terça-feira, 27 de abril de 2010

Livro alerta sobre a difusão do negacionismo do Holocausto

José Antônio Rosa - Cruzeiro On Line
Notícia publicada na edição de 18/04/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno B - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

(Foto)Créditos: Bruno Cecim
Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus: teorias que tentam relativizar o holocausto dos judeus

Há dez anos, quando lecionava na rede particular, o sorocabano Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, hoje com 33, encomendou aos alunos um trabalho sobre o holocausto e seus desdobramentos. A ideia era fazer com que os jovens, pesquisando, refletissem sobre um dos mais marcantes fatos da história do século passado. Tão logo começou a receber o material produzido pelos estudantes, o professor foi tomado de surpresa: praticamente todos os textos tomavam por base levantamento feito na internet, mais precisamente postagens de um site mantido pela Editora Revisão.

A empresa, localizada em Porto Alegre, pertence a Siegrfied Ellwanger, um descendente de imigrantes alemães que adotou o pseudônimo de E. Castan. Reproduzir, a partir de comandos (o tão falado “control c” e “control v”), informações que circulam pela rede mundial de computadores não constitui novidade, mesmo sendo uma prática reprovável do ponto de vista ético e acadêmico. O que assustou Carlos Gustavo foi saber que Castan é um dos mais ativos propagadores da teoria negacionista, segundo a qual, o massacre de judeus, durante a Segunda Guerra, não teria ocorrido.

Pior, ele conta, foi constatar que os adolescentes identificaram-se com os conceitos. Muitos deles chegaram a acreditar que os crimes não foram cometidos, que as torturas aplicadas tinham fundamento. Algumas discussões em sala de aula revelaram que parte da classe dava como certa a informação de que os milhões de prisioneiros mantidos em campos de concentração morreram vítimas de um surto de tifo. Que as câmaras de gás seriam lugares onde submetiam-se ao processo de desinfecção.

A experiência fez com que o sorocabano decidisse aprofundar os estudos e escolhesse o assunto como tema da tese da pós-graduação em História que cursou na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis. O resultado da investida, intitulada “Anti-semitismo e nacionalismo; negacionismo e memória”, ganhou a forma de livro. No trabalho, Carlos Gustavo discute a expansão da corrente de pensamento no Brasil a partir, principalmente, da atuação de E. Castan e sua editora. No percurso que fez para estudar o fenômeno, o professor usou muito do senso investigativo e chegou a viajar até Porto Alegre onde avistou-se com o próprio Ellwanger.

Na entrevista, ele reafirmou suas convicções e contou jamais ter testemunhado qualquer episódio relacionado àquilo que prega. Ou seja: tudo o que a editora Revisão (que ele criou) divulga apóia-se em relatos e documentos que lhe foram entregues por familiares, estes, sim, vinculados ao regime nazista. Castan mantém na casa onde mora uma gráfica onde são rodados os livros de sua autoria. Todos, rigorosamente, versam sobre o negacionismo e servem de cartilha para aqueles que, conforme Carlos Gustavo, endossam a cultura da intolerância. Com o advento da internet, a Revisão passou a propagar suas mensagens de forma mais ampla.

Por conta disso, passou, também, a ser mais visada. Há alguns anos, o Ministério Público ingressou com ação para enquadrar Castan como autor do crime de racismo. O embate jurídico chegou ao Supremo Tribunal Federal e suscitou outra questão: até que ponto o direito de se expressar, assegurado pela Constituição, pode ser exercido com liberdade? Em sua defesa, o responsável pelas mensagens de fundo anti-semita alegou que nada mais fez do que externar sua opinião. Carlos Gustavo teve acesso à papelada. Leu pilhas de documentos e páginas do processo que, ao final, impôs ao acusado a pena de prisão de três anos. Ele, no entanto, cumpriu a pena em liberdade, por conta da idade avançada.

Castan chegou, mais, a ter livros apreendidos em feiras das quais participou, entre elas a Bienal do Rio de Janeiro. Lá, por iniciativa da Federação Israelita do Estado, não pôde participar do evento. Um dos precursores do negacionismo no Brasil, Castan, mais recentemente, recorreu a estratégias para escapar do monitoramento de suas atividades. Uma delas consiste em retirar do site que hospeda na internet textos de conteúdo ofensivo. Carlos Gustavo reproduziu no livro algumas das páginas para comprovar a prática.

Numa delas, datada de maio de 2000, o autor faz um alerta às autoridades brasileiras para o “intento sionista” e condena programas de educação desenvolvidos em escolas sobre educação judaica e “holocausto”. Chama a isso de “intenção de manter, por mais cinquenta anos, a terrível Mentira do Século”.

Pesquisador acompanha grupo de skinheads

Para entender a motivação da corrente que insiste em negar as atrocidades praticadas contra o povo judeu, Carlos Gustavo saiu a campo. O foco do trabalho é o jovem e, com esse propósito, ele conseguiu acompanhar um grupo de skinheads da região metropolitana de São Paulo numa de suas noitadas. “Vi coisas estarrecedoras. Eles saem sem rumo e, do nada, agridem moradores de ruas, gente indefesa. Se o alvo pertencer ao que chamam de raça inferior, usam da violência simplesmente em nome da intolerância.”

É essa a reação que os teóricos do negacionismo esperam. Carlos Gustavo conta que, considerados gurus, eles trabalham para que mais seguidores alimentem a crença na existência de uma raça pura e em outros ideais. O perigo, adverte Carlos Gustavo, marca presença fora do país, a partir da extrema-direita. Na Áustria, o governo se alinha à doutrina negacionista, mesma orientação do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

No Brasil, a cultura da intolerância ganha força de acordo com o estudioso. Embora não exista uma mapeamento estatístico, são muitos os registros de gangues de neo nazistas que se voltam não apenas contra judeus. “Negros, homossexuais e excluídos são também visados”, ele acrescenta. O combate ao negacionismo parte, conforme Carlos Gustavo, de uma urgente mudança de postura, sobretudo educacional: “É muito difícil lutar contra organizações que usam ferramentas poderosas, como a internet, para realizar seu intento”.

Mesmo assim, ele defende mecanismos de controle do uso de computador por jovens: “Os pais devem ficar atentos e acompanhar o que os filhos estão acessando na rede. Começar a mudar dentro de casa, pode ajudar”. O pesquisador sugere, mais, que os professores se municiem mais de conhecimento a respeito do assunto. “Infelizmente, a falta de preparo abre campo para que a geração de hoje não seja alertada como deveria sobre os riscos que corre.”

“Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória” pode ser adquirido na Fundação Editora Unesp, pelo site www.editoraunesp.com.br, ao preço de R$ 30,00.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=42&id=285309

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