Mostrando postagens com marcador direitos humanos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador direitos humanos. Mostrar todas as postagens

domingo, 6 de setembro de 2015

Imperialismo Humanitário: os Direitos Humanos como desculpa para Intervenção militar (Jean Bricmont) [livro]

Quando os direitos humanos são um pretexto para as intervenções militares imperialistas

Daniel Raventós
19/10/08

O físico da Universidade de Lovaina e ativista belga Jean Bricmont, membro do Conselho Editorial de Sin Permiso (1), escreveu um livro que há poucas semanas foi editado em castelhano: Imperialismo humanitário. O uso dos Direitos Humanos para vender a guerra ("Imperialismo humanitario. El uso de los Derechos Humanos para vender la guerra") (2). Trata-se de um livro que, de logo, tem duas virtudes: aporta uma informação muito pormenorizada e polemiza de forma convincente com algumas posições mantidas por alguns setores dos movimentos pacifistas.

Com este livro, Bricmont pretende aportar "uma modesta contribuição à reconstrução da esquerda". Por esquerda, diz o autor, deve se entender um triplo combate que se tem dado historicamente: a) pelo controle social da produção, b) pela paz e contra o imperialismo, e finalmente c) pela defesa da democracia, dos direitos do indivíduo, da igualdade de gênero, das minorias e do meio ambiente. Acrescenta uma precisão importante. A "velha esquerda" (que chega, segundo o autor, até meados dos anos 60 do século XX) estava muito centrada nos dois primeiros aspectos, desprezando o terceiro, enquanto a "nova esquerda" se centra no terceiro esquecendo boa parte dos dois primeiros.

Ante o grande intervencionismo militar dos EUA e seus aliados, o que Bricmont chama de "nova esquerda" oscilou entre o "imperialismo humanitário" e o "relativismo cultural". A primeira posição defenderia que nossos valores universais "nos dão o direito e até nos obrigam a intervir em qualquer lugar e que questiona pouco ou nada as guerras imperialistas". Grande parte do livro é dedicada a combater esta primeira posição. Daí o título. A segunda posição, contudo, se bem que em geral é contrária à guerra, considera que "não há tal coisa como uma postura moral com valor universal, em cujo nome se pode julgar objetivamente outras sociedades e culturas (ou a nossa)". Pois bem, o que Bricmont pretende com este livro é a defesa de uma terceira posição: o rechaço ao intervencionismo "ao mesmo tempo que aceita como desejáveis os objetivos que este procura alcançar". De forma explícita o autor afirma: "As críticas aqui contidas até a utilização ideológica dos Direitos Humanos, de nenhum modo questionam a legitimidade das aspirações contidas na Declaração dos Direitos Humanos de 1948". Dito em outras palavras, o rechaço de determinadas práticas em alguns países, não deve implicar na defesa das intervenções militares porque a soma de danos é muito maior que os benefícios que se conseguem.

A edição castelhana deste livro inclui um longo, mais de 40 páginas, e tremendo prólogo de Noam Chomsky, a quem Jean Bricmont sente uma confessada admiração. Neste artigo muito recente (3) no Irish Times do linguista do MIT podemos ler: "Por espetacular contraste, na fase neoliberal que seguiu à implosão do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o Tesouro estadunidense contempla agora a livre mobilidade dos capitais como um 'direito fundamental', com a diferença, que nem que dizer que haja, dos pretendidos 'direitos' garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, ao emprego decente, à segurança, e outros direitos que as administrações de Reagan e Bush displicentemente consideraram como 'cartas para Papai Noel', 'ridículos' ou meros 'mitos'". Esta alusão que faz Chomsky, à carta para Papai Noel se refere exatamente às palavras empregadas por Jeane Kirkpatrick, quando era embaixadora da administração Reagan na ONU, numa conferência sobre direitos humanos realizada no Kenyo College, a mais velha instituição universitária privada de Ohio, em 4 de abril de 1981. Bricmont dedica um bom número de páginas a esta questão, ou seja, às distintas prioridades que os EUA e seus aliados concedem segundo que tipo de direitos se trate. Os direitos individuais e políticos estão na Declaração de 1048. Mas também estão os direitos econômicos e sociais. Para Kirkpatrick esses últimos mereceram aquele depreciativo comentário. Bricmont planta o respeito à seguinte pergunta: "que diriam nossa imprensa e nossos intelectuais se algum dirigente do Terceiro Mundo descrevesse os direitos individuais e políticos como 'uma carta para Papai Noel'."

Um capítulo inteiro de "Imperialismo humanitário" leva o título de "Os argumentos débeis e fortes na oposição à guerra". O autor põe como argumentos fortes: a defesa do direito internacional e a perspectiva anti-imperialista. Este segundo argumento é exemplificado por um suposto: "que aconteceria se um país pusesse em prática as ideias dos movimentos 'altermundialistas' ou 'pela justiça global'?" (ou seja, o repúdio à dívida externa, a reapropriação dos recursos naturais, impostos fortes aos benefícios empresariais, construção de serviços públicos, ou inclusive a moderadíssima Taxa Tobin...). A reação dos EUA, segundo Bricmont, não seria muito diferente à que teve contra Allende, Lumumba, Arbenz e tantos outros. Reação que incluiria: sabotagem econômica, escalada da subversão interna (e a repressão deste hipotético governo sobre os grupos sociais, políticos e religiosos que a esta tarefa se prestaram, seria imediatamente denunciada como uma violação dos direitos humanos), a possibilidade de um golpe militar e, se tudo isso não fosse suficiente, a intervenção armada direta dos EUA. Ou seja, "uma nova Baía dos Porcos, um novo Vietnã ou um novo Contras". Algum país latinoamericano, Venezuela, destacadamente nos recorda o autor, está passando atualmente por algumas dessas fases. Há alguns anos, em 1984, a CIA publicou um manual (chamado curiosamente de "Operações Psicológicas") que estava destinado aos "lutadores pela liberdade", pois assim era como o presidente dos EUA, Ronald Reagan, considerava os Contra. As instruções que se recomendavam nesse manual eram do seguinte teor: "sequestrar a todos os funcionários ou agentes do governo sandinista", "denunciar à política a um sujeito que resista a se unir à guerrilha... mediante uma carta que contenha falsas acusações de cidadãos não implicados no movimento", "contratar criminosos profissionais para levar a cabo 'tarefas' especificamente selecionadas"... Conclui Bricmont este apartado do anti-imperialismo como argumento forte da oposição à guerra: "O movimento altermundialista não pode renunciar a adotar uma firme postura anti-intervencionista e anti-imperialista".

No próximo 10 de dezembro se cumprirá o 60o aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. Centenas e milhares de atos de todo tipo estão sendo e serão feitos para comemorar este aniversário. Se bem que há (e haja) honradas exceções, muitos dos atos que foram feitos (e serão feitos) são pouco mais que um festival, na forma, e um bla bla bla, no conteúdo. Este livro de Jean Bricmont é um bom exercício de reflexão que pouco tem a ver com grande parte deste festival comemorativo.

Imperialismo Humanitario: los derechos humanos como excusa para la intervención militar (Jean Bricmont)
Resenha do livro em sinpermiso.org
Seção: Instalações militares
Martes 21 de outubro de 2008

NOTAS:

(1) Coautor com o físico estadunidense Alan Sokal de "Imposturas intelectuales" (Paidós, 1999), um demolidor arrazoado contra o pós-modernismo e a esquerda acadêmica relativista. Pode ser lida uma longa entrevista com Bricmont no número 3 de Sin Permiso.

(2) Ed. El Viejo Topo, 2008.

(3) Traduzido para o castelhano e publicado por Sin Permiso com o título de "A cara antidemocrática do capitalismo, exposta".

Daniel Raventós é membro do Comitê de Redação de SINPERMISO. Seu último livro é "Las condiciones materiales de la libertad" (Ed. El Viejo Topo, 2007).

Fonte: site SinPermiso (Espanha)
http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=2122
Título original: Cuando los derechos humanos son un pretexto para las intervenciones militares imperialistas
Tradução: Roberto Lucena
___________________________________________________

Observação 1: existe edição desse livro em inglês e espanhol, não creio que tenha publicação disso em português.

Observação 2: não pretendo me estender aqui, mas num momento onde o público brasileiro, muito em virtude da mídia brasileira omitir o que se passa fora e não citar as causas da crise dos refugiados como a intervenção dos EUA na Síria, Líbia e Iraque, choca-se com a foto do menino sírio morto encontrado na praia, foto que causou comoção mundial, fica aqui o registro de um livro que ajuda a esclarecer o que se passa (a ideia por detrás dessas intervenções "humanitárias", entre aspas, e o desastre que provocam). Porque qualquer indignação não passa de falsidade e teatro se a pessoa não criticar a origem do problema (não vai à raiz da coisa). A quantidade de comentários imbecis de brasileiros nessas redes sociais sobre isso, com direito a festival de preconceitos, racismo e afins é qualquer coisa "de cinema", tá dando vergonha ver essa gente medonha opinando sobre o que não entende e só colocando pra fora preconceito (pois é a única coisa que carregam, perderam a humanidade). Refugiados fruto de guerra civil não surgem do nada, tem uma causa provocando isso. Deveriam cassar o prêmio Nobel do Obama, que se encontra em silêncio com a crise estourando na Europa quando é o principal causador da mesma. Fica prum próximo post o assunto (se o fizer), não vou me alongar aqui.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Dia da Consciência recorda Aristides de Sousa Mendes

Pelo menos 10 mil judeus terão conseguido escapar das mãos dos nazis graças à intervenção do diplomata português.

(Áudio) Rui Afonso sobre actualidade do exemplo de Aristides de Sousa Mendes

O Cônsul Aristides de Sousa Mendes e todas as pessoas que se empenharam na ajuda às vítimas do holocausto serão hoje homenageados no âmbito do Dia da Consciência.

Foi neste dia, há 70 anos, que o então cônsul português em Bordéus, desobedecendo às ordens de Salazar, decidiu começar a passar vistos aos judeus que queriam fugir dos nazis.

O antigo diplomata emitiu vistos a cerca de 30 mil pessoas, das quais pelo menos 10 mil terão conseguido chegar efectivamente a Portugal. Rui Afonso, seu biógrafo, destaca sobretudo a actualidade do exemplo de Aristides de Sousa Mendes:

“Para nós é um exemplo do que devia ser uma das nossas preocupações principais na Europa, isto é, o respeito pelos direitos humanos, e nós temos que ser contra todo o tipo de descriminação, e sobretudo a descriminação por razões raciais, é essa a principal mensagem do Dr. Aristides de Sousa Mendes.”

Para assinalar a data, decorrerá uma missa na Sé de Lisboa, pelas 19h00, celebrada por D. Tomás da Silva Nunes, Bispo Auxiliar de Lisboa. Também no Vaticano será celebrada uma missa de Acção de Graças pela memória do diplomata português.

Fonte: Renascença(Portugal)
http://www.rr.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=95&did=108700

sábado, 24 de novembro de 2007

Cuidemos das palavras

Toda discriminação é odiosa, mas quando o ser humano pretende hierarquizar a seus semelhantes segundo caracteres biológicos, entra em uma alienação repugnante e suicida: ao considerar a seus semelhantes desde a perspectiva autoritária como o faz com o gado, ele mesmo passa a considerar-se um bom cavalo de raça, mas com ele se perde a dignidade do homem e não alcança a nobreza do animal.

A Europa jogou durante séculos com o discurso racista, usando-o para legitimar ou racionalizar guerras nacionais e internacionais e empresas colonialistas genocidas, até que o introjetou e o elevou a paradigma "científico". Nada foi necessário inventar aos formadores de opinião de uma turba alucinada para reunir o pioer de meia Europa. Nem sequer tiveram criatividade, inventividade, bastou-lhes servir-se do que já era oferecido no mercado de porcarias e resíduos ideológicos. Elevaram o discurso de escórias mal alinhadas a ideologia de estado e quase acabaram com a Europa e o mundo civilizado. Seu primitivismo suicida os fez protagonizar o fato mais degradante da humanidade. E foram acompanhados por acadêmicos e "cientistas", em nome de uma "ciência" de burocracia e escalão.

O poder havia caído vítima de seu própio discurso e havia arrastrado em sua queda a milhões de inocentes. A margem do precipício girou em cento e oitenta graus e assinalou o novo norte, o verdadeiro: o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos não é outra coisa senão a consagração expressa da mudança de paradigma. Pôr a proa no norte correto não significa que se siga sempre no caminho exato e sem que sequer não haja contramarchas, mas ao menos há um norte que aponta a má consciência.

Nós não somos inocentes. A Argentina não é imune ao racismo, como também conheceu várias versões. O ponto mais baixo não teve as mesmas dimensões do universal, mas foi mais anacrônico e por isso mais insólito e tosco, grosseiro e primitivo.

Agora temos na Constituição a Declaração Universal e os tratados de Direitos Humanos, que pesa ao coral de vocês que se levantaram para impedi-lo. Entre eles, não faltaram alguns que pretenderam ridiculizar o próprio artigo primeiro, como banal e como mera declaração ética ou moral. Muitos o fizeram por oportunismo, outros por ignorância, mas também o fizeram, sem dúvida, outros que sabiam do que falavam.

Não sei se aos últimos lhes pode servir de muito, mas pelo menos aos primeiros, é necessário chamá-los a reflexão, convidá-los a que se informem minimamente sobre a história deste século, ainda que mais não seja, que se esforcem tratando de pensar um pouco - que não doa - e que, por favor, não sigam jogando irresponsavelmente com o racismo, porque essa frivolidade os pode levar a que um dia, ao levantar-se, encontem no espelho, outra vez, uma quimera, sem dignidade humana e nem de nobreza de um animal."

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(em espanhol): Eugenio Zaffaroni
http://www.fmh.org.ar/revista/1/cuipal.htm
Tradução(português): Roberto Lucena

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Shoá e Direitos Humanos

Pablo Freinkel; escrito em 15-9-2003

"Tive a grande oportunidade de assistir na qualidade de bolsista(convidado)ao Seminário que foi organizado pela 'Fundación Memoria del Holocausto' nas últimas quinta-feita e sexta-feita do mês de agosto passado, que recebeu o título de "Shoá: Memória e História". A este encontro de caráter internacional se fizeram presentes na qualidade de expositores dois dos mais reconhecidos estudiosos dessa temática,­ os doutores Jaim Avni e Leonardo Senkman, professores da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Yad Vashem. A eles se uniram os historiadores Abraham Huberman;, Abraham Zylberman e o filósofo Pablo Dreyzik. Também relataram suas terríveis experiências quatro sobreviventes desses duríssimos anos.

Foram duas árduas jornadas de conferências, conversas e intercâmbios de idéias com os participantes durante os breves instantes em que se fazia uma pausa para o café, que sempre se extendia, apesar do zelo dos organizadores por cumprir o que foi pautado no programa, em razão do nível que alcançavam essas rápidas conversações.

Uma das qualidades deste Seminário foi seu caráter federal. Com efeito, representantes da maioria das províncias argentinas foram credenciados podendo participar livremente das atividades. Uma grande porcentagem deles eram docentes de nível secundário e universitário; alguns, vinham em nome de uma Instituição; e, outros, como em meu caso, chegaram até o velho e renovado casarão da rua Montevideo 919, na qualidade de estudiosos da Shoá. Assim mesmo, houve representantes do Uruguai e Panamá. Todos fomos recebidos com calidez e a boa predisposição da Lic. Sima Weingarten de Milmaniene, a professora Graciela Nabel de Jinich e a coordenadora srta. Daniela Urfeig, junto com os demais empregados dessa Casa.

Na Sexta-feira ao meio-dia se realizou uma reunião exclusiva com as pessoas que provinham do interior e exterior do país. A idéia consistia em que cada um informasse acerca de suas tarefas específicas sobre a temática desenvolvida, com o objetivo de tomar conhecimento acerca do que se faz nas diferentes cidades da Argentina. E, em verdade, algumas das coisas que ali se mencionaram são dignas de comentário.

Na 'Universidad Nacional de San Luis' existe uma Cátedra Livre que se denomina "Genocídio e Holocausto", na qual se estudam os diferentes massacres cometidos durante o século passado, tomando como ponto de partida o maior crime cometido contra o povo judeu; por outra parte, a docente que servia como porta-voz, assinalou que dentro do Liceu Policial da província puntana o Holocausto é uma assinatura obrigatória para os cadetes que ali cursam sua instrução.

Na 'Universidad Nacional del Comahue', em Neuquén, a Faculdade de Ciências Humanas(Humanidades)conta com uma Cátedra Livre de Estudos Hebraicos onde também se estuda esta delicada questão­. Uma professora chaquenha informou que a pedido do Ministério da Educação dessa província se organizou uma série de módulos para serem apresentados em diferentes escolas e que, apesar de não ser curricular, o interesse que despertara nos alunos entre quinze e dezessete anos fez com que os cursos sejam cada vez mais numerosos. Na Faculdade de Direito da 'Universidad Nacional de Rosario' funciona um Instituto sobre Direitos Humanos que tem a Shoá como um dos temas de referência ineludíveis. Casos similares se repetem em Córdoba, Mar del Plata, Mendoza, Santa Fe, Moisesville e, por suposto, em Bahía Blanca que através do Centro Raoul Wallenberg - Mostra Permanente do Holocausto-Shoá - realiza conferências com convidados especia­is, visitas a escolas públicas e privadas, e que propiciou a criação no âmbito da 'Universidad Nacional del Sur' a Cátedra Livre Raoul Wallenberg.

Cabe então perguntar-se acerca das motivações que propiciaram este súbito interesse nos âmbitos não-judaicos por conhecer e difundir a Shoá.

Para intentar uma aproximação utilizarei alguns dos pontos desenvolvidos pelos catedráticos visitantes e que, em definitivo, constituíram o miolo do Seminário. O professor Avni expressou que o Holocausto tardou uma geração para se fixar na memória coletiva. Ao concluir a segunda guerra, o mundo se ocupou da reconstrução mais que dos conflitos internos das pessoas. Os Estados Unidos estavam já imersos na guerra fria além de receber agentes nazis, a França queria desconhecer seu passado e a Inglaterra se apresentava como heroína e mártir. Por sua parte, a União Soviética emergiu da disputa, destroçada e com um único salvador: Stalin. A ideologia oficial não reconhecia o judaísmo como povo, e em conseqüência os que tombaram na guerra foram cidadãos soviéticos, o qual implicava que tampouco houve Holocausto judeu, negado inclusive como política de Estado.

Em tanto que em Israel, a guerra de liberação, a criação do Estado e a recepção dos imigrantes mantiveram calados os ecos da tragédia. Uma plena efervescência pelos êxitos obtidos pelos israelis que contrastava com a passividade das vítimas durante o massacre, cujo resultado foi a humilhante imagem de "deixar-se levar como ovelhas ao matadouro". Recentemente em 1951, o Parlamento israelense deu luz a uma Lei de Perseguição contra Nazis e Cúmplices. Dois anos mais tarde, promulgou-se a Lei da Memória do Holocausto e da Resistência, dispondo-se a criação do Yad Vashem(Museu do Holocausto). Contudo, estas disposições oficiais encontravam pouca receptividade em ambos os setores da sociedade israelense. Tudo isto mudou com a captura e posterior julgamento de Adolf Eichmann.

Até esse crucial momento, o Holocausto não era material de estudo nas escolas e os sobreviventes mantinham um obstinado silêncio, sem dúvida porque advertiam que não desejavam ser escutados. O caso Eichmann permitiu a entrada do fenômeno na consciência dos israelis.

As repercussões do julgamento ao criminoso nazi capturado na Argentina coincidiu com as deliberações do Concílio Vaticano II e ambos elementos permitiram o ingresso do Holocausto no mundo católico.

O silêncio das vítimas sobreviventes, contudo, não implicava no esquecimento do que lhes havia acontecido e da perda de seus entes queridos. O Dr. Leonardo Senkman aludiu a esta questão. O duelo e a angústia individual transcendeu a comunidade, que fez dele o ato de recordação. Na Argentina, no início de 1946, a Associação dos Judeus Poloneses promoveu a primeira iniciati­va de rememorar de forma coletiva. Surgiu, a partir de então, um acúmulo de escritos sem pretensão literária, tão só crônicas espontâneas, que recuperavam o povo(shtetl), a sua gente, os costumes e as tradições, o idioma, a vida diária. Entre 1946 e 1966 se publicaram 176 volumes em Yidish.

Na continuação, os que sobreviveram começaram a procurar-se entre eles, porque cada um podia fazer um ato de reparação para voltar à vida daqueles povos. Assim, como concêntricos que conformam uma rede de povos judeus, construiu-se uma memória coletiva, que permitiu a continuidade do judaísmo apesar da destruição.

Pouco a pouco, a Shoá adquiriu um novo significado, implícito como uma das piores expressões do anti-semitismo. E se sabe que o anti-semitismo configura uma, senão a maior, declaração de discriminação. Em conseqüência, tema obrigatório para quem defende os Direitos Humanos em sua integridade.

Desse modo, a Shoá e o ódio aos judeus(e ao judeu)foi mais além da recordação comunitária para se instalar na consciência daqueles que sustentam que os Direitos Humanos devem ser considerados como um bem superior. A Shoá, ao se tornar universal, não é tema só para os judeus senão para todos os que se dedicam a promoção e ao respeito dos valores e liberdades individuais."

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(espanhol): Pablo Freinkel
http://www.fmh.org.ar/holocausto/artinteres/derechos.htm
Tradução: Roberto Lucena

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...