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quinta-feira, 19 de março de 2020

Estatística macabra de mortos pelo coronavírus no Brasil: 2 milhões de mortos. País tem que parar, Bolsonaro politicamente acabou e precisa ser interditado, encostado e depois removido

Leia tudo antes de querer ou vir criticas (críticas imbecis de olavetes não serão publicadas, energúmeno e verme não é digno de qualquer respeito ou consideração). O site TecTudo, bem conhecido (site de tecnologia) publicou matéria longa sobre um cenário extremo, sombrio, catástrofe ao extremo de 2 milhões de mortos pro Brasil pelo coronavírus, segue o link do texto a quem quiser ler:
Quantos podem morrer pelo Coronavírus no Brasil? Cientistas respondem
https://www.tecmundo.com.br/ciencia/151189-quantos-morrer-coronavirus-brasil-cientistas-respondem.htm

*Antes de tudo peço desculpas ao Daniel por não poder responder antes, não foi possível, só vi as mensagens em fevereiro e o PC teve problemas, fora problemas com gripe e cia (e agora temos que encarar essa porrada).

Voltando ao que discutíamos, obviamente que isso é um quadro extremo, o pior cenário possível, mas... se 25% disso ocorrer o número de mortos no Brasil pode chegar facilmente a 500 mil óbitos (mortes) e é um número altamente possível, com cenário de guerra, de catástrofe, tragédia porque gente em grupos de risco serão deixadas pra morrer e o sistema de saúde do país poderá entrar em colapso, ficar em sobrecarga, com gente que não tenha coronavírus podendo morrer por não ter hospital (privado ou público) pra atender, fora o cenário de tragédia econômica.

"Ah, você está exagerando", primeiro que a matéria do link acima não é minha, e prefiro "errar" por excesso do que pela inércia e comportamento zombeteiro de imbecis neste país (que há milhares, e como podem ver minha tolerância com essa gente será nenhuma, até porque essa "gente" não respeita ninguém então terão o tratamento que merecem daqui pra frente).

Neste blog no começo dessa crise política no país, ainda em 2013, 2014 quando explodiu o "junhismo" inconsequente ("revolução colorida") que jogou o país no abismo, alertava que o cenário que essa gente dantesca berrando na rua jogaria o país seria uma cova profunda. Achava que chegaria a um cenário pior que o fim do governo FHC mas nada parecido com o que acontecerá nas próximas semanas ao país.

Então parem, evitem contato público (distância de 1 metro ou mais das pessoas), não brinquem pra não chorar depois, pois já "brincaram" demais e o momento não tolera mais gente imbecil zombando e brincando com coisa séria.

Espero que os outros poderes da República isolem este sujeito que deixou a cadeira da presidência vacante (em aberto, Bolsonaro virou uma maquiagem macabra de fantoche que a elite entreguista, com sede na FIESP, alinhada aos Estados Unidos colocou no poder pra destruir o país) e até mesmo com esses generais de baixa envergadura política (todos entreguistas) que estão no poder, removam, isolem Bolsonaro até a expulsão definitiva do cargo, ou que consigam forçá-lo a renunciar, nem que se use a força pra isso (guerra é guerra).

O que não dá é esperar a desgraça vir e assistir quieto, as cenas que tenho visto da Itália são desanimadoras, terríveis, e ficou gravado na minha cabeça a cena de cidadãos italianos indo a bares, zombando do vírus e agora estão com 475 cadáveres do vírus num dia, não tendo direito a velório sendo cremados ou enterrados lacrados, sem contato com as famílias e sendo pegos pelo exército italiano. Isso num país que não tem 1/10 da desigualdade social brutal do Brasil, agravada pelo golpe de Estado de 2016 e toda a zona que esses energúmenos inconsequentes aprontam no país desde 2013, lugar de idealista burro devia ser na camisa de força e não discutindo política. Respeito o idealismo mas não tolero burrice e imbecilidade.

Que os governadores do Nordeste não esperem ação do governo federal, "governo federal" virou ficção há muito tempo, principalmente pra região (e contra a região, o governo títere da FIESP anti-Nordeste), entrem em contato com o governo chinês e peçam ajuda, não esperem por ação desse governo imundo capacho da FIESP.

Vou deixar um vídeo abaixo do Átila que esclarece a gravidade do momento e peço pra que passem adiante as informações e levem muito a sério o momento, não liguem pro zombador, daqui a umas semanas esses elementos energúmenos estarão caladinhos como cachorros sarnentos fingindo que não zombaram de nada, em guerra há que ser duro e agir com dureza com esses tipos, pra salvar vidas:



Esta é uma imagem de carros do exército da Itália indo remover cadáveres, porque o sistema de saúde da Itália sobrecarregou (vou usar o termo "colapso") e já decidiram sacrificar quem tem mais de 80 anos ou tem risco, não atenderão e deixarão morrer, este cenário piorado pode acontecer no Brasil, espero que o clima atenue mas esperem pelo pior de verdade, não é momento de passar certas coisas na cara dos inconsequentes mas dá muita raiva, muito ódio da inconsequência desses infelizes, vocês irão pagar muito caro pelo que fizeram ao país, não se iludam:


P.S. 1 Caso alguém queira comentar algo sério e demore pra aprovar comentários, peço desculpas antecipadas mas realmente não tenho o mínimo gosto com este blog com o que houve com o país, nunca vi um surto de tanta gente inconsequente e burra destruindo tudo (começou em 2013), quando o país levantava voo, e continuam até hoje pregando insanidades e desvarios, um radicalismo pueril totalmente descolado da realidade, fantasioso que só uma catástrofe porá fim (infelizmente), cavaram a mesma, o vírus é impossível parar na origem, mas o sistema do país pra proteção foi aniquilado pela estupidez dessas pessoas e a parte do povo que será atingida não deve perdoar quem jogou o país na vala.

P.s. 2 Usem produtos de limpeza caso não encontrem álcool-gel, produtos com cloro funcionam, detergente etc, mas não deixem de higienizar o que puderem, principalmente mãos e nariz.

domingo, 10 de setembro de 2017

As origens patronais do Fascismo italiano

A ascensão do fascismo na Itália surge como consequência da Primeira Guerra Mundial. Ao fim do conflito, atingido pela inflação e desemprego, o país é dominado por uma forte agitação social. Para se protegerem, os industriais e os latifundiários apelam para esquadrões fascistas criados por Benito Mussolini em 1915, abrindo o caminho para a tomada do poder.

Por Lionel Richard

"Antes do paraquedas se abrir", de Tullio Crali, 1931
"Em 1909, os signatários italianos do Manifesto Futurista, escrito por Marinetti, exaltam uma arte com "violência demolidora e incendiária". Fascinados pela guerra, "a única higiene do mundo", e pela técnica, os "aeropintores" como Tullio Crali interpretam as perspectivas cósmicas para retratar o poder dos meios de transporte modernos. Já na década de 1920, grande parte desta corrente se junta ao fascismo."
Exposição temporária do Guggenheim NY.

Quando a guerra eclodiu em 1914, a Itália era aliada - desde o final do século XIX - à Alemanha e o Império Austro-húngaro. No entanto, o governo optou por permanecer neutro. Os "intervencionistas", poucos, que queriam lutar ao lado da Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia), em seguida, encontraram um porta-voz: Benito Mussolini, que dirigia o órgão do Partido Socialista, "Avanti!". Esta posição lhe rendeu expulsão de seu partido. Mas, em 14 de Novembro de 1914, financiado pela França, fundou outro jornal, "Il Popolo d'Italia". Ele conclamava, em 01 de Janeiro de 1915, para lançar uma "revolução contra a monarquia inerte" com o apoio da "Fasci Autonomi de rivoluzionaria Azione" (Fascistas autônomos da Ação revolucionária).

Em 23 de maio de 1915, reviravolta na Itália. Mussolini e seus fáscios não são grande coisa. Foi alcançado um acordo entre o governo italiano e a Tríplice Entente que, em caso de vitória, a Itália teria vantagens territoriais.

Resultados da guerra: o déficit público se multiplica por oito, e quando por seu lado, os industriais veem seus lucros aumentar em mais de 20%. Os italianos são submetidos à inflação e o desemprego. Nas fábricas do norte, havia 200.000 grevistas. Enquanto isso o Sul era bem agrário. Revoltas eclodem, lojas são saqueadas. Em vez de deixarem o Estado agir, os industriais e proprietários de terra chamam os esquadrões fascistas, sob o pretexto de "ameaça bolchevique". Os Fascistas italianos de combate, estabelecidos por Mussolini em 23 de marco de 1919 para substituir a "Ação Revolucionária Fascista", atacam os sindicatos e as Bolsas de trabalho.

"Controle da imprensa, instauração de uma polícia secreta, supressão do imposto sobre os lucros"

Até então, o "fascismo" era, segundo Mussolini, um "estado de espírito". Mas em 12 de novembro de 1921, foi fundado o Partido Nacional Fascista, cuja mistura de conservadorismo e nacionalismo satisfazia plenamente os círculos industriais. Eles subsidiam as organizações fascistas. As brigadas fascistas, que tinham cerca de 17 mil membros em outubro de 1919, pouco mais de três anos depois tinha mais de 300 mil.

"Perfil contínuo de Mussolini », de Renato Bertelli, 1933.
Renato Bertelli, source: Fondation Marinela Ferrari/DR
Para Mussolini, a hora de mostrar a força havia chegado. Em 28 de outubro de 1922, ocorre a marcha sobre Roma de seus camisas negras. Temendo uma guerra civil, o rei Victor-Emmanuel III se recusou a assinar o decreto que permitiria ao exército reprimir o golpe pela força. Em 30 de outubro de 1922, ele acata uma demanda de Mussolini para que constituísse o novo governo.

Uma vez que o Parlamento lhe deu todos os poderes, Mussolini, promovido à comandante (duce) da nação italiana, ataca as instituições democráticas. Controle da imprensa, criação de uma polícia secreta, prisões, assassinatos ... O poder econômico das classes dominantes é fortalecido. Os impostos sobre bens vendidos ou herdados, os lucros na capitalização financeira e sobre produtos de luxo são eliminados. As ações/participações do Estado em empresas são transferidas para empresas privadas.

A política social também é legalmente modificada. A semana de trabalho, que poderia exceder 50 horas, foi limitada a 40 horas em 1923. Uma organização de lazer, o "Dopolavoro", foi criada em abril de 1925. Em 1927, foi criado um programa de saúde pública. Mais a promulgação, no mesmo ano, de uma carta de trabalho, resultou em uma redução de salários de 20% para 2 milhões de trabalhadores.

La Padula et Romano
Construído entre 1938 e 1940 pelos arquitetos Guerrini, "La Padula et Romano",
o Palácio da civilização italiana é um monumento emblemático da arquitetura fascista. © Fotogramma/Ropi-REA.
Quando a crise econômica mundial atingiu a Itália, em 1931, Mussolini veio ao resgate de bancos em falência, uma medida que não teve efeito sobre o emprego. Em dois anos, quando vários milhões de italianos já haviam emigrado para encontrar trabalho, o número de desempregados passou de cem mil para mais de um milhão.

Com o regime fascista, aparece um novo tipo de ditadura. Em toda a Europa, diante da perspectiva de mudanças sociais que seus oponentes consideram como de "inspiração comunista", os grupos de ação são formados no modelo dos Fascistas de Combate.

Fonte: Le Monde diplomatique (Edição francesa)
https://www.monde-diplomatique.fr/publications/manuel_d_histoire_critique/a53170
Título original: Les origines patronales du fascisme italien
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Donald Sassoon. "Mussolini e a ascensão do fascismo" (livro) - Vídeo

O Denilton mencionou noutro post da série "Nazismo de esquerda?" o autor (Donald Sassoon) de um livro e fui dar uma olhada no título e nome do autor (o nome não era estranho), e há um post no blog sobre o livro dele acerca da ascensão do Fascismo, a quem quiser (re)ler o texto, eis o link:
Resenha: Mussolini e a ascensão do fascismo (livro)
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/10/resenha-mussolini-e-ascensao-do-fascismo-livro-sassoon.html

A quem quiser ler mais sobre o livro, outro link (no Scielo):
SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do fascismo (História vol.28 no.2 Franca 2009)
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742009000200033

Mas acabei achando mais este vídeo deste canal no Youtube, Leitura ObrigaHISTÓRIA, em que aborda o livro do Sasson sobre a ascensão do Fascismo na Itália, e que acaba mencionando um tema "espinhoso" pros ditos "liberais" brasileiros que negam as ligações dos liberais do passado com os fascistas e fascismo, que é justamente a origem (causa) desta panfletagem do slogan "Nazismo é de esquerda".

O comentário acima fui eu que fiz sobre partes do vídeo, não tirem conclusões precipitadas sobre o vídeo sem assisti-lo. Digo isto porque muita gente só de ler um comentário, no qual discorde, já dá "chilique" e acaba por não querer assistir/ver o vídeo, e vale a pena vê-lo. A quem quiser ver de onde começa a questão que eu mencionei, pelo menos no blog (mais ou menos, há mais de um post sobre a questão), ler esses posts de 2014 (ambos os livros abaixo não possuem tradução pro português):
Ishay Landa - "O Aprendiz de Feiticeiro: a Tradição Liberal e o Fascismo" [O elo "perdido" dos liberais com o fascismo] (livro)
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/12/ishay-landa-o-aprendiz-de-feiticeiro-a-tradicao-liberal-e-o-fascismo-o-elo-perdido-dos-liberais-com-o-fascismo-livro.html
As divisões da Direita Norte-americana: Direita Anticomunista, Racista, Cristã e Neoconservadora
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/09/as-divisoes-da-direita-norte-americana-direita-anticomunista-racista-crista-e-neoconservadora.html

A quem não assistiu o vídeo, basta clicar na tela abaixo no próprio post e ver. Há outro vídeo do mesmo canal em que aborda a conceituação de fascismo, deixo este outro vídeo no fim do post.

#022 Mussolini e a ascensão do Fascismo, de Donald Sassoon


O outro vídeo sobre a conceituação do fascismo:
O que é Fascismo? - Conceitos Históricos

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Giovanni Gentile, a adesão ao fascismo. O liberal de Mussolini

Giovanni Gentile e o Partido Nacional Fascista (Partito Nazionale Fascista - PNF)

Giovanni Gentile
Em 2 de novembro de 1922, Giovanni Gentile, já uma personalidade de altíssima expressão no panorama cultural italiano, é nomeado ministro da Educação no primeiro gabinete de Mussolini. Na primavera de 1923, ele justifica sua adesão formal ao PNF evidenciando a conformidade do fascismo com o liberalismo da direita no Risorgimento no qual ele se identificava, e e que segue com "o liberalismo da liberdade na lei e portanto, no Estado forte e no Estado concebido como realidade ética". Gentile vê se concretizar na nova realidade política a sua "Antiga fé" (ópera gentiliana editada em 1923), destinada a resgatar o caráter dos italianos e libertá-los da velha doença do ceticismo e da indiferença. Por esta "Antiga fé", ele se sente "precursor" do fascismo. Mais exatamente: da nova filosofia idealista, do sindicalismo soreliano, do reencontro do sentimento religioso, do empenho ético da guerra, em outras palavras, todo o fermento ideal e moral das primeiras décadas do século XX - que reage ao desgaste da ideologia iluminista, democrática e socialista da velha Europa - encontra uma saída natural na marcha sobre Roma e na energia despertada pelo Fascismo. Isso caminha dessa forma, e salta aos olhos de Gentile, da intérprete da vida nacional, a tarefa na qual todos os italianos que não querem mais ficar "sentados na janela", deveriam agora se empenhar.

Giovanni Gentile e o fascismo

O Fascismo parece para Gentile não uma ideologia ou um sistema fechado, mas sim um processo histórico, um ideal a ser realizado. Como tal, ele é útil para a contribuição daquela crítica construtiva que reconhece sua função nacional, e deve lutar para combater "a democracia dos advogados criadores de caso", "o socialismo radicaloide e humanitária", "o liberalismo do Estado negativo e agnóstico", no momento que o Fascismo - como qualquer movimento histórico sério - é o "sentimento religioso" a ser restaurado na mente e na consciência coletiva. Esta visão da política como uma fé, que o filósofo já tinha desenvolvido e defendido em anos anteriores, vislumbra no fascismo seu retorno mais profundo.

Por outro lado, que o fascismo não seja um episódio acidental na vida de Gentile, é comprovado o empenho público e da ação de colaboração e de estímulo exercido em relação ao regime durante todo o período dos anos 20. Além do cargo de Ministro da Educação nos anos de 1922-1924, ele é Presidente da Comissão dos Quinze -, então dos Dezoito - para a reforma constitucional, fundador em 1925 do Instituto fascista de Cultura, Presidente do Conselho de Educação de 1926 a 1928, membro do Grande Conselho até 1929 e seguidor de Mussolini também até a última aventura da República social. Em momentos críticos, que também atravessou Gentile - especialmente quando sua reforma escolar é alterado ou quando se estipula os Pactos Lateranenses com um compromisso que nega a essência de seu conceito de um Estado ético - não para separar as suas próprias responsabilidades das de Mussolini, ele reafirma sua fé no fascismo com o qual continua até o fim em identificar o próprio futuro da nação.

Pagherà la sua ferma adesione al regime con la vita, ucciso il 15 aprile 1944 a Firenze da un commando partigiano aderente ai GAP.

Pagou sua adesão ao regime com sua própria vida, morreu em 15 de abril de 1944 em Florença, por um comando guerrilheiro (partisan) aderente ao GAP.

29/03/2014. Por Matteo Anastasi

Matteo Anastasi (Roma, 1989), formou-se com honras em História na Universidade Europeia de Roma e, novamente com honras, em Relações Internacionais na Luiss Guido Carli. Para Europinione lida com história e com a parte estrangeira. Ele também colabora com a Cronache Internazionali e a Mediterranean Affairs e é co-fundador do think tank de política internacional "Il Termometro – Blog di opinioni e discussioni" (O Termômetro - Blog de opinião e discussão".

Fonte: Europinione (Itália)
http://www.europinione.it/giovanni-gentile-ladesione-al-fascismo/
Link alternativo:
http://holocaust-doc.blogspot.com/2016/02/giovanni-gentile-ladesione-al-fascismo.html
Título original: Giovanni Gentile, l’adesione al fascismo
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O horror de Auschwitz e do holocausto por quem o escreveu na primeira pessoa: Primo Levi

O mais sangrento dos campos de concentração foi libertado há 71 anos. É hoje o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. E poucos como Primo Levi escreveram sobre ele. Viveu-o. Sobreviveu-lhe.
Rene Burri/Magnum
"Isto é o inferno. Hoje, nos nossos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansados, de pé, diante de uma torneira gotejante mas que não tem água potável, esperando algo certamente terrível , e nada acontece, e continua a não acontecer nada. Como é possível pensar? Não é mais possível; é como se estivéssemos mortos. Alguns sentam-se no chão. O tempo passa, gota a gota." Primo Levi, “Se Isto é um Homem” (1947)
11 de abril de 1987. Na manhã em que Primo Levi morreu – o relatório da polícia italiana aponta para uma tese de suicídio, relatando que Levi se atirou mortalmente do terceiro andar de casa, em Turim –, Elie Wiesel, autor de “A Noite” (também sobre a experiência de horrores vivida num campo de concentração nazi) e prêmio Nobel da Paz em 1986, escreveu: “Primo Levi não morreu hoje. Morreu há quarenta anos, em Auschwitz.” Levi tinha 67 anos à data do suicido.

Não é (nem nunca foi) uma teoria da conspiração por parte de Wiesel dizê-lo. É antes a constatação de que o homem-Levi, químico, resistente antifascista na frente de guerra, não voltou de Auschwitz homem, mas apenas um corpo, com memória e uma mão com que escrever.

Aos 24 anos foi transportado para Auschwitz. Ele e outros seiscentos e cinquenta judeus italianos. Estávamos em fevereiro de 1944. Deles, só vinte sobreviveram — Levi incluído. Quando se viu, enfim, libertado pelo exército soviético, a 27 de janeiro de 1945, ao fim de 11 meses de privação e indignidade humana, Levi havia envelhecido, não 11 meses, mas décadas. Não só fisicamente. Mas serviu-lhe a experiência, de morte, não a sua mas a que testemunhou dia-a-dia à sua frente, todos os dias, a experiência de sobreviver quase miraculosamente — a resiliência fez o resto –, essa experiência-limite permitiu-lhe escrever, por exemplo, “Se Isto é Um Homem” (a trilogia de Auschwitz completa-se com “A Trégua” e “Os que Sucumbem e os que se Salvam”).

Nem só sobre o holocausto escreveu Primo Levi, mas quando o fez, mais do que procurar culpados ou explicações, narrou. Simplesmente isso: narrou o horror, sem artifícios, com crueza, a vida no mais sangrento dos campos de concentração do Terceiro Reich. O campo foi libertado há 71 anos. E também por isso se assinalada, nesta data e desde 2005, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

Mais do que ler a não-ficção de autores como Levi, Wiesel ou Imre Kertèsz, mais do que ver no cinema ou em casa “A Lista de Schindler” e, mais recente, “Filho de Saul”, de Laszlo Nemes (o filme recebeu o Grande Prêmio de Cannes e o Globo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro), mais importante que isso é ler os relatos, sem polimentos literários ou de realização, como os que Levi (a par com Leonardo de Benedetti) escreveu em “Assim foi Auschwitz”. Em 1945, no rescaldo do fim da Guerra e da libertação dos campos de concentração pelos aliados, o exército soviético pediu a Primo Levi e a Benedetti, seu companheiro de campo, que redigissem, em detalhe, como eram as condições de vida lá. O resultado foi um dos primeiros relatórios alguma vez realizados sobre os campos de extermínio. Os textos de Levi, inéditos, finalmente trazidos à estampa no último ano, têm um valor histórico e humano tão importante hoje, 71 anos volvidos sobre o fim da Segunda Guerra, como quando este os escreveu.

Lá, Levi escreveu — o mesmo Levi que, em “Se Isto é Um Homem”, sentia mais culpa por ter sobrevivo (e os outros não) do que culpava os nazis pelo extermino — que “a responsabilidade repousa coletivamente sobre todos os soldados, sargentos e oficiais da SS destacados em Auschwitz”. O livro “Assim foi Auschwitz” serviu também para, ao longo das décadas — e ainda nos nossos dias –, trazer ex-carrascos aos tribunais. Julgá-los. Para que a história os recorde como isso: carrascos. Por outro lado, é também importante perceber que Primo Levi considera que, mais do que o mero extermino de judeus, os campos de concentração serviam para impulsionar a própria economia da Alemanha.
Escrevia Levi: "Os campos não eram um fenômeno marginal: a indústria alemã baseava-se neles; eram uma instituição fundamental do fascismo na Europa e os nazis não o escondiam: mais do que mantê-los, alargavam-nos e aperfeiçoavam-nos."
Num sábado, dia 11 de Abril, em 1987, por volta das 10 horas da manhã, a porteira de um prédio na avenida Corso Rei Umberto, em Turim, tocou à porta do 3.º andar para, como em todos os dias, entregar o correio. Primo Levi abriu-lhe a porta, sorriu-lhe e recebeu-o. Voltou a entrar em casa. Poucos minutos depois o seu corpo estatelava-se no fundo da escada, ao lado do elevador. Morreu instantaneamente. Primo Levi sobreviveu ao holocausto no pior dos campos de concentração. Não sobreviveu aos dias fora dele — mas com ele por dentro, vivo, a remoer-lhe.

Autor: Tiago Palma
27/1/2016, 16:48

Fonte: Observador (Portugal)
http://observador.pt/2016/01/27/horror-auschwitz-do-holocausto-escreveu-na-primeira-pessoa-primo-levi/

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

terça-feira, 15 de setembro de 2015

"O mito do "bom italiano", o antissemitismo e os crimes coloniais" [Fascismo]

Fascistas Italianos enforcando e matando Etíopes
(1935 – 1941)
A quem quiser ler (um aviso: está em inglês, apesar de ter título em espanhol e resumo também neste idioma), segue abaixo um PDF/texto com um "paper" tratando do mito do "bom italiano", ou mais precisamente do "bom fascista" italiano.

Mito propagado pra criar uma diferenciação entre os crimes dos nazistas (da Alemanha) e os fascistas (Itália), pra criar o mito dos "dois fascismos" como se só um tivesse cometido crimes bárbaros (fosse mais brutal) e o outro, em essência, fosse uma "coisa mais amena" quando serviu de inspiração pro fascismo alemão (nazismo). A mesma questão da mitificação debatida no texto também serve pra analisar os outros fascismos: espanhol, português etc.

O mito é tão propagado que até no livro "Holocausto: uma História" (Holocaust: A History em inglês) da Debórah Dwork e do Robert Jan Van Pelt (mas quem escreve esta parte aparentemente é ela, pelo menos a escrita é bem dela), ela de forma grotesca repete essa mitificação dos fascistas italianos para distingui-los (citando por alto, de memória) dos fascistas croatas (Ustashi) como se os fascistas da Itália fossem "lordes" ou coisa parecida, o que como fica claro no texto/ensaio (caso alguém queira lê-lo por completo), é uma tolice, e principalmente encontrar isso num livro sobre Holocausto.

Como o texto é longo (são 10 páginas no link do PDF), é inviável traduzi-lo e colocar aqui. Mas seria um erro não divulgar este texto/ensaio sobre a questão já que este mito é muito propagado e o povo o repete muitas vezes por puro desconhecimento e repetição automática de informação superficial sobre segunda guerra e crimes de guerra na mesma, sem falar na omissão das atrocidades italianas na Etiópia.

Resumo do texto (tradução minha):
"Meu texto pretende reconstruir as peripécias do mito do "bom italiano" na historiografia internacional com o propósito de analisar suas consequências na minimização do antissemitismo fascista. Em primeiro lugar, remontarei-me às origens do mito, considerando os motivos da atitude fascista nos departamentos ocupados pelas tropas italianas entre novembro de 1942 e setembro de 1943.

Na continuação, rastrearei a incidência deste clichê na historiografia do pós-guerra, particularmente nos livros dos historiadores León Poliakov e Renzo De Felice. Em terceiro lugar assinalarei que, em sua maior parte, os estudos recentes sobre o tema não retificaram esta interpretação incorreta. Ao mesmo tempo tentarei evidenciar que o antissemitismo fascista não cobrou forma seguindo as leis raciais nazis, senão de forma autônoma, seguindo uma regulação prévia da discriminação que havia sido introduzida na Etiópia pela administração colonial."

Título: THE MYTH OF THE “GOOD ITALIAN”, THE ANTISEMITISM AND THE COLONIAL CRIMES
("El mito del “buen italiano”, el antisemitismo y los crímenes coloniales")
Autor: Diego Guzzi
Link do PDF/Texto: http://www.constelaciones-rtc.net/04/04_14.pdf

Observação: obviamente que se o autor do texto pedir a remoção do mesmo, serei obrigado a removê-lo, embora até hoje nenhum tenha pedido isso, mesmo porque o texto se encontra disponível publicamente na web e o autor foi citado acima (foi dado os créditos, como é de direito), bem como o link pro PDF original também foi colocado.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Franz Stangl nas ratlines

O bispo entrou na sala onde eu esperava, deu-me ambas as mãos e disse: "você deve ser Franz Stangl. Estava lhe esperando".

- O que o bispo Hudal fez por você?

– Bem, primeiro me conseguiu em Roma um lugar onde ficar até que chegassem meus documentos. E me deu mais dinheiro; já quase não tinha. Depois, passadas duas semanas, chamou-me e entregou um passaporte novo: um passaporte da Cruz Vermelha.

- Era efetivamente um "Passaporte da Cruz Vermelha"?

- Sim. Era um folheto esbranquiçado e havia uma cruz vermelha na capa. Era o mesmo, já sabe, que os velhos passaportes Nansen - Stangl os havia visto quando estava na polícia, em Linz. Haviam invertido meu nome por erro; estava expedido no nome de Paul F. Stangl. Indiquei ao bispo. Disse: "Há um erro, isto está incorreto. Meu nome é Franz D. Paul Stangl". Mas me palmou no ombro e disse: "Melhor não remover o nome. Não se preocupe". Conseguiu-me um visto de entrada na Síria e um trabalho na fábrica têxtil em Damasco, e me entregou uma passagem para o barco. Assim eu parti para Síria. Passado um tempo, a família se uniu a mim e, três anos depois, em 1951, emigramos para o Brasil...".

Nota: é conhecido como "Linhas de ratos" (Ratlines) as vias de saída dos responsáveis e criminosos nazis nos primeiros meses do pós-guerra através da Europa Ocidental com destino a países como Argentina, EUA ou Canadá. Entre essas vias se encontra a Itália mediante a intermediação da Igreja Católica.

Trecho de: Gitta Sereny, Desde aquella oscuridad. Conversaciones con el verdugo: Franz Stangl, comandante de Treblinka, Edhasa, 2009, pag. 439 a 440)

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
https://universoconcentracionario.wordpress.com/2012/11/28/desde-aquella-oscuridad-franz-stangl-en-la-ruta-de-las-ratas/
Título original: DESDE AQUELLA OSCURIDAD: FRANZ STANGL EN LA “RUTA DE LAS RATAS”
Livro: Gitta Sereny: Desde aquella oscuridad (título em inglês: Into That Darkness: An Examination of Conscience)
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 18 de junho de 2015

As raízes ideológicas do antissemitismo fascista (III)

Os imperadores romanos decadentes e culpados fustigados pelo fascismo
"A POPULAÇÃO ATUAL DA ITÁLIA É EM SUA MAIORIA DE ORIGEM ARIANA E SUA CIVILIZAÇÃO ARIANA.

Esta população de civilização ariana habita desde vários milênios nossa península; bem pouco restou da civilização dos povos "pré-arianos". A origem dos italianos atuais parte essencialmente de elementos daquelas mesmas raças que compõem o tecido perpetuamente vivo da Europa".

(Texto do Manifesto da Raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
Aos olhos do antissemitismo fascista, a Antiguidade romana proporciona também exemplos vergonhosos e depreciáveis.

No primeiro número de La Difesa della Razza de 1938, Giorgio Almirante redige um longo artigo intitulado de "O edito de Caracala. Um semibárbaro que aplanou o caminho aos Bárbaros". As ilustrações do artigo não oferecem ambiguidade alguma: um busto de Caracala é comparado a um busto de Augusto. O primeiro é comentado da seguinte maneira: "os traços grosseiros do semibárbaro Caracala ilustram o principal causa de seu edito desastroso." Do contrário, o de Augusto, "que não quis contribuir com a barbarização do Império, reflete em seu rosto a nobreza da raça itálica".

Em seu requisitório contra a política de Caracala, Almirante utiliza um parágrafo de Dion Cássio no qual Augusto desaconselha a Tibério outorgar a cidadania romana numa ampla escala. Almirante também recorre à Apocolocyntosis divi Claudii (A Apocoloquintose do divino Claudio) de Sêneca, onde se critica a política de "abertura" aos estrangeiros.

O governo do imperador Claudio foi bastante generoso em matéria de cidadania romana, como a confirma Tácito quando transcreve o discurso de Claudio ante o Senado no ano de 48 anunciando a admissão ao Senado dos notáveis galos (Anais, 11 (24)). Na lógica da política racial empreendida pelo fascismo mussoliniano em fins dos anos de 1930, a política de Claudio só podia ser considerada como um "mau exemplo" e desacreditada de todo pelo regime.

Gueto de Roma
Para a propagandística fascista, o princípio da decadência romana se situa com os denominados imperadores provinciais do século II. O imperador hispânico Adriano concedeu demasiada importância à contratação regional e aos corpos militares estrangeiros no sei das forças armadas do Império.

Sem dúvida, os fascistas daqueles anos do século XX se referiam aos Numerus, que constituíam tropas especializadas, como os ginetes mouros, aos arqueiros palmirianos e as tropas germânicas. Se é certo que a contratação regional foi a regra para as legiões, que os contingentes auxiliares frequentemente constaram de bárbaros, não obstante parece que não gozaram habitualmente da cidadania romana.

Podemos apreciar a mesma crítica fascista ante o imperador Marco Aurélio, um itálico de origem mas "imbuído de espírito grego" (um "mau" imperador para os fascistas), que concedeu a cidadania romana a numerosos provincianos.

O caso é que sim, a cidadania romana foi cada vez mais difundida no Império, particularmente mediante a naturalização concedida aos soldados dos corpos auxiliares no momento de sua desmobilização. Contudo, para evitar as fraudes, o certo é que Marco Aurélio criou um verdadeiro estado civil tornando obrigatória a declaração dos nascimentos num lapso de trinta dias.

No que diz respeito ao reinado de Sétimo Severo, só houve um comandante ordinário de Viena, na Gália Narbonense, que formava parte das três legiões de Pártia, tanto que os demais eram todos oriundos de Roma ou da Península Itálica.

Para a interpretação histórica dos fascista esta nefasta política dos "maus imperadores" desembocou no Edito de Caracala do ano 212 que concedia a cidadania romana a todos os habitantes (livres) do Império.

Almirante explica a decisão de promulgar este edito por três razões essenciais: primeiro, pelo desejo de submeter mais cidadãos aos impostos, em particular o imposto sobre as heranças. Nisto, Almirante segue a análise de Dion Cássio, muito desfavorável a Caracala. Segundo, que o edito foi o meio de obter o apoio dos provinciais contra os italianos e de fazer esquecer o homicídio de seu irmão Geta, cometido em fevereiro de 212.

Terceiro: Almirante critica a Caracala por conceder seus favores aos cultos orientais de Ísis e Serápis, considerados contrários à religião romana. E sim, com efeito, Caracala faz com que figure a Serápis sobre a face de suas moedas a partir do ano 212, empreende uma peregrinação ao Serapeu de Alexandria e manda edificar um tempo a Serápis sobre o Quirinal.

Almirante conclui seu artigo com um ataque antifrancês num momento em que as relações eram tensas entre Roma e Paris: "Esta foi a obra desastrosa do imperador Caracala, nascido em Lyon e assim chamado por sua maneira ridícula de se vestir como os galos. O mau francês, como se vê, é de fatura muito antiga".

Esta crítica galófoba, por certo, compreende-se tanto melhor se se sabe que se estava a algumas semanas de uma crise franco-italiana, que se iniciou pela sessão de 30 de novembro de 1938 no palácio de Montecitorio no curso do qual os deputados fascistas gritaram, durante uma manifestação sabiamente orquestrada, reivindicações sobre Túnis, Saboia, Nice e a Córsega.

Italia restituta versus a memória histórica fascista
"É UMA LENDA A CONTRIBUIÇÃO DE MASSAS INGENTES DE HOMENS EM TEMPOS HISTÓRICOS.

Depois da invasão dos lombardos, não há outros movimentos importantes de povos na Itália que pudesse influir no aspecto racial da nação. Dele se desprende que, enquanto que em outros países europeus a composição racial mudou consideravelmente até os tempos modernos, na Itália, em linhas gerais a composição racial de hoje é a mesma de mil anos atrás: os quarenta e quatro milhões de italianos de hoje, remontam em sua grande maioria às famílias que vivem na Itália durante pelo menos um milênio".

(Texto do "Manifesto da raça" publicado na revista la Difesa della Razza, 5 de agosto de 1938)
Os responsáveis da revista La Difesa della Razza quiseram assimilar ao fascismo a herança antiga para sustentar "com bases históricas" a política do regime, neste caso a política racial. Na análise fascista, que tendeu a italianizar a romanidade, existe sem dúvida uma utilização abusiva do conceito da romanidade estendido ao conjunto da Itália. Fez falta a cruenta guerra social de 91-88 a.C. para que progressivamente se difundisse a cidadania romana ao conjunto da península da Itália e sua concessão a todos os itálicos no ano de 49 a.C.

Se Cícero pode afirmar que Roma era a pátria comum dos italianos (De legibus, 2 (2,5)), a concessão da cidadania não criou contudo sentimentos unitários, senão somente a convergência em Roma dos interesses de grupos limitados: em ausência de uma identidade nacional italiana, as elites da península, privadas de suas antigas identidades culturais, adotaram uma identidade romana e imperial, em detrimento da Itália.

No século II, Apiano escrevia que a Itália estava sujeita à Roma. As moedas de Trajano com a legenda Itália restituta ('Itália restaurada') supõe uma forma de subordinação, de igual às de Sétimo Severo e Caracala, e evocam a indulgentia Augustorum in Italia, a 'benevolência dos imperadores para a Itália'.

Contudo, Roma foi um organismo assimilador que integrou os povos estrangeiros outorgando-lhes a cidadania romana, uma dimensão que sem dúvida distorce a revista La Difesa della Razza.

Podemos imaginar sem muito esforço que os redatores fascistas não tinham como leitura de cabeceira "Elogio a Roma" de Élio Aristides, no qual mostra que os romanos souberam assegurar a paz, a ordem e a liberdade de cada povo do Império.

Além desses debates históricos, o inequívoco é que a política de expansão da Itália fascista procurou encontrar sua justificação na Antiguidade.

Em 20 de abril de 1940, La Difesa della Razza reproduz o cartaz "Natale di Roma. Festa della razza italica", onde, frente a frente, pode-se ver a um legionário da época de César e um legionário do tempo de Mussolini.

Não obstante, as ambições imperiais do Duce se perderam nas areias do norte da África, nas montanhas balcânicas e nas planícies russas. Enquanto aos judeus italianos, o pesadelo se transformou em tragédia quando a partir de outubro de 1943, o antigo aliado alemão empreendeu batidas em toda a península itálica ocupada pelos nazis.

Em 16 de outubro de 1943, 1259 judeus romanos foram presos no antigo gueto, a alguns metros do teatro de Marcelo e do Pórtico de Otávia, monumentos que o imperador Augusto havia dedicado a seu sobrinho e a sua irmã, testemunhas de uma grandeza romana tão louvada pelo fascismo italiano.

Fonte: Blog Anatomia de la Historia
http://anatomiadelahistoria.com/2013/02/las-raices-ideologicas-del-antisemitismo-fascista-ii/
Título original: Las raíces ideológicas del antisemitismo fascista (II)
Tradução: Roberto Lucena

[Parte 1]

Observação 1: alguns links dos nomes da Antiguidade estão com verbetes em espanhol, pois ou a informação era pouca em português ou muito ruim de achar algo relevante dentro do contexto, porque o texto em espanhol contém imprecisões ou grafias erradas ou misturas. Foi chato achar os termos um a um por outra grafia e colocar em português. Termos como Pártia tem o verbete em português como Império Parta, mas não contém verbete só pra palavra Pártia. O problema se repetiu em todos os três textos, que na verdade saiu originalmente de dois posts em espanhol mas dividi em três por serem extensos e por saber que o povo dificilmente lê algo longo demais (e mesmo assim não ficaram pequenos).

Observação 2: a foto antiga que não continua informação no texto original em espanhol é do Gueto de Roma. Graças ao mecanismo de busca e de reconhecimento facial do Google foi pos´sivel localizar a imagem e informações dela.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

As raízes ideológicas do antissemitismo fascista (II)

O modelo fascista da família racial italiana
"AS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS PURAMENTE EUROPEIAS DOS ITALIANOS NÃO DEVEM SER ALTERADAS DE NENHUMA MANEIRA.

A união só é admissível dentro do âmbito das raças europeias, cujo caso não se deve falar propriamente de verdadeiro hibridismo, dado que estas raças pertencem a um tronco comum e se diferenciam só em algumas poucas características, enquanto que são iguais em muitas outras. O caráter puramente europeu dos italianos se altera a partir do cruzamento com qualquer raça extra-europeia e portadora de uma civilização diferente da milenar civilização dos arianos".

(Texto do Manifesto da raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
Em seu discurso no dia da Ascensão da quinta-feira de 26 de maio de 1927, ante à Câmara dos Deputados, Mussolini, recorrendo ao imperador Augusto, havia afirmado a vontade natalista de seu regime, fixando como objetivo uma população italiana de 60 milhões de pessoas para 1950.

Mussolini, a semelhança de Augusto, era consciente da decadência demográfica dos italianos de "pura cepa", e queria remediar o que considerava como uma decadência demográfica, já que o conceito de raça forte, tal como o fascismo o defende em fins dos anos de 1930, não pode se acomodar a uma letargia natalista.

Pois, na herança da Antiguidade romana, que a política fascista acode a memória do poeta Horácio. Em 20 de maio de 1939, Irma Marimpietri publica em La Difesa della Razza "Raça e romanidade na poesia de Horácio". Escreve Marimpietri: "Horácio e Catão foram dois romanos que sentiram a necessidade de tomar posição contra essas forças que, tanto do exterior como do interior, tentaram debilitar a força romana. Horácio se indignou contra a corrupção do tipo grega que penetrou nas famílias, corrupção cujo primeiro efeito foi a diminuição da natalidade que Augusto procurou combater com a Lex Julia de maritandis ordinibus."

A alusão a esta lei de Augusto não foi fortuita. Votada em 18 a. C. (ao mesmo tempo que a Lex Julia de adulteriis coercendis que reprime o adultério) e completada em 9 pela Lex Papia Poppaea, pretende entre todos os assuntos favorecer à carreira dos senadores pais de família, impor restrições aos direitos de herança para os solteiros e aos homens casados sem crianças e lhes conceder imunidades particulares aos pais de três crianças.

Esta legislação da Roma Imperial lutava contra a diminuição da natalidade que o imperador era sensível nas lições a dirigentes. Como se de um novo Augusto se tratasse, Mussolini impõe aos solteiros uma lei em 1927 que põe de pé recompensas pecuniárias e honoríficas para as famílias numerosas.

Por outro lado, Horácio insistia na dificuldade de "convivência conjugal entre romanos e bárbaros", argumento útil para a propaganda da revista La Difesa della Razza: "O soldado de Craso viveu em torpes laços maritais com esposas estrangeiras. Ó! cúria, quanta corrupção! O marso e o apúlio podiam envelhecer nos campos dos inimigos como seus parentes e se prosternar ante um rei Medo, esquecidos dos escudos anciles, o nome, a toga e o fogo eterno de Vesta, reinando incólume Jove e a cidade de Roma" (Horácio, Odes, Livro III).

Segundo os antissemitas fascistas, tanto na época de Augusto como no tempo da vitória da Itália fascista na Etiópia, não convinha admitir um "bastardo" da raça. Depois de Horácio, alude-se a Cátulo, Cícero e Virgílio.

Cátulo, o poeta de Verona, foi, entre outras coisas, o poeta da maternidade, do amor familiar e da procriação. Assim, em seu Carmina 61, podemos ler:
Aproxima-te já, marido:

tua esposa está no leito nupcial

e seu rosto viçoso resplandece

como a branca camomila

ou a vermelha papoula.

Mas tu, esposo, pelos deuses

celestiais! Não és menos

bonito, nem Vênus te há

descuidado. Mas o dia se vai:

veja, não te atrases.
Cícero, por sua parte, será a ocasião evocada de sua última obra. De officiis (Tratado dos deveres, de l42 a.C.). Dois anos depois da perda dolorosa de sua filha Túlia, Cícero lhe envia este tratado de filosofia estoica a seu "filho Marco". No que demonstra o sentido das responsabilidades e do amor paternal que estruturam uma família, uma sociedade e um povo à imagem do que desejará o regime fascista para a Itália de seu tempo.

O regime fascista também "regressou" a Virgílio para legitimar sua concepção de ordem e de família. No final da Éclogas IV, os fascistas encontraram uns versos muito queridos para sua ideologia:

Começa, ó terna criança, a conhecer tua mãe pelo sorriso; dez meses te carregou em seu ventre com grave afã; Ó! terna criança! O filho que não alcançou o sorriso de seus pais não é admitido à mesa dos deuses nem no leito das deusas (Virgílio, Éclogas IV).

"A luta histórica contra os judeus"
"É NECESSÁRIO FAZER UMA DISTINÇÃO NETA ENTRE OS MEDITERRÂNEOS DA EUROPA (OCIDENTAIS) DE UMA PARTE E DOS ORIENTAIS E OS AFRICANOS DE OUTRA.

Pelo tanto, devem se considerar perigosas as teorias que sustentam a origem africana de alguns povos europeus e que incluem numa raça comum mediterrânea a povos camitas e semitas, estabelecendo relações e simpatias ideológicas absolutamente inaceitáveis."

(Texto do Manifesto da Raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
Dois destacados artigos de La Difesa della Razza sublinham como os judeus foram frequentemente adversários da pax romana.

O primeiro, "Rebeliões e sedições dos judeus no Império Romano", de Antonio Trizzino, apareceu no número de março de 1939, e o segundo, "O judaísmo e o Império Romano", de A. M. de Giglio, é de 5 de outubro do mesmo ano. Em seus respectivos textos, ambos autores plasmam os grandes momentos de conflito entre os judeus e as autoridades romanas: a rebelião dos judeus de Cirene durante a guerra de Mitrídates, rei de Ponto, em 87 a.C.; os levantes das comunidades judias de Selêucia e Alexandria em 38, sob o governo de Calígula; a grande insurreição da Judeia nos anos de 66 e 70, que acabou com a tomada de Jerusalém pelas tropas de Tito e a destruição do Templo; os distúrbios da Palestina sob Domiciano; a rebelião judia que rompe ao final do reinado de Trajano em Cirenaica, no Egito e no Chipre; a nova grande insurreição na Judeia liderada por Bar Kochba durante o império de Adriano em 132-135; os distúrbios de início do reinado do Sétimo Severo; e a rebelião dos judeus de Cesárea sob Constâncio Galo.

Evidentemente, os autores fascistas não se contentam em enumerar as lutas dos judeus contra Roma. Recorrem à "autoridade", em matéria antissemita, dos autores antigos. Assim no número de setembro de 1938 de La Difesa della Razza, o mesmo Giorgio Almirante (futuro herdeiro do fascismo mussoliniano) cita várias fontes de intelectuais da Roma Antiga: Juvenal, Sátira, 6 (543-549); Tácito, Histórias, 5 (5); e Plínio, o Velho, História Natural, 13 (9).

Por outra parte, Almirante faz menção a uma atitude antijudaica de Cícero recolhida por Plutarco. Trata-se do que relata Plutarco a propósito de Cícero no momento do julgamento contra Verres em 70 a.C. frente à intenção de um liberto de nome Caecilius (Cecílio), sem dúvida convertido ao judaísmo, de se encarregar da queixa dos sicilianos contra seu antigo pretor Verres, Cícero reage fazendo um jogo de palavras sobre as palavras de Verres ("carne de cerdo", em latim):
"Sendo sua fazenda não muito quantiosa, ainda que suficiente e proporcionada para seus gastos, causava admiração que não recebesse nem salário nem doações pelas defesas, o que ainda se fez mais notável quando se encarregou da acusação de Verres. Havia sido este pretor da Sicília, onde cometeu mil excessos, perseguindo os sicilianos, Cícero fez com que lhe condenassem, não por ter falado, senão de certa maneira por não ter falado; porque estando os pretores de parte de Verres, e prolongando a causa com estudadas dilações até o último dia, como estivesse bem claro que este não podia bastar para os discursos e o julgamento não chegaria a seu fim, levantando-se Cícero, expressou que não havia necessidade de que se falasse e, apresentando as testemunhas e as examinando, concluiu dizendo que os juízes pronunciaram a sentença. Contudo, neste discurso desta causa se conta muitas e muitas piadas suas. Porque os romanos chamam Verres de porco não castrado; e havendo querido um liberto chamado Cecílio, suspeito de se judaizar, exclui os sicilianos e de ser ele quem acusara a Verres, disse-lhe Cícero: "Que tem a ver o judeu com o porco?"

(Plutarco, Vidas paralelas, Cícero, 7(6))
Almirante conclui que "a voz de Cícero é a voz de Roma, ou seja, de nossa raça e da civilização que criou". Por outra parte, o escritor fascista utiliza Suetônio como fonte quando evoca a expulsão dos judeus de Roma pelo imperador Claudio no ano de 49.

Por meio deste recurso de acudir à autoridade dos autores antigos, Almirante tenta dar peso a sua argumentação, mostrando que já na época romana os judeus não eram um "elemento fiável" da sociedade, e que estavam à margem desta pelo seu comportamento, seus costumes e inclusive sua "negação de sua pátria" segundo a fórmula de Tácito.

Nesta mesma linha, a política severa de Vespasiano e de Tito fazia dos judeus a consequência da rebelião de 66-70 é aprovada por Ottorino Gurrieri em seu artigo de setembro de 1941, intitulado "Destruidores de Israel".

O texto de Emilio Canevari, "Os judeus e a guerra", datado de novembro de 1938, é ilustrado pelo arco de Tito, símbolo da derrota judia do ano 70. E a portada de número de junho de 1942 de La Difesa della Razza tem como fotografia uma reprodução de uma moeda da época de Vespasiano com a menção Judea Capta.

A utilização da Antiguidade romana permite a Paolo Guidotti concluir seu artigo de dezembro de 1940, "O povo mais antissocial do Império romano", desta maneira: "os judeus, como mil outros povos do Império Romano, haviam podido viver em paz, na tranquilidade e na prosperidade sob as insígnias de Roma, mas seu sangue os empurrava para os sonhos frenéticos e áridos fanatismos de um Bar Kochba ou de um Simeon Bar-Ghior, intolerante ante a ordem hierárquica e uma colaboração social, e recai sobre eles a responsabilidade de uma história secular travada de desprezo e sofrimento".

Fonte: Blog Anatomia de la Historia
http://anatomiadelahistoria.com/2013/02/las-raices-ideologicas-del-antisemitismo-fascista/
http://anatomiadelahistoria.com/2013/02/las-raices-ideologicas-del-antisemitismo-fascista-ii/
Título original: Las raíces ideológicas del antisemitismo fascista
Tradução: Roberto Lucena

[Parte 1] :: [Parte 3]

quarta-feira, 3 de junho de 2015

As raízes ideológicas do antissemitismo fascista (I)

Este artigo é um estudo de como a antiguidade romana foi utilizada como justificativa política do racismo.
"É hora de que os italianos se proclamem abertamente racistas. Todo o trabalho que até agora o Regime na Itália tem feito é no fundo racista. Muito frequentemente foram sempre os discursos do Caudilho a referência aos conceitos de raça. O tema do racismo na Itália deve ser tratado desde um ponto de vista puramente biológico, sem intenções filosóficas ou religiosas. O conceito de racismo na Itália deve ser essencialmente italiano e a direção ário-nórdica."

(Texto do Manifesto da Raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
"O antissemitismo fascista engatinhando"

O antissemitismo do regime fascista italiano foi mais virulento do que frequentemente se pensa. Esteve legitimado e exaltado por uma imprensa servil ao Duce. Contudo, é na revista La Difesa della Razza (A Defesa da Raça) onde se estabeleceu pela primeira vez, e sem pudor algum, um paralelismo "histórico" e "científico" (bastante nauseabundo a meu entender) entre o antissemitismo da intelectualidade da Roma antiga (representada por Cícero, Tácito, Juvenal etc) e o antissemitismo fascista, com a pretensão de lutar contra a "barbarização do perigo judeu".

No ano de 1938 se fortalece a vontade totalitária do fascismo italiano já perceptível desde a vitória na Etiópia em 1936. A aproximação política com a Alemanha nazi, materializada pela viagem de Mussolini à Berlim em setembro de 1937 e de Hitler à Itália em maio de 1938, será concluída na assinatura do Pacto de Aço, em 22 de maio de 1939. O Duce se adjudicou a dignidade de primeiro marechal do Império em 20 de março de 1938, a semelhança do rei Vítor Emanuel III.

No início do fascismo, o antissemitismo não constituía um "princípio inamovível", uma condição sine qua non de sua essência, a diferença do que ocorria no nazismo. Antes de 1922, o antissemitismo era bem mais marginal e se manifestava em alguns jornais tais como L’Assalto ou Audacia. Por sua parte, Mussolini não era fundamentalmente antissemita. Durante uns vinte anos, Margherita Sarfatti, de origem judia, foi sua amante. E, inclusive, em 1926, Mussolini recebeu em audiência a Chaïm Weizmann, o pai do sionismo.

Em 1929, Mussolini argumenta com referência à presença judia durante a Antiguidade: "Os judeus estão em Roma desde a época dos reis; eram cinquenta mil sob Augusto e choraram sobre o cadáver de Júlio César. Deixemo-nos em paz".

Inclusive, o Duce condenou o racismo, assim por exemplo em 1932, durante sua entrevista com o jornalista alemão Emil Ludwig, e, dois anos depois recebeu o Grão-rabino de Roma no Palácio de Veneza.

Mas a conquista da Abissínia (Etiópia) marca sem dúvida um ponto de inflexão. A propaganda fascista insiste na superioridade da raça italiana sobre as raças africanas. E a repressão que segue ao atentado de 19 de fevereiro de 1937 contra o marechal Rodolfo Graziani, o vice-rei da Etiópia, é brutal: entre 3.000 e 6.000 mortos segundo as fontes italianas, 30.000 mortos segundo as fontes etíopes. Em abril desse ano, as autoridades italianas adotam um decreto que sanciona em cinco anos de cárcere aos italianos que vivem em concubinato com etíopes.

A mudança: o Manifesto da Raça
"EXISTE AGORA UMA PURA «RAÇA ITALIANA».

Esta afirmação não se baseia na confusão do conceito biológico de raça com o conceito histórico-linguístico de povo e de nação, senão no puríssimo parentesco de sangue que une aos italianos de hoje às gerações que povoam a Itália há milênios. Esta antiga pureza de sangue é o maior título de nobreza da nação italiana."

(Texto do Manifesto da Raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
A campanha contra os judeus começa em 14 de julho de 1938 com a publicação do Manifesto da Raça no Il Giornale de Italia, afirmando que os judeus não formam parte da raça italiana. Seguem então toda uma série de prerrogativas legislativas.

Em 1 de setembro, cria-se o Conselho Superior para a Demografia e a Raça. Seis dias mais tarde, promulga-se um decreto-lei contra os judeus imigrantes que vivem na Itália. Em 17 de novembro, aparecem decretos-lei cujo princípio havia sido aprovado pelo Grande Conselho Fascista de 6 de outubro, que excluem os judeus do ensino, das academias, do exército, e que proíbem os matrimônios mistos e a posse de bens imóveis.

Neste contexto é foi publicado, em 5 de agosto de 1938, o primeiro número da revista La Difesa della Razza, dirigida por Telesio Interlandi.

Mais adiante, vamos estudar um aspecto particular desta publicação, a saber, a utilização feita da Antiguidade para aprovar a política racial empreendida pelo regime fascista.

Veremos como a Idade Antiga abasteceu de modelos e justificações aos racistas. Assim, já na capa do primeiro número da revista, uma espada romana separa um busto romano de um nanico semítico do século III a.C e de uma cabeça de um jovem negro...

Os autores da antiguidade romana ao "resgate" do fascismo
"OS JUDEUS NÃO PERTENCEM À RAÇA ITALIANA."

Dos semitas que ao longo dos séculos aterrissaram na terra sagrada de nossa Pátria, nada em geral ficou. Inclusive a ocupação árabe da Sicília não deixou nada, salvo a recordação de algum nome; e por demais, o processo de assimilação foi sempre muito rápido na Itália. Os judeus são a única população que nunca se assimilou na Itália, já que se compõe de elementos raciais não-europeus, absolutamente distintos dos elementos que deram origem aos italianos".

(Texto do Manifesto da Raça, publicado na revista La Difesa della Razza, ano I, número 1, 5 de agosto de 1938)
Os autores da Roma Antiga vão servir de coartada perfeita aos redatores da revista La Difesa della Razza para apoiar a política do regime fascista e para demonstrar que o conceito de raça era importante na mentalidade daqueles tempos.

Em primeiro lugar, Catão, o Velho, a quem é dedicado um artigo no número de novembro de 1938, sob a pluma de Roberto Bartolozzi, com o título de "O racismo de Catão, o Velho". Bartolozzi insiste no ódio à Cartago de Catão. Assim, a fórmula Carthago delenda est ("há que destruir Cartago"), tema dos discursos de Catão no Senado em fins de 150 a.C., havia sido a ilustração de um racismo para o defensor intratável dos interesses romanos.

Catão não pode ver a destruição de Cartago já que morreu em 149 a.C., três anos antes que a cidade Púnica fosse destruída. Contudo, é necessário sublinhar dois trechos. Em seu artigo, Roberto Bartolozzi representa Catão como filo-helênico quando se sabe, por exemplo, que durante sua viagem diplomática nas cidades gregas em 191 a.C., enquanto se anunciava a guerra contra Antíoco III, nega-se isso, embora possuísse capacidade para dirigir-se a seus interlocutores em grego, em particular em Atenas.

Assim mesmo, convém modular a insistência sobre o aspecto racial na vontade de Catão de destruir Cartago. Pois é em todas as luzes inexato e errôneo evocar a ideologia racista de Catão para explicar sua atitude acerca de Cartago.

Podemos perceber na obstinação de Catão os temores de um ex-combatente da guerra contra Aníbal, a influência dos mercadores romanos que temiam a nova prosperidade cartaginesa, a vontade de potência de um Estado romano que não queria mais rival no Mediterrâneo e inclusive a última ocasião para Catão desempenhar um papel político com mais de 80 anos.

Roberto Bartolozzi mostra um completo delírio historiográfico em seu intento de distorcer o passado de Roma a favor das teses antissemitas fascistas.

A segunda autoridade evocada é a de Tito Lívio, estudado por Mario Baccigalupi no artigo "A doutrina da raça na casa de Tito Lívio", do número de fevereiro de 1941.

Ali é dito, por exemplo: "Tito Lívio não teorizou num manual político sua doutrina, contudo está é todavia mais clara e incisiva na história. Expressou a alma da romanidade e por conseguinte da raça italiana narrando a história da grande entrada da luta dos povos que combatiam para a dominação do mundo.

Baccigalupi sintetiza os valores da romanidade que Tito Lívio pôs em destaque: o valor guerreiro, a fé, a sobriedade, a concórdia, a tenacidade, o dinamismo heroico. Encontraremos os ecos desses valores nas reflexões de Mussolini sobre o fascismo italiano: "A vida tal como a concebe o fascismo é grave, austera, religiosa. O Estado fascista é uma vontade de poder e de dominação. A tradição romana é uma ideia de força. Mas o império exige a disciplina, a coordenação dos esforços, o dever e o sacrifício."

Recorre-se também, supostamente a Tácito através de sua obra dedicada a seu sogro, Agrícola. O jornalista Osvaldo Costazi, no número de maio de 1939, intitula seu artigo como "Tácito e o problema da raça".

Para Costanzi, o retrato que compõe Tácito do defunto Agrícola corresponde certamente à "verdade romana": sua coragem militar durante sua passagem pela Bretanha como legado entre 77 e 84, sua "dignidade", sua "fisionomia cheia de agrado", sua "honra intacta". Nas arengas prestadas à Agrícola, encontram-se as virtudes que serviram de referência aos fascistas dos anos de 1930, pois esses últimos se consideravam os herdeiros da "raça romana".

Fonte: Blog Anatomia de la Historia
http://anatomiadelahistoria.com/2013/02/las-raices-ideologicas-del-antisemitismo-fascista/
Título original: Las raíces ideológicas del antisemitismo fascista (I)
Tradução: Roberto Lucena

[Parte 2]

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Ishay Landa - "O Aprendiz de Feiticeiro: a Tradição Liberal e o Fascismo" [O elo "perdido" dos liberais com o fascismo] (livro)

Resenha/Crítica de Guy Lancaster

Capa da 1ª edição
No atual discurso político norte-americano, termos como "liberal" e "fascista" foi - como "comunista" e "socialista" - há muito tempo esvaziado do seu conteúdo substantivo, empregados pelos comentadores de extrema-direita de forma intercambiável para rotular ideias ou pessoas que eles acham repreensíveis. Na verdade, o livro de 2008 de Jonah Goldberg, "Liberal Fascists: The Secret History of the American Left from Mussolini to the Politics of Meaning" [Liberal-fascistas: A História Secreta da esquerda norte-americana de Mussolini às Políticas de Significado], tentou formular uma taxonomia do fascismo para permitir sua ligação com tais excrescências de esquerda, como o feminismo, o vegetarianismo, direitos dos homossexuais, e até mesmo o neopaganismo. Enquanto isso, o supostamente "liberal" Presidente Barack Obama tem sido frequentemente retratado tanto como o fascista Adolf Hitler e como o comunista Joseph Stálin, às vezes no mesmo letreiro raivoso, como se essas imagens representassem anseios ideológicos idênticos. O entendimento popular do fascismo claramente não melhorou a partir do momento em que George Orwell em "A política e o idioma Inglês" (1946) ["Politics and the English Language"], alertou para os efeitos práticos de transformar tais termos em borrões de Rorschach ideológicos: "Já que você não sabe o que fascismo é, como você pode lutar contra o fascismo?" (Menos crucialmente, pode-se também colocar a seguinte questão: Se alguém acredita que o fascismo gerou movimentos de casamento feministas e gays, como pode fazer sentido o apoio de tantos governos fascistas pelo Vaticano?).

Uma correção tão necessária, não só para concepções populares do fascismo, mas também para um registro acadêmico que há muito tem deturpado o fascismo como política de "terceira via" entre o capitalismo e o comunismo, "O Aprendiz de feiticeiro" ("The Apprentice’s Sorcerer"), de Ishay Landa, argumenta convincentemente que o fascismo tem a sua origem na tradição liberal ocidental, embora de uma forma mais de acordo com a observação concisa de Upton Sinclair: "O fascismo é capitalismo, mais assassinato." Landa começa por identificar como uma precondição histórica para o fascismo "a tensão inerente entre a dimensão política da ordem liberal e sua natureza econômica "(21). Ou seja, a burguesia europeia do século XVIII exigiu governos representativos, a fim de libertar os mercados do protecionismo feudal, mas eles foram seguidos mais tarde pelas classes mais baixas, que, por sua vez, exigiram acesso à franquia para si, a fim de proteger seus próprios interesses, colocando o liberalismo econômico original contra o emergente liberalismo político. Quando John Locke defendeu a democracia como para escorar capitalismo, Vilfredo Pareto, cujas obras inspiraram Benito Mussolini, atacou a democracia "inteiramente nas premissas do liberalismo econômico", tais como "a sua restrição da 'livre circulação de capitais', e sua invasão da propriedade privada via tributação progressiva"(53). Cepas similares de pensamento eram correntes entre os pensadores alemães do período entreguerras, principalmente Oswald Spengler, e o estado de espírito (animus) de Adolf Hitler contra a democracia alemã foi baseado na crença de que "a República [de Weimar] significou uma interferência política ilegal e pernicioso na economia "(78).

Para melhor movimentar o debate para além da visão dominante da "terceira via" sobre o fascismo, Landa realiza um levantamento exaustivo do que ele chama de "liberais antiliberais" - como Arthur Moeller van den Bruck, Thomas Carlyle, George Sorel e outros - examinando como tais críticos ostensivos do capitalismo de fato procuraram reforçar a ordem liberal. Por exemplo, Landa profundamente argumenta que a crítica de Carlyle sobre o laissez-faire se baseia precisamente na observação de que "esse sistema conduz, apesar de si, à democracia e o governo das massas, destruindo o elitismo", como mais tarde liminares fascistas contra o laissez-faire foram empregadas "não fora do entusiasmo revolucionário, mas para evitar a revolução; não para desafiar o capitalismo, mas para aprumar seu navio; não para criar a sociedade sem classes, mas para consolidar as divisões de classe"(156, 157). O tema do declínio da civilização ocidental, expressa tantas vezes pelos primeiros pensadores do século XX, ergue-se regularmente a partir de desespero com a participação das massas na política, e Landa encontra em Sorel "não tanto um inimigo do capitalismo, como ... um inimigo do capitalismo fraco, dada a procura de compromissos com o socialismo parlamentar, que foi uma espécie de economia mista, decadente "(197).

Nos dois últimos capítulos do livro, Landa confronta quatro "mitos" sobre o fascismo. Em relação ao primeiro, de que o fascismo constitui uma tirania da maioria, Landa ilustra como supostas forças liberais defensoras da democracia, de Alexis de Tocqueville a Benedetto Croce, preocuparam-se principalmente com a supremacia das classes proprietárias, enquanto outros pensadores como Ludwig von Mises propôs que uma ditadura pode ser necessária para defender o liberalismo. Em relação ao segundo mito, contra a noção de que o fascismo promovia coletivismo enquanto o liberalismo promovia o individualismo, o autor observa "que tanto o fascismo quanto o liberalismo foram, de fato, permeados de ambivalências insolúveis em sua abordagem com o individualismo" (251-2); De fato, embora o fascismo regularmente empregava a retórica do coletivismo (colocando no topo a nação, raça ou sociedade), ele era também um individualismo também fetichizado na forma do "grande homem" e da democracia desmantelada em nome do individualismo. A origem da "Grande Mentira" cuida do seguinte escrutínio, e Landa o localiza dentro de uma longa tradição liberal de escritos esotéricos que visam apoiar as elites enquanto escondia a verdade das massas "vulgares" e "ingênuas". Finalmente, quanto às alegações de que o fascismo constituiu um ataque nacionalista sobre o cosmopolitismo liberal, Landa encontra fascistas exibindo um pouco da mesma ambivalência sobre a ideia de nação como eles fizeram com o individualismo (afinal, é através das nações que as massas têm os seus direitos) , embora para a Alemanha a nação forneceu "a plataforma necessária, da qual lança uma campanha de expansão capitalista" (319).

As novas abordagens de Landa exigem não apenas uma nova conceituação da tradição liberal, mas também - uma vez que este apresenta uma genealogia do fascismo não utilizado pela maioria dos estudiosos de violência em massa da Europa - uma revisitação a análises anteriores sobre a inter-relação entre fascismo e genocídio. Por exemplo, Aristotle Kallis, em "Genocídio e Fascismo: O condutor exterminador na Europa fascista (2009)" [Genocide and Fascism: The Eliminationist Drive in Fascist Europe], prontamente emprega a noção de "terceira via" para explicar como regimes fascistas desenvolveram visões utópicas de regeneração nacional que procuravam apagar o passado imediato e resgatar o Estado-nação, mas a tese de Landa fornece uma imagem muito mais rica desse desenvolvimento, pois agora o passado para ser expurgado é reconhecido como avanço democrático do interesse do povo, enquanto o estado para renascer é uma ordem hierárquica e contentamento entre as diversas classes quanto ao seu lugar nesta ordem. Além disso, a gama de vítimas, que inclui não apenas judeus, mas comunistas e socialistas, bem como os "não-produtores" (as pessoas fisicamente e mentalmente inaptas), faz muito mais sentido, se o fascismo é entendido como um capitalismo militante em vez de um conceito intelectual genérico ou anti-ideologia.

No entanto, alguns trabalhos recentes no campo de estudos sobre genocídio complementam a tese de Landa. Christopher Powell, em "Barbaric Civilization: A Critical Sociology of Genocide" (2011) [Civilização barbárica: Uma sociologia crítica do Genocídio], argumenta que o próprio discurso da civilização, na verdade, aumenta a capacidade de uma sociedade - e possibilita o monopólio do Estado - para a violência, especialmente porque o habitus "civilizador" permite uma fácil "idealização do outro" daquelas populações ou indivíduos que não compartilham essas 'performances' de comportamento civilizado. É claro que um dos marcadores da civilização tem sido a economia de livre mercado, e a ausência de um sistema deste tipo entre muitos povos do mundo, serviu bem para justificar a exploração colonial europeia dos chamados grupos "bárbaros"; muito antes dos líderes europeus do século XIX se preocuparem com as 'coisas' dos marxistas, o Inglês na América do Norte condenou as tendências "comunistas" dos nativos, cuja falta de qualquer conceito de "propriedade privada" lhes marcou como selvagens. Mesmo hoje em dia, entre os herdeiros da tradição liberal ocidental, o capitalismo é equiparado com a civilização - as forças de ocupação norte-americanas no Iraque começaram a privatizar grandes setores do governo a partir do momento em que seus pés tocaram o chão de Bagdá, apresentando-a ao mundo como uma "modernização" da sociedade iraquiana.

Em seu epílogo, Landa ilustra brevemente como as elites empresariais e governamentais no Reino Unido e nos Estados Unidos, na verdade, simpatizavam com o fascismo, com Winston Churchill até mesmo soltando elogios ocasionais a Hitler: "O verdadeiro Sonderweg, ao que parece, não é um alemão, ou um italiano, ou um espanhol, ou uma forma austríaca, mas o caminho do Ocidente"(248). Tal expansão de nossa perspectiva é muito atrasada. Em um trabalho recente, "Origins of Political Extremism: Mass Violence in the Twentieth Century and Beyond (2011)" [As origens do extremismo político: violência em massa no século XX and além], o cientista político Manus I. Midlarsky coloca o nacional-socialismo alemão, o imperialismo japonês e islamismo radical sob o microscópio, mas deixa intocadas atrocidades tais como a brutal ocupação britânica da Índia (o modelo que Hitler aspirava), a colonização belga do Congo, ou a guerra genocida dos Estados Unidos contra os nativos norte-americanos; mas, em seguida, nenhuma delas, apesar do número de mortes rivalizar com o Holocausto, encaixam-se em sua definição de extremismo, pois, em vez de serem vistos como fora do centro político de suas respectivas sociedades, descontínuos com a história anterior, os autores destas atrocidades encarnavam de fato os ideais de suas respectivas sociedades - especialmente a primazia do sistema capitalista.

Portanto, a tese de Landa nos permite começar a construir um quadro conceitual muito maior das atrocidades em massa e suas origens, revelando que a tradição liberal não reside apenas na parte inferior do extremismo fascista na Europa, em todas as suas armadilhas terríveis, mas também no Destino Manifesto dos Estados Unidos e muito mais. Neste quadro, os ideais e ações de fascistas não são tão únicos, não tão estranhos, mas muito familiar.

Onde Landa ocasionalmente perde o fio do seu argumento é nos lugares onde ele traz a sua análise para casar com as décadas pós-fascistas (se é que podemos falar de tal). Depois de notar como a retórica fascista no individualismo santificou o sacrifício do indivíduo para o bem maior - "o indivíduo" virá sempre em primeiro lugar, quando confrontado com a sociedade de massa; mas a "sociedade" virá em primeiro lugar, quando confrontada com as demandas de massas de indivíduos"(255) - ele salta para a administração de Margaret Thatcher, ilustrando a mesma dinâmica de sua retórica, como sua negação dos sem-teto como um grupo contra ela, ou como o coletivismo em convocar o bem maior da sociedade durante a guerra pelas Ilhas Malvinas. Da mesma forma, ao explicar as origens liberais do "Grande Mentira" fascista, Landa desvia na sobreposição de teatro e política, especialmente como manifestado na carreira de Arnold Schwarzenegger, que brevemente contrasta tais filmes anti-establishment dele como "The Running Man" (O Sobrevivente) e "Total Recall" (O Vingador do Futuro), com seu pró-establishment como governador da Califórnia.

Claro, este é um subtexto crítico deste livro que, se o fascismo não se origina de um impulso antiliberal e irracional confinado num tempo e lugar, mas sim das próprias contradições inerentes à tradição liberal, a tradição pela qual nossas vidas continuam a ser governadas, então o fascismo pode emergir mais uma vez, talvez com uma mudança de marca sob alguma "cara nova" - ou talvez nunca tenha ido embora totalmente. Nos Estados Unidos, inúmeros políticos têm suas carreiras financiadas pelos capitalistas, trabalham abertamente a fim de limitar o poder de voto dos pobres e não-brancos - uma solução clássica para a crise do liberalismo. Na escala global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) exige que as nações do Sul do globo fiquem satisfeitas com sua sorte (a classe de contentamento de idade), como privatizam componentes de suas comunidades e as priva de seus recursos. Podemos dizer que essas medidas evidenciam elementos de um impulso fascista dentro de nossos sistemas políticos e econômicas? Sim, podemos, pois o trabalho magistral de Landa responde a reclamação de George Orwell ao preencher a palavra "fascista" com significado e poder mais uma vez, e que ela pode ser utilizada não como um insulto genérico, mas como uma boa descrição daqueles que destruiriam a democracia para o bem do lucro.

31 de outubro de 2012

Autor: Ishay Landa
The Apprentice’s Sorcerer: Liberal Tradition and Fascism
Haymarket Books, Chicago, 2012. 362pp.
ISBN 9781608462025

Sobre Ishay Landa: israelense, Professor titular de História da Universidade Aberta de Israel

Sobre Guy Lancaster: Dr. Guy Lancaster é editor da Enciclopédia Online de História e Cultura do Arkansas e autor de "Racial Cleansing in Arkansas, 1883–1924: Politics, Land, Labor, and Criminality" (Lexington Books, 2014) [Limpeza étnica/racial no Arkansas, 1883-1924: Política, terra, trabalho e criminalidade"].

Fonte: Marx and Philosophy Review of Books
http://marxandphilosophy.org.uk/reviewofbooks/reviews/2012/629
Título original: The Apprentice’s Sorcerer: Liberal Tradition and Fascism; Reviewed by Guy Lancaster
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 28 de dezembro de 2014

Itália: Presos neofascistas suspeitos de planejar ataques durante a época de Natal

De Fernando Peneda | Com LUSA/ITRAI. 22/12 17:15 CET

A polícia italiana anunciou a prisão de 14 neofascistas suspeitos de planejar ataques contra alvos políticos e da magistratura, uma ação que envolvia uma dezena de assassinos coordenados.

Os detidos pertencem a um grupo de uma organização de extrema-direita banida, a Ordine Nuovo.

Dois anos de investigação, de escutas telefônicas e um polícia infiltrado, revelaram que o grupo começou a armazenar armas e planejava realizar ataques no Natal.

“Existe uma estrutura, a procuradoria nacional anti-máfia, que tem todos os instrumentos e potencialidade para levar a cabo este tipo de ações”, sublinhou Fausto Cardella, procurador-geral de L’Aquila.

O grupo pretendia assassinar responsáveis políticos, fazer explodir a sede da Equitalia, a agência responsável pela cobrança de impostos e atacar esquadras de polícia.

A organização Ordine Nuovo, fundada em 1956 com o objetivo de relançar o fascismo no país, foi acusada de vários ataques nos anos de 1970 tendo sida dissolvida pelo governo italiano em 1973.

De Fernando Peneda | Com LUSA/ITRAI

Fonte: Euronews
http://pt.euronews.com/2014/12/22/italia-presos-neofascistas-suspeitos-de-planear-ataques-durante-a-epoca-de-natal/

Ver mais:
Mais de 14 neofascistas detidos pela polícia (A Bola, Portugal)
Aquila Nera, un fascismo di provincia dai miti arrugginiti (Europa Quotidiano, Itália)

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O triângulo negro / Nenhum povo é ilegal

Violência, propaganda e deportação.
Um manifesto de escritores, artistas e intelectuais contra a violência contra os rom*, os romenos e as mulheres.

"Negócio ariano"
[A faísca surgiu num grupo de escritores e intelectuais fartos de observar a tendência racista que cruza toda a Itália, por desgraça agravada com a violenta morte de Giovanna Reggiani. Desta saturação, a necessidade de compartilhar uma tomada de posição firme. Assim nasceu "O triângulo negro", chamamento elaborado por Alessandro Bertante, Gianni Biondillo, Girolamo De Michele, Valerio Evangelisti, Giuseppe Genna, Helena Janeczek, Loredana Lipperini, Monica Mazzitelli, Marco Philopat, Marco Rovelli, Stefania Scateni, Antonio Scurati, Beppe Sebaste, Lello Voce e o coletivo Wu Ming. A este grupo logo se juntaram outros importantes nomes da cultura que decidiram aderir ao mesmo. Entre eles: Gad Lerner, Erri De Luca, Bernardo Bertolucci, Massimo Carlotto, Carlo Lucarelli, Moni Ovadia, Nanni Balestrini, Franca Rame, Stefano Tassinari, Marcello Flores, Andrea Bajani, Lisa Ginzburg, Lanfranco Caminiti, Ugo Riccarelli, Enrico Brizzi, Marco Mancassola, Simona Vinci, Raul Montanari, Giulio Mozzi, Andrea Porporati, Sandro Veronesi e muitos outros que se somam a cada minuto, para ratificar que os direitos individuais não justificam castigos coletivos. Clique Aqui, a possibilidade de aderir ao chamamento. Na continuação, o texto].

A história recente deste país é uma sequência de campanhas de alarme, cada vez mais próximas entre si e envoltas no escândalo. As campanhas soam o alarme, as palavras dos demagogos geram incêndios, uma nação com os nervos a flor da pele responde a cada estímulo criando "emergências" e escolhendo bodes expiatórios.

Uma mulher foi violada e assassinada em Roma. O homicida seguramente é um homem, talvez um romeno. Romena é a mulher que, atirando-se na rua para deter um ônibus que não freava, tentou salvar aquela vida. O horrendo crime sacode toda a Itália, o gesto de altruísmo cai no silêncio/esquecimento.

No dia anterior, sempre em Roma, uma mulher romena é violada e deixada quase sem vida por um homem. Duas vítimas com igual dignidade? Não: da segunda não se sabe nada, nada publicam os diários: da primeira se tem que saber que é italiana, e que o assassino é um homem, senão um romeno um rom.

Três dias depois, sempre em Roma, membros encapuzados de um grupo fascista atacam com porretes e navalhas a alguns romenos na saída de um supermercado, ferindo quatro. Não houve jornalistas junto ao leito desses feridos, que ficam sem nome, sem história, sem humanidade. Sobre seu estado, nada mais a dizer.

A partir desses sucesos se desencadeia uma alucinante criminalização massiva. Culpado um, culpado todos. As forças da ordem desalojam o povoado favelado em que vivia o suposto assassino. Duzentas pessoas, mulheres e crianças incluídas, foram colocados na rua.

E depois? Ódio e receio alimentam as generalizações: todos os romenos são rom, todos os rom são ladrões e assassinos, todos os ladrões e assassinos têm que ser expulsos da Itália. Políticos velhos e novos, de direita ou esquerda, competem para ver quem grita mais forte, denunciando a emergência. Emergência que, de acordo com os dados do Rapporto sulla criminalità (1993-2006), não existe: homicídios e delitos estão, hoje, com as cifras mais baixas dos últimos vinte anos, enquanto que estão com forte aumento os delitos cometidos entre paredes domésticas ou por razões passionais. O relatório Eures-Ansa 2005, L'omicidio volontario in Italia e o relatório Istat 2007 dizem que um homicídio em quatro ocorre no lar; sete entre dez vítimas é uma mulher; mais de um terço das mulheres entre os 16 e 70 anos padeceu com violência física ou sexual no curso de sua vida, e o responsável da agressão física ou violação é, sete em cada dez, seu marido ou companheiro: a família mata mais que a máfia, as ruas com frequência apresentam menor risco de violação que os dormitórios.

No verão de 2006, quando Jina, jovem de vinte anos paquistanesa, foi degolada por seu pai e seus parentes, políticos e meios de comunicação se embarcaram no paralelo entre culturas. Afirmavam que a ocidental, e a italiana em particular, havia evoluído felizmente em relação aos direitos das mulheres. Falso: a violência contra as mulheres não é um legado atroz em outras culturas, senão que cresce e floresce na nossa, cada dia, na construção e na multiplicação de um modelo feminino que privilegia o aspecto físico e a disponibilidade sexual fazendo-os passar como uma conquista. Pelo contrário, como testemunha o recente relatório do World Economic Forum on Gender Gap, sobre a igualdade feminina no trabalho, na saúde, nas expectativas de vida e na influência política, a Itália está no posto 84. Última na União Europeia. A Romênia está no posto 47.

Se esses são os fatos, o que é que está se passando?

O que se passa é que é mais fácil agitar um fantasma coletivo (hoje os romenos, ontem os muçulmanos, um pouco antes os albaneses) em vez de se comprometer com as verdadeiras causas do pânico e da insegurança social causados pelos processos de globalização.

O que se passa é que é mais fácil, e pega antes e melhor como consenso incondicional, gritar "perigo" e pedir expulsões em vez de cumprir as diretrizes europeias (como a 43/2000) sobre o direito à assistência sanitária, ao trabalho e a habitação dos migrantes; que é mais fácil mandar escavadoras para privar seres humanos de suas míseras casas, em vez de ir aos lugares de trabalho para combater o emprego ilegal.

O que se passa debaixo do tapete da equação romenos-deliquência é que se esconde a poeira da feroz exploração do povo romeno.

Exploração em obras, onde cada dia um trabalhador romeno é vítima de um acidente laboral mortal.

Exploração nas ruas, onde trinta mil mulheres romenas são obrigadas a se prostituir - a metade menores de idade - são cedidas pelo crime organizado a italianíssimos clientes (a cada ano nove milhões de homens italianos compram sexo de escravas estrangeiras, forma de violência sexual que está ante os olhos de todos mas poucos "querem ver").

Exploração na Romênia, onde empresários italianos - depois de terem "deslocalizado" (transferido) e gerado desemprego na Itália - pagam soldos de fome aos trabalhadores.

O que se passa é que ministros demais, prefeitos e menestréis convertidos em caudilhos jogam para serem aprendizes de bruxo para obter seus quinze minutos de popularidade. Não se perguntam o que se passará amanhã, quando os ódios que ficam no terreno seguirão fermentando, envenenando as raízes de nossa convivência e despertando esse micro-fascismo que está dentro de nós e nos faz desejar o poder e admirar os poderosos. Um micro-fascismo que se expressa com palavras e gestos rancorosos, enquanto já se sente, não muito longe, o sapateado de botas militares e a voz das armas de fogo.

O que se passa é que se está levando a cabo a construção do inimigo absoluto, como com os judeus e ciganos no nazifascismo, como com os armênios na Turquia em 1915, como com os sérvios, croatas e bósnios, reciprocamente, na ex-Iugoslávia dos anos noventa, em nome de uma política que promete segurança em troca de renunciar aos princípios de liberdade, dignidade e civilização; que se faz indistinguíveis a responsabilidade individual e coletiva, efeitos e causas, males e remédios; que invoca homens fortes no governo e pede aos cidadãos que sejam súditos obedientes.

Só falta que alguém recupere do desvão da intolerância o triângulo negro dos antissociais, marca da infâmia que os nazis faziam coser nas roupas dos ciganos.

E não parece ser mais que a última etapa, por agora, de uma propagada guerra contra os pobres.

Frente a todo isto não podemos permanecer indiferentes. Não nos reconhecemos no silêncio, na renúncia ao direito de crítica e no abandono da inteligência e da razão.

Delitos individuais não justificam castigos coletivos.

Ser romeno ou rom não é uma forma de "cumplicidade".

Não existem as raças, e muito menos raças culpáveis ou inocentes.

Nenhum povo é ilegal.

*A palavra "rom" é a forma mais usada na Itália para designar a um membro da comunidade cigana. Na tradução ao castelhano se manteve esta denominação quando era necessário indicar o equívoco que pode se produzir com membros da nacionalidade romena. [Ninguém em particular].

15 de Novembro de 2007

Fonte: Site Wumingfoundation.com
http://www.wumingfoundation.com/italiano/outtakes/triangulonegro.htm
Título original: El triángulo negro / Ningún pueblo es ilegal
Tradução: Roberto Lucena

Observação: eu cortei do texto acima as assinaturas, quem quiser ver basta acessar o link do texto original. Este texto é de 2007 (só fui ver depois) e o pior é que continua atual.

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