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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O horror de Auschwitz e do holocausto por quem o escreveu na primeira pessoa: Primo Levi

O mais sangrento dos campos de concentração foi libertado há 71 anos. É hoje o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. E poucos como Primo Levi escreveram sobre ele. Viveu-o. Sobreviveu-lhe.
Rene Burri/Magnum
"Isto é o inferno. Hoje, nos nossos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansados, de pé, diante de uma torneira gotejante mas que não tem água potável, esperando algo certamente terrível , e nada acontece, e continua a não acontecer nada. Como é possível pensar? Não é mais possível; é como se estivéssemos mortos. Alguns sentam-se no chão. O tempo passa, gota a gota." Primo Levi, “Se Isto é um Homem” (1947)
11 de abril de 1987. Na manhã em que Primo Levi morreu – o relatório da polícia italiana aponta para uma tese de suicídio, relatando que Levi se atirou mortalmente do terceiro andar de casa, em Turim –, Elie Wiesel, autor de “A Noite” (também sobre a experiência de horrores vivida num campo de concentração nazi) e prêmio Nobel da Paz em 1986, escreveu: “Primo Levi não morreu hoje. Morreu há quarenta anos, em Auschwitz.” Levi tinha 67 anos à data do suicido.

Não é (nem nunca foi) uma teoria da conspiração por parte de Wiesel dizê-lo. É antes a constatação de que o homem-Levi, químico, resistente antifascista na frente de guerra, não voltou de Auschwitz homem, mas apenas um corpo, com memória e uma mão com que escrever.

Aos 24 anos foi transportado para Auschwitz. Ele e outros seiscentos e cinquenta judeus italianos. Estávamos em fevereiro de 1944. Deles, só vinte sobreviveram — Levi incluído. Quando se viu, enfim, libertado pelo exército soviético, a 27 de janeiro de 1945, ao fim de 11 meses de privação e indignidade humana, Levi havia envelhecido, não 11 meses, mas décadas. Não só fisicamente. Mas serviu-lhe a experiência, de morte, não a sua mas a que testemunhou dia-a-dia à sua frente, todos os dias, a experiência de sobreviver quase miraculosamente — a resiliência fez o resto –, essa experiência-limite permitiu-lhe escrever, por exemplo, “Se Isto é Um Homem” (a trilogia de Auschwitz completa-se com “A Trégua” e “Os que Sucumbem e os que se Salvam”).

Nem só sobre o holocausto escreveu Primo Levi, mas quando o fez, mais do que procurar culpados ou explicações, narrou. Simplesmente isso: narrou o horror, sem artifícios, com crueza, a vida no mais sangrento dos campos de concentração do Terceiro Reich. O campo foi libertado há 71 anos. E também por isso se assinalada, nesta data e desde 2005, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

Mais do que ler a não-ficção de autores como Levi, Wiesel ou Imre Kertèsz, mais do que ver no cinema ou em casa “A Lista de Schindler” e, mais recente, “Filho de Saul”, de Laszlo Nemes (o filme recebeu o Grande Prêmio de Cannes e o Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro), mais importante que isso é ler os relatos, sem polimentos literários ou de realização, como os que Levi (a par com Leonardo de Benedetti) escreveu em “Assim foi Auschwitz”. Em 1945, no rescaldo do fim da Guerra e da libertação dos campos de concentração pelos aliados, o exército soviético pediu a Primo Levi e a Benedetti, seu companheiro de campo, que redigissem, em detalhe, como eram as condições de vida lá. O resultado foi um dos primeiros relatórios alguma vez realizados sobre os campos de extermínio. Os textos de Levi, inéditos, finalmente trazidos à estampa no último ano, têm um valor histórico e humano tão importante hoje, 71 anos volvidos sobre o fim da Segunda Guerra, como quando este os escreveu.

Lá, Levi escreveu — o mesmo Levi que, em “Se Isto é Um Homem”, sentia mais culpa por ter sobrevivo (e os outros não) do que culpava os nazis pelo extermino — que “a responsabilidade repousa coletivamente sobre todos os soldados, sargentos e oficiais da SS destacados em Auschwitz”. O livro “Assim foi Auschwitz” serviu também para, ao longo das décadas — e ainda nos nossos dias –, trazer ex-carrascos aos tribunais. Julgá-los. Para que a história os recorde como isso: carrascos. Por outro lado, é também importante perceber que Primo Levi considera que, mais do que o mero extermino de judeus, os campos de concentração serviam para impulsionar a própria economia da Alemanha.
Escrevia Levi: "Os campos não eram um fenômeno marginal: a indústria alemã baseava-se neles; eram uma instituição fundamental do fascismo na Europa e os nazis não o escondiam: mais do que mantê-los, alargavam-nos e aperfeiçoavam-nos."
Num sábado, dia 11 de Abril, em 1987, por volta das 10 horas da manhã, a porteira de um prédio na avenida Corso Rei Umberto, em Turim, tocou à porta do 3.º andar para, como em todos os dias, entregar o correio. Primo Levi abriu-lhe a porta, sorriu-lhe e recebeu-o. Voltou a entrar em casa. Poucos minutos depois o seu corpo estatelava-se no fundo da escada, ao lado do elevador. Morreu instantaneamente. Primo Levi sobreviveu ao holocausto no pior dos campos de concentração. Não sobreviveu aos dias fora dele — mas com ele por dentro, vivo, a remoer-lhe.

Autor: Tiago Palma
27/1/2016, 16:48

Fonte: Observador (Portugal)
http://observador.pt/2016/01/27/horror-auschwitz-do-holocausto-escreveu-na-primeira-pessoa-primo-levi/

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Os 60 anos de um clássico de Primo Levi

Em 1947 Primo Levi publicou É isto um Homem?, livro de testemunho em que o narrador se vê constrangido à incômoda posição de personagem e se defronta com os limites da linguagem para dar conta do indizível.

(Foto)Ítalo Calvino

O prazer da leitura, especialmente a de um clássico, é o de ler e reler um texto, à procura de novos aspectos, camadas e nuanças, pois "de um clássico, cada releitura é uma leitura de descoberta, como a primeira leitura", como afirma Italo Calvino, em seu Por que Ler os Clássicos. Por coincidência, foi o próprio Calvino que, literalmente, "descobriu" e resenhou o romance autobiográfico É Isto um Homem? (Rocco, 1988) de Primo Levi, publicado há 60 anos, pela pequena editora De Silva, de Turim. O livro relata sua terrível experiência em Auschwitz e, em sua resenha, Calvino aponta para a novidade desse texto, ligado ao aspecto especificamente literário do livro. Em seu Prefácio a É Isto um Homem? Levi escreveu que "este meu livro nada acrescenta quanto a detalhes atrozes" (p. 7). A novidade está no paradoxo de um texto que quer descrever uma experiência radical, que está evidentemente para além do dizível ("Pela primeira vez, então, nos damos conta de que a nossa língua não tem palavras para expressar esta ofensa, a aniquilação de um homem." p. 24) e, em parte graças a isso, manifesta seu caráter notadamente literário. Calvino escreveu:

Acredito que todo o sobrevivente que tentou escrever suas próprias memórias sobre aquela terrível experiência foi tomado por uma pena desolada: ter vivido uma experiência que passa os limites do dizível e do humano, uma experiência que ele não poderá nunca comunicar em todo seu horror a ninguém e cuja lembrança continuará a persegui-lo com a aflição de sua incomunicabilidade, como uma extensão da pena... Para fatos como os dos campos de aniquilamento parece que qualquer livro seja inferior à realidade, para poder dar conta deles. Mesmo assim, Levi nos deu sobre esse tema um magnífico livro, que não é somente um testemunho muito eficiente, mas contém páginas de uma autêntica potência narrativa, que ficarão em nossa memória entre as mais bonitas da literatura da Segunda Guerra Mundial (1)

É Isto um Homem? foi antecedido por um "Relatório sobre a Organização higiênico-sanitária do campo de concentração para judeus de Monowitz (Auschwitz - Alta Silésia)", publicado em 1946 na revista Minerva Medica (2), assinado por Leonardo Debenedetti, um cirurgião, e por Primo Levi, químico. O texto fora encomendado pelo comandante russo do campo de refugiados de Katowice, onde Levi se encontrava após a libertação de Auschwitz. Esse relatório descreve de forma minuciosa algumas das doenças contraídas pelos prisioneiros dos campos e, de forma sucinta, mas precisa, o funcionamento das monstruosas câmaras de gás. Muitas das anotações do relatório serão incluídas no livro posterior de Levi, mostrando sua inconfundível contribuição à redação do documento e ao tom pacato de seu estilo. Mas, conforme diz no Prefácio, o livro "não foi escrito para fazer novas denúncias objetivas; poderá, antes, fornecer documentos para um sereno estudo de alguns aspectos da alma humana" (p. 7). Um sinal inconfundível do estilo de Levi e do caráter literário de sua obra é o uso de uma sutil e quase paradoxal ironia, num livro que contém a verbalização de uma experiência autêntica e inaudita. O livro começa com estas palavras: "Por minha sorte, fui deportado para Auschwitz só em 1944" (grifo meu). O texto certamente quer apontar para uma fase em que a máquina de aniquilação nazista tencionava suavizar relativamente a vida no campo, com o objetivo de prolongar a vida média dos prisioneiros. Mas logo no texto do primeiro capítulo, "A viagem", moldado a partir de uma visão da Divina Comédia (a descida, Caronte, o barqueiro infernal e outros elementos), o sobrevivente-testemunha declara, num surpreendente tom auto-irônico:

Fui detido pela Milícia fascista no dia 13 de dezembro de 1943. Eu tinha 24 anos, pouco juízo, nenhuma experiência, e uma forte propensão [...] a viver num mundo só meu, um tanto apartado da realidade, povoado de racionais fantasmas cartesianos, de sinceras amizades masculinas e minguadas amizades femininas. Cultivava um moderado e abstrato espírito de rebelião (ib., p. 11).

O tom escolhido em É Isto um Homem? contradiz o objetivo enunciado, que nasceu da "necessidade de contar 'aos outros'. De tornar 'os outros' participantes" (Prefácio, p. 7-8). Mas esse esforço está associado à frustração prévia, que o sonho típico do sobrevivente mostra - um sonho que ele e outros ex-deportados descreverão, diferente na forma, mas idêntico na substância, pois Levi sonha que ele volta para casa e conta aos amigos e familiares dos horrores no campo e gradativamente os interlocutores desaparecem, deixando-o com a sensação de não conseguir se comunicar - que aponta para a sensação de impotência, de incapacidade de verbalizar sua tremenda experiência. A escrita é, ao mesmo tempo, uma escrita secreta ("Então pego lápis e caderno e escrevo aquilo que não saberia confiar a ninguém", diz Levi em É Isto um Homem?, p. 144), vencendo o constrangimento e a necessidade contraditória de querer se livrar a qualquer custo da memória do horror.

O paradoxo da incomunicabilidade da experiência de que fala Calvino em sua resenha sobre É Isto um Homem? encontra-se expresso, de maneira especialmente clara, num capítulo do livro intitulado "O canto de Ulisses". Esse capítulo realiza uma operação de memória literária, através da releitura e da reinterpretação do personagem criado por Dante, um Ulisses temerário e louco. Trata-se de um capítulo muito curto, uma espécie de mise en abîme, uma micro-história que aponta para a macro-história do relato literário do sobrevivente: neste capítulo: o narrador relata uma hora de conversa entre ele e Pikolo (um jovem prisioneiro que representa a figura na base da hierarquia no Lager, entre os judeus), tecendo uma história que se espelha na história do Lager como um todo: a literatura como resistência contra o horror do campo de concentração. Durante o trajeto para buscar a sopa (propositalmente mais longo, para esticar o tempo da caminhada) Pikolo, que é um alsaciano e, portanto, bilíngüe (um típico exemplo da Babel de línguas do Lager) pede que lhe dê uma aula de italiano e Levi escolhe como tema o Canto XXVI da Divina Comédia de Dante Alighieri, "O Canto de Ulisses". O tempo da narrativa amplia-se e permite uma inserção de uma verdadeira aula de literatura. "Quem sabe como e por que [a Comédia] veio-me à memória" (p. 114), declara ele, dando vida a uma paradoxal aula de língua e literatura italiana, que ele ministrou durante essa caminhada ao lado de Pikolo, e da qual se lembrou, enquanto escrevia o livro, registrando-a em meia hora.

Levi descreve (no tempo do narrador, lembrando o episódio do campo) sua tentativa de lembrar os versos de Dante, uma vez que obviamente não dispunha do texto no Lager. Ele arrola fragmentos de versos, frases truncadas, versões não confirmadas, hipóteses, na desesperada tentativa de reconstruir uma mensagem coerente que, por sua vez, tem como objetivo transmitir a Pikolo algo da língua e da literatura italiana e algo das questões filosóficas e existenciais desse Canto. O tempo preme: "Esta hora já não é mais uma hora..." (p.114), declara Levi angustiado e, logo adiante: "Estou com pressa, uma pressa danada" (p. 116). E ainda: "É tarde já, é tarde, chegamos à cozinha, vou ter que concluir" (p. 117).

No texto, Levi acena com novas interpretações, intuições, leituras que surgem somente no instante de agora (na hora de recitar para o Pikolo os versos de Dante ou na hora de escrever sobre o episódio? Isso não fica claro). Seja como for, a metáfora de Dante é sutilmente utilizada para mostrar a impossibilidade de descrever a situação monstruosa e irrepresentável do Lager, algo para além de qualquer imaginação, sem fazer uso da literatura. No capítulo 2 de É Isto um Homem?, significativamente intitulado No fundo, o texto apresenta a perversa inscrição Arbeit macht frei (o trabalho liberta) como uma alusão à inscrição que consta no canto III da obra de Dante: Lasciate ogni speranza o voi que entrate. "Este é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno deve ser assim..." (p. 20 ). A metáfora do Inferno de Dante, como reconhece o crítico Cesare Segre, perpassa todo o livro de Levi.

Ao final do Canto XXVI de Dante, Ulisses descreve sua louca aventura, consciente de que encontrará a morte desafiando tanto os deuses pagãos quanto o deus cristão. Relata um episódio que termina com a punição divina pelo desafio, isto é, relata sua própria morte. Ulisses é, antecipadamente, a testemunha integral, no sentido em que Levi a define em Os Afogados e os Sobreviventes. Embora personagem de ficção reinterpretado por Dante Alighieri, Ulisses, de fato, é a única testemunha a conseguir descrever sua própria morte. Ele é ao mesmo tempo o terceiro distanciado do episódio (enquanto narrador do episódio) e o sobrevivente envolvido. É ele a testemunha integral. E o canto de Dante e o capítulo de Levi terminam com os seguintes versos:

Faz três vezes girar a nau que aferra;
e na quarta levanta a popa à altura,
e a proa declina, fiel a quem impera;
E nos fecha das águas na clausura (3) ■


Andrea Lombardi é professor de Literatura Italiana na Universidade Federal do Rio de Janeiro e realiza atualmente pesquisas sobre o tema do exílio na literatura

1 - Revista Riga, op. cit., p. 113.
2 - Minerva Medica, nº XXXVII, julho-dezembro de 1946, p. 535-44 em Primo Levi. Opere a.c. Marco Belpoliti. Turim, Eianudi 1997 I, p. 1335-60. O texto em italiano desse relatório encontra-se em www.dignitas.it/pdf/Monowitz.pdf . Um ótimo comentário, em língua francesa, em Philippe Mesnard www.revue-texto.net/Inedits/Mesnard_Levi.html .
3 - Haroldo de Campos in Boitani, op. cit., p. 202.

Fonte: Revista 18(Centro de Cultura Judaica)
http://revista18.uol.com.br/visualizar.asp?id=897

sábado, 15 de dezembro de 2007

Holocausto no olhar do filho de um nazista

Livro conta a história de um garoto de nove anos, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz

Antonio Gonçalves Filho/Agência Estado

Desde que a escritora alemã Christa Wolf lançou, há 31 anos, o autobiográfico Kindheitmuster, que narra a história de uma garota criada numa família pró-nazista, não se ouvia falar de um autor interessado em contar a história do Holocausto do ponto de vista alemão. Nada comparável a livros escritos pelas próprias vítimas do nazismo, como É Isto um Homem?, de Primo Levi, mas é preciso dizer que o best seller O Menino do Pijama Listrado (Companhia das Letras, 190 págs.), do escritor irlandês John Boyne, de 35 anos, surpreende.

Nele, Boyne conta a história de um garoto de nove anos, Bruno, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz que secretamente se torna amigo de um pequeno prisioneiro judeu com a mesma idade. Bruno quer descobrir a verdadeira identidade do pai, convocado pelo próprio Führer e, aos poucos, vai entendendo a realidade da Alemanha em 1942. O livro já vendeu 350 mil exemplares e foi transformado em filme pelo diretor Mark Herman (de Little Voice/ Laura e A Voz de uma Estrela), que estréia no início de 2008. Sobre o livro, publicado em mais de 30 países, Boyne fala nesta entrevista.

AE — Está claro que um livro sobre o Holocausto vendido como fábula e narrado pelo filho de nove anos de um comandante nazista está destinado a provocar polêmica, lembrando as palavras do Nobel sobrevivente Eli Wiesel, que recomenda a “quem não esteve lá” que não escreva sobre o assunto. O que o levou a escrever sobre o genocídio e por que classificou seu livro de fábula?

BOYNE — O que me levou ao livro foi o único motivo que leva alguém a escrever: uma boa idéia. Estudei por muitos anos a literatura do Holocausto, não com o intuito de escrever uma novela ambientada na época do nazismo, mas para me educar sobre um assunto que considero tocante. Quando surgiu a idéia - e, inicialmente, essa idéia era pouco mais que a imagem de dois meninos conversando, sentados em lados diferentes de uma cerca - senti que poderia sugerir uma nova perspectiva para a literatura do gênero. Chamei de fábula por ser um trabalho de ficção com moral transparente. Como sabia que teria de alterar alguns aspectos da vida num campo de concentração em função da história, decidi não usar a palavra Auschwitz em nenhuma página do livro. Com isso, o livro acabou se parecendo como uma fábula, mais que com qualquer outro gênero.

AE — A inocência de Bruno, o filho do comandante nazista do campo, faz lembrar muito o ingênuo filho de Roberto Benigni no filme A Vida é Bela. Em que medida ele serviu de inspiração para criar o personagem Bruno e por que você escolheu uma alegoria histórica em vez de recontar o Holocausto segundo relatos de sobreviventes do genocídio?

BOYNE — O filme de Benigni não inspirou meu livro de maneira nenhuma. Jamais pensei nele em qualquer estágio de produção da novela. Escolhi a alegoria histórica por sentir que, como um escritor de 30 anos, não-judeu, não poderia reproduzir a experiência dos judeus no Holocausto. Contudo, o que poderia fazer era criar um personagem como Bruno, que anda até a cerca todos os dias, olha através dela, vê pessoas e começa a questionar o que elas fazem do lado de lá. Acho que qualquer estudioso do Holocausto hoje enfrenta esse processo de tentar olhar e entender o que vê.

AE — A avó de Bruno representa a voz da razão na sociedade alemã ao criticar o arbítrio e a prepotência do regime hitlerista, mesmo correndo riscos e colocando seu filho, um oficial nazista, em situação perigosa. Mas ela morre no meio do livro. Essa foi a forma alegórica que encontrou para dizer que milhões de pessoas foram mortas na Alemanha sob os olhos de alemães diferentes da avó de Bruno, que não fizeram o menor esforço para salvar inocentes?

BOYNE — Queria ter no livro uma voz com autoridade moral e decência humana. A avó faz esse papel por ser o único personagem capaz de dizer, corajosamente, desafiando os demais, que as coisas andam erradas na Alemanha. Naturalmente, com seu filho sendo um membro destacado na hierarquia nazista, ela o coloca em risco e a ela própria cada vez que abre a boca. Mas a avó não liga para as conseqüências. Sabe que é mais importante não calar pois estaria dando aprovação tácita ao genocídio. Naturalmente, sua voz é silenciada cedo na novela porque é o que acontece a essas vozes. Elas param de ser ouvidas.”

Fonte: Agência Estado/Bem Paraná(Brasil, 10.12.2007)
http://www.bemparana.com.br/index.php?n=52253&t=holocausto-no-olhar-do-filho-de-um-nazista
The Boy in the Striped Pajamas (by John Boyne)
http://www.forpd.ucf.edu/newsletter/FLN200611.html

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