Nazismo versus humanismo, por Henry Chmelnitsky*
A memória do genocídio nazista contra os judeus, os ciganos, os opositores políticos e outros grupos sociais e religiosos tornou-se agora um campo de disputa. Com o passar do tempo, a recordação daqueles eventos já não tem a força que a dor viva dos testemunhos dos sobreviventes propiciava. O que era simples memória tornou-se história. Em decorrência, aumenta o esquecimento. Recordar obriga, hoje, a um desgaste mais cognitivo do que emocional. Hoje já não são os vivos que falam. São os livros que dão voz aos mortos. Em decorrência, as novas gerações leem aquelas ocorrências como tarefa escolar. E, como sempre ocorre nestas situações traumáticas, com o passar do tempo aumenta o espaço para reinterpretações e releituras. Assim, o que era simples e cristalino torna-se opaco. As vítimas do assassinato tornam-se agora também vítimas da pena e da retórica. Não raro, os criminosos são desculpados. O ato criminoso amenizado. A dor que as novas gerações sentem em terem de fazer algo com esta dura recordação é perturbadora. Os filhos, netos e bisnetos das vítimas e dos assassinos têm isso em comum. O patrimônio que herdaram da história lhes dói na alma.
Cabe por isso dizer: neste dia da recordação e honra à memória das vítimas do Holocausto, não se deseja nem a revanche nem a ruminação. Recordar não é revidar. Não se deseja nesta data condenar as novas gerações a assumirem a responsabilidade por atos cometidos no passado. O que se deseja nesta data é ensinar a não vulgarizar a barbárie. O que se quer nesta data é evitar que se minimize a maldade.
O nazismo nasceu no berço do humanismo alemão. Esta é a dura verdade. O mal parece estar sempre à espreita, mesmo ali onde proliferam a boa vontade e o sonho por um novo mundo. Esta luta entre estas duas tendências parece não ter fim. Cabe por isso dizer, o genocídio dos judeus e dos demais grupos, que tanto horrorizou a humanidade, não é um problema das vítimas. Elas recordam não porque estejam preocupadas com nova perseguição, porque almejam acerto de conta, porque aspiram cultivar o espírito de culpa do mundo ocidental. Elas recordam porque querem dizer que todos são suscetíveis a repetirem a história. Construir um novo mundo depende em boa medida da capacidade de aprender algo desta fragilidade da alma humana.
*Presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul
Fonte: Zero Hora
http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2483183.xml&template=3898.dwt&edition=12157§ion=1012
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