terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Nazistas eram os outros

Campo de concentração de Dachau: memoriais não garantem conscientização sobre o passado nazista

Grande parte dos alemães acredita que sua própria família não compactuou com o nazismo e o holocausto. Pesquisador investiga discrepância entre saber histórico e memória familiar.

Um quarto da população adulta do Terceiro Reich ajudou os perseguidos, 13% participaram ativamente da resistência ao nazismo, 17% sempre se pronunciaram sobre as injustiças cometidas, apenas 1% dos alemães compactuou de fato com as atrocidades do regime, e anti-semita mesmo era apenas 3% da população. Isso foi o que revelou uma detalhada e representativa pesquisa de opinião realizada entre famílias alemãs. Se a história no nazismo fosse escrita de forma subjetiva, a partir das memórias familiares dos alemães, o holocausto não passaria de uma ficção.

Auto-indulgência – Com base numa enquete encomendada ao instituto alemão de pesquisa Emnid, Harald Welzer, psicólogo social do Instituto de Ciências Culturais da Universidade de Essen, constatou uma nítida discrepância entre as recordações familiares e o trabalho coletivo de memória. "Enquanto a memória histórica oficial enfatiza o holocausto e os crimes dos alemães, a memória do cotidiano cultiva a imagem de que os nazistas eram os outros, nunca os membros da própria família", afirma o estudioso em artigo divulgado pelo diário Süddeutsche Zeitung.

Informação não falta – Sobretudo os netos de quem viveu durante o Terceiro Reich costumam reinterpretar as histórias familiares, destacando a resistência cotidiana e a coragem civil dos avós. O extermínio dos judeus tem apenas um papel marginal nas recordações familiares. Na avaliação de Welzer, isso não significa que os alemães ignorem o passado nazista ou que a formação histórica adquirida na escola seja insuficiente.

Peso emocional – Para o psicólogo, o perigo está justamente nesta fixação no saber cognitivo: "A consciência histórica abrange mais do que o mero armazenamento de datas e números de vítimas. A dimensão emocional da representação do passado costuma ser extremamente subestimada nas aulas de história", afirma Welzer. "Se a meta for proporcionar um aprendizado moral, e não apenas cognitivo, é um erro fixar-se apenas na transmissão de saber." O problema é que a formação política e moral nas escolas alemãs está dissociada de uma prática social e escolar, constata o estudioso.

Alemães como vítimas – Cerca de 65% dos entrevistados declararam que seus familiares sofreram muito na guerra e 63% acreditam que eles viveram este período com espírito comunitário, um argumento estilizado da propaganda nazista que aparentemente sobrevive até hoje. Harald Welzel, co-autor do livro Opa war kein Nazi (Vovô não era nazista, ed. Fischer, 2002), acredita que o papel de vítima dos alemães possa se cristalizar como a versão dominante da história do Terceiro Reich, uma versão em que os "alemães" também teriam sofrido horrores por causa dos "nazistas".

Inutilidade dos memoriais – "Desta forma, é provável que a memória coletiva alemã acabe eliminando Auschwitz", conclui Welzel. "A onipresença dos memoriais ao holocausto não contradiz esta tendência. Quando a memória é fixada em monumentos, ela se torna supérflua. Como Robert Musil dizia, memoriais são invisíveis: eles não atrapalham o trânsito que passa em torno deles sem levá-los em consideração."

(sm)

Fonte: Deutsche Welle
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,634692,00.html

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