Eu sempre disse que um dia iria fazer um post sobre esse livro e acabava deixando pra depois, como eu ia fazer um comentário sobre preconceito regional (mais precisamente do que eu penso sobre isso) achei melhor fazer primeiro o post desse livro porque ele deixa bem claro o que eu penso sobre regiões e Brasil. Essas divisões regionais atuais do Brasil são mitificações/divisões oriundas do Estado Novo varguista, basicamente, mas o livro mencionado no título do post detalha de forma mais precisa (e como isso foi conduzido propositalmente) a construção dessas divisões regionais que afetam o país hoje pois a mídia brasileira depois da redemocratização do Brasil em 1985 faz questão de reforçar essas divisões e não atenuar.
Este livro "A invenção do Nordeste", do autor Durval Munis de Albuquerque Jr (se não me engano, potiguar), que mal vejo ser citado no país (mas sai tudo quanto é porcaria como "bestseller" na mídia), é essencial pra entender o Brasil atual e como essa divisão regional criada na Era Vargas vem afetando negativamente o intercâmbio estadual que sempre existiu no país, desde os tempos em que o Brasil ainda era colônia portuguesa. Esse comentário aqui é uma interpretação minha, não sei se o autor concorda, mas é como vejo a atuação política desta divisão que eu considero artificial. "Ah, mas toda tradição é criada, artificial", sim, mas tradições podem surgir de culturas existentes ou ser simplesmente forjadas pra algum propósito, no caso a criação do "Nordeste" serviu aos interesses do estado autoritário de Vargas e à maioria dos governos posteriores a ele.
Resumo do livro: (FGV-CPDOC)
A invenção do nordeste
Matéria do JC: A invenção do Nordeste; por Isabel Guillen
http://www2.uol.com.br/JC/_2000/0409/cu0409e.htm
Links pro livro ou partes dele:
III. “A invenção do Nordeste”. 3.1. O conceito de região: da Geografia ao discurso
Foto da capa tirada do link do Skoob:
http://www.skoob.com.br/livro/15933-a_invencao_do_nordeste_e_outras_artes
Tem mais de um PDF se procurarem no site acima. Depois vejo se consigo colocar o resto.
Quem quiser entender o Brasil só por coisas como "ó, São Paulo a locomotiva do Brasil" ou "Brasil, meu Brasil brasileiro" reduzindo o Brasil a mitificação criada em cima do Rio, não vai entender nada, ou só uma parte do todo, e uma parte muito pequena em relação ao conjunto da obra chamada Brasil (514 anos de História). Por sinal, esse é um dos motivos da crise de identidade que existe em alguns estados do país, o não saber como tais cidades e Estados foram formados e um certo discurso fascistoide que endeusa a formação desses estados em detrimento dos núcleos mais antigos de população do Brasil.
Intuitivamente eu sempre soube que essa região que chamam por "Nordeste" é uma formação forçada, nunca foi homogênea, não existe um sotaque regional ou uma identidade regional já que vários estados possuem sua própria identidade e sotaques. Tampouco existe uma bandeira regional ou hino regional, a não ser o que a mídia de dois estados do país "forçam" a ser. O sotaque baiano não é igual ao pernambucano (que tem mais de um), que não é igual ao sotaque cearense e assim por diante. Cada estado tem sua bandeira e seus simbolismos, e hino também (link1, link2, link3). Justamente pelo forte fator identitário de Pernambuco essas contradições entre essa identidade regional forjada no Estado Novo (apropriando-se de coisas do Estado e disseminando que isso é algo "de todos") e uma identidade com praticamente meio milênio de História, fica fácil de sacar de cara o que é ou não forjado e imposto de fora.
Resumidamente, o livro fala da construção literária e ideológica que formou a ideia em torno do que muita gente no Brasil vê como "Nordeste brasileiro" e "nordestinos", o livro fala do quanto isso é mitificação e construção, criada na ditadura Vargas, pra justificar a "diferença" de regiões ou valorizar umas e largar a própria sorte outras, principalmente a área do país onde o próprio Brasil surgiu como país e nação. Inclusive com participação de gente da região reforçando essa ideia de "seca", "retirante" etc, o que é uma distorção pesada da História do Brasil.
É sempre bizarro ver alguém querendo falar de Pernambuco citando Lampião (por conta do cinema) do que Frei Caneca, Nassau ou Joaquim Nabuco que tiveram muito mais relevância pro Estado (e pro Brasil) do que um mero bandoleiro. É duplamente irônico ver a reverência que tratam do período Holandês em Pernambuco pelo complexo de vira-latas (au au) de alguns estados do país, com crenças ridículas (que eu já ouvi e li gente dizer, mas não salvei o link, é algo bizarro e sem fundamento algum) de que os loiros do Estado são descendentes de holandeses e quando retratam este mesmo estado (e região) no século XX, mudam pra imagem de Lampião, coronéis etc.
O autor do livro é potiguar, mas por motivos óbvios irei falar mais do meu estado, primeiro por conhecer mais e saber dessas peculiaridades, também por saber das rixas históricas entre estados da região e por saber da manipulação que a grande mídia do país reproduz o tempo todo sobre essas identidades regionais e com os estados do país. Gente preconceituosa falando sobre isso em TV é uma desgraça total. Também por saber da relutância e rejeição pernambucana a essa imposição cultural televisiva de outros estados do país. Por exemplo, a grande mídia, por prepotência (e burrice) omite o nome dos estados da região os citando como "bloco", o que pra quem sabe dessas diferenças sempre soa como estupidez ou cretinice, e que como ficará demonstrado neste post, essa postura é uma repetição das crenças e mitificações fascistoides criadas no Estado Novo varguista.
O mal do brasileiro (generalizando) é ignorar profundamente a História do país. Digo isso porque o que vejo de gente chorona (reclamando de tudo) na internet quando fala de política, com comentários totalmente alienados e idiotas, é vergonhoso.
Este post é um comentário em cima da ideia do livro, que pra muita gente poderá soar como uma "revelação" pois a maioria é criada ouvindo que o Brasil atual é esta divisão regional ridícula da Era Vargas e das generalizações cretinas que a mídia hegemônica do país (que se situa atualmente nas cidades do Rio e de São Paulo) reproduzem o tempo todo sobre isso, reforçando estereótipos reais ou não e essa ideia de divisão regional como se o Brasil não tivesse uma origem comum e omitindo a formação dessas cidades populosas (hoje) do país, que nem sempre foram politicamente relevantes na História do Brasil (a maior parte da História do Brasil foi vivida e passada nos estados mais antigos do país e não nos mais populosos atuais). Existe uma falta de reflexão clara da maior parte da população do país, que é criada pra aceitar verdades impostas e não ter uma mente aberta pra, por exemplo, entender sem choque que o Brasil que elas concebem não passa de uma criação varguista. Que o Brasil é o país dos bairrismos e não um país "unido" como muita gente apregoa. Que o Brasil já esteve a ponto de se fragmentar e por conta de um português autoritário isso não ocorreu. Se isso foi bom? Pra alguns certamente não foi (principalmente pernambucanos que tiveram seu estado mutilado, único corte de estado do país por castigo e retaliação política).
Daí a razão de haver um certo ressentimento por parte de uns quando a gente cita isto, que não é uma diminuição do papel das outras cidades do país, mas sim uma visualização da História do Brasil como um todo e não um recorte a partir da ascensão de Rio de Janeiro e São Paulo no século XIX. Até chegarmos ao século XIX houve mais de três séculos de lutas e conflitos no Brasil, que nem sequer era um território unido, que definiram o que hoje todo mundo entende como o Brasil. O Brasil não começa com a vinda (fuga dos fujões de Lisboa) da Família Real Portuguesa em 1808, correndo do cerco de Napoleão a Portugal e sim em 1500 mesmo ou antes.
O próprio crescimento dessas cidades se deveu a dois fatores: a vinda pesada de imigrantes europeus no século XIX e começo do século XX e o grande êxodo das outras regiões do país e da antiga capital (Salvador) pra esses centros, pegando quase toda classe média e intelectuais do que hoje é conhecido como "Nordeste".
A você de outro estado e região que vive malhando o que entende por "Nordeste" sem nem saber como o país foi formado, ou sente vergonha disso (por ser imbecil mesmo), se você tiver sobrenome português, as chances de você ter raízes nesses estados que citei é muito, mas muito grande e não foi pouca gente que migrou mesmo antes do êxodo do século XX que é mais conhecido (como retirantes etc), mas fazem questão de apagar esses fatos, ou omitir ou simplesmente diminuir a importância deles pra mitificar a ideia de estados formados por "italianos" etc mesmo falando português e tendo vários bairros com nomes indígenas.
O Brasil atual não existia até 1879 do século XIX quando São Paulo ascende como metrópole (até então era menor que Teresina no Piauí, dados do livro A Economia Brasileira, de Werner Baer) com a produção de café (o ciclo) e a industrialização que ocorre por isso. O resultado deste processo de mudança e migração interna é o que vocês veem hoje em dia.
Os centros políticos, econômicos e militar do Brasil por 308 anos ou mais foram Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. O Rio Grande do Sul sempre foi muito isolado e passou a ter relevância política no país também no século XIX com as lutas contra a coroa e a imigração e colonização maior dos estados da região Sul. Há outro núcleo também antigo e forte que fica no estado do Pará, não menos relevante. Mas os maiores centros urbanos eram Salvador (principalmente, capital do Brasil por mais de três séculos), Recife e o interior de Minas (Ouro Preto etc).
A maioria dos brasileiros antigos do país, principalmente os que têm sobrenomes portugueses (a maioria da população), são descendentes desses centros urbanos que citei acima. O intercâmbio (migração interna) no Brasil sempre foi intenso, em toda a história do país.
Se eu por acaso esquecer de citar algum estado, não foi proposital, nem sempre dá pra lembrar tudo.
E a quem quiser duvidar que esta divisão regional é algo recente na História do país, como eu citei no post, pois se trata de uma criação/herança da Era Vargas (Estado Novo) e uma mitificação ridícula, inclusive bancada nos estados da atual região Nordeste por ignorância de parte da população, façam o seguinte teste: procurem o termo "Nordeste" e "nordestino" em livros de literatura antigos do Brasil e de Portugal. Se você encontrar o termo me avise aqui.
Dificilmente alguém encontrará pois o Brasil era dividido por Portugal por séculos em Norte e Sul apenas, sem qualquer conotação ideológica atual, o Brasil era território português e só, por isso que até hoje existem os termos sulista e nortista pra apontar regiões, mesmo com esses termos novos como "nordestino".
Sugestão de livro: O Norte Agrário e o Império (1871 - 1889)
De Evaldo Cabral de Mello (talvez o historiador brasileiro vivo mais importante do país).
Nem no Sertão de Euclides da Cunha existe a palavra "nordestino" e sim sertanejo. O termo "nordeste" que se encontra no livro é referente a ponto cardeal e área dentro da área maior em que ele se encontra, não tem ligação com o que se conhece hoje como "Nordeste" (região), só pra ilustrar a mitificação e falsificação fascistoide que criaram em torno das regiões do país. Cito esse autor porque é talvez o mais conhecido ao retratar o sertão do Brasil, que abrange o semiárido do país uma região que vai até o Norte de Minas Gerais atravessando vários estados.
Fico por aqui na apresentação do livro, mas farei ainda um post sobre preconceito regional e o que penso disso pois não comungo da ideologia de vitimismo/coitadismo que muita gente da região vive manifestando e enaltecendo, como se fosse virtude quando não é.
Eu mesmo acho que equiparar preconceito regional ao racismo (que é manifestado em sua maioria contra negros no Brasil, inclusive na região Nordeste com histórico escravagista pesado) um absurdo total. Quem comunga com isso, aceita passivamente a ideia que a mídia e pessoas ignorantes ou preconceituosas passam que gente de tal região é "inferior" e precisam de leis pra preservar sua integridade moral e física quando deveriam se impor e bater de frente com quem manifesta isso.
E nessa questão do preconceito pesa bastante e entra o fator Pernambuco no meio, que não quero frisar aqui pra não parecer que estou tentando ressaltar isso por bairrismo, mas como a mídia nunca ou quase nunca menciona essas particularidades, eu prefiro eu mesmo comentar que ouvir um paspalho de outro estado falar besteira sobre o que não conhece.
Mas o fator existe e é real, sempre foi. Resumidamente, já que citei o fato e não diminuindo o peso dos outros estados da região: a rejeição a essas imposições culturais e identitárias de governos autoritários sempre foi mais forte e pesada em Pernambuco, até pelo peso cultural, das ideias libertárias das revoluções do Estado e do envolvimento em revoltas em toda a história do Brasil. Sempre quiseram destruir a identidade cultural pernambucana por representar uma ameaça ao status quo de algumas elites e da Monarquia luso-brasileira que combatia toda e qualquer revolta por soberania (independência) do Brasil.
Quem quiser ler algo sobre os conflitos do século XIX que forjaram o Brasil e a forçaram a independência do país, destacando as relações de Minas, Bahia e Pernambuco nisto, ler o PDF:
Pernambuco, 1817, “encruzilhada de desencontros” do Império luso-brasileiro. Notas sobre as idéias de pátria, país e nação
Luiz Carlos Villalta*; 1817, DO REINO UNIDO A PERNAMBUCO, DO RIO AO RECIFE
Por isso não deixa de ser engraçado que comemorem a independência do país "declarada" por um português (um estrangeiro) e não se escolha uma revolta popular brasileira no lugar disso, o que é de fato correto. O 7 de setembro é mais outra distorção histórica cultuada no Brasil até hoje como "verdade" inconteste, fruto da imposição historiográfica do Rio com o Brasil (por ter sido a sede da Coroa Portuguesa no Brasil, moldou esses mitos). A independência de fato do Brasil de Portugal (quando há uma ruptura real) foi na Proclamação da República em 1889, onde se constituiu o primeiro governo brasileiro de fato e não o resquício do ex-dominador português sob mando de Pedro II, herdeiro de Pedro I.
Por isso também tenho aversão a essa ideia de Monarquia que ainda alguns delirantes no Brasil ficam defendendo sem nem entender as causas da rejeição à mesma. Como podem ver, essa imposição de identidade no Brasil é algo nocivo pois não respeita a pluralidade de manifestações culturais locais do país que é a grande riqueza cultural de fato do país. Essa imposição autoritária de sotaque e cultura é muito, mas muito chata, principalmente num país continente.
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
A Invenção do Nordeste (livro). Pra entender o Brasil atual e suas divisões artificiais criadas na Era Vargas
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