que devido às más comunicações não se atingia as bases dos guerrilheiros. No relatório sobre a Operação "Waldwinter" da 286ª Divisão de Segurança constou o seguinte: "Como alvos de ataque escolhiam-se quase exclusivamente estradas com aldeias adjacentes, a fim de possibilitar boas comunicações à direita e à esquerda apesar das difíceis condições da estrada."
No seu livro The Phantom War, Matthew Cooper chamou estas operações contra a guerrilha de "uma matança dos inocentes, da qual até alguns dos autores ficariam fartos". Dois que pelo menos estavam preocupados se era "apropriado" o que estava a ser feito eram o Comissário Geral Kube e o Comissário do Reich Lohse, que são mencionados neste sentido nos extratos acima referidos do livro Kalkulierte Morde de Gerlach (minha tradução):
Esta vista geral mostra claramente quem eram as vítimas das grandes operações alemãs entre 1942 e 1944. A relação entre o número de chamados inimigos mortos ou "liquidados" ou "abatidos" – termos que não carecem de explicação – por um lado e o número de espingardas, pistolas-metralhadoras e metralhadoras pelo outro era habitualmente entre 6:1 e 10:1. Uma vez que desde o fim de 1942 a mais tardar cada guerrilheiro possuía uma destas armas – os membros novos eram obrigados a trazer a sua – isto significa que cerca de 10 a 15 por cento das vítimas das ações alemãs eram guerrilheiros. Os restantes 85 a 90 por cento eram principalmente camponeses das redondezas bem como refugiados. Isto é confirmado pelas perdas alemãs extremamente baixas, sendo a relação entre as mortes alemãs e as do outro lado entre 1:30 e 1:300, em média 1:100.
O que estas relações significavam era geralmente sabido pelos funcionários da ocupação alemã na Bielorrússia. Por exemplo, o Comissário Geral Kube escreveu, sobre um relatório preliminar recebido do comandante da SS e da polícia v. Gottberg sobre a operação "Cottbus", segundo o qual tinha havido "4.500 mortes inimigas" e "5.000 suspeitos de banditismo mortos." Kube comentou o seguinte:
"Se apenas são capturadas 492 espingardas em 4.500 mortos do inimigo, esta discrepância indica que entre os mortos do inimigo há muitos camponeses da região. O Batalhão Dirlewanger, especialmente, tem a reputação de destruir muitas vidas humanas. Entre as 5,000 pessoas suspeitas de fazerem parte de bandos, havia muitas mulheres e crianças."
O Comissário do Reich Hinrich Lohse encaminhou o relatório de Kube com as seguinte nota:
"Como se compara Katyn a isto? […] Encerrar homens, mulheres e crianças em celeiros e lhes atear fogo não parece ser um método adequado de combater os bandos, mesmo que se deseje exterminar a população."
Mais tarde Kube novamente criticou as grandes operações, "durante as quais, principalmente como ‘suspeitos de banditismo’, são abatidos homens, mulheres e crianças". O antigo comandante da polícia de ordem de Minsk Eberhard Herf, agora chefe do estado maior do "Comandante das Unidades Contra Bandidos" do Reichsführer SS, também recebeu o relatório de Kube
"de que cerca de 480 espingardas foram encontradas em 6,000 'guerrilheiros' mortos. Posto claramente, estes homens tinham sido abatidos a fim de inflacionar o número de baixas do inimigo a salientar os nossos 'feitos heróicos'.[…]
Ontem à noite abordei este problema de <6> atrás referido. A resposta foi: 'O senhor parece não saber que estes bandidos destróem as suas armas para fazer de inocentes e assim evitar a morte.' Como deve então ser fácil suprimir estas guerrilhas – se elas destroem as suas armas!"6>
Em total os ocupadores mataram cerca de 345.000 pessoas no combate rural aos guerrilheiros na Bielorrússia, segundo as estimativas de Gerlach (vide a minha mensagem no fórum RODOH de 25-Jul-2005 10:58). Publicações soviéticas citadas por Gerlach apontam para um total de 26.800 mortos e 11.800 desaparecidos entre as formações guerrilheiras na Bielorrússia, o que significa que as vítimas restantes, cerca de 300.000, eram civis desarmados, e que mal uma em cada dez pessoas mortas em operações "contra – guerrilha" alemãs na Bielorrússia era de fato um guerrilheiro.
O números total de pessoas na Bielorrússia que sucumbiram à violência dos ocupadores fora do âmbito das ações de combate, i.e. foram chacinados de uma forma ou outra, é estimado por Gerlach (Kalkulierte Morde, página 1158) em 1,6 a 1,7 milhões das cerca de nove milhões de pessoas que estiveram sujeitas ao regime alemão na Bielorrússia, entre estes cerca de 700.000 prisioneiros de guerra, 500.000 a 550.000 judeus, 345.000 vítimas do chamado combate à guerrilha e cerca de 100.000 vítimas de outros grupos da população (ciganos, membros de grupos de resistência urbanos, chamados "Ostmenschen" ["pessoas do leste"], i.e. imigrantes dos territórios russos, membros da inteligência polaca local, deficientes físicos ou mentais e civis mantidos em campos de detenção perto da linha da frente para cobrir a retirada alemã em 1943/44). Um estudo equivalente para todos os territórios soviéticos ocupados pela Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial ainda não foi feito, por quanto eu sei. Na sua dissertação acima mencionada, cuja área inclui a parte da Bielorrússia sobre administração militar e portanto coincide parcialmente com a área abrangida pelo estudo de Gerlach, Nick Terry chegou às seguintes conclusões quanto à mortandade provocada pela ocupação alemã na área de operações do Grupo de Exércitos do Centro (página 260):
Na zona de operações do Grupo de Exércitos do Centro, cerca de 700.000 civis foram chacinados pelos ocupadores alemães, incluindo pelo menos 250.000 judeus; além disso 400.000 prisioneiros de guerra haviam morrido de fome ou sido executados. Uma estimativa conservadora da mortalidade induzida pela fome na zona de operações do Grupo de Exércitos do Centro aponta para 200.000 mortes por fome e doença. Isto indica que a perda de vidas mínima na zona de operações entre a população civil e os prisioneiros de guerra soviéticos por todas as causas remonta a 1,3 milhões de homens, mulheres e crianças.
Só o combate à guerrilha cobrou cerca de um milhão de vítimas nos territórios ocupados da União Soviética, segundo o historiador britânico Richard Overy (Russia´s War, página 151, minha tradução):
Centenas de aldeias destruídas e uma mortandade estimada que excedia um milhão testemunharam de forma terrível o preço pago pelo 'tipo de terror' de Hitler.
O terror não era o único tipo de violência a que estavam expostos os civis soviéticos não-judeus por parte dos ocupadores alemães. Outra forma de violência, não menos hedionda, é descrita por Antony Beevor na página 45 da edição Penguin Books de 1998 do seu livro Stalingrad, onde o autor discute a completa falta de consideração pela população civil demonstrada por ambos os beligerantes no conflito nazi – soviético (minha tradução):
Um oficial alemão descreveu como ele e os seus soldados tinham ficado chocados quando os civis russos alegremente despiam os cadáveres dos seus compatriotas. No entanto, soldados alemães estavam tirando roupas e botas de civis vivos para usá-las eles próprios, logo expelindo estes civis para os vastos espaços gelados, onde na maioria dos casos morriam de frio e fome. Os oficiais de alta patente queixavam-se de que os seus soldados pareciam camponeses russos, mas não mostravam qualquer simpatia pelas vítimas a quem tinha sido roubada a sua única esperança de sobreviver em tais condições. Uma bala teria sido menos cruel.
Adicionando aos cerca de 1 milhão de vítimas do combate à guerrilha o número de vítimas mais ou menos igual ao do sítio de Leningrado e uma estimativa conservadora de mais um milhão de vítimas civis de inanição e outras violências da ocupação, chega-se a cerca de três milhões de civis soviéticos, não incluindo os judeus, que foram de uma ou outra forma chacinados pelas forças de ocupação nazis. Adicionando a estes os prisioneiros de guerra soviéticos que pereceram no cativeiro alemão, a mortandade de não-judeus devida a violência exterminadora ou repressiva dos nazis contra não combatentes iguala-se, talvez até excede, ao número total de vítimas judias do genocídio nazi em toda a Europa. O número de vítimas civis não-judias considerado por mim pode até ser demasiado baixo. Conforme mencionado na mensagem atrás citada de Nick Terry no Axis History Fórum, o número de civis soviéticos abatidos a tiro, gaseados, enforcados ou queimados vivos pelas forças de ocupação alemãs e romenas foi estimado em cerca de 6 milhões em resultado das Investigações da Comissão Extraordinária soviética; destes, segundo a mesma fonte, cerca de 2,8 milhões eram judeus e 3,2 milhões eram não-judeus. A estimativa de Nick sobre o número total de civis soviéticos que morreram de fome e doença sob a ocupação alemã é de cerca de 3 milhões. Na tabela na página 259 do seu livro Kleine Geschichte Rußlands, o historiador alemão Hans-Heinrich Nolte refere-se a 7 milhões de civis soviéticos "chacinados pelos alemães", 7 milhões que morreram de fome e 3 milhões que "não regressaram", para um total de 17 milhões de perdas civis. A categoria "chacinados pelos alemães" é definida como incluindo judeus, comunistas, pessoas abatidas em "ações punitivas" e pessoas que morreram de fome na área da linha da frente (por exemplo em Rzhev, mas também em Leningrado). Quanto às 7 milhões de pessoas que morreram atrás da linha da frente, Nolte indica que este número se refere principalmente às mortes por fome e condições de vida insuportáveis devido a evacuações em massa perante o avanço da frente de guerra. Os 3 milhões que não regressaram incluem trabalhadores forçados que morreram, mas também pessoas que preferiram ficar no estrangeiro depois da guerra. Como baixas militares Nolte lista 8,1 milhões de "caídos", 14,7 milhões de feridos desmobilizados e 14,5 milhões de feridos temporariamente incapacitados. Não indica se os "caídos" incluem prisioneiros de guerra que morreram no cativeiro alemão ou se os civis "chacinados pelos alemães" incluem baixas colaterais de combate. No fim das notas sobre esta tabela, na página 260, Nolte aponta que cifras muito maiores são indicadas por Koslov num artigo de Ellmann/Maksudov. Na página 254 Nolte menciona as cifras de Streit sobre os prisioneiros de guerra soviéticos: 5,7 milhões de prisioneiros capturados, dos quais 3,3 milhões morreram. Nas páginas 262/263 aponta uma "lista" soviética de 1946 (que presumo ser da Comissão Extraordinária), que indica 6,1 milhões de pessoas abatidas a tiro, queimadas vivas etc. nas áreas ocupadas pelos alemães e 3,9 milhões de prisioneiros de guerra que morreram na custódia da Wehrmacht.
O acima exposto sobre vítimas não-judias da violência nazi abrange apenas a União Soviética, que viu o maior número e as maiores matanças de prisioneiros de guerra e civis não-judeus entre os países ocupados pela Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial, mas não as únicas. Ainda não olhamos para a Polônia, em relação à qual Steve Paulsson refere uma estimativa do historiador polaco Bogdan Musial na ordem de 1,55 milhões de vítimas não-judias da guerra e da ocupação alemã. Ou para a Sérvia, onde os ocupadores nazis inauguraram uma política de matanças de represália extremamente brutal no Outono de 1941, descrita no artigo Germans and Serbs: The Emergence of Nazi Antipartisan Policies in 1941 ("Alemães e Sérvios: O Início das Políticas Contra-Guerrilhas Nazis em 1941") de Christopher Browning. Ou para a Itália, onde as forças de ocupação alemãs, embora em escala muito menor, cometeram atrocidades semelhantes às que eram o pão de cada dia durante a ocupação nazi no Leste. Ou para a Grécia, que também foi palco de numerosos massacres e da inanição em massa de civis sobre as ocupações italiana e alemã. Ou para outros países sob influência ou domínio nazi.
Os crimes nazis contra não combatentes não-judeus em toda a Europa poderão ser o tema de futuros artigos detalhando um ou outro destes eventos. Por agora, espero ter transmitido a informação de que os judeus, embora sendo o maior e mais intensamente perseguido dos vários grupos sujeitos a violência repressiva ou exterminadora pelos nazis, não foram as únicas vítimas de chacina em massa pelos nazis e nem sequer constituíram a maior proporção dessas vítimas; a proporção de vítimas não-judias foi de fato superior. E espero ter também demonstrado que a violência nazi contra não-judeus não foi um fenômeno que surgiu a partir da perseguição e do extermínio dos judeus, como mantém Gord McFee . O genocídio nazi dos judeus, que é e continuará a ser o principal tópico de artigos neste blog, pode ser considerado o aspecto mais terrível dos horrores cometidos contra pessoas indefesas pela ocupação nazi na Europa – mas foi apenas um entre muitos aspectos.
[Tradução adaptada do meu artigo "One might think that …" no blog Holocaust Controversies]
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