SILAS MARTÍ
da Folha de S.Paulo
Era para ser um monumento às vítimas homossexuais do Holocausto o bloco de concreto erguido há um mês à beira do Tiergarten, parque central de Berlim. Mas, segundo os artistas por trás do projeto, virou símbolo de como a política consegue sufocar a arte e sinal de que, apesar de tudo, a Alemanha continua homofóbica.
(Foto)Beijo gay em filme de Thomas Vinterberg exibido dentro do memorial em Berlim
"Não queríamos uma abstração, como triângulos cor-de-rosa", diz à Folha Michael Elmgreen, dinamarquês radicado na Alemanha, que assina o projeto do memorial com o parceiro Ingar Dragset -os dois participaram da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002.
Imitando as lápides de concreto do monumento aos judeus mortos sob o regime de Hitler, o novo bloco fica a alguns metros dali e mostra, dentro de uma pequena fresta, um vídeo de dois homens se beijando, dirigido pelo também dinamarquês, co-fundador do Dogma, Thomas Vinterberg. "Queríamos uma imagem explícita", conta Elmgreen.
O estopim do conflito foi quando o ministro alemão da Cultura, Bernd Neumann, censurou a imagem que deveria estampar o convite para a inauguração oficial do monumento. No lugar do beijo, um cartão todo cinza, sem imagens, chegou às mãos dos convidados.
A feminista Alice Schwarzer levantou outra queixa: um memorial às vítimas gays só com homens ignora o sofrimento das lésbicas mortas no Holocausto. Na cerimônia, chamou o projeto, aprovado numa competição que desbancou sugestões de artistas como Wolfgang Tillmans, de "kitsch" e "fálico".
Os artistas agora, cedendo à pressão de feministas e outros grupos de interesse, terão de mudar a cada dois anos o filme exibido dentro do memorial.
Arte coletiva?
"É ridículo e vergonhoso que eles estejam passando por isso", diz Thomas Vinterberg à Folha, por telefone, de Copenhague. "Arte é subjetiva. Nunca é possível chegar a um acordo coletivo em relação à arte."
Em preto-e-branco, o filme dentro do memorial foi gravado no mesmo lugar onde está hoje o bloco de concreto, dando a impressão de estender a paisagem de fora para dentro do cubo. Mudar o filme, na opinião de Vinterberg, destruiria esse efeito. "Se eu soubesse que chegaria a isso, jamais teria participado do projeto."
Os artistas lembram que a construção do memorial gay fora aprovado na administração do Partido Verde, anterior aos democratas cristãos agora no poder. "Eles apóiam o papa, não querem ver dois homens se beijando", diz Elmgreen, acrescentando que foi seu primeiro e último projeto público. "Jamais faremos algo do tipo de novo, vimos que tem muito pouco a ver com arte e muito mais a ver com política."
"O monumento virou um comentário sobre a vida política na Alemanha no início deste século mais do que uma homenagem a homossexuais", lamenta Vinterberg. "Artistas deveriam ser protegidos, não manipulados. O que fizeram foi arruinado; ser gay ainda é tabu."
Fonte: Folha de São Paulo(27.06.2008)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u416745.shtml
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