quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Shoá e Direitos Humanos

Pablo Freinkel; escrito em 15-9-2003

"Tive a grande oportunidade de assistir na qualidade de bolsista(convidado)ao Seminário que foi organizado pela 'Fundación Memoria del Holocausto' nas últimas quinta-feita e sexta-feita do mês de agosto passado, que recebeu o título de "Shoá: Memória e História". A este encontro de caráter internacional se fizeram presentes na qualidade de expositores dois dos mais reconhecidos estudiosos dessa temática,­ os doutores Jaim Avni e Leonardo Senkman, professores da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Yad Vashem. A eles se uniram os historiadores Abraham Huberman;, Abraham Zylberman e o filósofo Pablo Dreyzik. Também relataram suas terríveis experiências quatro sobreviventes desses duríssimos anos.

Foram duas árduas jornadas de conferências, conversas e intercâmbios de idéias com os participantes durante os breves instantes em que se fazia uma pausa para o café, que sempre se extendia, apesar do zelo dos organizadores por cumprir o que foi pautado no programa, em razão do nível que alcançavam essas rápidas conversações.

Uma das qualidades deste Seminário foi seu caráter federal. Com efeito, representantes da maioria das províncias argentinas foram credenciados podendo participar livremente das atividades. Uma grande porcentagem deles eram docentes de nível secundário e universitário; alguns, vinham em nome de uma Instituição; e, outros, como em meu caso, chegaram até o velho e renovado casarão da rua Montevideo 919, na qualidade de estudiosos da Shoá. Assim mesmo, houve representantes do Uruguai e Panamá. Todos fomos recebidos com calidez e a boa predisposição da Lic. Sima Weingarten de Milmaniene, a professora Graciela Nabel de Jinich e a coordenadora srta. Daniela Urfeig, junto com os demais empregados dessa Casa.

Na Sexta-feira ao meio-dia se realizou uma reunião exclusiva com as pessoas que provinham do interior e exterior do país. A idéia consistia em que cada um informasse acerca de suas tarefas específicas sobre a temática desenvolvida, com o objetivo de tomar conhecimento acerca do que se faz nas diferentes cidades da Argentina. E, em verdade, algumas das coisas que ali se mencionaram são dignas de comentário.

Na 'Universidad Nacional de San Luis' existe uma Cátedra Livre que se denomina "Genocídio e Holocausto", na qual se estudam os diferentes massacres cometidos durante o século passado, tomando como ponto de partida o maior crime cometido contra o povo judeu; por outra parte, a docente que servia como porta-voz, assinalou que dentro do Liceu Policial da província puntana o Holocausto é uma assinatura obrigatória para os cadetes que ali cursam sua instrução.

Na 'Universidad Nacional del Comahue', em Neuquén, a Faculdade de Ciências Humanas(Humanidades)conta com uma Cátedra Livre de Estudos Hebraicos onde também se estuda esta delicada questão­. Uma professora chaquenha informou que a pedido do Ministério da Educação dessa província se organizou uma série de módulos para serem apresentados em diferentes escolas e que, apesar de não ser curricular, o interesse que despertara nos alunos entre quinze e dezessete anos fez com que os cursos sejam cada vez mais numerosos. Na Faculdade de Direito da 'Universidad Nacional de Rosario' funciona um Instituto sobre Direitos Humanos que tem a Shoá como um dos temas de referência ineludíveis. Casos similares se repetem em Córdoba, Mar del Plata, Mendoza, Santa Fe, Moisesville e, por suposto, em Bahía Blanca que através do Centro Raoul Wallenberg - Mostra Permanente do Holocausto-Shoá - realiza conferências com convidados especia­is, visitas a escolas públicas e privadas, e que propiciou a criação no âmbito da 'Universidad Nacional del Sur' a Cátedra Livre Raoul Wallenberg.

Cabe então perguntar-se acerca das motivações que propiciaram este súbito interesse nos âmbitos não-judaicos por conhecer e difundir a Shoá.

Para intentar uma aproximação utilizarei alguns dos pontos desenvolvidos pelos catedráticos visitantes e que, em definitivo, constituíram o miolo do Seminário. O professor Avni expressou que o Holocausto tardou uma geração para se fixar na memória coletiva. Ao concluir a segunda guerra, o mundo se ocupou da reconstrução mais que dos conflitos internos das pessoas. Os Estados Unidos estavam já imersos na guerra fria além de receber agentes nazis, a França queria desconhecer seu passado e a Inglaterra se apresentava como heroína e mártir. Por sua parte, a União Soviética emergiu da disputa, destroçada e com um único salvador: Stalin. A ideologia oficial não reconhecia o judaísmo como povo, e em conseqüência os que tombaram na guerra foram cidadãos soviéticos, o qual implicava que tampouco houve Holocausto judeu, negado inclusive como política de Estado.

Em tanto que em Israel, a guerra de liberação, a criação do Estado e a recepção dos imigrantes mantiveram calados os ecos da tragédia. Uma plena efervescência pelos êxitos obtidos pelos israelis que contrastava com a passividade das vítimas durante o massacre, cujo resultado foi a humilhante imagem de "deixar-se levar como ovelhas ao matadouro". Recentemente em 1951, o Parlamento israelense deu luz a uma Lei de Perseguição contra Nazis e Cúmplices. Dois anos mais tarde, promulgou-se a Lei da Memória do Holocausto e da Resistência, dispondo-se a criação do Yad Vashem(Museu do Holocausto). Contudo, estas disposições oficiais encontravam pouca receptividade em ambos os setores da sociedade israelense. Tudo isto mudou com a captura e posterior julgamento de Adolf Eichmann.

Até esse crucial momento, o Holocausto não era material de estudo nas escolas e os sobreviventes mantinham um obstinado silêncio, sem dúvida porque advertiam que não desejavam ser escutados. O caso Eichmann permitiu a entrada do fenômeno na consciência dos israelis.

As repercussões do julgamento ao criminoso nazi capturado na Argentina coincidiu com as deliberações do Concílio Vaticano II e ambos elementos permitiram o ingresso do Holocausto no mundo católico.

O silêncio das vítimas sobreviventes, contudo, não implicava no esquecimento do que lhes havia acontecido e da perda de seus entes queridos. O Dr. Leonardo Senkman aludiu a esta questão. O duelo e a angústia individual transcendeu a comunidade, que fez dele o ato de recordação. Na Argentina, no início de 1946, a Associação dos Judeus Poloneses promoveu a primeira iniciati­va de rememorar de forma coletiva. Surgiu, a partir de então, um acúmulo de escritos sem pretensão literária, tão só crônicas espontâneas, que recuperavam o povo(shtetl), a sua gente, os costumes e as tradições, o idioma, a vida diária. Entre 1946 e 1966 se publicaram 176 volumes em Yidish.

Na continuação, os que sobreviveram começaram a procurar-se entre eles, porque cada um podia fazer um ato de reparação para voltar à vida daqueles povos. Assim, como concêntricos que conformam uma rede de povos judeus, construiu-se uma memória coletiva, que permitiu a continuidade do judaísmo apesar da destruição.

Pouco a pouco, a Shoá adquiriu um novo significado, implícito como uma das piores expressões do anti-semitismo. E se sabe que o anti-semitismo configura uma, senão a maior, declaração de discriminação. Em conseqüência, tema obrigatório para quem defende os Direitos Humanos em sua integridade.

Desse modo, a Shoá e o ódio aos judeus(e ao judeu)foi mais além da recordação comunitária para se instalar na consciência daqueles que sustentam que os Direitos Humanos devem ser considerados como um bem superior. A Shoá, ao se tornar universal, não é tema só para os judeus senão para todos os que se dedicam a promoção e ao respeito dos valores e liberdades individuais."

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(espanhol): Pablo Freinkel
http://www.fmh.org.ar/holocausto/artinteres/derechos.htm
Tradução: Roberto Lucena

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