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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O horror de Auschwitz e do holocausto por quem o escreveu na primeira pessoa: Primo Levi

O mais sangrento dos campos de concentração foi libertado há 71 anos. É hoje o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. E poucos como Primo Levi escreveram sobre ele. Viveu-o. Sobreviveu-lhe.
Rene Burri/Magnum
"Isto é o inferno. Hoje, nos nossos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansados, de pé, diante de uma torneira gotejante mas que não tem água potável, esperando algo certamente terrível , e nada acontece, e continua a não acontecer nada. Como é possível pensar? Não é mais possível; é como se estivéssemos mortos. Alguns sentam-se no chão. O tempo passa, gota a gota." Primo Levi, “Se Isto é um Homem” (1947)
11 de abril de 1987. Na manhã em que Primo Levi morreu – o relatório da polícia italiana aponta para uma tese de suicídio, relatando que Levi se atirou mortalmente do terceiro andar de casa, em Turim –, Elie Wiesel, autor de “A Noite” (também sobre a experiência de horrores vivida num campo de concentração nazi) e prêmio Nobel da Paz em 1986, escreveu: “Primo Levi não morreu hoje. Morreu há quarenta anos, em Auschwitz.” Levi tinha 67 anos à data do suicido.

Não é (nem nunca foi) uma teoria da conspiração por parte de Wiesel dizê-lo. É antes a constatação de que o homem-Levi, químico, resistente antifascista na frente de guerra, não voltou de Auschwitz homem, mas apenas um corpo, com memória e uma mão com que escrever.

Aos 24 anos foi transportado para Auschwitz. Ele e outros seiscentos e cinquenta judeus italianos. Estávamos em fevereiro de 1944. Deles, só vinte sobreviveram — Levi incluído. Quando se viu, enfim, libertado pelo exército soviético, a 27 de janeiro de 1945, ao fim de 11 meses de privação e indignidade humana, Levi havia envelhecido, não 11 meses, mas décadas. Não só fisicamente. Mas serviu-lhe a experiência, de morte, não a sua mas a que testemunhou dia-a-dia à sua frente, todos os dias, a experiência de sobreviver quase miraculosamente — a resiliência fez o resto –, essa experiência-limite permitiu-lhe escrever, por exemplo, “Se Isto é Um Homem” (a trilogia de Auschwitz completa-se com “A Trégua” e “Os que Sucumbem e os que se Salvam”).

Nem só sobre o holocausto escreveu Primo Levi, mas quando o fez, mais do que procurar culpados ou explicações, narrou. Simplesmente isso: narrou o horror, sem artifícios, com crueza, a vida no mais sangrento dos campos de concentração do Terceiro Reich. O campo foi libertado há 71 anos. E também por isso se assinalada, nesta data e desde 2005, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

Mais do que ler a não-ficção de autores como Levi, Wiesel ou Imre Kertèsz, mais do que ver no cinema ou em casa “A Lista de Schindler” e, mais recente, “Filho de Saul”, de Laszlo Nemes (o filme recebeu o Grande Prêmio de Cannes e o Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro), mais importante que isso é ler os relatos, sem polimentos literários ou de realização, como os que Levi (a par com Leonardo de Benedetti) escreveu em “Assim foi Auschwitz”. Em 1945, no rescaldo do fim da Guerra e da libertação dos campos de concentração pelos aliados, o exército soviético pediu a Primo Levi e a Benedetti, seu companheiro de campo, que redigissem, em detalhe, como eram as condições de vida lá. O resultado foi um dos primeiros relatórios alguma vez realizados sobre os campos de extermínio. Os textos de Levi, inéditos, finalmente trazidos à estampa no último ano, têm um valor histórico e humano tão importante hoje, 71 anos volvidos sobre o fim da Segunda Guerra, como quando este os escreveu.

Lá, Levi escreveu — o mesmo Levi que, em “Se Isto é Um Homem”, sentia mais culpa por ter sobrevivo (e os outros não) do que culpava os nazis pelo extermino — que “a responsabilidade repousa coletivamente sobre todos os soldados, sargentos e oficiais da SS destacados em Auschwitz”. O livro “Assim foi Auschwitz” serviu também para, ao longo das décadas — e ainda nos nossos dias –, trazer ex-carrascos aos tribunais. Julgá-los. Para que a história os recorde como isso: carrascos. Por outro lado, é também importante perceber que Primo Levi considera que, mais do que o mero extermino de judeus, os campos de concentração serviam para impulsionar a própria economia da Alemanha.
Escrevia Levi: "Os campos não eram um fenômeno marginal: a indústria alemã baseava-se neles; eram uma instituição fundamental do fascismo na Europa e os nazis não o escondiam: mais do que mantê-los, alargavam-nos e aperfeiçoavam-nos."
Num sábado, dia 11 de Abril, em 1987, por volta das 10 horas da manhã, a porteira de um prédio na avenida Corso Rei Umberto, em Turim, tocou à porta do 3.º andar para, como em todos os dias, entregar o correio. Primo Levi abriu-lhe a porta, sorriu-lhe e recebeu-o. Voltou a entrar em casa. Poucos minutos depois o seu corpo estatelava-se no fundo da escada, ao lado do elevador. Morreu instantaneamente. Primo Levi sobreviveu ao holocausto no pior dos campos de concentração. Não sobreviveu aos dias fora dele — mas com ele por dentro, vivo, a remoer-lhe.

Autor: Tiago Palma
27/1/2016, 16:48

Fonte: Observador (Portugal)
http://observador.pt/2016/01/27/horror-auschwitz-do-holocausto-escreveu-na-primeira-pessoa-primo-levi/

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Os selfies de Auschwitz. A banalização da memória

Os selfies que consternaram a comunidade judaica
Por Boris Leonardo Caro | Blog de Noticias – mar, 1 jul 2014

Os adolescentes posam na entrada de Auschwitz,
como se fossem um grupo pop
Um garoto posa no Memorial do Holocausto em Berlim e destaca seus tênis New Balance com uma hashtag. Outro casal de adolescentes, em frente ao campo de concentração de Dachau, na Alemanha, presume de seus abrigos comprados em Zara. Garotas sorridentes, com polegares pra cima, gestos sedutores, em Auschwitz, em Treblinka, nos lugares onde o nazismo exterminou milhões de pessoas há pouco mais de meio século.

Essas imagens, muitas tiradas por jovens judeus durante suas viagens escolares para render tributo às vítimas do Holocausto, consternaram o público em Israel e em outros países com presença da diáspora judaica. Nessa nação do Mediterrâneo oriental as opiniões dividiram entre aqueles que fustigam o narcisismo desavergonhado das novas gerações e outras vozes que consideram o fato uma expressão lógica da comunicação desta época.

Quando as palavras esvaziam a história

"De certa maneira não é culpa desses garotos", disse ao The New Yorker a criadora da página no Facebook "Com minhas melhores amigas em Auschwitz", que apresentava uma coleção de selfies publicados no Instagram pelos jovens turistas. A exibição dessas imagens, acompanhadas por sarcásticos pies de fotos, fez estourar o debate em Israel.

"Muitos políticos usam cinicamente o Holocausto para fazer avançar seus próprios interesses", assinalou a revista estadunidense. No seu entendimento, o tema do extermínio judeu tem sido utilizado também pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como moeda corrente em sua retórica nacionalista.

Os políticos têm usado a memória do Holocausto para
exacerbar o nacionalismo israelense. (EFE/Abir Sultan)
Algumas vozes em Israel questionaram a intenção política desses périplos escolares pelos campos de concentração, que contribuíram para exacerbar a paranoia e o nacionalismo nos jovens, em especial nos homens obrigados a prestar serviço militar desde os 18 anos.

A página no Facebook foi desativada na quarta-feira passada, mas sua autora considera que cumpriu seu objetivo. "Aqueles que não entenderam a mensagem até agora, provavelmente nunca a compreenderão", disse a The New Yorker.

A beleza de um povo sobrevivente

Contudo, nem todos compartilham da visão apocalíptica de uma juventude indiferente à história. Sharna Marcus, uma professora que organizou viagens de estudantes estadunidenses à Polônia e Alemanha, escreveu sobre como os professores devem ensinar seus alunos qual é a conduta correta nos lugares onde ocorreu o Holocausto.

"Se os adolescentes posam de maneira inapropriada para inumeráveis selfies, temos que lhes exigir, se for necessário, que se comportem com um pouco mais de decoro", assinalou no site Jewish Philanthropy. Para Marcus, publicar fotos nas mídias sociais é simplesmente a forma de comunicação de muitos desses garotos.

Milhares de jovens judeus viajam a cada ano à Europa
para honrar as vítimas do Holocausto.
(Foto AP/Czarek Sokolowski)
"O sorriso dos adolescentes judeus em Auschwitz, frente ao letreiro Arbeit Macht Frei (o trabalho liberta) irradia certa beleza. Apesar do empenho de Hitler, o povo judeu segue aqui e o estará para sempre", assegurou.

O útil tormento da fotografia

Deveriam proibir fotografias nesses monumentos que recordam o extermínio executado pelos nazis? A jornalista estadunidense Leah Finnegan crê que não. "Devemos seguir publicando - e compartilhando - imagens dos lugares onde ocorreu o horror até que esses lugares inevitavelmente se desintegrem", escreveu que no website The Awl.

Finnegan recordou uma frase da escritora norte-americana Susan Sontag: "As narrativas nos faz compreender. A fotografia faz algo a mais: nos atormenta".

Os jovens que hoje apagam por vergonha seus festivos selfies nos campos de concentração, logo sentirão a repreensão em suas consciências por terem atuado com trivialidade no local onde era necessário ter moderação, guardarão essa experiência em sua memória. Os políticos passam, os cursos de história mudam, mas dificilmente a impressão de genocídios como o perpetrado pelos nazis desaparece. Cada foto, profunda ou superficial - como o espírito de qualquer adolescente - contribui para essa perpetuação.

Fonte: Yahoo! en español
https://es-us.noticias.yahoo.com/blogs/blog-de-noticias/los-selfies-que-han-consternado-a-la-comunidad-jud%C3%ADa-151835992.html
Tradução: Roberto Lucena

Observação 1: depois farei um post sobre essa Marcha da Vida (ou "Marcha pela vida") pois a matéria acima toca diretamente nela e comenta os efeitos colaterais que a mesma está provocando como essa banalização descrita acima, já que acho que é melhor tratar a questão num post à parte. Além da questão do uso da memória histórica com uma retórica nacionalista. Destaco isso pois há posts muito antigos no blog sobre esse evento sem uma análise ou crítica sobre o mesmo já que na época que esses assuntos vieram à tona não havia muita informação sobre esses eventos e nem os questionamento ou denúncias mencionadas no texto acima. Assisti um documentário crítico a essas marchas e a mais questões que envolvem esses assuntos (que os "revis" divulgam como se fosse filme "revisionista" mas não é) e a impressão causada pelo evento no filme não foi das 'melhores' (pra não dizer logo que foi péssima).

Observação 2: curioso como esses blogs do Yahoo! em espanhol têm conteúdo jornalístico bom e razoável enquanto a versão brasileira dele é uma coisa pavorosa de se ler e ver. E por favor, sem a desculpa esfarrapada habitual de que "é o povo que quer ver isso", o povo quer ver isso coisa alguma, há uma imposição de conteúdo de quinta categoria à população no Brasil por boa parte da mídia do país, estrangeira ou nativa, e as reclamações não são isoladas vide os comentários constantes reclamando desse tipo de conteúdo lixo no Yahoo! brasileiro, TVs, jornais etc.

Pergunta ao site Yahoo!: vão continuar com essa política de fornecer porcaria aos brasileiros até quanto? Essa desculpa de que o povo "gosta" de ver isso é balela, sempre foi, essa desculpa sempre foi uma justificativa pra continuar impondo esse tipo de conteúdo lixo sem que o povo se rebele e boicote esses sites, TVs e cia, isso é imposto de cima pra baixo, embora o certo fosse o povo boicotar esses sites até que eles mudassem esse tipo de política e tratasse com respeito o público brasileiro. Ou muda ou deixem eles fecharem. Acho a prática do boicote válida, é uma manifestação pacífica e consciente e que bate onde "dói". Uma mesma empresa estrangeira que atua no Brasil e outros países fornecer conteúdo bom pro público espanhol e fornecer porcaria pro público brasileiro é no mínimo algo "curioso".

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ceija Stojka - sobrevivente do Holocausto, artista cigana morre aos 79 anos

Nascida na Áustria, Ceija Stojka passou por três campos de concentração. Com sua obra, ela ajudou a expor a perseguição nazista ao seu povo.

Da Reuters

A artista cigana Ceija Stojka
(Foto: Divulgação/The
Gypsy Chronicles)
A artista cigana Ceija Stojka, cujo trabalho ajudou a expor a perseguição nazista ao seu povo, morreu na segunda-feira (28) aos 79 anos em um hospital de Viena, disse sua agente à agência de notícias APA.

Sobrevivente do Holocausto, Stojka escreveu um dos primeiros relatos autobiográficos de ciganos (ou "romanis") sobre a perseguição nazista, em um livro intitulado "Vivemos em reclusão: as memórias de uma romani", de 1988. Além disso, ela passou décadas dedicando a falar do seu povo pela música e a arte.

Os ciganos, como os judeus, foram enviados para campos de concentração pelo regime nazista alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Até 1,5 milhão deles morreram.

Nascida na Áustria, Stojka sobreviveu a passagens pelos campos de Auschwitz, Bergen-Belsen e Ravensbrueck. Apenas cinco outros membros de sua família, que tinha mais de 200 pessoas, sobreviveram.

"Busquei a caneta porque precisava me abrir, gritar", disse a ativista numa exibição de 2004 no Museu Judaico de Viena.

Stojka começaria a pintar aos 56 anos, muitas vezes usando os dedos ou palitos em vez de pincéis. Muitas das suas obras aludem à experiência nos campos de concentração, e eram descritas como "assustadoras" e "infantis" por visitantes em exposições dela mundo afora.

Fonte: Reuters/Terra
http://diversao.terra.com.br/gente/artista-cigana-ceija-stojka-sobrevivente-do-holocausto-morre-aos-79,1376494267f7c310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Jovens "herdam" os números que marcaram os judeus no Holocausto

Eli Sagir
Cerca de 4 mil sobreviventes do Holocausto têm até em seu braço esquerdo os números com os quais os nazistas os marcaram como animais. Para que a abominação não seja esquecida quando desaparecer, alguns de seus descendentes se tatuam hoje com o mesmo número em sua própria pele.

O braço de Ayal Guelles se parece com que tinha seu avô Abramo Najson há quase sete décadas: fez-se uma tatuagem idêntica, no mesmo lugar, com os mesmos caracteres, o mesmo número: A-15510, com a qual um alemão o marcou no campo de extermínio de Auschwitz.

"É um símbolo de minha forte conexão com meu avô, sua herança. Mas também tem outro significado mais abstrato: uma denúncia de como transformamos as pessoas em objetos", explica este jovem de Tel Aviv de 28 anos.

Guelles estava de viagem pela Argentina quando decidiu se tatuar. "Estava pensando nisso muito tempo mas, um dia, vi como marcavam uma vaca e decidi fazer", assegurou. Quando retornou a Israel mostrou a seu avô seu braço. Ele não gostou, mas entendeu que era sua forma de impedir que se esquecesse sua história.

O caso de Eli Sagir é diferente. Ela pediu permissão a seu avô, Joseph Diamant, para copiar seu número, o 157622, ao qual acrescentou um pequeno diamante que representa seu sobrenome.

Sua mãe, irmão, tio e primo também gravaram o número. "Quando o mostrei, meu avô chorou e me beijou o braço. Me perguntou por que tinha feito isso. Eu disse a ele que, quando tiver filhos, me perguntarão o que é e eu lhes contarei. E assim ganharemos tempo, prolongaremos sua memória", disse esta jovem de 21 anos, que economiza para pagar os estudos universitários.

Seu avô morreu há um ano e meio e a marca permanente em seu braço evita que sua lembrança desvaneça. Diamant esteve dois anos em Auschwitz, os últimos, foi um dos poucos que sobreviveu até que os aliados libertaram o campo, mas perdeu ali seus pais e três irmãos.

Ela se tatuou após visitar Auschwitz e Birkenau onde, seguindo um mapa que seu avô fez, encontrou seu beliche. Continuamente a perguntam por esses números e ela aproveita para contar e se assegurar que ninguém esqueça o genocídio perpetrado contra os judeus.

Embora não seja um fenômeno de massas, há dezenas de casos em Israel, alguns dos quais foram expostos por Dana Doron e Uriel Sinai em seu projeto "Numbered" (Numerados), no qual fotografaram e gravaram sobreviventes falando de sua relação com o número.

Com este trabalho descobriram como jovens gerações fazem sua tatuagem para não esquecer e, sobretudo, para que ninguém esqueça o que passaram seus ancestrais.

"Os motivos que os levam a lembrar assim o trauma de seus antepassados são muito pessoais. Uma, por exemplo, decidiu herdar a marca poucos dias antes de seu pai morrer, com o qual nunca tinha falado do campo de concentração. Foi uma última tentativa de que ele não lhe escapasse, de reforçar sua conexão com ele", explicou Doron.

Um jovem sonhou com tatuar-se e, na manhã seguinte, o fez. Outro, simplesmente, queria fazer uma tatuagem e pensou que o número de seu avô seria a única que seus pais permitiriam. Duas irmãs religiosas compraram braceletes de ouro com o número de seus dez filhos depois que um pediu permissão para se tatuar, algo proibido pelo Judaísmo.

"Para alguns é uma forma de expressar ira, para outros uma garantia de que nunca esquecerão e, para alguns, é um modo de estabelecer um forte laço emocional com seu passado ou de tentar dar sentido a uma história horrível", acrescenta a diretora.

"Um sobrevivente nos contou como seu neto, 16 anos, lhe pediu para extirpar o pedaço de pele que tem o número quando seu avô morrer", explica Sinai. Com "Numbered", Doron e Sinai tentam refletir como os sobreviventes se relacionavam com esse pedaço de Auschwitz incrustado em seu braço.

Quando começaram a fotografá-los, em 2008, se calculava que havia cerca de 10 mil pessoas no mundo com a marca nazista e hoje se estima que só restaram cerca de 4 mil.

"É um monumento vivo que está desaparecendo. São pessoas que tiveram uma experiência única e foram expostos pelo número toda a vida: todo mundo que vê sabe pelo que passaram", diz Doron.

Alguns, sobretudo nos anos imediatamente depois do Holocausto, viam o número como uma vergonha, o escondiam, nunca vestiam manga curta. Outros o viam com carinho, era a prova de seu heroísmo, de sua resistência e força, e alguns o usam como senha de sua caixa-forte.

Alguns o mostram com orgulho, inclusive com arrogância e de forma provocadora quando viajam à Alemanha. Controvertido e doloroso, com seu significado de sobrevivência mas, também, de morte, este potente símbolo começou, surpreendentemente, a prolongar sua vida na pele das novas gerações.



Fonte: EFE/Terra
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI6228218-EI8142,00-Jovens+herdam+os+numeros+que+marcaram+os+judeus+no+Holocausto.html

Ver mais:
Los 'tatuajes' del Holocausto heredados por jóvenes judíos (RPP, EFE)
Jóvenes "heredan" los números que marcaron a los judíos en el Holocausto (EFE/El Universo)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Testemunho de uma sobrevivente do Gueto de Varsóvia

Eugenia Unger

A experiência da sobrevivente em sua visita à comunidade do Panamá.

Jovens da Comunidade do Panamá

Minha adolescência transcorreu no Gueto de Varsovia. Viviam-se os últimos dias da chamada “Solução Final”. Éramos quatro irmãos, duas mulheres e dois homens; não víamos Renia e David desde há algum tempo, haviam desaparecido; seguramente assassinados na luta diária pela sobrevivência no Gueto ou talvez houvessem sido deportados aos compos da morte. Desde o nosso confinamento no Gueto, as matanças eram habituais, o que convertia nossos dias em uma agonia e num martítio.

Às vezes quisera não recordar, apagando minha memória dessas e outras tantas imagens de horror que me atravessaram de dor e pena e que ainda hoje destroçam meu ser. Os maiores se escondiam nos bunkers enquanto que os jovens como Mordejai Anilevich, Antek Zuckerman, Teperman, Tzivia Lubetkin e outros, formaram grupos e lutaram com coragem e muito valor por nossa dignidade e a do povo judeu que estava sendo denegrido e aniquilado. Hoje podemos nos sentir cheios de orgulho pelo exemplo heroico que nos chegaram. Eram adolescentes de 14 a 20 anos. Meu irmão Ygnasz, era parte desses grupos de valentes. Um dia, entrou correndo no bunker, alertando-nos de que os nazis nos ordenavam, mediante cartazes pregados nas ruas, que no dia seguinte deveríamos nos apresentar em uma área de aproximadamente 10 quadras.

Nesse dia, Ygnasz decidiu não se reunir com seu grupo de luta para ficar conosco, os únicos que, de toda a família, restavam nesse momento vivos e nos sugeriu que desobedecêssemos a ordem. Recordo da cena: estávamos meus pais, ele e eu, apertando fortemente as mãos, e assim abraçados permanecemos por um tempo, tremendo como folhas ao vento. Num momento Ygnasz nos disse que não devíamos ter medo, que nos defenderíamos com os precários elementos de luta que conseguíssemos, que devíamos brigar com valor e dignidade até o fim. Assim ficamos todo o dia, que nos pareceu eterno; os nazis não apareceram porque estavam oculpados com as matanças nas ruas. Ao anoitecer voltamos ao bunker, sem minha mãe, que inesperadamente havia desaparecido. Este, que resultou no último bunker, era originariamente a padaria onde se assava o pão que dividíamos com 14 pessoas. No dia seguente, chegaram os nazis, que jogaram gases para dentro de nosso esconderijo enquanto nos ordenavam que saíssemos com os braços para o alto. Assim fomos obrigados a caminhar até o Umschlagplatz do Gueto, lugar onde se reunia os prisioneiros antes de seu translado para os campos de extermínio. No transporte me reecontrei com minha mãe, mas meu pai e meu irmão Ygnasz nunca mais voltamos a vê-los. Apesar de haver passado 60 anos, estas imagens me aparecem com tanta força que me parece estar revivendo esses terríveis momentos.

Meu nome é Genia Rotsztejn de Unger, sou uma sobrevivente do Holocausto e está é só uma das tantas experiências que desgraçadamente me cheguei a viver. Almejo que esta trágica experiência da Shoá sirva para que não se repitam mais matanças dos homens no mundo inteiro.

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto(Argentina)
http://www.fmh.org.ar/revista/21/tessob.htm
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Museu em Gdansk lembra invasão da Polônia pelas tropas de Hitler

Há quase 70 anos, o Exército alemão invadia a Polônia. Pawel Machcewicz, diretor do novo Museu da Segunda Guerra Mundial, a ser inaugurado na polonesa Gdansk, fala sobre o sofrimento do povo de seu país no conflito.

(Foto)Soldados alemães invadiram a Polônia em 1939

Deutsche Welle: Em Gdansk, o lugar onde começou a invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler, deverá ser erigido, sob uma perspectiva europeia, um Museu da Segunda Guerra Mundial. O que poderá ser visto nesse novo museu?

Pawel Machcewicz: Não queremos mostrar a guerra do ponto de vista militar, mas sim sob a perspectiva da população civil. Queremos mostrar o sofrimento das pessoas, mas também a resistência, que nem sempre foi militar. O Estado polonês clandestino era, em grande parte, uma instituição civil, com escolas funcionando secretamente e até mesmo tribunais secretos.

Queremos mostrar também o caminho que levou a essa guerra, resultado da ideologia criminosa do Terceiro Reich, sem a qual não podemos compreender nem a radicalização da guerra nem a política alemã de ocupação. Queremos mostrar que esta guerra foi, desde o início, uma guerra de extermínio. Com isso, corrigimos a interpretação formulada com frequência de que a brutalidade da guerra teria começado somente com a invasão alemã da União Soviética.

(Foto)Westerplatte, em Gdansk: emblema da resistência polonesa

Não foi assim e é o que queremos mostrar. E pretendemos expor também as consequências da guerra, que foram muito diferentes para a Europa Ocidental e para o Leste Europeu. Para a Europa Ocidental, o fim da guerra foi uma libertação. Não estou falando aqui da Alemanha, onde a situação era mais complicada, mas, por exemplo, dos franceses ou holandeses.

Para a Polônia, ao contrário, o fim da guerra foi somente o fim da ocupação alemã, mas liberdade não obtivemos. No Ocidente, esse paradoxo parece pouco compreensível, mas, para a Polônia, e também para vários outros países do Leste Europeu, a Segunda Guerra Mundial só acabou realmente em 1989.

DW: Sua ideia já foi criticada várias vezes na Polônia. Jornalistas da imprensa nacionalista e conservadora, mas também políticos conservadores ligados ao presidente Lech Kaczyński, e seu irmão Jaroslaw, o acusam de ter, com a perspectiva europeia do museu, negligenciado o sofrimento do povo polonês e também a resistência heróica contra a ocupação alemã.

Essas acusações não têm nada a ver com a realidade, nem com a nossa proposta. Houve protestos até mesmo contra a ideia de que fôssemos além da perspectiva polonesa. Mas a Segunda Guerra não foi uma experiência apenas polonesa e sim europeia. Estou convencido de que destinos especificamente poloneses até ganham importância quando apresentados em comparação com outros países.

Só podemos, por exemplo, compreender o significado do Estado polonês clandestino e das grandes conspirações contra a Alemanha de Hitler, e também contra a União Soviética, quando comparamos esses episódios com outras formas de resistência na Europa Ocidental. Os ataques ao nosso projeto tinham objetivos muito políticos. A oposição nacional-conservadora acreditava ter descoberto aqui uma possibilidade cômoda de atacar o premiê Donald Tusk, que apoia o projeto.

Somente o fato de trabalharmos junto com outros historiadores europeus – Ulrich Herbert da Alemanha, Norman Davies do Reino Unido e Henry Rousso, da França – já era, para alguns grupos na Polônia, razão suficiente para repudiar o projeto como um todo.

DW: Na Alemanha, entre as associações de desterrados, a ideia do museu vem sendo também observada e em parte criticada. Essas associações pleiteiam uma apreciação mais crítica da história polonesa anterior à guerra. Um período no qual partidos nacionalistas já cogitavam, antes da eclosão da guerra, a expulsão dos alemães, enquanto o governo do país mantinha as melhores relações com o regime de Hitler. Houve até mesmo um tratado de amizade entre os dois lados.

Isso é um equívoco. Não se trata de um museu da história teuto-polonesa. Se fosse o caso, poderíamos voltar até os tempos das ordens de cavaleiros. Trata-se, porém, de um Museu da Segunda Guerra Mundial, e a razão desta guerra está, acima de tudo, na expansão ideológica, territorial e militar do Terceiro Reich. Isso precisa ser exposto como a razão principal da guerra.

(Foto)200 mil poloneses morreram na luta pela libertação

Mostrar as exigências territoriais da Polônia à Alemanha naquele momento só iria distorcer a imagem da guerra. Antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, não havia na Polônia nenhum grupo político sério, que tenha exigido a expulsão dos alemães ou que tenha feito valer demandas territoriais à custa da Alemanha. A Polônia é que foi invadida. Neste contexto, é preciso fazer valer, acima de tudo, a razão. E avaliar as proporções do que ocorreu.

DW: Como será a inauguração do museu, no dia 1° de setembro de 2009, em Gdansk?

Haverá um encontro de chefes de governo e Estado de diversos países europeus na Westerplatte [península de Gdansk, palco do início da Segunda Guerra Mundial]. A premiê alemã, Angela Merkel, e o presidente russo, Vladimir Putin já confirmaram que virão. Contamos também com a presença dos líderes dos principais países da então aliança anti-Hitler, ou seja, da França e do Reino Unido.

A Westerplatte simboliza a heróica resistência polonesa contra o ataque de Hitler. Ali esteve estacionada uma pequena unidade polonesa, que defendeu o país do 1° ao 9 de setembro. Ali foi assinado o documento de fundação do museu.

Pawel Machcewicz, nascido em 1966, é historiador e diretor fundador do Museu da Segunda Guerra Mundial, em Gdansk. Ele atuou anteriormente no Instituto de Estudos Políticos da Academia Polonesa das Ciências (ISP PAN) e foi diretor do Escritório para Educação e Pesquisa do Instituto para a Memória Nacional, em Varsóvia.

Autor: Martin Sander
Revisão: Augusto Valente

Fonte: Deutsche Welle(01.06.2009, Alemanha)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4292562,00.html

domingo, 20 de janeiro de 2008

"Sobre Viver" traz relatos de sobreviventes

"Sobre Viver" traz relatos de sobreviventes do Holocausto

(Foto)Memorial do Holocausto, em Berlim

Pesquisadora brasileira Sofia Débora Levy fala em entrevista à DW-WORLD sobre pesquisa e livro acerca dos sobreviventes do Holocausto nazista que emigraram para o Rio de Janeiro.

A psicóloga brasileira Sofia Débora Levy entrevistou entre 1994 e 1996 dez sobreviventes do Holocausto. Judeus de várias nacionalidades, todos residentes no Rio de Janeiro, eles relatam a experiência da fuga do nazismo e o recomeço da vida no Brasil.

Oito das dez entrevistas realizadas por Levy foram reunidas no volume Sobre Viver – oito relatos antes, durante e depois do Holocausto por homens e mulheres acolhidos no Brasil, publicado pela editora Relume-Dumará.

À DW-WORLD.DE Levy fala da forma como conduziu as entrevistas que formam o livro de sua autoria, descreve o processo de integração dos sobreviventes após a chegada ao Brasil e ressalta a importância da história oral para a memória coletiva.

DW-WORLD – A premissa do projeto de pesquisa que conduziu à publicação do seu livro Sobre Viver foi rever criticamente o comentário difamante de que os judeus "teriam se deixado levar como gado em direção ao matadouro". Poderia falar um pouco sobre como os depoimentos que você colheu elucidam a perversão da máquina nazista e a postura das vítimas, que muitas vezes não conseguiam, à primeira vista, acreditar no que acontecia?

Levy – Minha intenção ao rever este comentário é chamar a atenção para a maneira como a história é repassada às gerações que não vivenciaram aquele momento histórico. Dizer que os judeus se deixaram levar como gado é atribuir uma posição passiva a um povo que fora estigmatizado pela ideologia vigente no totalitarismo nazi-fascista, que proibia a sua existência.

As vítimas, traumatizadas pela categorização de "não-seres", "coisificadas" ideologicamente e ameaçadas de morte a cada segundo, foram tratadas como indignas de pertencer à raça ariana, ideal de humanidade do nacional-socialismo. O absurdo de tais idéias de exclusão social em massa despertava primeiramente a reação de descrédito de que tal dimensão pudesse se concretizar, retardando tentativas de reposicionamento.

Com a gradativa deterioração social e financeira, e as chances diminutas de obter ajuda em larga escala, restava às vítimas tentar sobreviver dia a dia à morte circundante, inclusive submetendo-se às piores situações para poder chegar a ver o dia seguinte. Assim, a visão dos vagões de gado transportando milhares de seres humanos retrata a intenção das autoridades, mas não a conivência dos passageiros, como dá a entender o comentário referenciado.

DW - Sua tese de mestrado inclui dez entrevistas com sobreviventes do Holocausto, que emigraram para o Brasil. A história brasileira vive em grande parte do mito da cordialidade em relação ao imigrante. Esses entrevistados têm lembranças positivas da chegada ao Brasil ou falam da transição entre as culturas como um processo doloroso?

(Foto) Livro da autora Sofia Débora Levy

É unânime a referência ao Brasil como um país no qual os depoentes sentiram-se acolhidos. Todos relatam a boa impressão frente às belezas naturais e, sobretudo, a um país onde não havia guerra. A possibilidade de novamente pertencer a uma pátria e ter sua cidadania reconhecida e legitimada fez com que a integração à cultura brasileira fosse vivenciada com abertura e satisfação. A colaboração de entidades filantrópicas e da comunidade judaica que aqui já vivia também ajudou bastante.

DW - Os depoimentos que formam o volume Sobre Viver foram baseados no que você chama de escuta sensível, com poucas interferências do entrevistador. Poderia comentar a opção por este tipo de diálogo com os entrevistados?

Entrevistar sobreviventes com idade avançada e acompanhá-los numa retrospectiva de suas vidas, durante e depois de terem passado pelo Holocausto, não é como entrevistar uma pessoa para colher uma informação específica. Minha intenção era compreender como essas pessoas conseguiam apreender o que se passava com elas e, tendo sobrevivido, em que bases psicológicas e filosóficas conseguiram se reerguer e não sucumbir à dor.

Como psicóloga clínica, trago comigo a referência da escuta respeitosa à verdade do outro. Aliada à ótica da estruturação de coleta de dados pela técnica de "história de vida", ramo da história oral, coube a mim ouvir os relatos com atenção, de modo a conseguir trazer à tona as vivências frente às quais poderíamos nos aproximar de pessoas e não de dados, fatos, números já coletados e formatados pela história formal.

DW - Recorrer à crueldade do passado e contar traumas vividos é certamente um momento doloroso. Poderia falar sobre a reação dos entrevistados, ao serem confrontados com a própria lembrança?

À medida que o sobrevivente acessava dados dolorosos e deixava aflorar sua sensibilidade durante a entrevista, minha interferência maior fazia-se no apoio à sua possibilidade de repassar essas dores com a certeza de que estariam sendo compreendidas, e não julgadas, duvidadas, nem distorcidas.

Assim, procurei ater-me à visão de mundo (Weltanschauung) presente no relato de cada depoente, sem contrapor comparações com outras fontes, mas sim enfatizando o resgate de quem relembrava momentos em que nem podia falar, muito menos ter sua percepção legitimada por alguém.

Além disso, todos os entrevistados concordaram em registrar suas histórias de vida com a finalidade de contribuir com informações para que outros não sejam vítimas e nem algozes de atrocidades como as perpetradas durante a Segunda Guerra Mundial. Este objetivo deu força para que cada um conseguisse relatar e atravessar suas dores pessoais em prol de uma contribuição social maior, além de constituir um legado para seus descendentes.

DW - A relevância da história oral ainda é pouco valorizada pela história formal, que confia mais no documento do que no depoimento e muitas vezes ignora este último. Qual é, na sua opinião, a importância do registro do testemunho pessoal para a constituição da memória coletiva?

Quando trabalhamos com a história oral e em particular com a história de vida, constituímos, com a aquiescência do depoente, um "documento pessoal", como no caso das entrevistas de Sobre Viver. Quando o depoente possuía algum documento da época, comprobatório dos dados relatados, anexamos ao seu relato. No entanto, como é comum às vítimas de grandes tragédias, na maioria das vezes os sobreviventes não portavam nenhuma prova de suas vidas durante os anos de Holocausto.

Mas o que é mais fascinante no testemunho pessoal é a aproximação da vítima para com aqueles que não estavam em condições similares. O relato traz dados em linguagem clara e acessível, mantendo a história viva, inteligível e próxima de quem as ouve ou lê. Um dos objetivos de Sobre Viver é promover essa aproximação entre depoente e leitor, mantendo a peculiaridade de cada depoente em seu modo de se expressar e descrever o seu cotidiano.

Hoje em dia, a narrativa em primeira pessoa ganha espaço tanto em textos acadêmicos quanto em romances. Os depoimentos têm despertado maior interesse por parte de pesquisadores, visando apreender o real vivido e não só o real conjeturado ou teorizado.

DW - Em seus textos, você cita a reflexão acerca do Holocausto como uma forma de pensar, num contexto social ou até mesmo filosófico, sobre as relações humanas. Em que sentido esta reflexão pode ser inserida numa análise atual das sociedades contemporâneas?

Refletir sobre o Holocausto é refletir sobre a capacidade e responsabilidade humana de ser tão mais vil ou sublime conforme a posição ética e moral de cada indivíduo. Este é um exercício sempre necessário ao aprimoramento social. O horror inimaginável e desumano foi concretizado no período nazista e, infelizmente, ainda hoje assistimos ao longo do mundo inteiro a repetição de atrocidades, apesar de não organizadas sob a mesma égide nazista.

Em nossos dias, convivemos com novas formas de banalização do mal, que cresce em escala individual e coletiva – desde a violência doméstica até o fundamentalismo que mata o diferente em nome do seu sagrado religioso. O que vemos acontecer na violência atual é o despojamento de qualquer sentimento de culpa, vergonha ou responsabilidade acerca do mal intentado e praticado; esta foi a correção que os algozes fizeram de sua posição destrutiva na Segunda Guerra: não sucumbir, nem se suicidar se o plano não teve sucesso.

(Foto)Sofia Débora Levy

Basta negar a participação, manipular as informações ainda mais e inverter os motivos de suas ações através de justificativas racionalizadas, distantes da realidade perpetrada. Além disso, havemos de considerar as crises econômicas ao longo do mundo, que aumentam a intolerância e promovem a violência como parâmetro socialmente aceito. Isso por si só já nos remete às características totalitárias.

DW - Não negar a diferença e sim fazer proveito dela como enriquecimento é certamente uma utopia nas sociedades multiculturais. As posturas frente à diversidade são, no entanto, bastante distintas na Europa e no chamado Novo Mundo. Você acredita que o Brasil pode, neste contexto, servir de exemplo a ser seguido?

Sim, se nós brasileiros conseguirmos manter a qualidade "macunaímica" da miscigenação resultando de felicidade e aceitação. Mas, infelizmente, a violência se alastra pelo Brasil, e a imagem do país ensolarado e hospitaleiro cede lugar, nas manchetes nacionais e internacionais, a um país temível, perigoso e do qual não se tem certeza de visitar e sair ileso.

Soma-se a isso a tendência colonialista de assimilarmos modelos culturais dos países desenvolvidos, inclusive suas formas de violência e de discriminação. A manutenção da imagem do país acolhedor, emocionante, integrador e rico em belezas naturais depende da prática vivida pelos seus cidadãos.

Espero que possamos resgatar essa característica já registrada historicamente no Brasil, mantendo um referencial de melhores possibilidades de convivência, revisitando esta identidade nacional como forma de combate à da intolerância, e como expressão da cultura brasileira.

(Foto)Edward Heuberger, um dos entrevistados de 'Sobre Viver', em foto ao lado de Oskar Schindler: primeiro encontro com soldados norte-americanos após a libertação e fim da Segunda Guerra, em 1945

Soraia Vilela

Fonte: Deutsche Welle(Brasil/Alemanha. 18.09.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2781827,00.html
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2781827_page_2,00.html

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Narrador épico do Holocausto ganha Prêmio da Paz

Saul Friedländer recebe a premiação

Historiador Saul Friedländer recebe distinção do comércio livreiro alemão. Após perder a família no Holocausto, israelense de 74 anos quis contrapor a "memória mítica" judaica à "objetividade" da história alemã.

O Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão vai, em 2007, para o historiador israelense Saul Friedländer (74). Ele recebe a distinção neste domingo (14/10), na Feira do Livro de Frankfurt. Dotado com 25 mil euros, o Prêmio da Paz é concedido desde 1950 a personalidades da literatura, ciência e arte, que contribuem para a "concretização da idéia da paz".

Salvação aleatória

Certa vez, Saul Friedländer comentou que escolhera o pior momento possível para um judeu nascer: quatro meses antes da ascensão nacional-socialista, em outubro de 1932, em Praga. Quando contava apenas 6 anos e meio de idade, seus pais emigraram. Como ficaria constatado, para o país errado.

"Meus pais acreditavam que Hitler não chegaria à França. Outros membros da família foram para a Suécia e para a Palestina. Eles se salvaram."

A cadeia de más decisões dos Friedländer – trágicas, por serem sempre tomadas com as melhores intenções – teria continuação três anos mais tarde. Quando os alemães começaram a deportar os judeus residentes na França, o casal colocou o filho num internato católico, tentando escapar para a segura Suíça.

Eles haviam calculado mal, acreditando que, sem o menino, a fuga seria mais fácil. Porém os suíços os enviaram de volta à morte certa, justo por, supostamente, se tratar de um casal sem filhos. As famílias com crianças, ao contrário, as autoridades deixaram passar.

"Isto demonstra quão aleatória era a salvação. O que eles encaravam como decisão correta era, com freqüência, a errada", comenta o escritor.

Mito judaico x história alemã?

Friedländer (d) ao lado do presidente Horst Köhler e esposa(foto).

Como ocorre com grande parte dos sobreviventes do Holocausto, a bagagem do destino pessoal jamais abandonou Saul Friedländer. Após estudar Ciências Políticas e História, começou, na década de 1960, a pesquisar as circunstâncias sociais do genocídio dos judeus europeus.

Iniciou com o papel da Igreja Católica, o que, nos anos 60, lhe acarretou acusações de ingratidão perante a instituição que, afinal, salvara sua vida durante a guerra. Mais tarde foi uma declaração de Martin Broszat, o nestor da pesquisa histórica alemã, que o impulsionou a redigir sua obra principal.

"Ele me deu o último empurrão para começar este trabalho, ao afirmar que nós – portanto, as vítimas – temos uma espécie de memória mítica desse passado, o qual se opõe à historiografia alemã, mais racional."

Para rebater esta afirmativa depreciativa de Broszat, Friedländer lançou na década de 1990 O Terceiro Reich e os judeus.

Falta de solidariedade

O estudo em dois volumes recebeu elogios, pela forma como justapõe a perspectiva da comunidade judaica àquela dos criminosos alemães, dos coniventes e colaboradores, além de colocá-la no contexto internacional da época.

Tal opção resulta numa narrativa certamente dramática e empática, sem, contudo, torná-la apologética. Friedländer tampouco recua diante das verdades desagradáveis sobre as comunidades judaicas da época: faltou solidariedade com os companheiros de fé perseguidos.

Tome-se o exemplo da França. "Há uma linha divisória, que se estende até à tentativa dos judeus franceses de circunscrever a política de perseguição aos judeus estrangeiros. Há cartas do líder judeu Hellbronner a Pétain, o cabeça do governo Vichy: é preciso diferenciar, nós somos franceses, eles não", lembra o historiador.

Anti-semitismo obsessivo

Em um ponto, porém, Saul Friedländer é inflexível. Ele não aceita que pesquisadores de orientação social-histórica, como Götz Aly, tratem a perseguição anti-semita como mera variável, dependente de outras metas políticas. Na teoria de Aly, a meta principal é a suposta intenção dos nazistas de acalmar o próprio povo, através de boas ações sociopolíticas, às custas dos bens dos judeus.

"Aqui se coloca uma questão bem elementar: se a finalidade era roubar os judeus, por que assassiná-los?", argumenta Friedländer. Sua tese: o alvo final de Hitler não era dominar o mundo, mas sim a intenção, tornada obsessão, de exterminar os judeus. Este anti-semitismo obsessivo o perseguiu até as suas últimas anotações, no porão da Chancelaria do Reich, em 1945.

Ao lado da produção científica, Saul Friedländer é também conhecido por suas memórias: Wenn die Erinnerung kommt (Quando a lembrança vem). Na Alemanha, é editado pela C.H. Beck.

Reinhard Lauterbach (av)

Fonte: Deutsche Weller(Alemanha, 14.10.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2823119,00.html

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Pedras de tropeço

"Pedras de tropeço" para não esquecer vítimas do Holocausto

Vítimas do nazismo são lembradas numa calçada em Colônia

Em várias cidades alemãs continuam sendo colocadas as "pedras de tropeço", uma iniciativa do artista alemão Gunter Demnig. Ao todo, já há mais de 13,5 mil marcos em quatro países, lembrando as vítimas do Holocausto.

"Aqui morou" – um ser humano, um nome, uma data de nascimento. E o seu destino: a data da sua deportação, geralmente para um campo de concentração. Na placa de latão pregada numa pedra de concreto de 10x10cm não há espaço para mais. E mais não é necessário. Porque é precisamente esta a intenção do projeto de Gunter Demnig: "As pedras são colocadas diante dos últimos locais onde as vítimas do Holocausto residiram por vontade própria".

Quem passa por elas não tropeça literalmente, como o nome faz pensar, mas se depara "com a memória e o coração", diz o artista plástico Gunter Demnig, o iniciador das pedras de tropeço, as Stolpersteine.

Estampar o nome é reviver a memória

Gunter Demnig em sua oficina.

Em 1993, Demnig teve a idéia de homenagear as mil pessoas das etnias dos sintos e rom que haviam sido deportadas a partir de Colônia em apenas um dia. Com o tempo, o artista fixou placas em metal com a inscrição "1940: 1000 Rom e Sintos”, em vários pontos, marcando o caminho das casas das vítimas até o bairro de Deutz, em Colônia.

Uma senhora que passou por ele uma vez disse-lhe que naquela parte da cidade nunca haviam vivido sintos ou rom. Aí ficou claro para Demnig: tanto as pessoas dessas etnias como judeus, vítimas da perseguição nazista, haviam se integrado de tal forma na sociedade local que a vizinhança não se apercebera das suas origens.

Até Hitler subir ao poder na Alemanha, em 1933, a etnia de uns e as crenças de outros não haviam importado. E aí ficou claro para Demnig: Auschwitz e os outros campos de concentração eram o destino das vítimas. Mas o início desse fim estava ali, aos olhos de todos, às suas portas, nas suas casas.

“É no caminho diário de quem por aqui passa que se deve trazer à memória a tragédia que se viveu entre 1933 e 1945.” Porque as calçadas das ruas ninguém pode contornar. E lá estão elas, em tantas ruas, à frente de casas, ou lá onde antes havia casas, as pedrinhas de cor dourada, incorporadas no solo, marcam “aqui morou” alguém.

Curvar-se diante das vítimas

Demnig enfrenta ainda hoje alguns obstáculos para dar continuidade à colocação das suas pedras nas calçadas. A presidente da comunidade judaica de Munique, por exemplo, vê as esculturas como atração para neonazistas e motivo para abusos perante as vítimas. Para Demnig “são argumentos falsos e injustos” – já que, para ver a pedra e ler o que lá está escrito, “é preciso curvar-se perante cada nome”.

A idéia em que as “pedras de tropeço” se assentam é precisamente a de polir a memória ao se passar por cima delas: enquanto aquelas que estão em locais mais isolados oxidam, as que se encontram em ruas movimentadas brilham e o seu texto mantém-se legível.

Começar por algum lado…

Não é possível atribuir um número total exato à quantidade de vítimas do nazismo. A estimativa é de que tenha rondado os seis milhões. “Seis milhões de pedras você não vai conseguir colocar. Mas pode começar!”, foi o incentivo que Gunter Demnig recebeu de um padre no início do seu projeto. E Demnig pôs mãos à obra – literalmente.

As primeiras pedras foram colocadas em Berlim, ainda que ilegalmente. Só mais tarde viria a luz verde para avançar. Depois foi a vez de Colônia e, desde 2000, o projeto flui. As pedras de tropeço custam 95 euros e são financiadas por doações e apadrinhamentos, normalmente por escolas ou associações. Hoje, elas podem ser vistas em cerca de 300 localidades na Alemanha, 11 na Áustria, 13 na Hungria e, desde o final de novembro, na Holanda, o primeiro país a oeste da Alemanha a participar do projeto.

Marta Barroso

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 12.12.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,3001116,00.html

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Histórico da Negação do Holocausto na Alemanha

A mentira final: Negação do Holocausto na Alemanha

No verão de 1942 Heinrich Himmler, Reichfürhrer e chefe da polícia alemã, ordenou a criação de um campo de concentração em umas antigas barracas proximidades do povoado de Oswiecim, no distrito de Kattowitz, Polônia. Poucos anos depois, Auschwitz-Birkenau se converteria no maior campo de extermínio construído pelos nazis em terreno polonês, símbolo do genocídio dos judeus europeus durante a Segunda Guerra Mundial e peça central da conciência nacional do povo germânico.

Dita consciência coletiva do Holocausto se caracteriza pela presença de sentimentos de culpa e vergonha. Parte da população manifesta seu sentir buscando a “salvação através do filosemitismo emocional”. Muitos outros, ao tratar de despojar-se dessa culpabilidade introjectam um novo ressentimento face aos judeus, justificando os crimes cometidos pelos nazis mediante a negação sistemática dos fatos históricos, fenômeno que tem sido descrito como a “segunda culpa”.

Estudos recentes sobre as tendências antissemitas na Alemanha e a negação do Holocausto demonstram que a hostilidade perante os judeus surge de um ressentimento que poderia descrever-se como um “antissemitismo secundário”, isto é, que deriva da dificuldade de confrontar o passado.

Da Apologia a Negação

Através dos “Julgamentos de Nuremberg”, testemunhas e sobreviventes do Holocausto nazi revelaram ao mundo crimes impossíveis de se crer. Centenas de milhares de cidadãos germânicos preferiram ignorar a realidade convertendo-se assim em sujeitos suscetíveis a manipulação.

Os anos quarenta. Nos primeiros anos do pós-guerra um crescente número de publicações apologéticas inundaram o mercado alemão. Os fatos eram ainda demasiado recentes para se intentar banalizar ou minimizar o Holocausto. Durante os Julgamentos de Nuremberg - levados a cabo entre outubro de 1945 e 1946 - os oficiais nazis não negaram os crimes cometidos, só pretenderam justificar suas ações. Não obstante suas confissões não convenceram a aqueles que se negavam a crer na responsabilidade da Alemanha nazi.

Os anos cinqüenta. O antissemitismo ressurgiu na República Federal Alemã nos finais da década de cinqüenta. Em tão somente um mês - de dezembro de 1959 a janeiro de 1960 - se perpetraram 470 incidentes motivados por sentimentos antijudaicos. Na Alemanha Ocidental circulavam publicações de extrema-direita de natureza apologética, nas que se defendia a “inocência” dos soldados alemães que “supostamente” desconheciam a existência dos crimes nazis. Posteriormente começaram a editar-se livros - como foi o caso de "Tu também Fostes Parte", de Peter Kleist - justificando a guerra expansionista de Hitler.

Os anos sessenta. Depois do impacto d julgamento de Eichmann em Jerusalém(1961) e dos julgamentos de Auschwitz em Frankfurt (1963-1966), a Alemanha começou a aceitar o Holocausto. Sem dúvida, a consciência humana, confrontada com a abundância de informação, permaneceu muda.

O tema central dos apologistas desta década foi a denúncia do que eles chamavam de “a mentira culpa-de-guerra”. Nas ditas publicações não se mencionava o extermínio dos judeus.

Os anos setenta. Quando em 1972, Willy Brandt, Chanceler da Alemanha, se ajoelhou ante o monumento construído em memória dos judeus assassinados no Gueto de Varsóvia foi severamente criticado pelos nascentes círculos neonazis. Dessa vez, incrementou-se o vandalismo antijudaico assim como a publicação de documentos que negavam o Holocausto e criavam legendas sobre o “lado positivo” dos crimes do Nacional-Socialismo.

Os anos oitenta. A diferença dos anos anteriores no que um importante grupo de historiadores alemães aceitava que o antissemitismo havia sido um elemento central da ideologia nazi e descrevia o Holocausto como un evento único na história, durante a década de oitenta se generalizaram os intentos de relativizar os crimes do Terceiro Reich. Tal foi o caso de Ernst Nolte, um dos mais controvertidos historiadores alemães, que negou a singularidade do genocídio judeu em sua obra "A Disputa dos Historiadores". De acordo com Nolte, “o antissemitismo de Hitler podia ser compreendido como uma resposta legítima e racional a ameaça comunista. De fato, o Führer tão somente imitou as práticas exterminadoras de Stalin”.

Assim mesmo, “experts” pseudo-científicos publicaram o 'Relatório Leuchter' e nele negavam a existência das câmaras de gás nos campos de concentração alemães, documento que foi utilizado pelos 'revisionistas históricos' para difundir sua propaganda.

A circulação de livros e publicações desmentindo ou justificando o Holocausto continuou ao longo desta década, apesar de que em junho de 1985 se integrou ao Código Penal alemão uma lei proibindo a difusão deste tipo de idéias.

Os anos noventa. Para muitos alemães a divisão da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial constituiu um castigo pelo Holocausto. Por isto a reunificação foi interpretada como uma reabilitação de seu passado nazi. Com a queda do Muro de Berlim, desapareceu o tabu que rodeava o antissemitismo e se incrementaram os atos de vandalismo contra instituições judias.

Depois de prolongados debates em dezembro de 1994, se promulgou uma lei para impôr uma sentença de cinco anos a quem negasse o Holocausto e extenderam a proibição ao uso de símbolos e slogans nazis. Não obstante, os revisionistas - como Ernst Nolte - continuam afirmando que a dita ação restringe o direito constitucional a liberdade de expressão.

A SITUAÇÃO LEGAL

A negação do extermínio judeu é considerada uma ofensa na Bélgica, Áustria, França, Espanha, Suíça e Alemanha. No caso específico da Alemanha, o parágrafo 194 do Código Penal estipula que a propagação da “mentira de Auschwitz” pode ser perseguida pelas autoridades ex officio quando é cometido publicamente, isto é, sob a forma impressa, em reuniões públicas ou através de meios eletrônicos.

Ante a impossibilidade de operar na Alemanha, os “revisionistas do Holocausto” difundem sua propaganda onde não existe uma legislação a respeito como é o caso de Dinamarca, Grã-Bretanha ou países da Europa Oriental.

BIBLIOGRAFIA
Rembiszewski, Sarah
La Mentira Final: Negación del Holocausto en Alemania
The Project for the Study of Antisemitism, UTA, Israel, 1996

Fotos: Militante neonazista; Marcha neonazista em Berlim(2005), Ernest Nolte.
Mais informações sobre "revisionismo" e neonazismo(em inglês): http://www.martinfrost.ws/htmlfiles/neonazism1.html

Texto original em espanhol: Negación del Holocausto en Alemania
http://www.jafi.org.il/education/espanol/ciclo/iomhashoa/pages/negacion02.html
Tradução(português): Roberto Lucena

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Shoá e Direitos Humanos

Pablo Freinkel; escrito em 15-9-2003

"Tive a grande oportunidade de assistir na qualidade de bolsista(convidado)ao Seminário que foi organizado pela 'Fundación Memoria del Holocausto' nas últimas quinta-feita e sexta-feita do mês de agosto passado, que recebeu o título de "Shoá: Memória e História". A este encontro de caráter internacional se fizeram presentes na qualidade de expositores dois dos mais reconhecidos estudiosos dessa temática,­ os doutores Jaim Avni e Leonardo Senkman, professores da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Yad Vashem. A eles se uniram os historiadores Abraham Huberman;, Abraham Zylberman e o filósofo Pablo Dreyzik. Também relataram suas terríveis experiências quatro sobreviventes desses duríssimos anos.

Foram duas árduas jornadas de conferências, conversas e intercâmbios de idéias com os participantes durante os breves instantes em que se fazia uma pausa para o café, que sempre se extendia, apesar do zelo dos organizadores por cumprir o que foi pautado no programa, em razão do nível que alcançavam essas rápidas conversações.

Uma das qualidades deste Seminário foi seu caráter federal. Com efeito, representantes da maioria das províncias argentinas foram credenciados podendo participar livremente das atividades. Uma grande porcentagem deles eram docentes de nível secundário e universitário; alguns, vinham em nome de uma Instituição; e, outros, como em meu caso, chegaram até o velho e renovado casarão da rua Montevideo 919, na qualidade de estudiosos da Shoá. Assim mesmo, houve representantes do Uruguai e Panamá. Todos fomos recebidos com calidez e a boa predisposição da Lic. Sima Weingarten de Milmaniene, a professora Graciela Nabel de Jinich e a coordenadora srta. Daniela Urfeig, junto com os demais empregados dessa Casa.

Na Sexta-feira ao meio-dia se realizou uma reunião exclusiva com as pessoas que provinham do interior e exterior do país. A idéia consistia em que cada um informasse acerca de suas tarefas específicas sobre a temática desenvolvida, com o objetivo de tomar conhecimento acerca do que se faz nas diferentes cidades da Argentina. E, em verdade, algumas das coisas que ali se mencionaram são dignas de comentário.

Na 'Universidad Nacional de San Luis' existe uma Cátedra Livre que se denomina "Genocídio e Holocausto", na qual se estudam os diferentes massacres cometidos durante o século passado, tomando como ponto de partida o maior crime cometido contra o povo judeu; por outra parte, a docente que servia como porta-voz, assinalou que dentro do Liceu Policial da província puntana o Holocausto é uma assinatura obrigatória para os cadetes que ali cursam sua instrução.

Na 'Universidad Nacional del Comahue', em Neuquén, a Faculdade de Ciências Humanas(Humanidades)conta com uma Cátedra Livre de Estudos Hebraicos onde também se estuda esta delicada questão­. Uma professora chaquenha informou que a pedido do Ministério da Educação dessa província se organizou uma série de módulos para serem apresentados em diferentes escolas e que, apesar de não ser curricular, o interesse que despertara nos alunos entre quinze e dezessete anos fez com que os cursos sejam cada vez mais numerosos. Na Faculdade de Direito da 'Universidad Nacional de Rosario' funciona um Instituto sobre Direitos Humanos que tem a Shoá como um dos temas de referência ineludíveis. Casos similares se repetem em Córdoba, Mar del Plata, Mendoza, Santa Fe, Moisesville e, por suposto, em Bahía Blanca que através do Centro Raoul Wallenberg - Mostra Permanente do Holocausto-Shoá - realiza conferências com convidados especia­is, visitas a escolas públicas e privadas, e que propiciou a criação no âmbito da 'Universidad Nacional del Sur' a Cátedra Livre Raoul Wallenberg.

Cabe então perguntar-se acerca das motivações que propiciaram este súbito interesse nos âmbitos não-judaicos por conhecer e difundir a Shoá.

Para intentar uma aproximação utilizarei alguns dos pontos desenvolvidos pelos catedráticos visitantes e que, em definitivo, constituíram o miolo do Seminário. O professor Avni expressou que o Holocausto tardou uma geração para se fixar na memória coletiva. Ao concluir a segunda guerra, o mundo se ocupou da reconstrução mais que dos conflitos internos das pessoas. Os Estados Unidos estavam já imersos na guerra fria além de receber agentes nazis, a França queria desconhecer seu passado e a Inglaterra se apresentava como heroína e mártir. Por sua parte, a União Soviética emergiu da disputa, destroçada e com um único salvador: Stalin. A ideologia oficial não reconhecia o judaísmo como povo, e em conseqüência os que tombaram na guerra foram cidadãos soviéticos, o qual implicava que tampouco houve Holocausto judeu, negado inclusive como política de Estado.

Em tanto que em Israel, a guerra de liberação, a criação do Estado e a recepção dos imigrantes mantiveram calados os ecos da tragédia. Uma plena efervescência pelos êxitos obtidos pelos israelis que contrastava com a passividade das vítimas durante o massacre, cujo resultado foi a humilhante imagem de "deixar-se levar como ovelhas ao matadouro". Recentemente em 1951, o Parlamento israelense deu luz a uma Lei de Perseguição contra Nazis e Cúmplices. Dois anos mais tarde, promulgou-se a Lei da Memória do Holocausto e da Resistência, dispondo-se a criação do Yad Vashem(Museu do Holocausto). Contudo, estas disposições oficiais encontravam pouca receptividade em ambos os setores da sociedade israelense. Tudo isto mudou com a captura e posterior julgamento de Adolf Eichmann.

Até esse crucial momento, o Holocausto não era material de estudo nas escolas e os sobreviventes mantinham um obstinado silêncio, sem dúvida porque advertiam que não desejavam ser escutados. O caso Eichmann permitiu a entrada do fenômeno na consciência dos israelis.

As repercussões do julgamento ao criminoso nazi capturado na Argentina coincidiu com as deliberações do Concílio Vaticano II e ambos elementos permitiram o ingresso do Holocausto no mundo católico.

O silêncio das vítimas sobreviventes, contudo, não implicava no esquecimento do que lhes havia acontecido e da perda de seus entes queridos. O Dr. Leonardo Senkman aludiu a esta questão. O duelo e a angústia individual transcendeu a comunidade, que fez dele o ato de recordação. Na Argentina, no início de 1946, a Associação dos Judeus Poloneses promoveu a primeira iniciati­va de rememorar de forma coletiva. Surgiu, a partir de então, um acúmulo de escritos sem pretensão literária, tão só crônicas espontâneas, que recuperavam o povo(shtetl), a sua gente, os costumes e as tradições, o idioma, a vida diária. Entre 1946 e 1966 se publicaram 176 volumes em Yidish.

Na continuação, os que sobreviveram começaram a procurar-se entre eles, porque cada um podia fazer um ato de reparação para voltar à vida daqueles povos. Assim, como concêntricos que conformam uma rede de povos judeus, construiu-se uma memória coletiva, que permitiu a continuidade do judaísmo apesar da destruição.

Pouco a pouco, a Shoá adquiriu um novo significado, implícito como uma das piores expressões do anti-semitismo. E se sabe que o anti-semitismo configura uma, senão a maior, declaração de discriminação. Em conseqüência, tema obrigatório para quem defende os Direitos Humanos em sua integridade.

Desse modo, a Shoá e o ódio aos judeus(e ao judeu)foi mais além da recordação comunitária para se instalar na consciência daqueles que sustentam que os Direitos Humanos devem ser considerados como um bem superior. A Shoá, ao se tornar universal, não é tema só para os judeus senão para todos os que se dedicam a promoção e ao respeito dos valores e liberdades individuais."

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(espanhol): Pablo Freinkel
http://www.fmh.org.ar/holocausto/artinteres/derechos.htm
Tradução: Roberto Lucena

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