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domingo, 20 de dezembro de 2015

Planos para judeus franceses e "outros inimigos", de dezembro de 1942 a março de 1943

Esta excelente análise de Peter Longerich merece ser citada inteira:
19.6(5) Num relatório para Hitler em 10 de dezembro de 1942, Himmler preparou uma lista escrita à mão dos pontos que ele queria apresentar. Sobre o "II SD e assuntos policiais", Himmler especificou como ponto 4 a seguinte palavra-chave:
  • Judeus na França
  • 6-700.000
  • outros inimigos.
19.7 Próximo a essas palavras-chaves pode ser encontrado um crédito e no próprio manuscrito de Himmler a palavra "abolir" (abschaffen): Himmler tinha então trazido esses a Hitler e recebeu sua permissão para "abolir", ou seja, para liquidar os estimados 600.000-700.000 judeus na França, bem como "outros inimigos".179 Após a reunião, Himmler enviou uma nota para Müller, chefe da Gestapo, na qual afirmou:
O Führer deu ordens para que os judeus e outros inimigos na França devam ser presos e deportados. Isso deveria ter ocorrido, mesmo que ele tenha falado com Laval sobre isso apenas uma vez. É um problema de 6-700.000 Jews.180
19.8 Dois meses depois, em fevereiro de 1943, Eichmann, em uma breve visita a Paris apresentou um programa máximo para a deportação de todos os judeus que viviam na França, incluindo aqueles com cidadania francesa.181

19.9 Na reunião de 10 de dezembro de 1942, Himmler apresentou a Hitler uma proposta de criação de um campo de trabalho para judeus mantidos na França, Hungria e Romênia, para um total de 10.000 pessoas. De acordo com uma nota escrita à mão por Himmler, Hitler aceitou a proposta. 182 Após a reunião, Himmler enviou uma ordem para Müller para concentrar essas 10.000 pessoas num "campo especial" (Sonderlager). Ele afirmou: "Certamente eles devem trabalhar lá, mas sob condições em que permaneçam saudáveis e vivos." 183

19.10 As notas manuscritas de Himmler deste encontro com Hitler e as ordens enviadas para Müller confirmam que foi desejo de Hitler que aqueles judeus franceses que não se enquadrassem nessa regra não fossem "mantidos vivos" (am Leben bleiben), mas que fossem "abolidos", ou seja, assassinados.
Observe também esta análise interessante de Edith Shaked. Embora os nazistas tenham sido incapazes de terminar esses planos de extermínio, a intenção é clara.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2015/08/plans-for-french-jews-and-other-enemies.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Plans for French Jews and "other enemies", December 1942 to March 1943
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eichmann antes de Jerusalém (Bettina Stangneth)

Em 1957, um círculo de nazistas na Argentina gravou dezenas de horas de conversas com Adolf Eichmann, com a expectativa de que elas levariam a um livro que refutaria a história estabelecida do Holocausto. Para o desgosto deles, no entanto, Eichmann passou a fazer declarações antissemitas na fita que indicavam claramente que ele desejou exterminar todos os judeus e que a política nazista tinha sido orientada para a Solução Final. Eichmann colocou uma pedra sobre a negação. Bettina Stangneth forneceu a análise mais detalhada e corretamente contextualizada deste ato revisionista suicida que é está atualmente disponível.

Eichmann declarou na fita 17 que "ainda há um monte de judeus curtindo a vida hoje que deveriam ter sido gaseados" (Stangneth, pág. 265). Mais revelador, na fita 67, quando Eichmann erroneamente pensou que a gravação havia sido concluído, ele afirmou que "se 10,3 milhões desses inimigos tivessem sido mortos, então teríamos cumprido nosso dever" (áudio aqui). Um trecho no início daquela mesma conversa identifica estes 10,3 milhões como provenientes do Relatório Korherr e diz que "[se] tivéssemos matado 10,3 milhões, eu ficaria satisfeito, e diria, bom, nós destruímos o inimigo" (Stangneth, p.304).

Em sua análise da guerra, Eichmann põe a culpa pelo fiasco em Weizmann, a quem ele chama de "Führer" da judiaria (ver pág. 11 da apresentação do julgamento T/1393). Ele afirma que "Como as coisas estão agora, desde que o destino pérfido deixou uma grande parte desses judeus vivos, digo a mim mesmo que isto é um fato consumado. Devo me curvar ao destino e providência" (transcrição do julgamento). Eichmann também discute o uso de exaustor de gases de Warthegau, como pode ser visto na página 14 de suas correções nos manuscritos, T/1432.

É, portanto, de admirar que MGK* e outros "revisionistas" evitem essas fitas e transcrições como uma poraga. A frase "eles são forjados" ou "estamos condenados/ferrados" parece apropriada.

*MGK é a sigla pra Mattogno, Graf e T. Kues, três negacionistas de destaque (nos círculos "revis") atualmente.

Fonte: Holocaust Controversies
http://holocaustcontroversies.blogspot.com/2014/09/eichmann-before-jerusalem-bettina.html
Texto: Jonathan Harrison
Título original: Eichmann Before Jerusalem (Bettina Stangneth)
Tradução: Roberto Lucena

Capa do livro
Observação: a quem não leu antes, eis minha crítica (na observação deste post) a essa postura da Hannah Arent, que sempre achei furada, sobre o conceito do que ela definiu como "banalidade do mal", que sempre achei fútil e superficial. Mas não é uma crítica recente que eu faço como podem pensar por conta da data do post de 2013. A quem quiser ler os outros posts que citam a Arendt sigam a tag. Que agora a Bettina Stangneth pôs realmente abaixo a ideia distorcida da Arendt, com base nas impressões dela sobre a aparência do Eichmann num julgamento.

E qual é o problema de se manter esse tipo de opinião confrontando nomes que são literalmente endeusados, idolatrados e citados com base em "carteirada" ("quem é você pra contestar este nome consagrado"): justamente este. As pessoas no Brasil se agarram a um nome (geralmente quando citam estados ditatoriais chamando de totalitarismo, outro conceito problemático) que ouvem falar muito e fazem disso uma procissão sem sequer questionar se a afirmação dela procede ou tem sentido.

Toda vez que eu fazia essa contestação dizendo que é no mínimo fútil alguém traçar um perfil de um sociopata com base na dissimulação (certeira) que ele fez no julgamento pra passar por "pobre homem indefeso". A Arendt caiu literalmente na lábia do Eichmann no julgamento dele em Israel que era na verdade um assassino frio como todo nazista fanático, e dissimulado. Não havia banalidade do mal alguma, apenas dissimulação que ela tolamente (por romantismo e idealização) não soube identificar.

É um perigo fazer um comentário assim pois se entra fatalmente no terreno das diferenças de comportamento entre homens e mulheres, que existem, generalizando, pois nem todo homem e mulher se comportam dentro de um padrão preestabelecido embora haja sim uma certa facilidade do lado masculino em perceber certas dissimulações de homens, por um certo ceticismo com gente dissimulada, justamente por sabermos da natureza comportamental mais agressiva e violenta masculina.

A Arendt produziu uma banalização do nazismo com a ideia distorcida dela. Ainda bem que livros como este da Bettina Stangneth, depois de tanto tempo, põe abaixo essa abobrinha de "banalidade do mal". O Eichmann não era um simples burocrata bucólico, com cara de idiota (bonachão), como a Arendt deduziu erroneamente por se ater apenas à dissimulação e aparência dele, ela foi extremamente superficial e genérica ao produzir esse conceito bem furado. Eichmann era um assassino frio, dissimulado, como todo nazista fanático. Toda a máquina de extermínio nazista tinha essa característica, a maioria não entrava na mesma só por serem burocratas, o envolvimento com a ideologia do partido nazi pesava muito.

O que eu já vi de texto em português (do Brasil) citando esses livros da Hannah Arendt como referência sobre totalitarismo, dá desgosto. A crítica deve ser feita pois não é possível que as pessoas sejam tão óbvias a só usarem certos livros batidos (porque só procuram as traduções em português, nem espanhol verificam já que é um idioma próximo e fácil de ler pra quem fala português) pra entender o nazismo sem nem questionar se o conceito está errado ou não. Eu tenho tanta aversão à coisa (a repetição por comportamento de manada provoca certa irritação), que quando vejo o nome Arendt citado com a tal "banalização do mal" eu já paro de ler.

segunda-feira, 31 de março de 2014

A aventura de Josef Mengele na América do Sul (filme)

No terceiro e penúltimo dia da Mostra de Cinema Judaico (29/03), o argentino Wakolda ("O Médico Alemão"), de Lucia Puenzo, é um dos pontos altos. O filme, que passou pela A Certain Regard do Festival de Cannes em 2012, mostra as experiências desenvolvidas por um estranho médico na Patagônia nos anos 60.

O filme remete a um contexto histórico muito familiar aos sul-americanos: o refúgio de nazis foragidos dos aliados após o fim da 2ª Guerra Mundial. Alguns, como Adolf Eichmann, não tiveram sorte e, no caso deste ex-administrador de Auschwitz, foi sequestrado em plena Buenos Aires pela Mossad e executado em Israel. Já o sinistro Mengele deu-se melhor: acusado de experiências abomináveis com seres humanos durante a guerra, acabou por conseguir fugir sempre e terminou seus dias a viver pacificamente no litoral do Brasil, onde viria a morrer afogado em 1979.

A Wakolda do título original é uma menina que tem um problema: é muito mais pequena do que todas as outras pré-adolescentes da sua idade. Após infiltrar-se no seio da família dela, um misterioso médico vai tentando convencê-los a deixar submete-la a um método supostamente científico para ajudá-la a crescer.

A exibição do filme é precedida pela singular curta-metragem da Bielorrússia Shoes, que em poucos minutos, sem diálogos e sem mostrar rostos, filmando apenas os pés e as pernas dos "personagens", recria uma tragédia da 2ª Guerra.

Outro destaque na programação deste sábado é o documentário Os Judeus e o Dinheiro – Investigação de um Mito, que será seguido de um debate. Partindo de um homicídio que chocou a França em 2006, quando foi encontrado o cadáver de um jovem que havia sido sequestrado e torturado brutalmente durante vários dias, o realizador Lewis Cohen vai investigar um dos mais duradouros mitos relacionados com os judeus – a sua riqueza.


Ligando presente e passado, Cohen evita a superficialidade dos telejornais e dá ao crime, aparentemente cometido contra aquele jovem porque pensavam que ele, por ser judeu, "tinha dinheiro" (na verdade era o proprietário de uma pequena loja de telemóveis*), uma dimensão diferente. Para isso mergulha no passado para encontrar a origem deste mito – contando para isso com comentários de Jacques Le Goff, um dos maiores medievalistas de sempre, além de outros historiadores.

Já O Casamenteiro, de Avi Nesher, que teve no ano passado o seu trabalho mais recente exibido em Portugal, The Wonders, foi um grande sucesso em Israel, enquanto o alemão Os Vivos e os Mortos traz uma jovem em peregrinação por vários países em busca da sua identidade – o que a vai levar até a 2ª Guerra Mundial e o holocausto.

Fora do âmbito do cinema, a Judaica terá uma homenagem a Jan Karski, que contará com a presença do embaixador da Polônia. Karski foi um judeu polaco que durante a 2ª Guerra teve como missão de um grupo de resistência aos nazis um périplo por diversos países para alertar seus governos de que o holocausto estava a acontecer na Alemanha.

Fonte: c7nema.net (site)
http://www.c7nema.net/artigos/item/41263-judaica-a-aventura-de-josef-mengele-na-america-do-sul.html

*telemóvel: é como chamam telefone celular em Portugal

Observação: coloquei mais este texto por conta da citação do documentário do Lewis Cohen "Os judeus e o dinheiro" que desconhecia até ler o texto acima. Gosto de documentários que abordam a origem dos preconceitos mostrando como se formam os estereótipos e o que há de "verdades" nos mesmos, o rapaz morto era um vendedor de celular na França e foi sequestrado e morto porque a gangue que o fez achava que ele seria rico por ser judeu, seguindo à risca um estereótipo sem nem se questionarem que o mesmo poderia ser falso.

Esse tipo de documentário também geraria uma discussão de como combater o preconceito, via repressão simplesmente, como muitos defendem ignorando que não se desacredita uma ideia errada simplesmente por caneta, ou se desconstruindo o preconceito mostrando as falácias e erros neste tipo de discurso, que é o que eu acho que funciona de fato embora no país o combate a preconceitos praticamente inexiste como prática do Estado brasileiro, unidades da federação e instituições, principalmente Universidades.

Ver mais:
Resenha Crítica: "Os Judeus e o Dinheiro" (Jews & Money)
Os Judeus e o Dinheiro: Investigação de um Mito

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Hannah Arendt: um hino à liberdade (filme)

Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta, estreou na quinta-feira – o filme retrata uma das filósofas mais importantes do século XX, defensora da liberdade de pensamento e que cunhou o conceito da banalidade do mal, a propósito de Adolf Eichmann, oficial nazi julgado e executado em Israel.

A cena poderia passar-se em qualquer redação do mundo. Neste caso, aconteceu na da célebre revista New Yorker. O diretor, William Shawn, sabe que está perante um momento histórico, o julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazi célebre por ser um dos rostos da ‘solução final’ desenhada por Hitler, o do extermínio dos judeus. E tem à sua frente, caída do céu, uma proposta para a cobertura desse julgamento – que, se não foi o ‘do século’, na época, andou lá perto – por parte de Hannah Arendt, filósofa judia alemã exilada nos EUA e ela própria com uma passagem por um campo de concentração enquanto fugia do holocausto nazi.

A chefe de redação, cética, pergunta-lhe: “É mais uma filósofa europeia? Sabes que eles não têm limites para escrever e não são conhecidos por cumprirem prazos”. Shawn defende Arendt e segue com a aposta: “É um privilégio”.

O diálogo terá acontecido assim naquela redacção, em 1961, ano do julgamento de Eichmann em Jerusalém, onde estava detido depois de ser raptado pelos serviços secretos israelitas na Argentina. E foi reproduzido no mais recente filme de Margarethe von Trotta, estreado o ano passado na Europa e que só agora (na próxima quinta-feira) chega às salas portuguesas. A produção leva o nome da filósofa, uma das pensadoras mais marcantes do século XX pela originalidade e independência, interpretada pela actriz e cantora lírica Barbara Sukowa, outra referência do cinema alemão contemporâneo, como von Trotta.

Mas, ao contrário do que seria de esperar dos ditames da indústria cinematográfica, Margarethe von Trotta não se perde a fazer um filme biográfico e encerrar em duas horas estandardizadas uma vida tão complexa. O filme centra-se nos anos entre a ida de Arendt a Israel para a cobertura do tal julgamento e a polémica que se seguiu à publicação do seu artigo na New Yorker. É que a ‘filósofa europeia’ não só cumpriu os prazos de entrega, desfazendo o medo dos responsáveis da redação da revista, como partiu a loiça. Ao contrário do que seria de esperar, Hannah Arendt não descreve um monstro, nem sequer alguém mentalmente perturbado no julgamento. Ela tem pela frente um homem de uma banalidade desconcertante.

Se os actos praticados por Eichmann não encaixam na figura, então como foi possível este homem, que alega em sua defesa limitar-se a cumprir ordens, ser capaz de chefiar a temida Unidade IV D 4/4 e IV B 4 do exército nazi e ser pessoalmente responsável pela organização geral da deportação dos judeus da Alemanha e dos países europeus deportados? Longe de o desculpar, Hannah Arendt quer compreender. E é daí que lhe surge o conceito da banalidade do mal, um dos mais conhecidos do seu pensamento. Nesta altura, Arendt já tinha escrito duas obras de referência para a compreensão da gênese dos regimes autoritários que floresceram na Europa no tempo da Segunda Guerra: As Origens do Totalitarismo (1951), em que denuncia a origem do nazismo e do stalinismo, e A Condição Humana (1958), na qual descreve a sua teoria política.

Qualquer um pode ser Eichmann?

A partir daí, entramos no clímax do filme. A dimensão humana de Arendt, que von Trotta retrata, dizem os entendidos, fielmente, é posta à prova logo após a publicação do artigo. A comunidade judia reprova-lhe a classificação de um criminoso de guerra nazi como um homem banal, mas não lhe perdoa de todo a denúncia que faz, no mesmo artigo, da inépcia dos líderes judeus da época, que viram a catástrofe a acontecer quase impavidamente.

A coragem custou-lhe até amizades de uma vida. Mais uma vez, interessava-lhe não perdoar, mas compreender sem crucificar previamente: “A banalidade do mal foi, no fundo, uma resposta à questão: ‘como foi possível acontecer?”, diz Sofia Roque, que está a trabalhar Numa tese de doutoramento sobre Arendt, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Se hoje aceitamos com alguma facilidade que qualquer pessoa, em qualquer época, pode ser um Eichmann ou um Hitler em potência, nos anos 60 isso não era assim. Quando Arendt formula a ideia, os acontecimentos ainda eram analisados muito a quente. No fundo, a ideia é coerente com o mais profundo dos pensamentos da filósofa: “A compreensão é o modo da política, sem ela não nos podemos situar no mundo”, acrescenta Sofia Roque, citando a autora. Arendt nem sequer parece à vontade, no filme, com o facto de se estar a fazer do nazi uma figura exemplar. Para ela, se uma pessoa abdicar, devido a determinadas circunstâncias históricas, de fazer o que a torna verdadeiramente humana – pensar – pode transformar-se num monstro.

Sofia, que viu o filme na única apresentação que teve em Portugal, a 25 de Maio no São Jorge (Lisboa), no âmbito da Judaica – 1.ª Mostra de Cinema e Cultura, recorda ainda o humanismo da personagem construída por von Trotta, que nem se esqueceu de pequenas conversas da filósofa com os muitos amigos que cultivou ou até o modo como Arendt se deitava no sofá, a fumar – era uma fumadora inveterada –, de olhos fechados, a organizar pensamentos.

Mas recorda-se do modo como Barbara Sukowa incarna a coragem da filósofa perante as críticas. Arendt chegou a receber um bilhete de um vizinho do próprio prédio onde morava em Nova Iorque, anônimo, que a chamava de ‘puta nazi’. Um dos seus amigos mais próximas, Hans Jonas, também exilado em Nova Iorque, diz-lhe que ela se tornou uma “intelectual arrogante alemã”. Mais tarde, seria convidada pelo departamento da universidade onde lecionava a não dar mais aulas. Resistiu sempre: “Ela procurou uma objetividade, distanciou-se da sua condição de judia e de um modo absolutamente corajoso tenta encontrar uma verdade num comportamento e enfrenta a comunidade judaica e os leitores da New Yorker”.

Pelo filme passam também duas histórias de amor. A relação de Arendt com o seu segundo marido, Heinrich Blücher, um filósofo autodidata alemão, que fugiu com ela da França ocupada para os EUA através de Espanha e de Portugal, é apresentada nos pequenos gestos. Blücher nunca deixa de estar do seu lado.

Paixão impossível

Mas há uma outra, dada em flashbacks, quando a jovem Arendt, ainda estudante de filosofia na Alemanha, frequenta as aulas de Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do século XX.

O fascínio da jovem Arendt transforma-se numa paixão ardente pelo professor, vários anos mais velho. Mas a história não ficaria completa sem polêmica – Heidegger aderiu ao partido nazi em 1933 e estaria implicado no afastamento de acadêmicos judeus da sua universidade, como se passou, de resto, em todas as áreas do conhecimento por toda a Alemanha e a Áustria.

Os dois separaram-se, Arendt conheceria Blücher já no exílio, e passaria pelo campo de concentração de Gurs, em França, perto dos Pirineus, antes do ‘salto’ definitivo para os EUA. Mas a memória ficou. Hannah reataria a amizade entre ambos em 1950 e seria até responsável pela readmissão de Heidegger no meio universitário. O filme aborda a questão de leve, sem revelar a justificação do filósofo a Hannah, que lhe pede uma explicação. Mistérios insondáveis da alma humana? A explicação é quase impossível, mas Sofia Roque não vê aí mais do que algo privado, que a filósofa nunca chegaria a partilhar por completo: “Heidegger não era um cidadão comum, ele tinha os instrumentos suficientes para saber o que se estava a passar. Será que Hannah Arendt o perdoou? Não nos diz respeito”.

E qual será o lugar do pensamento de Hannah Arendt na atualidade? São poucos hoje os que reclamam o modo como a filósofa pensa a tolerância, a humanidade, e sobretudo a ação política. “Ela não define os objetivos da acção política, nunca se assumiu em nenhum ‘ismo’ ou disse se era de esquerda ou de direita”, esclarece Sofia Roque. Antes defende “a ideia de um sistema de pequenos conselhos, de órgãos cuja dimensão permitisse a participação direta” dos cidadãos nas decisões, um pouco como o espaço público da polis na democracia ateniense da Antiguidade. Para Arendt, a política é antes de tudo um espaço de liberdade entre plurais que podem discutir, a partir do momento em que são cidadãos livres, “o sistema social, de justiça e de igualdade”.

Se estivesse hoje entre nós, Hannah Arendt ficaria por certo agradada com os movimentos que saíram à rua um pouco por todo o mundo, a reclamar mais liberdade ou melhores condições sociais, fosse contra ditaduras – como no mundo árabe, num processo que ainda não acabou –, fosse contra políticas de austeridade, na Europa e nos EUA.

A filósofa de figura frágil e afável poderia ser uma indignada do século XXI? Arendt analisou as revoluções, da americana à francesa, passando pela dos sovietes. Hoje, talvez estaria preocupada em “ligar estes fenômenos aos movimentos occupy”, aposta Sofia Roque.

ricardo.nabais@sol.pt

6 de Outubro, 2013. por Ricardo Nabais

Fonte: Sol (Portugal)
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=87275

Observação: pessoalmente eu não compartilho da ideia dela sobre "banalidade do mal" e Eichmann, acho que ela se centra demais na aparência dele (o que ela vê dele, muito mais a aparência) ignorando que o executor vai mais além de uma mera aparência "inofensiva"/burocrática (porém letal) que ela tem dele. Mas então por quê o post e a observação? Porque vez ou outra surgem comentários de posts antigos, por exemplo em resenhas como a do link sobre o livro do Finkelstein (link) criticando texto A ou B (e não sou contra a crítica) sendo que nem sempre eu concordo com alguns textos que coloco mas que acho importante que sejam lidos justamente pra reflexão/discussão. Por sinal este texto do link anterior sobre o Finkelstein foi colocado há vários anos porque fazia parte de três textos sobre o Holocausto que saiu no IG (incluindo uma entrevista com o Raul Hilberg), resolvi colocar todos. Eu mesmo coloquei mais de um texto sobre o Finkelstein no blog (http://holocausto-doc.blogspot.com.br/search?q=finkelstein) com opinião de gente que politicamente estaria bem próximo dele e o critica. Já que ele foi citado na observação, eu não acho que ele seja antissemita como vários críticos dele acusam (geralmente gente radical de direita), embora não concorde com a postura política dele ou mais precisamente com a forma dele expôr os problemas que divulga.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O fim da história para Claude Lanzmann (Documentário)

Vasco Câmara, em Cannes. 18/05/2013 - 15:20

Com Le Dernier des Injustes, um dos filmes mais aguardados em Cannes, o realizador do Shoah regressa aos campos nazis e ao debate sobre o papel que os judeus tiveram no seu próprio extermínio. Fora de competição.

Vídeo. O fim da história para Claude Lanzmann

O novo documentário inclui a entrevista ao
rabino Benjamin Murmelstein, feita em 1975 DR
O “climax da crueldade” da Solução Final chamou-se Theresienstadt, campo de concentração que o regime nazi vendia aos americanos, à Cruz Vermelha e aos judeus alemães como um “campo modelo”, cidade que o führer lhes doava. Na panóplia de instrumentos de crueldade, a mentira era uma forma de esconder o crime e de os próprios criminosos aceitarem, através da camuflagem da linguagem, o crime que iam cometer.

Dentro de Theresienstadt desenrolou-se uma “história louca”, a que o cineasta Claude Lanzmann, 87 anos, regressa com Le Dernier des Injustes, um “documentário magistral” que faz a capa da edição deste sábado do diário francês Libération, na véspera da sua apresentação no Festival de Cannes. Com o documentário de mais de três horas e meia o cineasta regressa a uma personagem que filmara em 1975 para o seu monumento de nove horas chamado Shoah: Benjamin Murmelstein, Grande Rabino de Viena durante a ocupação, que Adolf Eichmann, o chefe da logística de extermínio, nomeou em 1944 para liderar o Conselho Judeu do campo e executar os seus planos. Tudo numa invenção perversa do regime que obrigava os responsáveis de um gueto a executarem as ordens alemãs e, concretamente, a fazerem a lista dos deportados para o extermínio.

Muitos foram mortos nos campos, houve os que se suicidaram e os que, como Murmesltein, foram acusados no final da Guerra de colaboração, de terem negociado com o Diabo – antigos prisioneiros de Theresienstadt apontaram o dedo ao rabino. Julgado em 1946, considerado inocente, Murmesltein retirou-se para Roma, onde Lanzmann o entrevistou. Esse material, que não ficou na versão final de Shoah e foi entregue ao Museu do Holocausto em Washington, é a base de Le Dernier des Injustes (era a designação que Murmesltein dava a si próprio).

“Estive muito consciente das contradições selvagens em que se encontravam estas pessoas que não se tinham voluntariado para este trabalho, que tinham sido escolhidas pelos alemães que, quando não encontravam gente suficiente, as apanhavam na rua”, diz Lanzmann na longa entrevista ao jornal francês, que anuncia na capa “Lanzmann – um filme testamento”. “Quis mostrar que estes supostos colaboradores judeus não eram colaboradores. Eles nunca quiseram matar judeus, não partilhavam a ideologia dos nazis, eram uns infelizes sem esperança.”

Com Claude Lanzmann – e, tal como ele, contra o que escreveu a filósofa Hannah Arendt sobre a responsabilidade e colaboração dos judeus na sua própria morte – está Annete Wieviorka, especialista na história dos judeus no século XX. Diz ela no dossier do Libération: “A grande perversidade do nazismo foi confiar a administração de uma população aos que estavam destinados a ser assassinados.”

Le Dernier des Injustesé, concorda Lanzmann, uma forma de encerrar a sua história com o Holocausto, depois de Shoah, Sobibor, 14 Octobre 1943 (já um filme contra a ideia da passividade dos judeus perante a máquina de extermínio) ou Le Rapport Karski.

O dispositivo do novo documentário que o realizador leva a Cannes inclui a entrevista a Benjamin Murmelstein, feita em 1975, e imagens do cineasta hoje, nos lugares que já fizeram parte da sua odisseia, como Theresienstadt, cidade checa a uma hora de Praga. Para o Libération, o filme termina com um gesto simbólico de reabilitação: Lanzmann, ainda em 1975, nas ruas de Roma com Murmesltein, um abraço de afecto. É o fim da sua história.

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/cultura/noticia/o-fim-da-historia-para-claude-lanzmann-1594809

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Arquivos do julgamento de Eichmann

Pra quem quiser consultar e/ou vasculhar documentos, no site Nizkor, seguem os links da transcrição (em inglês) dos páginas do julgamento de Adolf Eichmann, realizado na primeira metade dos anos sessenta. Registro dos processos no Tribunal Distrital de Jerusalém.

Página inicial: O Julgamento de Adolf Eichmann
http://www.nizkor.org/hweb/people/e/eichmann-adolf/transcripts/

Indo direto aos volumes:
http://www.nizkor.org/hweb/people/e/eichmann-adolf/transcripts/Sessions/

"Bem, então, tendo sido solicitado por Sr., Meritíssimo, para dar uma resposta bem clara aqui, devo dizer que considero este assassinato, este extermínio dos judeus, como sendo um dos crimes mais hediondos da história da humanidade."
(Adolf Eichmann, 13 de julho de 1961)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Cruz Vermelha e Vaticano ajudaram milhares de nazis a escapar

Pesquisa mostra como documentos de viagem ended up in hands of the likes of Adolf Eichmann, Josef Mengele e Klaus Barbie no caos do pós-guerra

Dalya Alberge

Oficiais da SS los Auschwitz los 1944. A partir da esquerda: Richard Baer, ​​que se tornou o comandante de Auschwitz, em maio de 1944, Josef Mengele, comandante de Birkenau, Josef Kramer, escondido, e o ex-comandante de Auschwitz Rudolf Höss, em primeiro plano, o homem da direita não é identificado. Foto: AP

Ambos, Cruz Vermelha e o Vaticano, ajudaram milhares de criminosos de guerra e colaboradores a escaparem depois da segunda guerra mundial, de acordo com o livro que reúne provas de documentos não publicados.

A Cruz Vermelha já admitiu antes o conhecimento de que seus esforços para ajudar os refugiados foram usados ​​por nazistas porque os administradores estavam sobrecarregados, mas a pesquisa sugere que os números são muito maiores do que se pensava.

Gerald Steinacher, um pesquisador da Universidade de Harvard, teve acesso a milhares de documentos internos dos arquivos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Os documentos incluem documentos de viagem emitidos pela Cruz Vermelha erroneamente aos nazistas no caos do pós-guerra.

Eles lançam luz sobre como e por que os assassinos genocidas, como Adolf Eichmann, Josef Mengele e Klaus Barbie e milhares de outros, evitaram ser capturados pelos aliados.

Ao comparar as listas de criminosos de guerra procurados com documentos de viagem, Steinacher diz que a Grã-Bretanha e Canadá sozinhos inadvertidamente deixaram passar cerca de 8.000 ex-membros das Waffen-SS em 1947, muitos com base em documentos válidos emitidos por engano.

Os documentos - que são discutidos no livro de Steinacher "Nazistas em Fuga: Como os capangas de Hitler fugiram da justiça" (Nazis on the Run: How Hitler's henchmen fled justice) - oferecem um panorama significativo do pensamento do Vaticano, particularmente, porque seus próprios arquivos de depois de 1939 ainda estão fechados. O Vaticano sempre se recusou a comentar.

Steinacher acredita que a ajuda do Vaticano era baseado em uma esperança de reviver um cristianismo europeu e no pavor à União Soviética. Mas, através da Comissão de Refugiados do Vaticano, criminosos de guerra conscientemente conhecidos conseguiam identidades falsas.

A Cruz Vermelha, sobrecarregada por milhões de refugiados, contou substancialmente das referências do Vaticano e nas frequentes e apressadas checagens militares dos Aliados na emissão de documentos de viagem, conhecidos como 10.100s.

Acreditava-se primeiramente na ajuda a refugiados inocentes, embora a correspondência entre delegações da Cruz Vermelha em Génova, Roma e Genebra mostrasse que estavam cientes que nazistas estavam passando.

"Embora o CICV tenha pedido desculpas publicamente, a sua ação foi bem além de ajudar algumas pessoas", disse Steinacher.

Steinacher diz que os documentos indicam que a Cruz Vermelha, principalmente em Roma ou Génova, emitiram pelo menos 120.000 dos 10.100s, e que 90% dos ex-nazistas fugiram através da Itália, principalmente para Espanha, América do Norte e América do Sul - especialmente para a Argentina.

Ex-membros da SS, muitas vezes misturados com refugiados genuínos, apresentaram-se como apátridas alemães étnicos para ganhar papéis de trânsito. Judeus tentando chegar à Palestina através da Itália às vezes eram contrabandeados pela fronteira com nazistas em fuga.

Steinacher diz que delegações individuais da Cruz Vermelha emitiram 10.100s para criminosos de guerra "por simpatia com os indivíduos ... atitude política, ou simplesmente porque estavam sobrecarregadas". Documentos roubados também foram usados ​​para atravessar os nazistas com segurança. Ele disse: "Eles eram realmente um dilema. Era difícil. Ela queria se livrar do trabalho. Que ninguém queria fazê-lo...."

A Cruz Vermelha se recusou a comentar diretamente as conclusões de Steinacher, mas a organização diz em seu site: "O CICV já lamentou o fato de que Eichmann e outros criminosos nazistas utilizaram de forma maliciosa seus documentos de viagem para cobrir seus rastros."

The Guardian, quarta-feira, 25 de maio de 2011 15.31 BST

Fonte: The Guardian
http://www.guardian.co.uk/world/2011/may/25/nazis-escaped-on-red-cross-documents
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 4 de dezembro de 2011

Males que nunca acabam

Colóquio internacional relembra os 50 anos do julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. Os debates gravitaram em torno da intolerância e violência dos tempos atuais.

Por: Luan Galani
Publicado em 28/11/2011 | Atualizado em 28/11/2011
Tribunal de Jerusalém onde Karl Eichmann foi julgado e sentenciado à forca em 1961.
(foto: Memorial Norte-americano do Holocausto/ Departamento de Imprensa do Governo de Israel)


Há 50 anos o tenente-coronel nazista Karl Adolf Eichmann (1906-1962) era levado ao banco de réus pelo Estado de Israel. Chefe da polícia secreta nazista responsável pela identificação e transporte de pessoas para campos de concentração, Eichmann entrou para a história como executor-chefe dos assassinatos em massa do terceiro Reich. Acusado de 15 crimes e considerado culpado por todos eles, foi sentenciado à forca.

A fim de manter viva a discussão sobre intolerância, o Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná (UFPR) organizou, em meados desse mês, em Curitiba, o colóquio internacional ‘Eichmann em Jerusalém: 50 anos depois’.

“Não podemos relegar ao esquecimento esse momento histórico que marcou a humanidade e que nos impulsiona a refletir sobre as diferenças”, disse a historiadora e organizadora do evento, Marion Brepohl, da UFPR.

Arma de propaganda

Segundo Brepohl, o julgamento serviu aos interesses políticos daquele momento. “Há tempos os israelenses sabiam que Eichmann estava na Argentina, mas só o capturaram naquele ano porque os pagamentos das reparações feitas pelos alemães estavam chegando ao fim”, disse.

O primeiro ministro de Israel, David Ben-Gurion (1886-1973), e o chanceler da República Federal da Alemanha, Konrad Adenauer (1876-1967), acordaram em usar Eichmann como arma de propaganda, transformando o julgamento em espetáculo.

“O julgamento demonizou Eichmann para evitar expor o passado de alguns membros do governo alemão da época que haviam sido cúmplices do nazismo, como Hans Globke, conselheiro de Adenauer”, destacou Brepohl.
David Ben-Gurion (à esq.) e Konrad Adenauer se encontram em Nova Iorque
em março de 1960. Segundo historiadores, o julgamento de Eichmann serviu de instrumento
político para ambos os dirigentes. (foto: Centro de Pesquisas sobre a História Alemã)

Em troca, a Alemanha forneceria equipamento militar a Israel. Foi o que aconteceu em 1962, quando Adenauer aprovou ajuda militar a Israel de 240 milhões de marcos.

Homem comum

Segundo a jurista Vera Karam de Chueri, da UFPR, durante o julgamento Eichmann não se mostrou o mais convicto dos nazistas. Era um homem comum, organizado e ávido por ascensão social. Ressentia-se do fato de ter sido tirado da escola pelo pai devido a seu baixo rendimento e quando foi demitido do emprego em 1932 aceitou ingressar no partido e depois na carreira militar.

Serviu como cabo no campo de concentração de Dachau e teria se destacado pelo espírito metódico e disciplinar. Apesar de responsável pela logística dos campos de concentração, sustentou que jamais matou um judeu.

“A burocracia e a tradição de acatar ordens cegamente o transformaram naquele homem que, com a mesma naturalidade, mandava empilhar corpos de manhã e, à tarde, jogava dominó com os filhos”, enfatizou Karam.

Com o fim da guerra, Eichmann foi preso por tropas norte-americanas. Mas conseguiu fugir e se instalar na Argentina a partir de 1950 sob o codinome Ricardo Clement.

Karl Adolf Eichmann em prisão israelense de Jerusalém durante
o período de seu julgamento. (foto: Tiergartenstrasse 4 Association)

Mais atual que nunca

Engana-se quem pensa que intolerância a diferenças é coisa do passado na Europa. Prova disso são o caso do político holandês Geert Wilders, que comparou o Alcorão ao Mein Kampf, de Adolf Hitler, e o recente relatório do governo alemão que revela a existência de antissemitismo latente em cerca de 20% da população da Alemanha.

E os contornos dessa situação – por si só embaraçosa – ganham traços assustadores com a descoberta pelo serviço de inteligência alemão de que grupos políticos da extrema direita são responsáveis por vários assassinatos de imigrantes durante os últimos 13 anos, principalmente no estado da Saxônia, no sudeste do país.
Haroche: “Direitos humanos, liberdades e até o estado democrático, nada está garantido para sempre. Temos que lutar diariamente por tudo isso, sem tréguas
Diante disso, a socióloga francesa Claudine Haroche, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, afirmou que nenhuma de nossas conquistas está assegurada. “Direitos humanos, liberdades e até o estado democrático, nada está garantido para sempre”, ressaltou. “Temos que lutar diariamente por tudo isso, sem tréguas.”

“Rememorar o julgamento de Eichmann – e consequentemente outras questões ligadas ao tema – faz parte dessa luta”, disse o sociólogo Sérgio Adorno, da Universidade de São Paulo, corroborando a tese de Haroche.

Segundo Adorno, que traçou um perfil da violência moderna e contemporânea, a tortura não foi erradicada de nossas sociedades, embora seja condenada desde o século 18. Como exemplos ele citou a prisão de Abu Ghraib, no Iraque, e a repressão aos protestos libertários no Bahrein e em outros países árabes, que desrespeitam vários acordos internacionais.

“Não há hoje intelectuais que defendam o emprego de meios violentos para garantir liberdade e justiça social”, disse Adorno. “Por outro lado”, ponderou, “são poucos os intelectuais que denunciam o emprego da tortura contra suspeitos de envolvimento em atos terroristas”.

Para o sociólogo da USP, essa anestesia moral era típica dos burocratas nazistas, como Eichmann. E recomendou: “Vigiemos constantemente nosso comportamento, para evitar que desenvolvamos o Eichmann que temos dentro de nós”.

Luan Galani
Especial para a CH On-line/ PR

Fonte: Ciência Hoje
http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/11/males-que-nunca-se-acabam

Ver mais:
West Germany's Efforts to Influence the Eichmann Trial (Spiegel Online, Alemanha)

domingo, 17 de abril de 2011

Minha familia, os Himmler

Heinrich Himmler, chefe da SS e da
Gestapo (à esquerda), com seu
irmão Gebhard.
Ser a sobrinha-neta de Heinrich Himmler, o chefe das SS e da Gestapo, marca. Até o ponto de ter que cavar os segredos familiares e os contar em um livro. Katrin Himmler o fez. Descobriu que sua família apoiou e se beneficiou da posição do monstro nazi.

Há sobrenomes que marcam. Mas poucos que emanam tanta obscuridade e terror como o de Heinrich Himmler, o sinistro acólito de Hitler chefe das SS e da Gestapo e organizador do assassinato dos judeus no III Reich, entre outros monstruosos crimes. Não há de ser pouca a carga de levar esse sobrenome, digo para mim enquanto compareço, não sem certa apreensão, ao encontro em Berlim com Katrin Himmler.

Pergunto-me que aspecto e caráter terá a sobrinha-neta do reichsführer das SS. Katrin Himmler (1967) é neta de Ernst Himmler, Ernstie, o "pequeno", o irmão caçula de Heinrich. Tinham outro irmão, o mais velho, Gebhard. Eram muito unidos fraternalmente, mas também nas SS. Sobre os três escreveu Katrin Himmler, a partir de documentação inédita, oficial e privada, um livro apaixonante e revelador, Os irmãos Himmler, biografia de uma família alemã, que acaba de aparecer na Espanha (Libros del Silencio, "Livros do silêncio", 2011). Nada mais longe da complacência ou da justificação que esse livro: a obra acerta contas, rompe tabus e dinamita a partir de dentro o mito familiar de que os parentes ignoravam as atividades criminosas de Heinrich.

Katrin Himmler, licenciada em Ciências Políticas, é casada com um judeu israelense descendente de sobreviventes do gueto de Varsóvia,
Heinrich Himmler, com seus pais e
irmãos. Ernst, o pequeno, era o
avô de Katrin.
viaja frequentemente a Israel - deve ser uma coisa de se ver quando ela cruza o controle de passaporte - a sua atitude ante o Holocausto e seu célebre parente, ao contrário que a de algum outro membro da família, não tem a mais mínima fissura. Ela não duvida em qualificar a seu tio-avô e padrinho de seu pai de "assassino do século". A autora me encontrou pela manhã em um pequeno café próximo de sua casa no tranquilo e modesto bairro berlinense de Wedding, em Mitte. É difícil conciliar a pacífica e amável imagem desta Alemanha com a que oferece, por exemplo, a visita ao Memorial do assassinato dos judeus da Europa com seus 2.711 monumentos de doloroso cinza e seu subterrâneo via cruzes de recordações e atrocidades.

Quando entro no café Auszeit - tentando não fazer perversas associações com a sonoridade do nome - , Katrin Himmler já havia chegado. Tem um aspecto juvenil, próximo e definitivamente agradável. Possui bonitos olhos azul-cinzentos. Sorri. Tomamos lugar junto à janela do local praticamente vazio e pedimos chá. Paradoxicalmente, já que é o que me atraiu até aqui, custa-me a começar a falar de Himmler, como se não quisesse que essa negra alimária do passado se entrometesse neste bonito dia entre esta interessante mulher e eu.

"Desde muito jovem, meus pais me fizeram ler livros sobre os nazis e seus crimes, assim me identificava com as vítimas e me envergonhava do meu sobrenome, sentido-me culpada de uma forma difusa", disse Katrin Himmler. "Contudo, ainda que me interessasse muito a história da Alemanha, nunca me havia posto a tentar conhecer a de minha própria família".

O impulso inicial da investigação que conduziu ao livro que foi dado por seu pai à autora - agora pensa que de uma maneira muita mais premeditada do que ela acreditava - ao lhe pedir em 1997 que investigasse a existência de uns processos sobre seu avô nos arquivos abertos depois da reunificação. Ao examinar os documentos, descobriu que a informação que continham não correspondia em nada com a que circulava na família. Segundo os relatos familiares, o único politizado dos irmãos era Heinrich, a ovelha negra (!), o que livrava de responsabilidade os outros dois, concentrados aparentemente durante o nazismo e a guerra em assuntos técnicos e acadêmicos. Era como se a grande culpa do meio os exonerasse.

"Os documentos que encontrei provavam, contudo, que meu avô e Gebhard foram também membros precoces do partido e das SS! Nazis entusiastas e cúmplices de Heinrich Himmler - inclusive parece que em algum projeto científico secreto de cariz tecnológico -, que os recompensou largamente por seus serviços".

Informar-se de que teu avô foi das SS deve ser um transe, aventuro. "Em casa jamais havia dito nada disso! Imagine!". Ernst Himmler alcançou o posto de sturmbannführer SS, comandante, e Gebhard, o de standartenführer SS, coronel. Heinrich se reservava ao modesto posto único de reichsführer SS, chefe supremo. Como para te deixar cair pela toalha familiar quando estavam os três irmãos reunidos e fazer uma piada sobre o Mein kampf.

Posteriormente, a investigadora achou outros perturbadores testemunhos conservados na casa de seus pais. Seus avós, por exemplo, dispunham de uma casa bonita confiscada de uns poloneses e de uma garota ucraniana trabalhadora forçada. No mais puro estilo SS, o avô Ernst deu a sua mulher no final da guerra, cápsulas de veneno caso ela e seus filhos caíssem nas mãos dos russos.

Em seu livro, Katrin Himmler mostra amplamente e sem rodeios que toda a família simpatizou com o regime, que pais e irmãos estavam orgulhosos do sucesso de Heinrich e que se aproveitaram dos privilégios do notável parente. Ernst, que era engenheiro, colocou-se na Radiodifusão Reich -bastião da propaganda nazi - por puro nepotismo. Para os pais, a ascensão social nas costas do temido filho chefe das SS significou uma maneira de sentir que voltavam a estar entre a elite alemã, da qual haviam sido apeados traumaticamente depois da I Guerra Mundial. Inicialmente, o progenitor havia visto com certa inquietação as andanças de seu filho Heinrich nos grupos direitistas da Baviera, mas sempre compartilharam pai e filho a oposição e o desprezo pela República de Weimar e pela democracia, que unia muito. Na familia passou a ser uma estampa heroica a imagem de Heinrich sustentando o estandarte da Reichskriegsflagge, a bandeira de guerra do Reich, durante o fracassado putsch de 1923, um sucesso no que esteve também presente o arrivista Gebhard, o mais velho dos irmãos, que sobreviveu à guerra e, disse Katrin, seguiu sendo um pedaço de nazi e antissemita.

Katrin Himmler, autora do livro "Os irmãos Himmler"
Quanto sabiam os familiares da verdadeira dimensão do trabalho criminoso do chefe das SS? "Sabiam dos campos de concentração, sem dúvida alguma, há muitas cartas de gente que lhes pedia ajuda para que intercedessem pelos internados. O pai, meu bisavô, morreu em 1936, mas então já funcionava Dachau, e a política de Hitler com respeito à oposição e aos judeus não era nenhum segredo. Desde cedo, ninguém da família nunca considerou que o que Himmler fazia fosse mau".

Sabiam do Holocausto? "Não tenho provas. Deviam saber, ao menos os irmãos, que tinham muito bom contato com Heinrich. Além disso, o cunhado de Gebhard, Richard Webdler, era governador de Cracóvia quando se deportou os judeus da cidade. Se não o soubessem foi porque não quiseram. Como tantos na Alemanha. Os judeus desapareceram muito cedo da vida do país, era fácil esquecer onde estavam. As leis racistas se impuseram à vista de todos. A eliminação física foi só o último passo. Em meu foro íntimo creio que sim, que sabiam. Havia muita confiança entre os três irmãos".

Os irmãos Himmler - História de
uma família alemã"
Tudo parece tão tranquilo aqui. E sem dúvida, algo parece se adensar irremediavelmente ao nosso redor. Há aquele episódio de seu avô, aquela carta... Ernest Himmler informava a seu irmão reichführer da fiabilidade política de seus colegas e realizava também para ele serviços de inteligência. "O caso de Schmidt, sim. Era judeu, mas haviam deixado isso por alto por conta de sua utilidade técnica. Meu avô questionou em um escrito a dita utilidade, sabendo do que isso iria significar, provavelmente uma sentença de morte. Foi algo muito cruel".

Katrin Himmler aparece ela mesma em seu livro, levando a cabo sua investigação, derrubando tabus, expressando suas reflexões, sua dor. "Era a única forma de fazê-lo, de maneira muito pessoal. Sempre me pareceu muito importante estar dentro. Não sou uma historiadora profissional, é assim que tinha que ser uma história de família. Escrever esse livro mudou minha vida! Como prova do valor histórico da obra ele é citado por ninguém menos que Peter Longerich como fonte em sua monumental biografia de Himmler (RBA, 2009).

Katrin não conheceu, desde cedo, seu tio-avô Heinrich, que se suicidou muito antes dela nascer, quando se apressou os aliados a acabarem a II Guerra Mundial. Tampouco a seu avô. "Lutou, quando mobilizaram a Radiodifusão, nas filas da Volkssturm, a desesperada milícia nacional, durante a batalha de Berlim e desapareceu em abril de 45". Como seu irmão Heinrich, Ernst levava uma cápsula de veneno escondida na boca para que não o pegassem vivo. Mordeu-a, acidentalmente, segundo disseram testemunhas, ao tropeçar durante a fuga pela cidade em escombros. "Soa raro, não é verdade?". Eufemístico.

Logo, a sobrinha-neta de Himmler continua: "Meu avô era muito ambicioso, nas SS e no partido não se relacionava só com Heinrich, senão com toda a hierarquia, toda a rede. Entre seus bons amigos estava seu vizinho, o sinistro general Hermann Behrends, da SD, homem de confiança de Heydrich e colaborador de Eichmann, executado depois da guerra...".

Quem Katrim Himmler conheceu bem pessoalmente foi sua avó Paula. Uma vez lhe perguntou pelo homem vestido de uniforme negro que aparecia como testemunha na foto de sua boda. Ela se pôs a chorar de tristeza por Heini, como o chamava familiarmente. "Minha avó recordava sempre com o máximo carinho a Heinrich Himmler".

Um dos momentos mais terríveis da investigação de Katrin foi descobrir a relação de intensa amizade de sua avó não só com a família Behrends, senão com o obergruppenführer SS - general - Oswald Pohl, metido até o pescoço no Holocausto. "Sim, causou-me uma grande impressão que minha querida avó simpatizasse com esse criminoso e o apoiasse como o fez quando o condenaram a morte em 1947. É certo que muitos alemães, inclusive gente da alta política do pós-guerra, tiveram a mesma atitude. É algo repulsivo. Logo fui mais compreensiva com ela porque ela se foi distanciando, modificou suas opiniões, separou-se de Marga, a viúva de Heinrich Himmler, e da filha deste, Gudrun. Inclusive assistiu com uma vizinha a série Holocausto na televisão e chorava".

Uma espécie de redenção. "Sim, minha avó foi talvez naif em sua relação com Pohl, considerava-o como uma vítima, e a si mesma também. Depois da guerra, a uma mulher como ela, com seu sobrenome, ficava difícil - como ao resto da família - sobreviver sem o contato e apoio de outros nazis. Aproximar-se deles a ajudou psicologicamente, para evitar sua própria responsabilidade. Foi marginalizada, passou pela desnazistificação, não pode trabalhar durante muito tempo. Mas o que mais lhe doeu foi a reação da sociedade, a forma com que muitos alemães projetaram sobre ela e a família o sentimento de haverem sido traídos por Hitler, que prometeu tudo aos alemães e só trouxe a destruição: das cidades, mas também das esperanças e dos sonhos".

Pergunto a Katrin se ela padeceu também por conta do sobrenome. Em seu livro explica o silêncio em aula do colégio quando um aluno lhe perguntou no meio da classe se ela era parente "desse Himmler", e como um maestro, dissimulou e soltou balões fora. "Na realidade não sofri muito, porque minha geração já é distante de tudo isso. Meus pais, sim, muito. Foram amaldiçoados e atacados. Meu pai viveu a hostilidade das pessoas e, o que era às vezes pior, a admiração dos que lhe diziam: 'Teu pai era um grande homem, e teu tio, também'. Na família nunca se falava disso".

Outros filhos de nazis tiveram graves problemas de identidade. "A muitos, sua herança lhes deixou sequelas terríveis, deixou-os psicologicamente enfermos". Niklas Frank, o filho de Hans Frank, o criminoso governador da Polônia processado em Nuremberg e enforcado, manifestou publicamente que se masturbava a cada 16 de outubro, data de sua execução, em frente a uma foto de seu pai, que ele detestava. Outro filho, Micahel, suicidou-se bebendo leite até arrebentar. E outro mais, Norman, decidiu não ter filhos para apagar o sobrenome Frank da face da Terra. "Da geração de meu pai são poucos os que tiveram filhos, não sabiam como lidar com isso".

No janeiro passado, Martin Bormann júnior, que havia tratado de conjurar sua herança - desde pequeno lhe ensinaram mobiliário feito com restos humanos - tornando-se sacerdote, missionário no Congo e predicador contra o Holocausto, foi acusado de violência e abusos sexuais durante sua época como professor na escola dos Corações de Jesus de Salzburgo nos anos sessenta. O neto de Rudolf Hess, Wolf Andreas, foi multado em 2002 por negar a existência das câmaras de gás na página da web na qual consagra seu avô.

Katrin Himmler tem relação com outros descendentes de líderes do III Reich? "Tive bastante quando apareceu o livro na edição original em alemão. Agora não são em geral contatos regulares, mas me encontro com alguns. Conheci Bettina Goering, a sobrinha-neta do marechal; ela e seu irmão decidiram se esterelizar para não passar para outra geração o sangue do assistente de Hitler. Não entendo, é tão parecido com a ideia dos próprios nazis, a ideia de sangue ruim, a teoria da herança racial. Aterra-me". Katrin Himmler abraça a si mesma.

Faz uns dois anos, explico, entrevistei a filha do conde Von Stauffenberg, o autor do atentado contra Hitler de 20 de julho de 1944. Olha-me com renovado interesse. Constance von Stauffenberg recordava o duro que havia sido ser filha de seu pai na Alemanha do pós-guerra. Mais ou menos a mesma coisa de Himmler? "Não sei, acredito que é mais fácil para os filhos dos resistentes, seus pais demonstraram que também haviam sido outros alemães, alemães bons".

Voltando aos filhos dos nazis, o que há de sua tia Gudrun (1929)? A filha do reichführer e que, diferente de Katrin, consagrou sua vida a reivindicar o sobrenome de seu pai, inclusive ao custo de se misturar com neonazis; "Ainda vive, eu a vi em alguma reunião familiar e tem opiniões muito chocantes; como você sabe, tratei de contactá-la para o livro, mas não me contestou. Sei que ela não gostou nada. Pensa que sou uma traidora". E o resto da família? "Há alguns que decidiram não falar mais comigo porque projetei sombras, em sua opinião, sobre os ancestrais. Não me importa".

Assinalou assim Katrin Himmler, por se convencer de que é muito valente e que tem um apreciável senso de humor. "Isso espero. Esta é uma história muito obscura. Sou uma pessoa muito otimista, não sei porque, mas sou. Só assim você pode lidar com esse passado. O que acontece ao submergir nos documentos da época é que, ou te deprimes e te afundas na parte tenebrosa e já não sairás mais em anos, ou tratas de entender o passado de forma que te ajude a entender o presente". Escuto-a em silêncio. "Arrancar isso tem sido bom, já não está aqui. Já não segues sendo uma espécie de cúmplice que transmite mentiras de geração em geração. Meu pai tinha tanto medo... Ele estava horrorizado do que podia ter feito seu pai. Saber o que fez de verdade tem sido catártico. O que fez meu avô foi muito mau, mas meu pai temia inclusive ser pior. O sentimento de culpabilidade imprecisa é esmagador".

Como temos ficado bons amigos, atrevo-me a perguntar a Katrin se não percebe o físico parecido que guarda com seu tio-avô. Para minha surpresa, não só não se irrita, senão que reconhece que sim. Matiza que Heinrich Himmler não tinha os olhos da mesma cor, ainda que alguns creem que eles lembram com um olhar azul-glacial. "Não, não, os dele eram marrons". Ela, disse, é mais como seu pai. Que sente ao se ver no espelho, assalta-lhe algum pensamento estranho? "Há coisas obscuras, claro. Mas pensar que o mal ou ser nazi é algo genético, hereditário, é estúpido. Todos podemos fazer o mal, para isso não tem importância se chamar Himmler. Acredito no contrário, que o que leva no sangue, é o que faziam os nazis. Às vezes, como dizia, observo-me, mas não há nada atemorizante, nenhum espírito negro".

Digo a Katrin que é curioso como em todas as famílias sempre há alguém que se ocupa de acertar as contas da memória coletiva. "Está certo, um membro da família costuma fuçar os segredos, conjurar fantasmas. É alguém que sente de uma maneira especial o peso dessa herança. Em alemão temos a palavra symptomträger, aquele que carrega as enfermidades, neste caso os enigmas, as faltas, os pecados da família. De certa forma é o meu caso, seguramente. Meu pai tentou lidar com isto muitos anos antes, mas acabou pondo a mim sobre a pista. Ia me dando detalhes para que eu encontrasse coisas. Para mim, era mais fácil tomar distância dos fatos, ainda que não deixassem de me causar danos os achados como a carta de minha avó a Pohl. Identificar minha querida avó como uma avó nazi não era fácil. Era horrível".

Casar-se com um judeu foi uma decisão consciente? Quero dizer, pensava em seu tio-avô, em seu sobrenome, em uma reparação? "Não, seguramente não. Só aconteceu. Foi antes de que começasse tudo, já nos conhecíamos antes". Katrin tem um filho de 11 anos de seu matrimônio. Que sabe ele das circunstâncias de sua família? "Pergunta-me coisas agora, viu-me em entrevistas de televisão, por conta do livro. Não explico muito, com aperto. Tenho experiência do peso de se dispôr de muita informação demasiada pronta, quando não podes assumi-la. Um dia, meu filho deverá lidar com o fato de que uma das partes de sua família tentou exterminar a outra. Em todo caso, alegra-me que ele não tenha que fazer o mesmo processo que eu, porque eu já o fiz antes por ele, limpei para ele. Poderei responder suas perguntas e explicarei com exatidão e sem medo a culpa dos meus antepassados".

Katrin e seu marido - Daniel: um nome apropiado para um judeu que se mete no fosso da família Himmler - viajaram até Cracóvia durante seu noivado. Visitaram Auschwitz? "Não, por céus!, era uma viagem romântica". E depois? "Visitei outros campos, contudo, nunca estive em Auschwitz".

Aproveito, pois, para lhe explicar coisas do campo, como a incomum altura da grama, a fecundidade do terreno, pelo adubo de tantas cinzas, claro. Ele me escuta olhando fixamente. Auschwitz era a menina dos olhos do universo 'concentracionário' de Himmler. Não há lugar tão associado a seu nome como esse inferno. Katrin ficou pálida. Mas se repõe. E disse como para si mesma, com firmeza: "Irei".

JACINTO ANTÓN 17/04/2011

Fonte: El País(Espanha)
http://www.elpais.com/articulo/portada/familia/Himmler/elpepusoceps/20110417elpepspor_10/Tes
Tradução: Roberto Lucena

sábado, 16 de abril de 2011

Eichmann quis sair do anonimato para contar sua versão do nazismo

O governo alemão sabia que vivia oculto na Argentina. Em 1956 pediu para voltar para “reclamar um lugar na história”.
FORTEMENTE VIGIADO. EICHMANN NA CORTE DE JERUSALÉM,
ONDE ALEGOU “OBEDIÊNCIA DEVIDA”. FOI ENFORCADO EM 1962.
Durante mais de uma década depois da II Guerra Mundial, seu paradeiro foi oficialmente desconhecido. Adolf Eichmann, o principal arquiteto do Holocausto, havia escapado de um campo de prisioneiros de guerra estadunidense, passado pela Itália e pego um barco com destino à Argentina.

O governo da Alemanha Ocidental, ocupado na reconstrução do país e em reabilitar sua reputação, sabia, pelo menos desde 1952, onde vivia Eichmann, mas nunca fez um esforço real para levá-lo ante a justiça.

Agora um novo livro afirma que Eichmann queria voltar a seu país e reclamar seu lugar na história vários anos antes de ser capturado pela inteligência israelense em 1960 e ser julgado em Jerusalém.

Em 1956, Eichmann escreveu uma carta aberta ao chanceler da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer.

É hora de renunciar a meu anonimato e me apresentar”, escreveu Eichmann, que então vivia sob o nome de Ricardo Klement num subúrbio de Buenos Aires. “Nome: Adolf Otto Eichmann. Ocupação: SS Obersturmbannfuhrer a. D (tenente coronel).” A carta supostamente devia ser publicada por uma empresa argentina com simpatias com os nazis mas nunca veio à luz. Foi descoberta nos arquivos do Estado alemão pela historiadora Bettina Stangneth de Hamburgo, cujo livro, "Eichmann antes de Jerusalém", será publicado esta semana na Alemanha.

Na carta a Adenauer, Eichmann, naquele momento com 50 anos, sugere que se deve lhe permitir voltar para contar aos jovens alemães o que havia ocorrido realmente sob o regime de Hitler.

Quando me deixarão viver o destino, não sei, mas sei sim que alguém tem que falar às gerações futuras sobre estes acontecimentos”, dizia, sem mencionar que “estes acontecimentos” incluíam o assassinato em massa de milhões de pessoas. “Tive um papel importante na condução e direção desses programas”, acrescentava.

Eichmann dirigia a “seção judaica” do escritório central de segurança do Reich, a orgamização SS responsável por combater os “inimigos do Reich”. Na prática, a missão de Eichmann era decidir qual era a melhor maneira de deportar os judeus para os campos de concentração. Dava-lhe muito prazer tratar de imaginar a maneira mais rentável e efetiva de executar um assassinato em massa: foram ele e sua unidade os que conceberam a ideia de que as autoridades e a polícia despojassem as vítimas de seus pertences antes da deportação.

Stangneth disse que Eichmann não gostava da humilde vida que levava na Argentina, onde criava coelhos. Ansiava o poder e o reconhecimento de que havia gozado no Terceiro Reich. “É por isso que escreveu a carta a Adenauer, porque queria ser famoso”, disse Stangneth. “Queria reclamar seu papel na história junto a Adolf Hitler.” Quase cinquenta anos depois que Eichmann foi enforcado em Israel, na Alemanha surgem incômodas perguntas sobre o papael do país em levá-lo ou não à justiça. Uma série de artigos da revista Der Spiegel há pouco sugeriam que os agentes secretos da Alemanha Ocidental sabiam perfeitamente onde estava Eichmann logo de sua fuga, mas nunca lhes foram ordenados que o recapturassem.

Depois do sequestro de Eichmann pelo Mossad em maio de 1960, o governo de Adenauer convocou uma reunião de crises, onde se acordou que se devia fazer o possível para deixar claro que “Eichmann era um suplente das SS de Himmler” e que não era um agente autorizado da Alemanha.

A um funcionário do Ministério de Relações Exteriores é atribuído ter dito que era crucial que “as principais figuras da Alemanha Ocidental” não se vissem prejudicadas pelo julgamento.

A última edição da revista sustenta que Adenauer pessoalmente enviou um agente do serviço secreto alemão, o BND, para seguir o julgamento de Eichmann em Jerusalém.

Adenauer disse a uma espião chamado Rolf Vogel que observasse o julgamento disfarçado de jornalista e influísse nele quando fosse possível.

Deves ir ao julgamento de Eichmann a pedido meu”, escreveu Adenauer, segundo documentos secretos descobertos pela Der Spiegel, que qualifica o envio de Vogel como “uma das operações do serviço diplomático/secreto mais delicadas da história da Alemanha Ocidental”.

Fonte: Clarín.com (Argentina)
http://www.clarin.com/mundo/Eichmann-anonimato-contar-version-nazismo_0_461953882.html
Tradução: Roberto Lucena

Matéria completa:
Adolf Eichmann wanted to return to Germany, historian claims (The Guardian, Inglaterra)
http://www.guardian.co.uk/world/2011/apr/11/eichmann-sought-trial-germany-1956

Ler mais:
Inteligência alemã ocultou identidade de Adolf Eichmann na Argentina
http://holocausto-doc.blogspot.com/2011/01/inteligencia-alema-ocultou-eichmann.html

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Descendentes de nazis e do Holocausto reunidos no mesmo filme

"Crianças de Hitler" reúne descendentes de nazis e de sobreviventes do Holocausto. Documentário revela que sobrinha-neta de um dos braços direitos de Hitler evitou ter filhos para não perpetuar o DNA "de um monstro".

Maria Luiza Rolim(http://www.expresso.pt/), com agências
Quinta feira, 10 de Fevereiro de 2011

Em Crianças de Hitler, Monika Goth diz
que perguntou à mãe quantos judeus
o pai, Amon Goth, matou
Quando tiveram conhecimento das atrocidades cometidas pelo tio, o oficial nazi alemão Hermann Goering, Betina Goering e o seu irmão decidiram submeter-se a uma esterilização para não perpetuarem o DNA "de um monstro". O depoimento da sobrinha-neta do comandante da Luftwaffe - o segundo homem mais importante na hierarquia do Terceiro Reich de Adolf Hitler -, e de outros descendentes nazis, é um dos momentos mais surpreendentes do novo e controverso documentário do israelita Chanoch Zeevi.

Pela primeira vez, num mesmo filme, as gerações pós-guerra encontram-se. O palco dos confrontos é Auschwitz. O filme "Crianças de Hitler" estará concluído até ao final deste ano. Os interessados poderão participar na sua produção, bastando para isso comprar, por antecipação, uma cópia do documentário, em suporte DVD, que será enviada posteriormente pela Maya Productions.

"Fascinantes familiaridades"

Chanoch Zeevi, realizador também de "Nadia's Friends", confessa ter encontrado "fascinantes familiaridades" entre os filhos da segunda geração do Holocausto. Ou seja, entre os descendentes dos líderes nazis - um pequeno grupo de homens e mulheres alemães que aceitaram falar sobre a vergonha pelos crimes cometidos pelos seus pais, tios e avós, e sobre como descobriram a verdade sobre o Holocausto -, e os que descendem das vítimas do genocídio.

Chanooch Zeevi, cujos avós morreram num campo de concentração nazi, diz que quando teve a ideia do filme "nessa noite não consegui pregar o olho. Sentia-me como uma criança que levou uma tareia. Primeiro, tentamos fazer algo para minorar a dor, mas depois tomamos consciência de que é preciso ir atrás de quem nos bateu. Entendemos que devemos sempre ouvir o outro lado. Os sobreviventes podem não ter forças para o fazer. mas os descendentes têm. E esses encontros ajudam-nos a seguir em frente".

O realizador Chanoch Zeevi prevê que o seu filme vá ser duramente criticado em Israel. "Muitas pessoas defendem que nos devemos concentrar apenas nas vítimas. Nunca ouvi nenhuma história do lado nazi, qual era o papel exato de cada líder, quais eram as sua responsabilidades e quanta influência Hitler tinha sobre eles, Na minha ótica, é impossível entender o Holocausto sem tentar ver de onde vieram as raízes do mal e como elas cresceram".

Zeevi confessa que não foi fácil conseguir pessoas dispostas a dar a cara. "Muitas, simplesmente desligaram o telefone. Ainda há quem se orgulhe desse passado e defenda a ideia nazi".

Descendente nazi casa com judeu

Mais de 60 anos depois da II Guerra Mundial, outro dos protagonistas do documentário, Ricardo, filho de Adolf Eichmann, disse que simplesmente não consegue compreender porque o seu pai se tornou o "arquiteto" do Holocausto.

O passado também dominou a vida de Niklas Frank, que também dá o seu depoimento. O afilhado de Hitler e filho de Hans Frank - que foi chefe do governo na parte ocupada da Polónia e responsável pelos campos de extermínio no país -, dedicou boa parte do seu tempo a pesquisar e a escrever sobre o seu pai, e hoje faz conferências e palestras sobre o tema para jovens alemães.

"Sinto-me responsável pelas ações do meu pai, envergonho-me delas. Não posso amar um pai que fez o que ele fez. Existem duas maneiras de sobreviver como filho de um criminoso de guerra: defendê-lo até ao fim como o fazem os meus irmãos mais velhos, ou confrontar as suas ações e admitir: sim, o nosso pai foi um assassino", diz Niklas Frank no documentário.

O filme mostra, ainda, o confronto de Monika Hertwig, filha de Amon Goeth -chefe de Plaszów, campo de concentração, imortalizado no filme "Lista de Schindler", de Ralf Fiennes -, com um homem que lhe diz que o seu pai matou mulheres e crianças "por desporto". Durante muito tempo, ela acreditava que o pai tinha sido um soldado comum, que morrera no front russo. Amon Goeth foi julgado em 1946 e condenado à forca. Monika conta, ainda, como conheceu, aos 13 anos, o primeiro judeu.

Muitas outras histórias de vida são mostradas no documentário de Zeevi. Como a de Katrin Himmler, sobrinha-neta de Heirich Himmler, o segundo na lista abaixo de Hitler no Terceiro Reich.

Katrin casou-se com um judeu, israelita, filho de sobreviventes polacos, e confessa que isso ainda hoje provoca admiração.

Betina Goering, que laqueou as trompas aos 30 anos por não desejar ter filhos que perpetuassem o sangue nazi, disse que o seu pai, falecido em 1981, nunca conversou com ela sobre o Holocausto. Nem sobre o seu tio, Hermann Goering, condenado à morte em 1946 junto com outros 11 pelo Tribunal de Nuremberga, mas que acabou por se suicidar.

Já a sua avó, Edda Goering, afilhada de Hitler, adorava o pai. "Recordo-me de estarmos a assistir a um documentário na televisão sobre o Holocausto e de ela ter dito que (o genocídio) não passava de uma mentira, que nada daquilo tinha acontecido", acrescentou Betina, que vive atualmente em Santa Fé, Novo México, onde é naturopata.

Fonte: Expresso(Portugal)
http://aeiou.expresso.pt/descendentes-de-nazis-e-do-holocausto-reunidos-no-mesmo-filme=f631127

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

EUA ofereceram refúgio a nazistas após 2ª Guerra Mundial, segundo relatório

Washington, 13 nov (EFE).- Um relatório até agora secreto sobre a operação de caça de nazistas por parte do Governo dos Estados Unidos conclui que funcionários de inteligência ofereceram refúgio no país a nazistas e seus colaboradores após a Segunda Guerra Mundial.

"Os EUA, que se vangloriavam de ser um refúgio seguro para os perseguidos, se transformou em pequena escala em um refúgio seguro também para os perseguidores", afirma o relatório de 600 páginas vazado para a imprensa.

O jornal "The New York Times" foi o primeiro a obter uma cópia do relatório que o Departamento de Justiça tinha tentado manter em segredo durante os últimos anos.

O relatório aparece publicado também no site do National Security Archive, um grupo de investigação independente situado na Universidade George Washington da capital americana.

A análise avalia tanto os sucessos como os fracassos dos advogados, historiadores e investigadores do Escritório de Pesquisas Especiais do Departamento de Justiça (OSI, na sigla em inglês), criado no ano de 1979 para deportar nazistas.

O relatório documenta como funcionários americanos que receberam a incumbência de recrutar cientistas após a Segunda Guerra Mundial fizeram caso omisso da ordem do presidente Harry Truman que não se recrutasse nazistas ou pessoas filiadas a eles.

Os pesquisadores do OSI assinalam no relatório que a alguns nazistas "foi garantida certamente a entrada nos EUA" apesar de os funcionários do Governo conhecerem seu passado.

Arthur Rudolph, um das centenas de cientistas estrangeiros recrutados para trabalhar nos EUA após a guerra disse aos pesquisadores em 1947 ser o diretor de uma unidade que fabricava foguetes na qual se utilizava trabalhos forçados.

O relatório assegura que os funcionários de imigração sabiam que Rudolph tinha sido membro do partido Nazista, mas mesmo assim o deixaram entrar nos EUA por causa de seu conhecimento sobre foguetes.

Outro dos casos que se menciona é o de Otto Von Bolschwing, que trabalhou com Adolf Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto, e que trabalhou como agente da CIA nos EUA após a Segunda Guerra Mundial.

O documento detalha como a agência de espionagem debateu em uma série de relatórios internos o que fazer se o passado de Bolschwing fosse descoberto.

A CIA contratou Bolschwing durante a Guerra Fria por suas conexões com alemães e romenos.

O Departamento de Justiça tentou deportar Bolschwing em 1981, após averiguar seu passado, mas o ex-nazista morreu esse mesmo ano.

Desde a criação da OSI, os EUA deportaram mais de 300 nazistas.

"The New York Times" lembra que o relatório sobre a caça de nazistas é obra de Mark Richard, um advogado do Departamento de Justiça.

Em 1999, Richard convenceu a procuradora-geral dos EUA Janet Reno para que começasse uma apuração detalhada do que ele considerava uma peça crucial da história e encarregou o trabalho à promotora Judith Feigin.

Após editar a versão final no ano 2006, pediu a altos funcionários do Departamento de Justiça que publicassem o relatório, mas sua solicitação foi negada.

O "Times" assegura que quando descobriu que tinha câncer, Richard disse a um grupo de amigos que um de seus desejos antes de morrer era ver o relatório publicado.

O advogado morreu em 2009 sem ver seu sonho realizado.

Fonte: EFE/Yahoo!
http://br.noticias.yahoo.com/s/14112010/40/mundo-eua-ofereceram-refugio-nazistas-apos.html

sábado, 4 de setembro de 2010

Nova biografia revela que Simon Wiesenthal trabalhava para o Mossad

Nova biografia revela que Simon Wiesenthal trabalhava para a agência israelita Mossad
Por Rita Siza

(Foto)A Mossad atribuíra o nome de código "Teocrata" a Wiesenthal AFP

Tom Segev, o autor do livro, consultou mais de 300 mil documentos deixados pelo sobrevivente do Holocausto no seu centro de Viena

Uma nova biografia de Simon Wiesenthal, o mítico sobrevivente do Holocausto que dedicou toda a vida à perseguição e exposição de criminosos de guerra nazis, revela que as suas diligências foram financiadas pela Mossad, e demonstra que os esforços da agência israelita de serviços secretos para capturar figuras ligadas ao Terceiro Reich foram bem mais longe do que se pensava.

O livro, intitulado Wiesenthal - The Life and Legends, da autoria do historiador e colunista israelita Tom Segev, assenta em mais de 300 mil documentos do arquivo pessoal e profissional depositados no Centro de Documentação Judaico criado por Wiesenthal em Viena, para caracterizar a missão a que ele dedicou toda a sua vida.

"É uma revelação surpreendente no contexto da narrativa da sua história pessoal, porque Wiesenthal sempre foi visto como um solitário, como alguém que lutou sozinho contra tudo e contra todos, contra todas as probabilidades e até contra as autoridades e leis locais", considera o autor da obra.

Salário de 300 dólares

Simon Wiesenthal, que nasceu em 1908 na actual Ucrânia, foi prisioneiro em cinco campos de concentração nazis. No final da guerra, começou a reunir provas das atrocidades cometidas pelos nazis para a secção de crimes de guerra do Exército dos Estados Unidos.

O resto da sua vida foi passado à procura de criminosos nazis - o seu trabalho levou à prisão de mais de mil intervenientes no Holocausto.

Tom Segev provou agora que a ligação de Wiesenthal aos serviços secretos israelitas remonta aos primeiros anos de actividade do seu escritório em Viena: a Mossad ajudou-o a montar o gabinete e passou a enviar-lhe um salário mensal de 300 dólares pelas suas informações.

O rabi Marvin Hier, fundador do Centro Simon Wiesenthal de Los Angeles, disse à agência Associated Press que o próprio Wiesenthal lhe tinha confessado ter em tempos colaborado com a Mossad, sem dar contudo a ideia de que essa colaboração tinha sido formal e remunerada.

Conforme se lê na biografia, Wiesenthal começou a trabalhar com os serviços secretos israelitas logo em 1948, um ano antes da constituição oficial da Mossad. O sobrevivente do Holocausto engendrou uma operação com o então "departamento de Estado" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel para capturar Adolf Eichmann, conhecido como "o arquitecto do Holocausto", na localidade austríaca de Altaussee, onde acreditava que ele iria celebrar a passagem de ano com a sua mulher e filhos.

Eichmann não apareceu, mas Wiesenthal nunca desistiu de o procurar. Também nunca mais deixou de fornecer informações à Mossad: em 1953 informou a polícia secreta que Eichmann estava fugido na Argentina. No entanto, só em 1960 é que os serviços operacionais decidiram montar uma nova missão de captura daquele dirigente nazi, que foi detido no dia 21 de Março.

Durante a década de 70, Wiesenthal, a quem a Mossad atribuíra o nome de código "Teocrata", forneceu informação extensiva não só sobre os paradeiros de oficiais nazis (cuja detenção e acusação sempre foi a sua prioridade), mas também da génese de vários grupos neonazis que ameaçavam comunidades judaicas na Europa. Também denunciou uma série de cientistas alemães que trabalhavam no programa militar do Egito.

Fonte: Público20(Portugal)
http://jornal.publico.pt/noticia/04-09-2010/nova-biografia-revela-que-simon-wiesenthal-trabalhava-para-a-agencia-israelita-mossad-20141267.htm

domingo, 2 de maio de 2010

Inteligência alemã pode divulgar informações sobre Adolf Eichmann

BERLIM, Alemanha — Um tribunal alemão anunciou nesta sexta-feira a disposição de tornar públicas as informações do serviço de inteligência sobre Adolf Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial.

A decisão do tribunal administrativo federal de Leipzig foi tomada depois de um pedido de um jornalista residente na Argentina que deseja consultar as 3.400 páginas dos arquivos do BND (o serviço alemão de inteligência). Os documentos, que datam dos anos 50 e 60, estão relacionados com Eichmann, considerado um dos organizadores do genocídio dos judeus pelo regime nazista.

O tribunal julgou obsoletos os argumentos apresentados até agora pela chancelaria, à qual o BND está subordinado, para manter os arquivos fechados.

Segundo o tribunal, os fatos são muito antigos para causar algum prejuízo à política alemã no Oriente Médio ou à colaboração dos serviços de inteligência alemãos com o de outros países.

No entanto, autorizou à chancelaria fornecer novos argumentos, se assim o desejar.

Adolf Eichmann, um tenente-coronel da SS, foi brevemente detido pelos americanos ao final da Segunda Guerra Mundial, mas conseguiu escapar e viver na Alemanha de maneira clandestina durante vários anos. Em 1950 refugiou-se - com um nome falso - na Argentina, até que os serviços de inteligência israelenses o encontraram e capturaram.

Foi julgado em Israel, tendo sido condenado à morte por enforcamento, em 1962.

Fonte: AFP
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5ghEorsZWidNHqam_xzTiTS8NYP3w

domingo, 7 de março de 2010

1961: Julgamento de Adolf Eichmann

Calendário Histórico
1961: Julgamento de Adolf Eichmann

(Foto) Sequestrado pelo serviço secreto de Israel na Argentina, onde vivia sob nome falso, Eichmann foi condenado à morte

No dia 11 de abril de 1961, iniciou-se em Jerusalém o julgamento de Adolf Eichmann, responsável pela deportação de centenas de milhares de judeus para campos de concentração.

O prédio do tribunal em Jerusalém parecia uma fortaleza. Centenas de policiais controlavam as saídas. Especialmente para os 500 jornalistas que faziam a cobertura do julgamento, foi montada uma sala com telégrafos e telefones. Protegido por vidros blindados, o réu insistiu o tempo todo em sua inocência.

O julgamento de Adolf Eichmann, chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler, foi o segundo maior julgamento de nazistas depois do processo de Nurembergue, que aconteceu logo em seguida à Segunda Guerra Mundial. A condenação de Eichmann foi baseada no depoimento de mais de 100 testemunhas, em duas mil provas e 3.500 páginas do protocolo da polícia israelense.

O mundo esperava ver um monstro, um anti-semita brutal, um nazista fanático. O réu, por sua vez, passou a imagem de um burocrata que teria apenas assinado documentos. Os peritos lhe atestaram a condição de subalterno de pouca iniciativa própria e sem senso de responsabilidade. Após o julgamento, que foi transmitido pela televisão, intelectuais chegaram a se confessar chocados com o fato de Eichmann não ter sido um seguidor fanático de Hitler.

Ele insistia que apenas cumpriu ordens e jamais preocupou-se em questioná-las. Apenas um exemplo: em março de 1944, Eichmann foi mandado à Hungria, onde organizou a deportação de 800 mil judeus. Em menos de dois meses, 147 trens com 434 mil pessoas para as câmaras de gás de Auschwitz.

Execuções "desumanas" para os carrascos

Da mesma forma como colaborou com o regime nazista, ele cooperou com a polícia e a Justiça de Israel, mas nunca demonstrou qualquer forma de arrependimento. A partir de sua escrivaninha, havia coordenado a perseguição, o roubo e a deportação de milhares de judeus, marcados para morrer nos campos de concentração. Eichmann conhecia o destino dos prisioneiros. Assistiu às execuções em massa a tiros e nas câmaras de gás e chegou a considerá-las "desumanas", não para as vítimas, e sim para os carrascos.

Eichmann foi preso por soldados norte-americanos em 1945 e não revelou sua identidade. Um ano depois, conseguiu fugir com outros presos e começou a trabalhar no norte da Alemanha como lenhador, sob nome falso. Em 1950, fez contato com a Odessa, uma organização secreta de ex-oficiais da SS, que o ajudou a fugir. Na Itália, teve o apoio de um padre franciscano que conhecia sua identidade e lhe providenciou documentos falsos.

Sequestro e transporte para Israel

Com o nome de Ricardo Klement, ele emigrou para a Argentina e mais tarde também transferiu para lá mulher e filhos. O serviço secreto israelense Mossad o descobriu e o sequestrou em 1960. Depois de passar 11 dias amarrado a uma cama, foi obrigado a assinar um documento em que aceitou seu julgamento num tribunal israelense.

O Mossad teve sorte, pois talvez não tivesse conseguido retirar o prisioneiro clandestinamente da Argentina, caso a esposa de Eichmann tivesse registrado queixa na polícia em Buenos Aires. Para isso, ela teria que revelar a verdadeira identidade da família. O que, por outro lado, poderia ter poupado a vida de Eichmann, se fosse julgado por seus crimes nazistas na Alemanha, onde não existe pena de morte.

Enquanto aguardava o julgamento, escreveu suas memórias, nas quais insiste em sua condição de mero cumpridor de ordens superiores durante a Segunda Guerra Mundial. O julgamento de Eichmann durou um ano e terminou com sua condenação à morte. A execução aconteceu pouco antes da meia-noite de 31 de maio de 1962.

Rachel Gessat (rw)

Fonte: Deutsche Welle
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,785685,00.html

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