sábado, 15 de dezembro de 2007

Holocausto no olhar do filho de um nazista

Livro conta a história de um garoto de nove anos, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz

Antonio Gonçalves Filho/Agência Estado

Desde que a escritora alemã Christa Wolf lançou, há 31 anos, o autobiográfico Kindheitmuster, que narra a história de uma garota criada numa família pró-nazista, não se ouvia falar de um autor interessado em contar a história do Holocausto do ponto de vista alemão. Nada comparável a livros escritos pelas próprias vítimas do nazismo, como É Isto um Homem?, de Primo Levi, mas é preciso dizer que o best seller O Menino do Pijama Listrado (Companhia das Letras, 190 págs.), do escritor irlandês John Boyne, de 35 anos, surpreende.

Nele, Boyne conta a história de um garoto de nove anos, Bruno, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz que secretamente se torna amigo de um pequeno prisioneiro judeu com a mesma idade. Bruno quer descobrir a verdadeira identidade do pai, convocado pelo próprio Führer e, aos poucos, vai entendendo a realidade da Alemanha em 1942. O livro já vendeu 350 mil exemplares e foi transformado em filme pelo diretor Mark Herman (de Little Voice/ Laura e A Voz de uma Estrela), que estréia no início de 2008. Sobre o livro, publicado em mais de 30 países, Boyne fala nesta entrevista.

AE — Está claro que um livro sobre o Holocausto vendido como fábula e narrado pelo filho de nove anos de um comandante nazista está destinado a provocar polêmica, lembrando as palavras do Nobel sobrevivente Eli Wiesel, que recomenda a “quem não esteve lá” que não escreva sobre o assunto. O que o levou a escrever sobre o genocídio e por que classificou seu livro de fábula?

BOYNE — O que me levou ao livro foi o único motivo que leva alguém a escrever: uma boa idéia. Estudei por muitos anos a literatura do Holocausto, não com o intuito de escrever uma novela ambientada na época do nazismo, mas para me educar sobre um assunto que considero tocante. Quando surgiu a idéia - e, inicialmente, essa idéia era pouco mais que a imagem de dois meninos conversando, sentados em lados diferentes de uma cerca - senti que poderia sugerir uma nova perspectiva para a literatura do gênero. Chamei de fábula por ser um trabalho de ficção com moral transparente. Como sabia que teria de alterar alguns aspectos da vida num campo de concentração em função da história, decidi não usar a palavra Auschwitz em nenhuma página do livro. Com isso, o livro acabou se parecendo como uma fábula, mais que com qualquer outro gênero.

AE — A inocência de Bruno, o filho do comandante nazista do campo, faz lembrar muito o ingênuo filho de Roberto Benigni no filme A Vida é Bela. Em que medida ele serviu de inspiração para criar o personagem Bruno e por que você escolheu uma alegoria histórica em vez de recontar o Holocausto segundo relatos de sobreviventes do genocídio?

BOYNE — O filme de Benigni não inspirou meu livro de maneira nenhuma. Jamais pensei nele em qualquer estágio de produção da novela. Escolhi a alegoria histórica por sentir que, como um escritor de 30 anos, não-judeu, não poderia reproduzir a experiência dos judeus no Holocausto. Contudo, o que poderia fazer era criar um personagem como Bruno, que anda até a cerca todos os dias, olha através dela, vê pessoas e começa a questionar o que elas fazem do lado de lá. Acho que qualquer estudioso do Holocausto hoje enfrenta esse processo de tentar olhar e entender o que vê.

AE — A avó de Bruno representa a voz da razão na sociedade alemã ao criticar o arbítrio e a prepotência do regime hitlerista, mesmo correndo riscos e colocando seu filho, um oficial nazista, em situação perigosa. Mas ela morre no meio do livro. Essa foi a forma alegórica que encontrou para dizer que milhões de pessoas foram mortas na Alemanha sob os olhos de alemães diferentes da avó de Bruno, que não fizeram o menor esforço para salvar inocentes?

BOYNE — Queria ter no livro uma voz com autoridade moral e decência humana. A avó faz esse papel por ser o único personagem capaz de dizer, corajosamente, desafiando os demais, que as coisas andam erradas na Alemanha. Naturalmente, com seu filho sendo um membro destacado na hierarquia nazista, ela o coloca em risco e a ela própria cada vez que abre a boca. Mas a avó não liga para as conseqüências. Sabe que é mais importante não calar pois estaria dando aprovação tácita ao genocídio. Naturalmente, sua voz é silenciada cedo na novela porque é o que acontece a essas vozes. Elas param de ser ouvidas.”

Fonte: Agência Estado/Bem Paraná(Brasil, 10.12.2007)
http://www.bemparana.com.br/index.php?n=52253&t=holocausto-no-olhar-do-filho-de-um-nazista
The Boy in the Striped Pajamas (by John Boyne)
http://www.forpd.ucf.edu/newsletter/FLN200611.html

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