sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Svenja Leiber: “Culturalmente, a Alemanha ainda não se recuperou do Holocausto”

A escritora alemã publica 'Los tres violines de Ruven Preuk' (Malpaso) (Os três violinos de Ruven Preuk, tradução livre).

Svenja Leiber
Literatura como seguimento, literatura que se toma o garoto e deixa o homem, e levanta ata de sua formação: é assim que funciona 'Los tres violines de Ruven Preuk' (Malpaso) [Os três violinos de Ruven Preuk, tradução livre], a segunda novela da escritora alemã Svenja Leiber (Hamburgo, 1975), que conta a peripécia de um músico alemão através do campo minado do século vinte. O jovem Preuk, um superdotado do violino, não só assiste - primeiro como espectador, e como soldado depois - a duas guerras mundiais e seus seguintes pós-guerras, como emigra do campo para a cidade, converte-se em músico, namora e se casa, triunfa e fracassa, e presencia, por fim, o vago despertar do fim do século.

O estilo de Leiber, um presente deliberadamente frio, elíptico nas zonas de sombra, se abraça ao fato visto por uma lupa. Com detalhe. Sua intenção é contar a outra guerra: o pós-guerra, o grande através do pequeno, o que ocorreu não só na retaguarda, senão no lar, ainda mais ao fundo de quem se livrou do front, mas que ao invés teve que esperar, entre ruínas e entulhos, a vitória ou a devastação. Por isso Hitler não é citado nominalmente - se faz referência ao Führer só uma vez - e não se mencionam fatos, nem batalhas, nem campos de concentração. "A política não se pode ficcionar - disse Leiber, uma alemã considerável, alta e elegante -, mas ao mesmo tempo toda novela é política, pois a política começa na vida dos homens e disso se ocupa a literatura. Eludir a cita direta não é difícil: cada coisa que ocorreu teve sua consequência direta na gente".

-De onde vem a história de Ruven e seus três violinos?

-Eu cresci em um povoado próximo de Hamburgo, e ali um dos granjeiros tinha três violinos, um dos quais, tinha um valor incalculável. O problema é que nunca soube qual de todos eles era o violino valioso. Partindo daí quis fazer uma analogia com a história de Orfeu a partir da relação do mito com a morte. Era essa, em resumo, a história que eu queria contar, uma história que, devido às andanças dos violinos, tinha que estar atravessada pelo século XX alemão. Alegro-me de ter escrito um livro que fala da história de meu país justo num momento em que percebo certa saturação dos alemães com respeito a isso.

-A que se credita este cansaço?

-É como se muitos alemãs tivessem chegado a uma espécie de limite. Não desejam seguir escutando o que ocorreu. Por outro lado, hoje há certa tendência a dizer: "Bem, fizemos o que fizemos, nosso país fez o que fez, mas eu estou orgulhoso de ser alemão. Já sei: nós alemães somos os melhores". Mas, no meu modo de ver, isso é incompatível com uma visão crítica da história. Continuamente, os meios nos dizem que somos melhores jogando o futebol, que a nível político lideramos a Europa e que somos uma potência econômica. Muito bem, mas vamos aonde nos levou a retórica dos vencedores? A vitória gera derrotados e Alemanha, tendo em conta seu passado, não se pode permitir essa mentalidade.

-Disse que os alemães estão cansados de sua história, mas no ano assado uma série de televisão, Filhos do Terceiro Reich (Unsere Mütter, unsere Väter), foi o maior sucesso de audiência na Alemanha nos últimos anos.

-É interessante que menciones essa série, porque para muitos foi a última gota que encheu o vaso. Minha opinião é que ela é horrível. É uma série cheia de clichês, tópica, sentimental no pior sentido, com essa música que que te falam quando tens que rir, quando tens que se emocionar etc. É uma visão romântica, e portanto, adulterada, do período mais duro do século XX. Por aí não pode ir nossa forma de afrontar o passado.

-Você também se refere, ao final do livro, ao chamado milagre alemão depois da devastação da Segunda Guerra Mundial. Ao lê-lo dá a sensação de que se fez de algum modo a luz.

-A verdade é que não estou muito convencida de que se fez a luz. Na realidade, o milagre alemão não foi tal. É certo que em pouco tempo se levantou um país novo, e no plano econômico pode parecer que as coisas vão bem, mas isso não quer dizer que se levantara um país melhor.

-Por onde há margem de melhorar a Alemanha? A que se refere quando diz que não é um país melhor?

-Refiro-me ao que ficou da guerra. Desde então, há um vazio gigantesco na Alemanha que no dia de hoje se chegou: não nos recuperamos em absoluto a nível cultural. O extermínio de toda a elite judaica foi trágico para a história cultural da Alemanha. é certo que se melhorou, mas ainda se te muito caminho. É curioso, porque hoje são precisamente emigrantes do leste, de procedência em sua maioria judaica, quem está fazendo a Alemanha se recuperar, pouco a pouco, parte do brilho do passado.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.es/noticias/letras/Svenja-Leiber-Culturalmente-Alemania-aun-no-se-ha-recuperado-del-holocausto/6868
Título original: Svenja Leiber: “Culturalmente, Alemania aún no se ha recuperado del holocausto”
Tradução: Roberto Lucena

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