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Se Olga Benario foi um ícone sob o regime comunista da ex-Alemanha Oriental, seu nome é praticamente desconhecido nos Estados que pertenciam à parte ocidental do país. Sua ligação com Luiz Carlos Prestes, sua passagem pelo Brasil, a deportação pelo governo Vargas e a morte em um campo de concentração são capítulos praticamente ignorados na Alemanha unificada de hoje.
"Mesmo tendo sido amada na RDA, Olga Benario não é conhecida de todos, quanto menos da nova geração", diz Iyitanir. Embora haja no país inúmeras ruas, escolas e até cineclubes que levam seu nome.
Ao voltar luzes e câmeras para este período da história (alemã, russa, brasileira), o diretor turco, radicado na Alemanha, conta por um lado com a curiosidade do espectador frente a esta biografia desconhecida, mas, por outro, tem que enfrentar a resistência da mídia a um certo exagero nos adjetivos nos quais o filme carrega. Isto fez com que o documentário fosse chamado de "patético" pelo diário berlinense Der Tagessspiegel e acusado de exagerar nas doses do "patos da revolução" pelo jornal taz.
De qualquer forma, o filme – e com ele a biografia de Olga Benario – foi registrado pela imprensa do país, fazendo jus ao certamente árduo trabalho de pesquisa e reconstrução histórica levado a cabo pelo diretor.
Leia a seguir a íntegra da entrevista com Galip Iyitanir sobre Olga. Uma Vida pela Revolução.
DW-WORLD: Poderia se dizer, que você fez um filme para o público da ex-Alemanha Ocidental? Ou você pensou também no espectador brasileiro?
Iyitanir: Nunca tive a intenção de rodar o filme apenas para um público alemão ocidental. Mesmo tendo sido amada na RDA, Olga Benario não é conhecida de todo mundo, quanto menos da nova geração. Por isso meu filme é dirigido a todos aqueles que não têm conhecimento de sua história. É claro que pensei no espectador brasileiro ao narrar a revolta fracassada de 1935 mais detalhadamente do que seria necessário para o espectador alemão. Foi pensando que a história do Brasil não deveria ser resumida, caso o filme fosse exibido na televisão brasileira ou nos cinemas do país.
DW: Na mídia brasileira, seu filme apareceu bastante no contexto, ou mesmo em comparação ao longa de ficção "Olga", de Jayme Monjardim. Você acha que o sucesso de público deste filme no Brasil atraiu mais atenção para seu documentário ou, ao invés disso, prejudicou a recepção dele no país?
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Certamente o sucesso do longa de ficção de Jayme Monjardim ajudou muito meu filme, pois foi concluído anteriormente e despertou a curiosidade das pessoas no Brasil a respeito do meu documentário. Além disso, o filme dele não foi bem recebido pela imprensa e por pessoas do meio cinematográfico, que tiveram interesse em ver como era o meu filme. Muitas pessoas me disseram após a exibição que, enfim, ficaram conhecendo a verdadeira história de Olga. E me agradeceram por isso.
DW: Há em seu documentário algumas correções históricas em relação ao longa de Monjardim – um filme que, embora seja ficcional, é comercializado como fiel à história. Uma dessas correções é o local de nascimento de Anita, a filha de Olga. Tais interpretações falsas dos fatos não o irritaram no filme?
De forma alguma! Pois um filme de ficção tem muitas liberdades e pode ser composto de forma tensa, emocional e voltada para o mercado. Enquanto o documentário tem que ser fiel à verdade e objetivo.
DW: Em "Olga. Uma Vida pela Revolução", você mistura material de arquivo com imagens atuais de locações originais da história, acrescentando ainda tomadas encenadas e entrevistas. Por que esse formato "misto" e por que uma narrativa estritamente cronológica?
A mistura de imagens históricas e atuais servem, no filme, para tornar nítida a diferença entre o antigo e o novo. Vê-se que em algumas locações quase nada mudou. Além disso, essa mistura ajuda o espectador a se mover emocionalmente, a perceber os dois lados, sem rejeitar um ou outro. Como o filme deveria ter 90 minutos, optei desde o início por esse formado misto, semidocumental. Isso por duas razões: primeiro porque há poucas imagens em movimento e poucas fotos de Olga Benario.
Segundo, porque não queria forçar o espectador a ver 90 minutos de um filme contado em off. O que teria sido com certeza muito estático e monótono. Teria se tornado radioteatro ilustrado. Não acho que o filme seja narrado de forma estritamente cronológica, pois ele começa com a cena de libertação de Otto Braun e só aí conta a infância e a juventude de Olga Benario, de forma retrospectiva até a ação de libertação. Essa forma narrativa foi introduzida também em relação a Prestes. Sua história é contada somente quando de sua viagem ao Brasil e não no começo, quando ele aparece no filme. Apenas depois do Brasil o filme se torna cronológico.
DW: A trilha sonora de seu filme é muito brasileira. Isso num contexto em que grande parte da vida de Olga Benario não se passou nem teve quaisquer referências ao Brasil. Por que esta escolha?
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Apenas um quarto da trilha sonora é brasileira (repentistas, coro e Paraventi). Os 50 minutos restantes têm uma trilha composta especialmente para as cenas, com o intuito de apoiar a história do filme. Certamente, em trechos rodados no Brasil, a música foi um pouco adaptada às locações. Mas não foi propósito tornar toda a trilha sonora completamente brasileira.
DW: Como você chegou aos repentistas? Eles foram incluídos no filme por razões estéticas ou há alguma ligação entre a história de Olga Benario no Brasil e o repente?
Como sou um entusiasta do Brasil, asism como Olga era, queria de qualquer forma introduzir no meu filme algo mais que belas imagens, o que qualquer câmera de reportagem pode fazer. E este algo mais deveria estar ligado à cultura e à mentalidade do país. Foi quando cheguei aos repentistas, cuja tradição já conhecia há muito. Eu já havia me debatido bastante com a idéia de introduzir os repentistas, mas não tinha cem por cento de certeza. Só no Rio de Janeiro, frente à beleza magnífica da cidade, é que minhas idéias foram se tornando realidade.
DW: Você não teve a intenção de entrevistar Anita Leocádia e sua tia Lydia? Por não querer abandonar as fronteiras temporais da biografia de Olga Benario?
Eu quis muito entrevistar Anita e sua tia Lydia e estava até mesmo orgulhoso de ser o primeiro cineasta que iria entrevistá-las. Foi meu grande desejo. Pensei até em começar e concluir o filme com Anita, uma idéia em si já fascinante. Com Anita e Lydia o filme teria sido certamente muito mais rico e belo do que é. Infelizmente meus desejos não puderam ser realizados. As duas não se dispuseram a ser entrevistadas. Não soube o verdadeiro porquê disso, mas gostaria muito de saber.
Soraia Vilela
Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 09.12.2004)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,1420395,00.html