Toda discriminação é odiosa, mas quando o ser humano pretende hierarquizar a seus semelhantes segundo caracteres biológicos, entra em uma alienação repugnante e suicida: ao considerar a seus semelhantes desde a perspectiva autoritária como o faz com o gado, ele mesmo passa a considerar-se um bom cavalo de raça, mas com ele se perde a dignidade do homem e não alcança a nobreza do animal.
A Europa jogou durante séculos com o discurso racista, usando-o para legitimar ou racionalizar guerras nacionais e internacionais e empresas colonialistas genocidas, até que o introjetou e o elevou a paradigma "científico". Nada foi necessário inventar aos formadores de opinião de uma turba alucinada para reunir o pioer de meia Europa. Nem sequer tiveram criatividade, inventividade, bastou-lhes servir-se do que já era oferecido no mercado de porcarias e resíduos ideológicos. Elevaram o discurso de escórias mal alinhadas a ideologia de estado e quase acabaram com a Europa e o mundo civilizado. Seu primitivismo suicida os fez protagonizar o fato mais degradante da humanidade. E foram acompanhados por acadêmicos e "cientistas", em nome de uma "ciência" de burocracia e escalão.
O poder havia caído vítima de seu própio discurso e havia arrastrado em sua queda a milhões de inocentes. A margem do precipício girou em cento e oitenta graus e assinalou o novo norte, o verdadeiro: o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos não é outra coisa senão a consagração expressa da mudança de paradigma. Pôr a proa no norte correto não significa que se siga sempre no caminho exato e sem que sequer não haja contramarchas, mas ao menos há um norte que aponta a má consciência.
Nós não somos inocentes. A Argentina não é imune ao racismo, como também conheceu várias versões. O ponto mais baixo não teve as mesmas dimensões do universal, mas foi mais anacrônico e por isso mais insólito e tosco, grosseiro e primitivo.
Agora temos na Constituição a Declaração Universal e os tratados de Direitos Humanos, que pesa ao coral de vocês que se levantaram para impedi-lo. Entre eles, não faltaram alguns que pretenderam ridiculizar o próprio artigo primeiro, como banal e como mera declaração ética ou moral. Muitos o fizeram por oportunismo, outros por ignorância, mas também o fizeram, sem dúvida, outros que sabiam do que falavam.
Não sei se aos últimos lhes pode servir de muito, mas pelo menos aos primeiros, é necessário chamá-los a reflexão, convidá-los a que se informem minimamente sobre a história deste século, ainda que mais não seja, que se esforcem tratando de pensar um pouco - que não doa - e que, por favor, não sigam jogando irresponsavelmente com o racismo, porque essa frivolidade os pode levar a que um dia, ao levantar-se, encontem no espelho, outra vez, uma quimera, sem dignidade humana e nem de nobreza de um animal."
Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(em espanhol): Eugenio Zaffaroni
http://www.fmh.org.ar/revista/1/cuipal.htm
Tradução(português): Roberto Lucena