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quarta-feira, 26 de março de 2008

A História do "revisionismo" do Holocausto - Parte 3

3. Revisão Editora e discurso Anti-semita

Em sua obra inicial, Ellwanger defende a tese de que os verdadeiros culpados, interessados e causadores da 2ª Guerra Mundial foram os judeus, a partir de ações advindas de um governo mundial secreto. Dessa forma, a partir do momento que se coloca o judaísmo como causador da guerra, toda a ação do governo nacional-socialista – inclusive a perseguição sistemática a estes - configurar-se-ia, portanto, como uma legítima reação.

Ellwanger apresenta como prova de tal argumento uma suposta declaração de guerra dos judeus aos alemães. Tal prova, porém, trata-se de um recorte da matéria “A Judéia declara guerra à Alemanha”, publicada no jornal inglês “Daily Express”, famoso por seu caráter sensacionalista. O texto apresenta as reações de judeus norte-americanos e ingleses frente às perseguições anti-semitas ocorridas na Alemanha. Como forma de pressionar o governo alemão ou mesmo chamar a atenção da opinião pública dos países em questão, chegou-se a propor um boicote aos produtos alemães. Porém, a forma como foi usada a expressão “declara guerra” passa longe de uma real declaração de guerra (do ponto de vista bélico e político) dos judeus ao povo e ao governo alemão.

A expressão “declara guerra” trata-se de um artifício usado constantemente na mídia em geral, principalmente em jornais. Como exemplo, vale lembrar as inúmeras “declarações de guerra” do governo brasileiro aos altos juros e a inflação durante as seguidas crises econômicas nacionais. Porém, a forma apresentada por Ellwanger não leva em consideração nenhuma destas implicações, de suma importância. Retira-se todo o contexto em que a matéria foi escrita, o momento político e econômico, além de não mencionar que já estava em prática parte da política anti-semita do governo nacional-socialista, como o boicote aos estabelecimentos comerciais judaicos e banimento destes do serviço público e civil.

Além de tudo, tal “declaração” data de março de 1933, ano em que Hitler assumiu o cargo de chanceler na Alemanha, anos antes do início da 2ª Guerra Mundial. O que se vê no argumento de Ellwanger é uma total distorção desta matéria. Uma simples manchete, proveniente de um tablóide, transformou-se numa “autêntica” declaração de Guerra.

Atos explícitos de racismo e preconceito como a “Noite dos Cristais”, (em que milhares de alemães, comandados e incitados por oficiais nazistas saem às ruas para depredar e incendiar estabelecimentos comerciais de propriedade de judeus e sinagogas), são tratados pelo autor como manifestações legítimas de indignação e reação a uma latente escravização do povo alemão pela maquiavélica comunidade judaica.

Para Ellwanger o que provocava a revolta no povo alemão devia-se muito aos resultados da 1ª Guerra Mundial. Isto não é nenhuma novidade para qualquer pessoa interessada no fenômeno nacional-socialista alemão. Um dos maiores motivos de ascensão do nazismo e sua aceitabilidade popular foram justamente os preconceitos e as feridas que ainda estavam abertas no povo alemão, muitas delas provenientes do Tratado de Versalhes, onde segundo os nazistas, o Império Germânico tinha sido covardemente roubado e humilhado. Tal argumento é bastante usado por Ellwanger, que adiciona ainda o que ele chama de espoliação pós-2ª Guerra, causada pelo “Holoconto”.

A situação precária em que se encontrava a Alemanha pós-1ª Guerra era causada, em grande parte, pelo que Ellwanger (e diversas outras categorias de anti-semitas) chama de “judaísmo internacional”. É o velho preconceito anti-semita que cria o mito de dominação mundial dos judeus, dominação essa que se daria via conspiração política, econômica e cultural. Além da própria suposta dominação judaica, contava muito o fato dos judeus “não se misturarem” aos alemães.

Segundo Ellwanger, o que se via na Alemanha pré-nazista era a maioria esmagadora da população alemã subjugada por uma minúscula parcela de judeus, praticamente uma ordem escravocrata. Além de controlar a mídia e os bancos alemães e europeus (afinal de contas, o problema eram os judeus como um todo, não apenas os que viviam na Alemanha), esses judeus não eram verdadeiramente alemães, pois viviam isolados em comunidades, casando-se só entre eles e empregando e beneficiando-se mutuamente, de maneira excludente ao povo alemão, o real necessitado. Coloca-se então, o judeu (ou “judaísmo internacional”) como um ser alienígena dentro de uma sociedade, um câncer social a ser execrado. Dessa maneira, vivendo à parte da sociedade, os judeus conseguiam praticar todas suas ações de dominação e manipulação mundial, em que o “mito” do Holocausto seria uma dentre tantas outras.

Além de “Holocausto: Judeu ou Alemão?”, Ellwanger publicou outros títulos com o mesmo teor editorial negacionista e anti-semita. Em “S.O.S para Alemanha – Separada, Ocupada, Submissa”, ele analisa as reações contrárias a seu livro inicial, além de apresentar supostas provas da existência de um complô que visa manter a mentira do Holocausto, complô este a cargo do governo secreto judaico.

Ellwanger é a figura principal da Revisão Editora, porém Sergio Oliveira também tem alguns títulos lançados, onde o discurso preconceituoso contra os judeus é igualmente perpetuado. Em “Sionismo x Revisionismo – Fantasia x Realidade”, Oliveira busca traçar um paralelo entre o desenvolvimento da disciplina historiográfica e o surgimento do “revisionismo” do Holocausto. Diferentemente de Ellwanger, Sérgio Oliveira aparenta ter uma maior preocupação em soar acadêmico e legitimar seu discurso com uma pseudo-metodologia. Porém, esta pretensão não consegue esconder um velado discurso anti-semita.

Em “Hitler – Culpado ou inocente?”, Oliveira nega a existência das Câmaras de Gás, e ainda que grande parte das mortes judaicas ocorridas no período durante a 2ª Guerra Mundial foram obras dos próprios judeus. Essas mortes seriam apenas mais uma das artimanhas do suposto governo judaico mundial secreto de conseguir o seu ideal maior: a criação do Estado de Israel. Oliveira compartilha ainda da idéia de Ellwanger que afirma que os “verdadeiros” causadores da 2ª Guerra Mundial foram os judeus. Na conclusão de seu livro, afirma que as mortes de judeus na guerra não ultrapassaram a cifra de 500 ou 600 mil pessoas e reafirma a tese de que os judeus foram os reais vilões da história:

“Em primeiro lugar, é preciso compreender que essas mortes ocorreram numa situação muito especial: os judeus estavam em guerra contra a Alemanha (grifo nosso) nacional-socialista, seja através de ações concretas de sabotagem ao esforço de guerra alemão ou empreendimentos de guerrilhas, seja por meio de uma ação sub-reptícia dos agentes sionistas infiltrados nos governos inimigos da Alemanha [...] Estando em guerra, os judeus haveriam de apresentar sua quota de sacrifício em vidas humanas, como de resto ocorreu com todos os beligerantes que tomaram parte do conflito.” (Oliveira, 1989, p. 135)

Tanto na obra de Siegfried Ellwanger, quanto de Sérgio Oliveira, o discurso negacionista referente às Câmaras de Gás faz relação ao já citado “Relatório Leuchter”. Ellwanger inclusive publicou um livro em que apresenta este relatório, sob o título de “Acabou o Gás!... O Fim de Um Mito - O Relatório Leuchter”. Dentre todos os títulos negacionistas distribuídos e publicados pela Revisão Editora, “Holocausto: Judeu ou Alemão?” é o que contêm mais edições (cerca de 30 edições, de acordo com dados da própria editora) e vendagens (Equipe de reportagem do RS, 1991, p.82), além de ser constantemente elogiado como uma das mais completas obras negacionistas existentes, afirmação logicamente provinda dos próprios negacionistas.

Fonte: Revista eletrônica 'Literatura e Autoritarismo(Dominação e Exclusão Social)
Autor: Odilon Caldeira Neto

segunda-feira, 24 de março de 2008

A História do "revisionismo" do Holocausto - Parte 1

NEGACIONISMO E ANTI-SEMITISMO NOS TEXTOS DA REVISÃO EDITORA

Resumo: Este trabalho tem por objetivo abordar a chegada do Negacionismo (“Revisionismo” do Holocausto) no Brasil, a partir da fundação da Revisão Editora, assim como as estratégias usadas pelos autores desta editora para negar o Holocausto ocorrido durante a 2ª Guerra Mundial, utilizando alto teor anti-semita em suas argumentações.

1. Introdução

O constante desenvolvimento do campo historiográfico, aliado ao surgimento de novos métodos e teorias, além do auxílio interdisciplinar faz com que a História2 seja palco de debates internos e externos, um contínuo conflito de interpretações.

De acordo com Adam Schaff (1991, p.227), essa constante, antes de negar o terreno objetivo da história, pelo contrário, a confirma. O ato de reescrever e repensar a história é fruto deste desenvolvimento, quebra de paradigmas ou mesmo de “modas” acadêmicas.

O termo Revisionismo Histórico é presença constante dentro deste processo. Abordar um determinado objeto sob uma diferente ótica ou metodologia, normalmente acaba por gerar diferentes compreensões sobre temas e fatos. Dois pesquisadores, ao estudar um mesmo objeto, utilizando-se neste estudo de semelhante arcabouço teórico, certamente acabariam por chegar a conclusões e indagações divergentes em determinados pontos. O ato de reescrever continuamente a história está repleto de exemplos deste tipo, compreensões sobre determinadas épocas estão ligadas diretamente ao mundo atual em que vive o pesquisador, por isso que toda história acaba por se tornar uma história do tempo presente, é função do historiador (e não somente do historiador, assim como de diversas outras áreas do saber) problematizar o passado, a memória, as compreensões e os fatos sob a luz de seu tempo, para buscar soluções e/ou caminhos possíveis.

Voltando ao Revisionismo Histórico, pode-se lembrar da revisão de alguns mitos, visões e conceitos perdurados durantes anos na sociedade e na própria historiografia. Tomamos por exemplo o mito da democracia racial brasileira, segundo o qual no país inexistiriam conflitos de cunho étnico. Teoria padrão em estudos historiográficos e sociológicos durante anos, esta idéia foi objeto de uma série de debates, por pensadores como Emília Viotti da Costa, Sergio Buarque de Holanda, dentre outros.

Com a derrubada do mito da democracia racial brasileira, novas perspectivas de estudos surgiram, assim como a busca de soluções (no âmbito político, inclusive) para problemas da sociedade contemporânea. Indício disto é o caráter atual das discussões sobre implantação ou não de cotas para afro-descendentes em concursos públicos como o vestibular, ou mesmo do ensino obrigatório da história e da cultura afro-brasileira nos Ensinos Fundamental e Médio (Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003).

O Revisionismo Histórico do mito da democracia racial nos leva a observar as mudanças que determinadas visões sobre o passado acarretam sobre o cotidiano. O Revisionismo Histórico configura-se, deste modo, como um fruto deste constante desenvolvimento historiográfico, capaz de indagar não apenas conceitos metodológicos da História e disciplinas afins, mas também de compreensões sobre os mais variados objetos e fatos.

Fonte: Revista eletrônica 'Literatura e Autoritarismo(Dominação e Exclusão Social)
Autor: Odilon Caldeira Neto

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