Seleção e tradução do alemão de
Ana María Cartolano.
Entre as crianças que depois do longo exílio em Xangai regressaram a Alemanha em 1947, a bordo do Marine Lynx, estava Sonja Mühlberger. Havia vindo ao mundo em 26 de outubro de 1939 em Xangai, onde seus pais haviam fugido em fins de março desse mesmo
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"Em princípio vivíamos da comida do asilo, nem muito boa nem muito substanciosa. Mas ao menos uma vez ao dia havia algo para comer, graças ao auxílio de organizações de ajuda judaico-norte-americanas e de algumas famílias influentes. Por exemplo para mim, que era muito pequena, me colocaram num jardim de infância, construído pela família Sassoon(1) para filhos de emigrados, porque minha mãe havia conseguido trabalho como ajudante de modista. Seu salário era a comida diária. Para mim, que era uma criança, tudo isto não pesava tanto como para meus pais. Como eu me alimentava mal não sentia a fome que com frequência eles deviam sofrer. Mais tarde meu pai, como alguns outros emigrados, começaram a trabalhar como vendedor de ovos
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Também usava essa bicicleta para repartir os ovos, e frequentemente, para abastecer seus clientes, tinha de subir muitas escadarias com canastros pesados. E com essa mesma bicicleta me levava ao jardim de infância, mais tarde até a escola, e ía me buscar na saída.
(...) Durante dois anos freqüentei a escola Kadoorie, era um curso exclusivamente de garotas no qual também havia três garotas chinesas. A língua que se falava em classe era o inglês. Tínhamos que falar em inglês também nos recreios, mas quando estávamos suficientemente longe das professoras, falávamos em alemão entre nós.
Muitas vezes minha mãe lía para mim contos de fadas alemães de um livro que não sei de onde tirou. Quando uma vez perguntei o que era um bosque ela me disse que eu devia imaginar uma árvore, e depois outra, e assim sucessivamente, e que isso era um bosque. Só depois da abertura do gueto pudemos visitar o Parque Jessfield onde havia mais árvores, e eram maiores, que no pequeno Waysidepark(parque) situado nas proximidades do edifício onde vivíamos.
A princípio tive poucos brinquedos, e a falta deles desenhava roupas para bonecas de papel. Uma vez havíamos ido ver um médico, e na sala de espera pude folhear algumas revistas de moda que me interessaram, assim que eu mesmo comecei a fazer esboços de
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(...) Vivíamos num lugar onde havia uma encruzilhada. à esquerda da casa havia um terreno cheio de escombros, à direita uma casa onde também viviam emigrados; em frente a nossa casa, na esquina, diante do muro da fábrica de cigarros, pela manhã costumavam aparecer várias embalagens colocadas em fila, uma junto a outro.
Quando me levantava e me debruçava à sacada, com frequência ouvia um choramingo. Um dia minha mãe me disse que nos vultos haviam bebês, em sua maioria garotas, que eram abandonados ali durante a noite.
Muitas vezes roguei a mais pais que recolhessem uma daquelas crianças, porque não
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(...) Teve uma experiência muito ruim antes de nossa partida partida à Alemanha.
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Integramos o grupo dos que voltaram com o primeiro transporte que levou de regresso a sua pátria a alemães e austríacos. Nosso barco, o transporte de tropas norte-americano Marine Lynx, zarpou de Xangai em 25 de julho de 1947 e chegou a Nápoles em 16 de agosto. Desde ali, os 295 alemães entre os quais meu irmão Peter, com seus dois anos, era o mais jovem, necessitaram ainda de uma semana num trem de carga, até que em 21 de agosto de 1947 entraram na Görlitzer Bahnhof de Berlim. Os homens haviam estendido cordas ante as portas dos vagões, para que nós, as crianças, não pudéssemos cair. Quando o trem parava, nosso amigo Alfred Zacharias, corria a zelar
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Um par de dias depois de nossa chegada, seguindo o desejo de meus pais, viví a experiência de um primeiro dia de classe na escola alemã; apesar de ter frequentado durante dois anos a escola de Xangai, fui inscrita no primeiro grau da escola primária. Durante um tempo, para festejo de meus companheiros, respondi em inglês aos mestres que me interrogavam. Mais tarde também pude fazê-lo em alemão."
Extraído de Leben im Wartesaal. "Exil in Shanghai"(Exílio em Xangai). 1938-1947.
Jüdische Museum im Stadtmuseum Berlin. Berlin: 1997.
Notas
1. A família dos Sassoon era uma família judia de tradição sefardita, estabelecida em Xangai desde o século XIX, que se encontrava entre as dos mais ricos comerciantes da Ásia. Junto aos Sassoon, Kadoorie, Hardoon, que todavia hoje têm importância na Ásia, as famílias Ezra, Shamoon, Baroukh, Toeg, Abraham, Haim e Hillali representavam as personalidades mais cultas da sociedade internacional de Xangai.
Na foto recente(logo acima), Sonja é a primeira da direita para esquerda.
Ver mais fotos no site: http://www.rickshaw.org/childhood.htm
Fonte: Fundación Memoria del Holocausto (Argentina)
http://fmh.org.ar/revista/17/recuer.htm
Texto em espanhol: Ana María Cartolano
Tradução: Roberto Lucena