segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eichmann antes de Jerusalém (Bettina Stangneth)

Em 1957, um círculo de nazistas na Argentina gravou dezenas de horas de conversas com Adolf Eichmann, com a expectativa de que elas levariam a um livro que refutaria a história estabelecida do Holocausto. Para o desgosto deles, no entanto, Eichmann passou a fazer declarações antissemitas na fita que indicavam claramente que ele desejou exterminar todos os judeus e que a política nazista tinha sido orientada para a Solução Final. Eichmann colocou uma pedra sobre a negação. Bettina Stangneth forneceu a análise mais detalhada e corretamente contextualizada deste ato revisionista suicida que é está atualmente disponível.

Eichmann declarou na fita 17 que "ainda há um monte de judeus curtindo a vida hoje que deveriam ter sido gaseados" (Stangneth, pág. 265). Mais revelador, na fita 67, quando Eichmann erroneamente pensou que a gravação havia sido concluído, ele afirmou que "se 10,3 milhões desses inimigos tivessem sido mortos, então teríamos cumprido nosso dever" (áudio aqui). Um trecho no início daquela mesma conversa identifica estes 10,3 milhões como provenientes do Relatório Korherr e diz que "[se] tivéssemos matado 10,3 milhões, eu ficaria satisfeito, e diria, bom, nós destruímos o inimigo" (Stangneth, p.304).

Em sua análise da guerra, Eichmann põe a culpa pelo fiasco em Weizmann, a quem ele chama de "Führer" da judiaria (ver pág. 11 da apresentação do julgamento T/1393). Ele afirma que "Como as coisas estão agora, desde que o destino pérfido deixou uma grande parte desses judeus vivos, digo a mim mesmo que isto é um fato consumado. Devo me curvar ao destino e providência" (transcrição do julgamento). Eichmann também discute o uso de exaustor de gases de Warthegau, como pode ser visto na página 14 de suas correções nos manuscritos, T/1432.

É, portanto, de admirar que MGK* e outros "revisionistas" evitem essas fitas e transcrições como uma poraga. A frase "eles são forjados" ou "estamos condenados/ferrados" parece apropriada.

*MGK é a sigla pra Mattogno, Graf e T. Kues, três negacionistas de destaque (nos círculos "revis") atualmente.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2014/09/eichmann-before-jerusalem-bettina.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Eichmann Before Jerusalem (Bettina Stangneth)
Tradução: Roberto Lucena

Capa do livro
Observação: a quem não leu antes, eis minha crítica (na observação deste post) a essa postura da Hannah Arent, que sempre achei furada, sobre o conceito do que ela definiu como "banalidade do mal", que sempre achei fútil e superficial. Mas não é uma crítica recente que eu faço como podem pensar por conta da data do post de 2013. A quem quiser ler os outros posts que citam a Arendt sigam a tag. Que agora a Bettina Stangneth pôs realmente abaixo a ideia distorcida da Arendt, com base nas impressões dela sobre a aparência do Eichmann num julgamento.

E qual é o problema de se manter esse tipo de opinião confrontando nomes que são literalmente endeusados, idolatrados e citados com base em "carteirada" ("quem é você pra contestar este nome consagrado"): justamente este. As pessoas no Brasil se agarram a um nome (geralmente quando citam estados ditatoriais chamando de totalitarismo, outro conceito problemático) que ouvem falar muito e fazem disso uma procissão sem sequer questionar se a afirmação dela procede ou tem sentido.

Toda vez que eu fazia essa contestação dizendo que é no mínimo fútil alguém traçar um perfil de um sociopata com base na dissimulação (certeira) que ele fez no julgamento pra passar por "pobre homem indefeso". A Arendt caiu literalmente na lábia do Eichmann no julgamento dele em Israel que era na verdade um assassino frio como todo nazista fanático, e dissimulado. Não havia banalidade do mal alguma, apenas dissimulação que ela tolamente (por romantismo e idealização) não soube identificar.

É um perigo fazer um comentário assim pois se entra fatalmente no terreno das diferenças de comportamento entre homens e mulheres, que existem, generalizando, pois nem todo homem e mulher se comportam dentro de um padrão preestabelecido embora haja sim uma certa facilidade do lado masculino em perceber certas dissimulações de homens, por um certo ceticismo com gente dissimulada, justamente por sabermos da natureza comportamental mais agressiva e violenta masculina.

A Arendt produziu uma banalização do nazismo com a ideia distorcida dela. Ainda bem que livros como este da Bettina Stangneth, depois de tanto tempo, põe abaixo essa abobrinha de "banalidade do mal". O Eichmann não era um simples burocrata bucólico, com cara de idiota (bonachão), como a Arendt deduziu erroneamente por se ater apenas à dissimulação e aparência dele, ela foi extremamente superficial e genérica ao produzir esse conceito bem furado. Eichmann era um assassino frio, dissimulado, como todo nazista fanático. Toda a máquina de extermínio nazista tinha essa característica, a maioria não entrava na mesma só por serem burocratas, o envolvimento com a ideologia do partido nazi pesava muito.

O que eu já vi de texto em português (do Brasil) citando esses livros da Hannah Arendt como referência sobre totalitarismo, dá desgosto. A crítica deve ser feita pois não é possível que as pessoas sejam tão óbvias a só usarem certos livros batidos (porque só procuram as traduções em português, nem espanhol verificam já que é um idioma próximo e fácil de ler pra quem fala português) pra entender o nazismo sem nem questionar se o conceito está errado ou não. Eu tenho tanta aversão à coisa (a repetição por comportamento de manada provoca certa irritação), que quando vejo o nome Arendt citado com a tal "banalização do mal" eu já paro de ler.

4 comentários:

Carol disse...

O livro de Arendt é bom e joga luzes em uma série de aspectos outros - o momento de Israel e Ben Gurion, a participação dos Conselhos judaicos na desgraça, o próprio julgamento com suas falhas e acertos, o termo crime contra a humanidade etc - mas é verdade que a banalização do mal foi uma bola fora total. Talvez nem ela pudesse imaginar que viraria um 'slogan' pra muita besteira, já que o livro tem outras linhas bem mais meritórias para o alcance.
Parabéns pelo blog e obrigada por disponibilizar essas informações.

Popcarvalho disse...

Sugiro a leitura sobre os experimentos de obediência de Stanley Milgran. Hannah Arendt talvez não esteja tão errada assim. Outra consideração no mínimo estranha é sua afirmação sobre a suposta facilidade masculina em detectar dissimulação. Qual a fonte utilizada, porque nunca li nada a respeito.

Roberto disse...

"Sugiro a leitura sobre os experimentos de obediência de Stanley Milgran. Hannah Arendt talvez não esteja tão errada assim."

Sobre nazistas ela estava sim bem equivocada, e isso é opinião pessoal com base no que já li, assisti sobre nazis, nazismo, segunda guerra. Os nazistas convictos, e o Eichmann era um (senão não teria sido capturado), eram fanáticos, dissimulados, cínicos e metódicos, tal qual a caricatura que exploram deles em filmes (a caricatura não é tão distante assim da personalidade de vários deles). A Arendt não tem uma imagem tão positiva nos EUA na atualidade, por conta dessas coisas, o livro citado no post é sobre isso. A Arendt também não é uma figura central pra se entender nazismo, mas no Brasil ela é sempre mencionada como se fosse porque a discussão sobre segunda guerra, nazismo, fascismo e cia no país é datada (dos anos 70), em geral não sai disso.

"Outra consideração no mínimo estranha é sua afirmação sobre a suposta facilidade masculina em detectar dissimulação. Qual a fonte utilizada, porque nunca li nada a respeito."

Mas não pode ser estranha porque: é uma opinião, e não usei fonte de livro e sim do que vivenciei, é uma opinião bem subjetiva e disse isso no comentário.

Eu fiz uma observação de cunho pessoal, e apontei que era uma generalização e percepção pessoal apenas (mas me antecipei do risco disso, porque poderia vir gente reclamar ou "ver algo maldoso", "preconceito", "machismo" e afins, porque se trata de uma opinião sobre comportamento de mulheres e homens com base em convívio, experiência pessoal, e levou 4 anos pra alguém dizer algo), não se trata de uma regra. O comentário foi feito porque a descrição da Arendt sobre o nazista é bem ingênua ou superficial e foi feita eivada de preconceitos dela, o que induz a erros. Nesse ponto ela não agiu com rigor pra avaliar o Eichmann e sim com base em preconceitos, fisionomia dele etc. E o que ela relata do Eichmann é uma impressão, com base até na aparência dele (algo bem superficial).

Eu poderia ter evitado a menção à questão masculina e feminina, mas quis mencionar porque homens em geral (até pela convivência com homens, e quando se diz "em geral" é forma de dizer) percebem com certa facilidade certas dissimulações de homens, de gente truculenta "posando de santo". Mulheres devem perceber mais fácil, do mesmo modo, dissimulação de outras mulheres, por conta do convívio.

Não quer dizer que mulheres não percebam dissimulação de homens, mas é mais fácil pra homens perceber isso em outro homem, por conta da criação e convívio. E como não citei no comentário, isso não é característica inata, é uma questão de condicionamento, homens são condicionados desde cedo a interagir de forma mais dura ou áspera com a maioria dos homens, há mais agressividade também nesse "convívio", eu não veria com tanta benevolência um psicopata assassino como Eichmann e sim como um dissimulado (mentiroso) tentando livrar o próprio pescoço da forca. Não vejo nada de banal nisso. Não há "crivo científico" ou "tese" na afirmação, porque é o relato de uma percepção, subjetiva e pessoal e solta no meio do texto, sequer é a parte mais relevante do texto.

Também não é uma verdade absoluta, mas se alguém discorda também pode apontar o motivo, porque se cada pessoa for ler uma redação pra cada comentário (sem pretensão ou mais superficial) que for fazer que tenha alguma questão que envolva homens ou mulheres, será inviável discutir ou comentar qualquer coisa relacionada a esses temas.

Roberto disse...

"Sugiro a leitura sobre os experimentos de obediência de Stanley Milgran. Hannah Arendt talvez não esteja tão errada assim."

Obrigado pela indicação, mas há um problema nesse experimento de Milgran (link) em relação à questão: teria que se ter o mesmo ambiente fanático, político dos nazistas pra fazer uma comparação com o que ele fez, e Eichmann lidava em descartar vidas humanas com base em preconceitos e fanatismo, não propriamente choques elétricos pra "cumprir ordens". Coloquei o link acima porque são situações diferentes e o experimento é contestado.

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