Eu sempre disse que um dia iria fazer um post sobre esse livro e acabava deixando pra depois, como eu ia fazer um comentário sobre preconceito regional (mais precisamente do que eu penso sobre isso) achei melhor fazer primeiro o post desse livro porque ele deixa bem claro o que eu penso sobre regiões e Brasil. Essas divisões regionais atuais do Brasil são mitificações/divisões oriundas do Estado Novo varguista, basicamente, mas o livro mencionado no título do post detalha de forma mais precisa (e como isso foi conduzido propositalmente) a construção dessas divisões regionais que afetam o país hoje pois a mídia brasileira depois da redemocratização do Brasil em 1985 faz questão de reforçar essas divisões e não atenuar.
Este livro "A invenção do Nordeste", do autor Durval Munis de Albuquerque Jr (se não me engano, potiguar), que mal vejo ser citado no país (mas sai tudo quanto é porcaria como "bestseller" na mídia), é essencial pra entender o Brasil atual e como essa divisão regional criada na Era Vargas vem afetando negativamente o intercâmbio estadual que sempre existiu no país, desde os tempos em que o Brasil ainda era colônia portuguesa. Esse comentário aqui é uma interpretação minha, não sei se o autor concorda, mas é como vejo a atuação política desta divisão que eu considero artificial. "Ah, mas toda tradição é criada, artificial", sim, mas tradições podem surgir de culturas existentes ou ser simplesmente forjadas pra algum propósito, no caso a criação do "Nordeste" serviu aos interesses do estado autoritário de Vargas e à maioria dos governos posteriores a ele.
Resumo do livro: (FGV-CPDOC)
A invenção do nordeste
Matéria do JC: A invenção do Nordeste; por Isabel Guillen
http://www2.uol.com.br/JC/_2000/0409/cu0409e.htm
Links pro livro ou partes dele:
III. “A invenção do Nordeste”. 3.1. O conceito de região: da Geografia ao discurso
Foto da capa tirada do link do Skoob:
http://www.skoob.com.br/livro/15933-a_invencao_do_nordeste_e_outras_artes
Tem mais de um PDF se procurarem no site acima. Depois vejo se consigo colocar o resto.
Quem quiser entender o Brasil só por coisas como "ó, São Paulo a locomotiva do Brasil" ou "Brasil, meu Brasil brasileiro" reduzindo o Brasil a mitificação criada em cima do Rio, não vai entender nada, ou só uma parte do todo, e uma parte muito pequena em relação ao conjunto da obra chamada Brasil (514 anos de História). Por sinal, esse é um dos motivos da crise de identidade que existe em alguns estados do país, o não saber como tais cidades e Estados foram formados e um certo discurso fascistoide que endeusa a formação desses estados em detrimento dos núcleos mais antigos de população do Brasil.
Intuitivamente eu sempre soube que essa região que chamam por "Nordeste" é uma formação forçada, nunca foi homogênea, não existe um sotaque regional ou uma identidade regional já que vários estados possuem sua própria identidade e sotaques. Tampouco existe uma bandeira regional ou hino regional, a não ser o que a mídia de dois estados do país "forçam" a ser. O sotaque baiano não é igual ao pernambucano (que tem mais de um), que não é igual ao sotaque cearense e assim por diante. Cada estado tem sua bandeira e seus simbolismos, e hino também (link1, link2, link3). Justamente pelo forte fator identitário de Pernambuco essas contradições entre essa identidade regional forjada no Estado Novo (apropriando-se de coisas do Estado e disseminando que isso é algo "de todos") e uma identidade com praticamente meio milênio de História, fica fácil de sacar de cara o que é ou não forjado e imposto de fora.
Resumidamente, o livro fala da construção literária e ideológica que formou a ideia em torno do que muita gente no Brasil vê como "Nordeste brasileiro" e "nordestinos", o livro fala do quanto isso é mitificação e construção, criada na ditadura Vargas, pra justificar a "diferença" de regiões ou valorizar umas e largar a própria sorte outras, principalmente a área do país onde o próprio Brasil surgiu como país e nação. Inclusive com participação de gente da região reforçando essa ideia de "seca", "retirante" etc, o que é uma distorção pesada da História do Brasil.
É sempre bizarro ver alguém querendo falar de Pernambuco citando Lampião (por conta do cinema) do que Frei Caneca, Nassau ou Joaquim Nabuco que tiveram muito mais relevância pro Estado (e pro Brasil) do que um mero bandoleiro. É duplamente irônico ver a reverência que tratam do período Holandês em Pernambuco pelo complexo de vira-latas (au au) de alguns estados do país, com crenças ridículas (que eu já ouvi e li gente dizer, mas não salvei o link, é algo bizarro e sem fundamento algum) de que os loiros do Estado são descendentes de holandeses e quando retratam este mesmo estado (e região) no século XX, mudam pra imagem de Lampião, coronéis etc.
O autor do livro é potiguar, mas por motivos óbvios irei falar mais do meu estado, primeiro por conhecer mais e saber dessas peculiaridades, também por saber das rixas históricas entre estados da região e por saber da manipulação que a grande mídia do país reproduz o tempo todo sobre essas identidades regionais e com os estados do país. Gente preconceituosa falando sobre isso em TV é uma desgraça total. Também por saber da relutância e rejeição pernambucana a essa imposição cultural televisiva de outros estados do país. Por exemplo, a grande mídia, por prepotência (e burrice) omite o nome dos estados da região os citando como "bloco", o que pra quem sabe dessas diferenças sempre soa como estupidez ou cretinice, e que como ficará demonstrado neste post, essa postura é uma repetição das crenças e mitificações fascistoides criadas no Estado Novo varguista.
O mal do brasileiro (generalizando) é ignorar profundamente a História do país. Digo isso porque o que vejo de gente chorona (reclamando de tudo) na internet quando fala de política, com comentários totalmente alienados e idiotas, é vergonhoso.
Este post é um comentário em cima da ideia do livro, que pra muita gente poderá soar como uma "revelação" pois a maioria é criada ouvindo que o Brasil atual é esta divisão regional ridícula da Era Vargas e das generalizações cretinas que a mídia hegemônica do país (que se situa atualmente nas cidades do Rio e de São Paulo) reproduzem o tempo todo sobre isso, reforçando estereótipos reais ou não e essa ideia de divisão regional como se o Brasil não tivesse uma origem comum e omitindo a formação dessas cidades populosas (hoje) do país, que nem sempre foram politicamente relevantes na História do Brasil (a maior parte da História do Brasil foi vivida e passada nos estados mais antigos do país e não nos mais populosos atuais). Existe uma falta de reflexão clara da maior parte da população do país, que é criada pra aceitar verdades impostas e não ter uma mente aberta pra, por exemplo, entender sem choque que o Brasil que elas concebem não passa de uma criação varguista. Que o Brasil é o país dos bairrismos e não um país "unido" como muita gente apregoa. Que o Brasil já esteve a ponto de se fragmentar e por conta de um português autoritário isso não ocorreu. Se isso foi bom? Pra alguns certamente não foi (principalmente pernambucanos que tiveram seu estado mutilado, único corte de estado do país por castigo e retaliação política).
Daí a razão de haver um certo ressentimento por parte de uns quando a gente cita isto, que não é uma diminuição do papel das outras cidades do país, mas sim uma visualização da História do Brasil como um todo e não um recorte a partir da ascensão de Rio de Janeiro e São Paulo no século XIX. Até chegarmos ao século XIX houve mais de três séculos de lutas e conflitos no Brasil, que nem sequer era um território unido, que definiram o que hoje todo mundo entende como o Brasil. O Brasil não começa com a vinda (fuga dos fujões de Lisboa) da Família Real Portuguesa em 1808, correndo do cerco de Napoleão a Portugal e sim em 1500 mesmo ou antes.
O próprio crescimento dessas cidades se deveu a dois fatores: a vinda pesada de imigrantes europeus no século XIX e começo do século XX e o grande êxodo das outras regiões do país e da antiga capital (Salvador) pra esses centros, pegando quase toda classe média e intelectuais do que hoje é conhecido como "Nordeste".
A você de outro estado e região que vive malhando o que entende por "Nordeste" sem nem saber como o país foi formado, ou sente vergonha disso (por ser imbecil mesmo), se você tiver sobrenome português, as chances de você ter raízes nesses estados que citei é muito, mas muito grande e não foi pouca gente que migrou mesmo antes do êxodo do século XX que é mais conhecido (como retirantes etc), mas fazem questão de apagar esses fatos, ou omitir ou simplesmente diminuir a importância deles pra mitificar a ideia de estados formados por "italianos" etc mesmo falando português e tendo vários bairros com nomes indígenas.
O Brasil atual não existia até 1879 do século XIX quando São Paulo ascende como metrópole (até então era menor que Teresina no Piauí, dados do livro A Economia Brasileira, de Werner Baer) com a produção de café (o ciclo) e a industrialização que ocorre por isso. O resultado deste processo de mudança e migração interna é o que vocês veem hoje em dia.
Os centros políticos, econômicos e militar do Brasil por 308 anos ou mais foram Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. O Rio Grande do Sul sempre foi muito isolado e passou a ter relevância política no país também no século XIX com as lutas contra a coroa e a imigração e colonização maior dos estados da região Sul. Há outro núcleo também antigo e forte que fica no estado do Pará, não menos relevante. Mas os maiores centros urbanos eram Salvador (principalmente, capital do Brasil por mais de três séculos), Recife e o interior de Minas (Ouro Preto etc).
A maioria dos brasileiros antigos do país, principalmente os que têm sobrenomes portugueses (a maioria da população), são descendentes desses centros urbanos que citei acima. O intercâmbio (migração interna) no Brasil sempre foi intenso, em toda a história do país.
Se eu por acaso esquecer de citar algum estado, não foi proposital, nem sempre dá pra lembrar tudo.
E a quem quiser duvidar que esta divisão regional é algo recente na História do país, como eu citei no post, pois se trata de uma criação/herança da Era Vargas (Estado Novo) e uma mitificação ridícula, inclusive bancada nos estados da atual região Nordeste por ignorância de parte da população, façam o seguinte teste: procurem o termo "Nordeste" e "nordestino" em livros de literatura antigos do Brasil e de Portugal. Se você encontrar o termo me avise aqui.
Dificilmente alguém encontrará pois o Brasil era dividido por Portugal por séculos em Norte e Sul apenas, sem qualquer conotação ideológica atual, o Brasil era território português e só, por isso que até hoje existem os termos sulista e nortista pra apontar regiões, mesmo com esses termos novos como "nordestino".
Sugestão de livro: O Norte Agrário e o Império (1871 - 1889)
De Evaldo Cabral de Mello (talvez o historiador brasileiro vivo mais importante do país).
Nem no Sertão de Euclides da Cunha existe a palavra "nordestino" e sim sertanejo. O termo "nordeste" que se encontra no livro é referente a ponto cardeal e área dentro da área maior em que ele se encontra, não tem ligação com o que se conhece hoje como "Nordeste" (região), só pra ilustrar a mitificação e falsificação fascistoide que criaram em torno das regiões do país. Cito esse autor porque é talvez o mais conhecido ao retratar o sertão do Brasil, que abrange o semiárido do país uma região que vai até o Norte de Minas Gerais atravessando vários estados.
Fico por aqui na apresentação do livro, mas farei ainda um post sobre preconceito regional e o que penso disso pois não comungo da ideologia de vitimismo/coitadismo que muita gente da região vive manifestando e enaltecendo, como se fosse virtude quando não é.
Eu mesmo acho que equiparar preconceito regional ao racismo (que é manifestado em sua maioria contra negros no Brasil, inclusive na região Nordeste com histórico escravagista pesado) um absurdo total. Quem comunga com isso, aceita passivamente a ideia que a mídia e pessoas ignorantes ou preconceituosas passam que gente de tal região é "inferior" e precisam de leis pra preservar sua integridade moral e física quando deveriam se impor e bater de frente com quem manifesta isso.
E nessa questão do preconceito pesa bastante e entra o fator Pernambuco no meio, que não quero frisar aqui pra não parecer que estou tentando ressaltar isso por bairrismo, mas como a mídia nunca ou quase nunca menciona essas particularidades, eu prefiro eu mesmo comentar que ouvir um paspalho de outro estado falar besteira sobre o que não conhece.
Mas o fator existe e é real, sempre foi. Resumidamente, já que citei o fato e não diminuindo o peso dos outros estados da região: a rejeição a essas imposições culturais e identitárias de governos autoritários sempre foi mais forte e pesada em Pernambuco, até pelo peso cultural, das ideias libertárias das revoluções do Estado e do envolvimento em revoltas em toda a história do Brasil. Sempre quiseram destruir a identidade cultural pernambucana por representar uma ameaça ao status quo de algumas elites e da Monarquia luso-brasileira que combatia toda e qualquer revolta por soberania (independência) do Brasil.
Quem quiser ler algo sobre os conflitos do século XIX que forjaram o Brasil e a forçaram a independência do país, destacando as relações de Minas, Bahia e Pernambuco nisto, ler o PDF:
Pernambuco, 1817, “encruzilhada de desencontros” do Império luso-brasileiro. Notas sobre as idéias de pátria, país e nação
Luiz Carlos Villalta*; 1817, DO REINO UNIDO A PERNAMBUCO, DO RIO AO RECIFE
Por isso não deixa de ser engraçado que comemorem a independência do país "declarada" por um português (um estrangeiro) e não se escolha uma revolta popular brasileira no lugar disso, o que é de fato correto. O 7 de setembro é mais outra distorção histórica cultuada no Brasil até hoje como "verdade" inconteste, fruto da imposição historiográfica do Rio com o Brasil (por ter sido a sede da Coroa Portuguesa no Brasil, moldou esses mitos). A independência de fato do Brasil de Portugal (quando há uma ruptura real) foi na Proclamação da República em 1889, onde se constituiu o primeiro governo brasileiro de fato e não o resquício do ex-dominador português sob mando de Pedro II, herdeiro de Pedro I.
Por isso também tenho aversão a essa ideia de Monarquia que ainda alguns delirantes no Brasil ficam defendendo sem nem entender as causas da rejeição à mesma. Como podem ver, essa imposição de identidade no Brasil é algo nocivo pois não respeita a pluralidade de manifestações culturais locais do país que é a grande riqueza cultural de fato do país. Essa imposição autoritária de sotaque e cultura é muito, mas muito chata, principalmente num país continente.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2014
A Invenção do Nordeste (livro). Pra entender o Brasil atual e suas divisões artificiais criadas na Era Vargas
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segunda-feira, 18 de agosto de 2014
Filme sobre pracinhas da FEB ganha prêmio - A estrada 47
A quem se interessar pelo filme, já que tem a ver com a temática do blog (segunda guerra), filme sobre pracinhas da FEB ganha prêmio de melhor filme (longa) em Gramado (RS). Vou colocar resumos de matérias abaixo comentando o filme pois não consegui achar muito mais informação sobre ele. Cortei comentários dos outros filmes pois fogem do assunto tratado aqui e, honestamente, não tenho o menor interesse em vê-los porque são "mais do mesmo", mesmos "artistas", filmes batidos etc, fruto do monopólio/oligopólio de mídia no Brasil por uma certa 'Emissora de TV'. Quem quiser ler as matérias inteiras com todos os comentários é só clicar nos links.
Drama de guerra 'A estrada 47' vence a competição brasileira
Ganhador do troféu Redentor de melhor montagem e de uma menção honrosa, para o ator Francisco Gaspar, no Festival do Rio de 2013, o drama de guerra “A estrada 47”, de Vicente Ferraz, foi o grande vencedor do Kikito de melhor longa-metragem brasileiro do 42º Festival de Gramado, encerrado na noite deste sábado.
Resultado de uma coprodução com a Itália e Portugal, o filme descreve os desafios de um grupo de pracinhas brasileiros nos campos de batalha italianos, na região de Monte Castelo, durante a Segunda Guerra Mundial. Coestrelado por Daniel de Oliveira e Julio Andrade, “A estrada 47” também levou o prêmio de melhor desenho de som.
— Esse filme é resultado de um trabalho muito grande. Foi difícil convencer as pessoas a fazer um filme de guerra, na neve e em outro país – disse Ferraz no palco do Palácio dos Festivais, ao receber seu troféu. — Mas também tem a questão da camaradagem. A participação desses atores maravilhosos foi fundamental.
“A estrada 47” derrotou outros favoritos da competição nacional, como “A luneta do tempo”, de Alceu Valença, que ficou com os Kikitos de direção de arte e trilha sonora; e “A despedida”, de Marcelo Galvão, que ainda acabou levando os prêmios de direção, ator (Nelson Xavier), atriz (Juliana Paes) e fotografia (Eduardo Makino).
Fonte: Portal AZ
http://www.portalaz.com.br/noticia/arte_e_cultura/304066_drama_de_guerra_a_estrada_47_vence_a_competicao_brasileira.html
Crédito: Europa Filmes
A Estrada 47, de Vicente Ferraz, saiu consagrado como melhor filme nacional do 42º Festival de Cinema de Gramado. O longa sobre um grupo de brasileiros lutando ao lado das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial também levou o kikito de Melhor Desenho de Som, para Branco Neskov.
Fonte: Cinecessário
http://wp.clicrbs.com.br/cinecessario/2014/08/17/vencedores-em-gramado/?topo=87,2,18,,,77
Observação rápida antes do trailer do filme abaixo: lendo alguns comentários no vídeo do trailer no Youtube a gente se depara com bobagens do "naipe" de "o governo não quer que veja" e coisas desse tipo. Só estou comentando porque não é a primeira vez que leio uma bobagem dessas e francamente, tem certas coisas que tiram do sério por haver um fanatismo correndo solto no Brasil que deixa as pessoas nesse estado. Não querendo ser chato, mas já sendo, eu não sei o que se passa na cabeça dessas pessoas, se é apenas falta de informação (ignorância) ou algum tipo de fanatismo/radicalismo qualquer. Primeiro, não há como abordar o assunto da segunda guerra inteiro em escolas, quem quiser ler sobre isso lê à parte como outros assuntos. Achar que o mundo para e começa em determinado assunto, por mais relevante que seja, só porque a pessoa gosta de um assunto é de um egoísmo (e "bitolamento") fora do comum, além de alienação e fetiche (fantasias em cima dessas coisas e ignorar a realidade). Ou seja, a princípio isso não é só questão de governo, até porque escolas privadas não seguem à risca governos e boa parte do ensino não-superior no país é privado em vez de ser público. Essas pessoas muitas vezes não gostam de ler e querem que essas instituições repassem resumos que elas consideram como "o ensino", por preguiça. Pode haver, mas a princípio eu não vejo pessoas de outros países ficarem com essa choradeira e a abordagem é quase a mesma, não ficam centrados só no tema segunda guerra em escolas até porque há mais coisas a serem ensinadas além disso. Acho vergonhoso ler certos comentários que leio em páginas brasileiras, fruto de falta de reflexão e preguiça em querer se informar, nem procurar algo no Google as pessoas às vezes procuram.
Trailer do filme:
Drama de guerra 'A estrada 47' vence a competição brasileira
Ganhador do troféu Redentor de melhor montagem e de uma menção honrosa, para o ator Francisco Gaspar, no Festival do Rio de 2013, o drama de guerra “A estrada 47”, de Vicente Ferraz, foi o grande vencedor do Kikito de melhor longa-metragem brasileiro do 42º Festival de Gramado, encerrado na noite deste sábado.
Resultado de uma coprodução com a Itália e Portugal, o filme descreve os desafios de um grupo de pracinhas brasileiros nos campos de batalha italianos, na região de Monte Castelo, durante a Segunda Guerra Mundial. Coestrelado por Daniel de Oliveira e Julio Andrade, “A estrada 47” também levou o prêmio de melhor desenho de som.
— Esse filme é resultado de um trabalho muito grande. Foi difícil convencer as pessoas a fazer um filme de guerra, na neve e em outro país – disse Ferraz no palco do Palácio dos Festivais, ao receber seu troféu. — Mas também tem a questão da camaradagem. A participação desses atores maravilhosos foi fundamental.
“A estrada 47” derrotou outros favoritos da competição nacional, como “A luneta do tempo”, de Alceu Valença, que ficou com os Kikitos de direção de arte e trilha sonora; e “A despedida”, de Marcelo Galvão, que ainda acabou levando os prêmios de direção, ator (Nelson Xavier), atriz (Juliana Paes) e fotografia (Eduardo Makino).
Fonte: Portal AZ
http://www.portalaz.com.br/noticia/arte_e_cultura/304066_drama_de_guerra_a_estrada_47_vence_a_competicao_brasileira.html
Crédito: Europa Filmes
A Estrada 47, de Vicente Ferraz, saiu consagrado como melhor filme nacional do 42º Festival de Cinema de Gramado. O longa sobre um grupo de brasileiros lutando ao lado das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial também levou o kikito de Melhor Desenho de Som, para Branco Neskov.
Fonte: Cinecessário
http://wp.clicrbs.com.br/cinecessario/2014/08/17/vencedores-em-gramado/?topo=87,2,18,,,77
Observação rápida antes do trailer do filme abaixo: lendo alguns comentários no vídeo do trailer no Youtube a gente se depara com bobagens do "naipe" de "o governo não quer que veja" e coisas desse tipo. Só estou comentando porque não é a primeira vez que leio uma bobagem dessas e francamente, tem certas coisas que tiram do sério por haver um fanatismo correndo solto no Brasil que deixa as pessoas nesse estado. Não querendo ser chato, mas já sendo, eu não sei o que se passa na cabeça dessas pessoas, se é apenas falta de informação (ignorância) ou algum tipo de fanatismo/radicalismo qualquer. Primeiro, não há como abordar o assunto da segunda guerra inteiro em escolas, quem quiser ler sobre isso lê à parte como outros assuntos. Achar que o mundo para e começa em determinado assunto, por mais relevante que seja, só porque a pessoa gosta de um assunto é de um egoísmo (e "bitolamento") fora do comum, além de alienação e fetiche (fantasias em cima dessas coisas e ignorar a realidade). Ou seja, a princípio isso não é só questão de governo, até porque escolas privadas não seguem à risca governos e boa parte do ensino não-superior no país é privado em vez de ser público. Essas pessoas muitas vezes não gostam de ler e querem que essas instituições repassem resumos que elas consideram como "o ensino", por preguiça. Pode haver, mas a princípio eu não vejo pessoas de outros países ficarem com essa choradeira e a abordagem é quase a mesma, não ficam centrados só no tema segunda guerra em escolas até porque há mais coisas a serem ensinadas além disso. Acho vergonhoso ler certos comentários que leio em páginas brasileiras, fruto de falta de reflexão e preguiça em querer se informar, nem procurar algo no Google as pessoas às vezes procuram.
Trailer do filme:
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Antissemitismo ‘oficial’ de Estado, entre 1933 e 1948: Livro expõe circulares secretas visavam barrar entrada de judeus no País
Entre 1933 e 1948, o governo brasileiro emitiu dezenas de circulares secretas que visavam dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada de judeus que fugiam do nazismo e do fascismo que dominavam a Europa. O mito do Brasil cordial, que não é racista, pode ser confrontado agora por meio do livro Cidadão do Mundo – o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo – 1933-1948 (Editora Perspectiva, 476 p., R$75,00). A obra, lançada no início do mês de dezembro, é originada da tese de livre docência da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, apresentada em 2001 à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP.
O livro analisa o contexto desse ‘cidadão do mundo’: trata-se do judeu que começa a ser perseguido na Europa, a partir de 1933 com a ascensão do nazismo na Alemanha. “À medida que os nazistas vão invadindo outros países, surgem novos fluxos migratórios de judeus alemães que vão se somando a novas nacionalidades de judeus refugiados da guerra, como austríacos e poloneses”, explica a professora.
Com a perda da identidade jurídica decorrente da perseguição nazista, esse ‘cidadão no mundo’ foge de seu país de origem e busca rotas de fuga – incluindo o Brasil. “Mas aqui vai encontrar receptividade apenas dentro da comunidade judaica. A posição oficial do governo brasileiro é a de descaso para esse ‘cidadão do mundo’, ou mesmo de omissão em algumas situações bastantes críticas. As circulares secretas mostram que a orientação dada aos diplomatas brasileiros era de dificultar ou negar a emissão de vistos para os refugiados judeus”, conta.
A professora explica que o governo brasileiro vê esse ‘cidadão do mundo’ como perigoso para compor a ‘raça brasileira’ e também para a segurança nacional, pois o judeu era associado com o comunismo, ao parasitismo e a ideia de raça inferior. Por meio desta pesquisa, Maria Luiza demonstra que muitos desses judeus tinham posturas políticas liberais e que, entre 1940-1945, fortaleceram no Brasil os movimentos antifascistas.
Segundo a historiadora, uma minoria de diplomatas se mostrou sensibilizada com a situação vivenciada pelos judeus refugiados e raros foram os que se ofereceram para ajudar. Entre os diplomatas brasileiros que assumiram uma postura humanitária, ela cita Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França de 1922 a 1944, e que concedeu cerca de 500 vistos, desobedecendo as imposições antissemitas do governo Vargas expressas através das circulares secretas. Por suas ações salvacionistas, Souza Dantas é considerado pelo Instituto Yad Vashem, em Israel, como um dos “Justos entre as Nações“, sendo que o processo de reconhecimento foi aberto a pedido da própria professora Maria Luiza Tucci Carneiro. Outro exemplo é o de Aracy Moebius de Carvalho que ajudou a salvar centenas de refugiados judeus favorecendo a emissão de vistos pelo Consulado Geral do Brasil de Hamburgo, onde trabalhava ao lado do diplomata e escritor Guimarães Rosa, então cônsul geral.
Pós-guerra
Mesmo no pós-guerra, a emissão de circulares secretas continuou. A professora conta que em 1947, durante o período de criação da Organização das Nações Unidas (ONU), Oswaldo Aranha, ex-ministro das Relações Exteriores na Era Vargas, produziu um relatório, atendendo ao pedido do ministro Raul Fernandes, então chanceler do presidente Dutra. Neste documento, Aranha avalia alguns dos assuntos que seriam debatidos na primeira reunião da ONU: a discussão sobre genocídio instigada pelas imagens de catástrofe sobre o Holocausto; o controle do uso de armas atômicas, pensando-se do que ocorrera em Hiroshima e Nagasaki, no Japão; e, por fim, a divisão do território palestino com a criação do Estado de Israel.
“No final do relatório, Oswaldo Aranha apontava que se realmente fosse votada a partilha da Palestina, o Brasil poderia ficar tranquilo pois os judeus teriam, a partir de então, um território próprio específico e o país não precisaria mais se preocupar em receber esses ‘cidadãos do mundo’”, destaca a historiadora. “Ao mesmo tempo, Oswaldo Aranha havia recebido a orientação de seguir o voto dos Estados Unidos, fosse qual fosse o voto”, completa, mostrando a posição comprometida do governo brasileiro.
Outro ponto apresentado no livro é que a partir de abril de 1944, o Comitê Internacional para Refugiados Políticos apelou, por meio de dezenas de cartas, para dezenas de países, pedindo auxílio para salvar cerca de 10 mil crianças judias órfãs, retirando-as da França e Hungria ocupadas. Segundo a professora, um conjunto de documentos pesquisados junto ao Itamaraty revela a morosidade e a insensibilidade do governo brasileiro em assumir qualquer tipo de responsabilidade sobre a situação que exigia rápidas ações humanitárias.
“O governo de Vargas impõs uma série de condições para aceitar cerca de 500 crianças. Exigia, dentre outras condições, que elas fossem educadas por pais católicos, de forma a anular sua identidade judaica; não poderiam ter contato com a família de origem; e não deveriam ter mais de 10 anos de idade”, conta a professora. Quando o governo brasileiro decidiu oficialmente aceitar as crianças, em junho de 1945 – portanto em pleno governo Dutra -, elas já haviam sido resgatadas graças à ajuda dos Estados Unidos e Grã-Bretanha”, conta.
Mentalidade antissemita
Segundo a professora, a partir da documentação analisada, é possível perceber que os discursos de grande parte dos diplomatas e de um grupo de intelectuais católicos reproduziam as teorias de exclusão nazistas.
“Apesar dessa postura antissemita e da repressão policial, é possível identificar movimentos de resistência ao nazismo, que atuaram nos subterrâneos do governo Vargas e que lutaram em prol da Alemanha, França e da Áustria livres, conforme atestam os documentos pesquisados junto ao Fundo Deops/SP, sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo”, finaliza a historiadora.
Mais informações: (11) 3091-8598 ou email malutucci@gmail.com, com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro ou junto ao Arqshoah – Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo disponível no endereço www.arqshoah.com.br
Reportagem de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 12/01/2011
Publicado em janeiro 12, 2011 por HC
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Fonte: Agência USP/Ecodebate
http://www.ecodebate.com.br/2011/01/12/antisemitismo-oficial-de-estado-entre-1933-e-1948-livro-expoe-circulares-secretas-visavam-barrar-entrada-de-judeus-no-pais/
http://www.usp.br/agen/?p=45541
Refugiados judeus no porto de Lisboa. Imagem de Roger Kahan (1940) |
Com a perda da identidade jurídica decorrente da perseguição nazista, esse ‘cidadão no mundo’ foge de seu país de origem e busca rotas de fuga – incluindo o Brasil. “Mas aqui vai encontrar receptividade apenas dentro da comunidade judaica. A posição oficial do governo brasileiro é a de descaso para esse ‘cidadão do mundo’, ou mesmo de omissão em algumas situações bastantes críticas. As circulares secretas mostram que a orientação dada aos diplomatas brasileiros era de dificultar ou negar a emissão de vistos para os refugiados judeus”, conta.
A professora explica que o governo brasileiro vê esse ‘cidadão do mundo’ como perigoso para compor a ‘raça brasileira’ e também para a segurança nacional, pois o judeu era associado com o comunismo, ao parasitismo e a ideia de raça inferior. Por meio desta pesquisa, Maria Luiza demonstra que muitos desses judeus tinham posturas políticas liberais e que, entre 1940-1945, fortaleceram no Brasil os movimentos antifascistas.
Segundo a historiadora, uma minoria de diplomatas se mostrou sensibilizada com a situação vivenciada pelos judeus refugiados e raros foram os que se ofereceram para ajudar. Entre os diplomatas brasileiros que assumiram uma postura humanitária, ela cita Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França de 1922 a 1944, e que concedeu cerca de 500 vistos, desobedecendo as imposições antissemitas do governo Vargas expressas através das circulares secretas. Por suas ações salvacionistas, Souza Dantas é considerado pelo Instituto Yad Vashem, em Israel, como um dos “Justos entre as Nações“, sendo que o processo de reconhecimento foi aberto a pedido da própria professora Maria Luiza Tucci Carneiro. Outro exemplo é o de Aracy Moebius de Carvalho que ajudou a salvar centenas de refugiados judeus favorecendo a emissão de vistos pelo Consulado Geral do Brasil de Hamburgo, onde trabalhava ao lado do diplomata e escritor Guimarães Rosa, então cônsul geral.
Pós-guerra
Mesmo no pós-guerra, a emissão de circulares secretas continuou. A professora conta que em 1947, durante o período de criação da Organização das Nações Unidas (ONU), Oswaldo Aranha, ex-ministro das Relações Exteriores na Era Vargas, produziu um relatório, atendendo ao pedido do ministro Raul Fernandes, então chanceler do presidente Dutra. Neste documento, Aranha avalia alguns dos assuntos que seriam debatidos na primeira reunião da ONU: a discussão sobre genocídio instigada pelas imagens de catástrofe sobre o Holocausto; o controle do uso de armas atômicas, pensando-se do que ocorrera em Hiroshima e Nagasaki, no Japão; e, por fim, a divisão do território palestino com a criação do Estado de Israel.
“No final do relatório, Oswaldo Aranha apontava que se realmente fosse votada a partilha da Palestina, o Brasil poderia ficar tranquilo pois os judeus teriam, a partir de então, um território próprio específico e o país não precisaria mais se preocupar em receber esses ‘cidadãos do mundo’”, destaca a historiadora. “Ao mesmo tempo, Oswaldo Aranha havia recebido a orientação de seguir o voto dos Estados Unidos, fosse qual fosse o voto”, completa, mostrando a posição comprometida do governo brasileiro.
Documentos do Itamaraty revelam a morosidade e a insensibilidade do governo |
“O governo de Vargas impõs uma série de condições para aceitar cerca de 500 crianças. Exigia, dentre outras condições, que elas fossem educadas por pais católicos, de forma a anular sua identidade judaica; não poderiam ter contato com a família de origem; e não deveriam ter mais de 10 anos de idade”, conta a professora. Quando o governo brasileiro decidiu oficialmente aceitar as crianças, em junho de 1945 – portanto em pleno governo Dutra -, elas já haviam sido resgatadas graças à ajuda dos Estados Unidos e Grã-Bretanha”, conta.
Mentalidade antissemita
Segundo a professora, a partir da documentação analisada, é possível perceber que os discursos de grande parte dos diplomatas e de um grupo de intelectuais católicos reproduziam as teorias de exclusão nazistas.
“Apesar dessa postura antissemita e da repressão policial, é possível identificar movimentos de resistência ao nazismo, que atuaram nos subterrâneos do governo Vargas e que lutaram em prol da Alemanha, França e da Áustria livres, conforme atestam os documentos pesquisados junto ao Fundo Deops/SP, sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo”, finaliza a historiadora.
Mais informações: (11) 3091-8598 ou email malutucci@gmail.com, com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro ou junto ao Arqshoah – Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo disponível no endereço www.arqshoah.com.br
Reportagem de Valéria Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 12/01/2011
Publicado em janeiro 12, 2011 por HC
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Fonte: Agência USP/Ecodebate
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quinta-feira, 24 de maio de 2012
Réquiem para Stefan Zweig
Jornal do Brasil
Wander Lourenço
Em Lotte & Zweig, romance recém-publicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva, nota-se que se intercalam versões distintas referentes ao fatídico episódio ocorrido no município de Petrópolis, na noite de 22 de fevereiro 1942, em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial e do governo de Getulio Vargas.
Uma das vertentes de interpretação, decerto, impelirá o leitor a deduzir que a ficcionalização da tragédia vivenciada por Stefan Zweig servirá de palimpsesto para se desmascarar uma imposição histórica ditada por interesses políticos de questionável ordem diplomática entre Brasil e Alemanha. Por esta linha de raciocínio, a propagação oficial do suicídio seria contestada pela segunda parte do livro em questão, a partir de um suposto homicídio que abreviara a existência do escritor judeu de origem austríaca.
Por um dos diletos subterfúgios narrativos da escrita contemporânea, o enredo da obra literária Lotte & Zweigse estrutura pelo viés de uma voz narrativa em primeira pessoa; todavia, a narração se bifurcará mais adiante pelos meandros de uma onisciente perspectiva a se equilibrar pelos parâmetros de um mistério à luz do Holocausto nazista. A consoada de Zweig se instaura pelas evidências da preparação para um suicídio anunciado por inúmeras missivas endereçadas a destinatários mundo afora. Por outro ângulo, o narrador irá inserir elementos fictícios para comprovação de uma trama alemã capitaneada por Joseph, Frida, Helmut, Gustav etc. Acrescenta-se a isto que uma terceira voz narrativa, cujas menções entrelaçam os múltiplos discursos vigentes, margeará a trama por intermédio de um frágil fluxo de consciência provindo da figura que intitula o livro, Lotte, o que, aliás, pouco acrescenta à espinha dorsal da tessitura arquitetada pelas hábeis mãos de um ficcionista em pleno domínio da técnica do romance moderno.
A História sofre as investidas da ficção engendradas pelo intelectual apto a afirmar que a ferramenta do escritor é a imaginação, conquanto não se admita a intervenção do bisturi verbal do artista a interferir no amálgama nevrálgico do conflito étnico. De antemão deve-se, ao menos, se depreender que a escritura se predispõe a arraigar-se por uma tênue hermenêutica da suspeita, em diálogo com a ambiguidade que se instaura pela fresta a incutir a dúvida referente ao ato de renúncia praticado por um homem perseguido pelo antissemitismo cultuado pelo cenário europeu. Destarte, como poder-se-ia forjar a identidade criminal sem se abster da insigne inclemência de historiadores e biógrafos de Stefan Zweig, autores de teses absolutistas não refratárias ao diagnóstico oficial assinalado pela perícia dos discípulos de Getulio Vargas e Adolf Hitler?
Curiosamente, não seria desperdício de causa afiançar que estas duas personagens históricas, Hitler e Vargas, também padeceriam com o estigma de um suicídio mal prefaciado por sobrescritos apócrifos. Entretanto, em retorno ao livro, quiçá seja de bom alvitre advertir que a dialética da sensatez não se ancora em cais de aviltamento. De outra feita, se as palpáveis diretrizes da narrativa que se interpenetram, no tocante à personalidade austríaca que preludia o suicídio e ao narrador que aventa a possibilidade do assassínio, por que considerar que o autor de Lotte & Zweig se responsabilizaria pela rubrica assinalada no laudo ou testamento, que apontaria como causa mortis de cunho político do intelectual de estirpe hebreia?
Caberia enfatizar que a percepção do leitor se equilibrará por sobre um picadeiro de suposições acrobáticas, para abarcar as múltiplas expectativas de um desenlace que, no mínimo, irá se escorar na hipótese do questionamento. Muito provavelmente alguns incautos obterão a certeza de que a posição do alter ego de Deonísio da Silva se pautará pelas prédicas do homicídio contra a família Zweig. Contudo, julgo que mais condizente seria afirmar que, com a proposição do discurso que se alicerça pelo movediço espaço da dubiedade, Lotte & Zweig instigará o debate com requintes de subversão e complexidade.
*Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são 'O enigma Diadorim' (Nitpress) e 'Antologia teatral' (Ed. Macabéa).
Fonte: Jornal do Brasil
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/05/23/requiem-para-stefan-zweig/
Wander Lourenço
Em Lotte & Zweig, romance recém-publicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva, nota-se que se intercalam versões distintas referentes ao fatídico episódio ocorrido no município de Petrópolis, na noite de 22 de fevereiro 1942, em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial e do governo de Getulio Vargas.
Uma das vertentes de interpretação, decerto, impelirá o leitor a deduzir que a ficcionalização da tragédia vivenciada por Stefan Zweig servirá de palimpsesto para se desmascarar uma imposição histórica ditada por interesses políticos de questionável ordem diplomática entre Brasil e Alemanha. Por esta linha de raciocínio, a propagação oficial do suicídio seria contestada pela segunda parte do livro em questão, a partir de um suposto homicídio que abreviara a existência do escritor judeu de origem austríaca.
Por um dos diletos subterfúgios narrativos da escrita contemporânea, o enredo da obra literária Lotte & Zweigse estrutura pelo viés de uma voz narrativa em primeira pessoa; todavia, a narração se bifurcará mais adiante pelos meandros de uma onisciente perspectiva a se equilibrar pelos parâmetros de um mistério à luz do Holocausto nazista. A consoada de Zweig se instaura pelas evidências da preparação para um suicídio anunciado por inúmeras missivas endereçadas a destinatários mundo afora. Por outro ângulo, o narrador irá inserir elementos fictícios para comprovação de uma trama alemã capitaneada por Joseph, Frida, Helmut, Gustav etc. Acrescenta-se a isto que uma terceira voz narrativa, cujas menções entrelaçam os múltiplos discursos vigentes, margeará a trama por intermédio de um frágil fluxo de consciência provindo da figura que intitula o livro, Lotte, o que, aliás, pouco acrescenta à espinha dorsal da tessitura arquitetada pelas hábeis mãos de um ficcionista em pleno domínio da técnica do romance moderno.
A História sofre as investidas da ficção engendradas pelo intelectual apto a afirmar que a ferramenta do escritor é a imaginação, conquanto não se admita a intervenção do bisturi verbal do artista a interferir no amálgama nevrálgico do conflito étnico. De antemão deve-se, ao menos, se depreender que a escritura se predispõe a arraigar-se por uma tênue hermenêutica da suspeita, em diálogo com a ambiguidade que se instaura pela fresta a incutir a dúvida referente ao ato de renúncia praticado por um homem perseguido pelo antissemitismo cultuado pelo cenário europeu. Destarte, como poder-se-ia forjar a identidade criminal sem se abster da insigne inclemência de historiadores e biógrafos de Stefan Zweig, autores de teses absolutistas não refratárias ao diagnóstico oficial assinalado pela perícia dos discípulos de Getulio Vargas e Adolf Hitler?
Curiosamente, não seria desperdício de causa afiançar que estas duas personagens históricas, Hitler e Vargas, também padeceriam com o estigma de um suicídio mal prefaciado por sobrescritos apócrifos. Entretanto, em retorno ao livro, quiçá seja de bom alvitre advertir que a dialética da sensatez não se ancora em cais de aviltamento. De outra feita, se as palpáveis diretrizes da narrativa que se interpenetram, no tocante à personalidade austríaca que preludia o suicídio e ao narrador que aventa a possibilidade do assassínio, por que considerar que o autor de Lotte & Zweig se responsabilizaria pela rubrica assinalada no laudo ou testamento, que apontaria como causa mortis de cunho político do intelectual de estirpe hebreia?
Caberia enfatizar que a percepção do leitor se equilibrará por sobre um picadeiro de suposições acrobáticas, para abarcar as múltiplas expectativas de um desenlace que, no mínimo, irá se escorar na hipótese do questionamento. Muito provavelmente alguns incautos obterão a certeza de que a posição do alter ego de Deonísio da Silva se pautará pelas prédicas do homicídio contra a família Zweig. Contudo, julgo que mais condizente seria afirmar que, com a proposição do discurso que se alicerça pelo movediço espaço da dubiedade, Lotte & Zweig instigará o debate com requintes de subversão e complexidade.
*Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são 'O enigma Diadorim' (Nitpress) e 'Antologia teatral' (Ed. Macabéa).
Fonte: Jornal do Brasil
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/05/23/requiem-para-stefan-zweig/
terça-feira, 10 de abril de 2012
Sede na fazenda de antiga colônia nazista será demolida
Pesquisador defende conservação de imóvel no interior que também abrigou órfãos escravos
08 de abril de 2012 | 3h 02
JOSÉ MARIA TOMAZELA, SOROCABA - O Estado de S.Paulo
As construções remanescentes de uma colônia nazista que funcionou na década de 1930 na Fazenda Cruzeiro do Sul, em Paranapanema, a 260 km de São Paulo, serão destruídas. O novo proprietário decidiu limpar as terras para facilitar o cultivo de cana-de-açúcar. Está prevista a derrubada dos prédios das oficinas, da cocheira e da pequena igreja. A antiga piscina de alvenaria será soterrada.
Os tijolos usados nas construções trazem impressa a suástica, símbolo do nazismo de Adolf Hitler. O antigo proprietário da fazenda, José Ricardo Rosa Maciel, e sua mulher, Senhorinha, contaram que o comprador consultou os órgãos do patrimônio histórico antes de fechar o negócio para se certificar de que as construções não são tombadas.
Como a venda foi feita com cláusula de confidencialidade, eles não revelaram o nome do novo dono. "Ele vai arrendar as terras para o plantio de cana mecanizado, por isso precisa do terreno desimpedido", disse a mulher. A prefeitura de Paranapanema informou que as terras são particulares e o município não tem condições de desapropriá-las, apesar do interesse cultural.
A fazenda foi comprada no início do século passado por Luis Rocha de Miranda, simpatizante do movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB). A propriedade tinha geradores de energia elétrica, pista de pouso cimentada, uma estação de trens particular e silos aéreos importados dos Estados Unidos.
Segundo o pesquisador Sidney Aguilar Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a fazenda foi palco de um esquema escravista nos anos 1930. Os irmãos Rocha Miranda trouxeram 50 meninos do orfanato Romão Duarte, do Rio de Janeiro, poucos meses depois de Hitler ter tomado o poder na Alemanha, em 1933. Os garotos tiveram os nomes trocados por números e seriam obrigados a aderir a ritos nazistas.
Com o fim da AIB após a instalação do Estado Novo por Getúlio Vargas, em 1937, as crianças foram libertadas e as marcas do nazismo no local foram suprimidas. Nos anos 1960, a fazenda foi adquirida pelo alemão Amdt Von Bohlen und Halbach, servindo como local de férias para a família, mas acabou vendida anos depois. Os tijolos com a suástica foram descobertos anos mais tarde por Maciel, que adquiriu a propriedade, quando demolia uma granja de porcos.
Aguilar Filho transformou as pesquisas feitas no local na tese Educação, autoritarismo e eugenia - Exploração do trabalho e violência à infância no Brasil (1930-1945). Ele disse que será "uma calamidade" se a demolição ocorrer. "É um patrimônio público, seja ou não reconhecido pelo Estado. O que aconteceu ali é uma história inconveniente, mas que precisa ser contada." Segundo ele, a pesquisa sobre a célula nazista e a história dos meninos escravos não está completa. "Ainda há muito a ser contado sobre as relações do Estado brasileiro com o regime nazista."
Estudo. A tese de Aguilar Filho analisa aspectos da educação brasileira entre 1930 e 1945 a partir de relatos de vida de 50 meninos "órfãos ou abandonados" sob guarda do Juizado de Menores do Distrito Federal. Eles foram retirados do Educandário Romão de Mattos Duarte, da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro, e levados a uma propriedade no interior de São Paulo - a Fazenda Cruzeiro do Sul.
A transferência dessas crianças de 9 a 11 anos foi respaldada pelo Código do Menor de 1927. Por uma década, as crianças foram submetidas a uma educação baseada em longas jornadas de trabalho agrícola e pecuário sem remuneração. Foram submetidas a cárcere, castigos físicos e constrangimentos morais em fazendas de integrantes da cúpula da Ação Integralista Brasileira, simpatizantes do nazismo.
Fonte: O Estado de SP
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sede-de-antiga-colonia-nazista-sera-demolida-,858463,0.htm
Matéria na Record(TV) sobre a fazenda nazi, de 2008:
A Fazenda Nazista no Brasil e o emprego de trabalho escravo - rastros deixados pelos nazistas no país
08 de abril de 2012 | 3h 02
JOSÉ MARIA TOMAZELA, SOROCABA - O Estado de S.Paulo
Prédios de tijolos com suástica darão lugar à plantação de cana-de-açúcar - Divulgação |
Os tijolos usados nas construções trazem impressa a suástica, símbolo do nazismo de Adolf Hitler. O antigo proprietário da fazenda, José Ricardo Rosa Maciel, e sua mulher, Senhorinha, contaram que o comprador consultou os órgãos do patrimônio histórico antes de fechar o negócio para se certificar de que as construções não são tombadas.
Como a venda foi feita com cláusula de confidencialidade, eles não revelaram o nome do novo dono. "Ele vai arrendar as terras para o plantio de cana mecanizado, por isso precisa do terreno desimpedido", disse a mulher. A prefeitura de Paranapanema informou que as terras são particulares e o município não tem condições de desapropriá-las, apesar do interesse cultural.
A fazenda foi comprada no início do século passado por Luis Rocha de Miranda, simpatizante do movimento fascista Ação Integralista Brasileira (AIB). A propriedade tinha geradores de energia elétrica, pista de pouso cimentada, uma estação de trens particular e silos aéreos importados dos Estados Unidos.
Segundo o pesquisador Sidney Aguilar Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a fazenda foi palco de um esquema escravista nos anos 1930. Os irmãos Rocha Miranda trouxeram 50 meninos do orfanato Romão Duarte, do Rio de Janeiro, poucos meses depois de Hitler ter tomado o poder na Alemanha, em 1933. Os garotos tiveram os nomes trocados por números e seriam obrigados a aderir a ritos nazistas.
Com o fim da AIB após a instalação do Estado Novo por Getúlio Vargas, em 1937, as crianças foram libertadas e as marcas do nazismo no local foram suprimidas. Nos anos 1960, a fazenda foi adquirida pelo alemão Amdt Von Bohlen und Halbach, servindo como local de férias para a família, mas acabou vendida anos depois. Os tijolos com a suástica foram descobertos anos mais tarde por Maciel, que adquiriu a propriedade, quando demolia uma granja de porcos.
Aguilar Filho transformou as pesquisas feitas no local na tese Educação, autoritarismo e eugenia - Exploração do trabalho e violência à infância no Brasil (1930-1945). Ele disse que será "uma calamidade" se a demolição ocorrer. "É um patrimônio público, seja ou não reconhecido pelo Estado. O que aconteceu ali é uma história inconveniente, mas que precisa ser contada." Segundo ele, a pesquisa sobre a célula nazista e a história dos meninos escravos não está completa. "Ainda há muito a ser contado sobre as relações do Estado brasileiro com o regime nazista."
Estudo. A tese de Aguilar Filho analisa aspectos da educação brasileira entre 1930 e 1945 a partir de relatos de vida de 50 meninos "órfãos ou abandonados" sob guarda do Juizado de Menores do Distrito Federal. Eles foram retirados do Educandário Romão de Mattos Duarte, da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro, e levados a uma propriedade no interior de São Paulo - a Fazenda Cruzeiro do Sul.
A transferência dessas crianças de 9 a 11 anos foi respaldada pelo Código do Menor de 1927. Por uma década, as crianças foram submetidas a uma educação baseada em longas jornadas de trabalho agrícola e pecuário sem remuneração. Foram submetidas a cárcere, castigos físicos e constrangimentos morais em fazendas de integrantes da cúpula da Ação Integralista Brasileira, simpatizantes do nazismo.
Fonte: O Estado de SP
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sede-de-antiga-colonia-nazista-sera-demolida-,858463,0.htm
Matéria na Record(TV) sobre a fazenda nazi, de 2008:
A Fazenda Nazista no Brasil e o emprego de trabalho escravo - rastros deixados pelos nazistas no país
sábado, 31 de outubro de 2009
Arqshoah - Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo
Especiais: História de sobreviventes
30/10/2009
Por Alex Sander Alcântara
Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo, disponível na internet, reconstitui saga de judeus expulsos da Alemanha nazista e dos países colaboracionistas e reúne documentos que revelam a postura do Brasil diante do genocídio (Interior de Pobres II/Lasar Segall)
Agência FAPESP – Ao analisar documentos emitidos pelas missões diplomáticas sediadas no exterior entre 1933 e 1950 percebe-se a postura do governo brasileiro diante do antissemitismo e da perseguição aos judeus na Alemanha nazista e nos países colaboracionistas. Ofícios e relatórios secretos dão uma dimensão dos bastidores da política brasileira no período, como aponta pesquisa coordenada pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
Milhares desses documentos estão disponíveis na internet desde 17 de outubro, no portal Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah), projeto do Laboratório de Estudos de Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) do Departamento de História da FFLCH.
Na base de dados, documentos oficiais podem ser cruzados com passaportes, fotografias, passagens e relatos de sobreviventes, permitindo reconstituir o cotidiano de algumas cidades europeias, como Berlim, Viena e Varsóvia, em um momento em que os judeus eram expulsos, presos ou exterminados. Todo esse acervo documental pode ser consultado livremente por pesquisadores, professores e pelo público em geral.
O projeto, intitulado “Arquivo virtual sobre Holocausto e antissemitismo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo em 1933-1945”, tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Tucci Carneiro também coordena o Projeto Temático “Arquivos da repressão e da resistência. História e memória. Mapeamento e análise da documentação do Deops/SP e Deip/SP”, apoiado pela Fundação.
De acordo com a coordenadora, cerca de 10 mil cópias dos documentos originais foram reunidas durante sua pesquisa de doutorado sobre o antissemitismo na Era Vargas (1930 a 1945), concluída em 1987 e publicada pela Editora Perspectiva. A coleta dessa documentação teve continuidade na investigação para sua tese de livre-docência, defendida em 2001 – “Cidadão do mundo – O Brasil diante da questão dos judeus refugiados do nazifascismo (1933-1950)”.
“Grande parte são documentos secretos confidenciais produzidos durante a época de Getúlio Vargas e o período do pós-guerra. Tendo em vista o volume e a riqueza dessas fontes, muitas das quais ainda inéditas, resolvi disponibilizá-las da melhor forma possível por meio de um arquivo virtual. Dessa forma, novos projetos de pesquisa podem ser elaborados ,contribuindo para a construção de novos conhecimentos sobre a história do Holocausto e do Brasil contemporâneo”, disse à Agência FAPESP.
Foram necessários dois anos para selecionar, classificar e digitalizar uma parte significativa do acervo da historiadora, que, somente sobre esse tema, reúne 10 mil documentos que estão sendo identificados pela equipe técnica.
“A maioria dos documentos foi reproduzida do Arquivo Histórico do Itamaraty, que nos autorizou a publicar na internet. Importante ressaltar que esses documentos estão disponíveis para consulta pública no Rio de Janeiro desde 1995. Devemos levar mais dois anos para digitalizar o restante, sem contar com novos documentos cedidos por sobreviventes e de outras bases, como o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro”, explicou.
Os documentos fornecidos pelo Itamaraty revelam, segundo Tucci Carneiro, as “decisões diplomáticas articuladas nos bastidores, a postura do governo brasileiro diante do genocídio praticado pela Alemanha nazista e os desdobramentos políticos na Europa durante a Segunda Guerra Mundial”.
“O governo brasileiro se tornou, indiretamente, colaboracionista. Fechou as portas, negando vistos de entrada aos judeus que procuravam fugir da Alemanha e dos países invadidos por Adolf Hitler”, apontou. Apesar de a política emigratória no país estar identificada com a postura intolerante da Alemanha, a posição pública do governo brasileiro era ambígua em relação ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial, disse a cientista.
“O governo se posicionava como solidário à política de salvamento aos judeus refugiados articulada pelos países líderes na Liga das Nações, dentre os quais estavam os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Em vários momentos, o Brasil comprometeu-se a fornecer, por mês, 3 mil vistos de entrada para esses refugiados, mas, na prática, o que se via era o oposto”, disse.
Segundo ela, essa postura foi mais sistemática de 1937 a 1945, endossada primeiro pelo Itamaraty e, depois, pelo Ministério da Justiça. “É como uma orquestra em que se somam ações intolerantes por parte de vários ministérios, que apregoavam o cumprimento das regras impostas por circulares secretas. Circulares que obstruíam o salvamento de milhares de judeus, centenas de ciganos e dissidentes políticos do nacional-socialismo. Essa é uma dívida que o Brasil tem para com o povo judeu e outras minorias tratadas como ‘raças indesejáveis’”, afirmou.
Esse é o conteúdo de grande parte dos documentos disponíveis no site, como, por exemplo, ofícios e circulares secretas antissemitas classificados na época como secretos pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Nesses registros – muitos dos quais são assinados por importante ministros, como Oswaldo Aranha, Gustavo Capanema, Francisco Campos e Raul Fernandes, e por diplomatas brasileiros em missão na Europa – fica evidente a recomendação de dificultar a entrada de judeus no país.
De acordo com a historiadora, ajudar judeus era visto como “um ato contra a nação”. Mas, durante a guerra, alguns raros nomes se sobressaíram como sinônimo de indignação e coragem.
“Foi o caso do embaixador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, e de uma funcionária do consulado em Hamburgo, Aracy Moebius de Carvalho, mais tarde esposa do escritor Guimarães Rosa. Tanto Aracy, conhecida como ‘o anjo de Hamburgo’, como Souza Dantas desobedeceram às ordens do governo Vargas e liberaram centenas de vistos de judeus para o Brasil”, contou.
Ferramenta pedagógica
No portal, além de documentos oficiais, os usuários podem consultar um inventário de judeus refugiados no Brasil com dados e correspondências pessoais, fotografias, passagens de navio e bibliografia sobre o tema. Essas informações encontram-se distribuídas em vários links: “Arquivo”, “Justos & Salvadores”, “Periódicos”, “Artistas & Intelectuais”, “Rotas de fuga”, “Testemunhos” e uma “Biblioteca Virtual” com livros de memórias. O site também será alimentado com novos relatos, a partir do link “Indique um sobrevivente”.
O objetivo é disponibilizar histórias e memórias dos sobreviventes de campos de concentração e refugiados do nazifascismo radicados no Brasil até 1960, considerando o árduo e longo processo daqueles que procuraram naturalizar-se brasileiros.
Segundo Tucci Carneiro, a partir de 1950 o Itamaraty adotou uma postura mais liberal, após a divugação das atrocidades praticadas pelos nazistas e da resolução da Organização das Nações Unidas que definiu genocídio como crime contra a Humanidade.
A diplomacia deixou de, por exemplo, usar o termo “raça semita” e as circulares secretas antissemitas caíram no limbo da história. “Houve um esvaziamento da política antissemita enquanto instrumento do Estado, mas nem por isso o antissemitismo deixou de existir alimentado por grupos da extrema direita e da esquerda. Daí a importância do Arqshoah neste momento em que diferentes vozes negam o Holocausto”, disse.
Além de “arquivo-testemunho”, o Arqshoah pretende também ser uma ferramenta pedagógica importante para professores e alunos do ensino fundamental, médio e universitário. Segundo a professora da USP, tanto o Holocausto como o antissemitismo raramente são analisados nos livros didáticos e, quando aparecem, entram como adendo da Segunda Guerra Mundial.
“Normalmente, quando os professores falam sobre a guerra ou sobre a Alemanha nazista têm poucas informações sobre esse contexto. A ideia é romper o silêncio e promover o debate sobre o Holocausto enquanto genocídio singular e crime contra a humanidade”, disse a pioneira nos estudos sobre o antissemitismo na Era Vargas, título do seu livro publicado em 1988.
Memória oral
Além do acervo digitalizado, o portal Arqshoah terá arquivos de áudio e vídeo. Até o momento foram gravados mais de 30 depoimentos com sobreviventes ou seus filhos.
“Alguns dos entrevistados haviam gravado depoimentos para a Survivors of the Shoah Visual History Foundation (Fundação dos Sobreviventes da História Visual do Shoah), fundada em 1994 pelo cineasta norte-americano Steven Spielberg, cujas cópias procuramos recuperar. Novos registros estão sendo gravados sob um outro olhar, sendo esse mais um segmento coordenado pelo professor Pedro Ortiz e pela historiadora Rachel Mizrahi, ambos pesquisadores do LEER”, disse Tucci Carneiro.
“Vamos também tornar públicos os processos de naturalização dos judeus que entraram no Brasil de 1933 a 1950, documentos sob a guarda do Arquivo Nacional e que vão inaugurar a segunda fase do projeto, em 2010. Segundo a legislação brasileira, somente após dez anos os estrangeiros poderiam se naturalizar brasileiros. A partir do passaporte anexado ao processo é possível identificar o diplomata que emitiu o visto e a estratégia de entrada no Brasil, burlando as circulares antissemitas. Além disso, a naturalização exige atestados de trabalhos e, no caso dos intelectuais, eles anexavam também artigos e livros para mostrar sua produção, como ocorreu com o crítico e historiador de arte Otto Maria Carpeaux”, contou.
A difícil trajetória daqueles que conseguiram entrar no Brasil (com documentos falsos ou como católicos) pode ser conhecida através de alguns links, dentre os quais o do “Inventário de Sobreviventes” e “Artistas & Intelectuais”. “Pode também ser vislumbrado um conjunto de obras do pintor Lasar Segall, que entre 1936 e 1947 denunciou a a brutalidade praticada pelos nazistas contra os judeus”, disse Tucci Carneiro.
Mais informações: http://www.arqshoah.com.br/ ou arqshoah@usp.br.
Fonte: Agência FAPESP
http://www.agencia.fapesp.br/materia/11287/especiais/historia-de-sobreviventes.htm
30/10/2009
Por Alex Sander Alcântara
Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo, disponível na internet, reconstitui saga de judeus expulsos da Alemanha nazista e dos países colaboracionistas e reúne documentos que revelam a postura do Brasil diante do genocídio (Interior de Pobres II/Lasar Segall)
Agência FAPESP – Ao analisar documentos emitidos pelas missões diplomáticas sediadas no exterior entre 1933 e 1950 percebe-se a postura do governo brasileiro diante do antissemitismo e da perseguição aos judeus na Alemanha nazista e nos países colaboracionistas. Ofícios e relatórios secretos dão uma dimensão dos bastidores da política brasileira no período, como aponta pesquisa coordenada pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
Milhares desses documentos estão disponíveis na internet desde 17 de outubro, no portal Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah), projeto do Laboratório de Estudos de Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) do Departamento de História da FFLCH.
Na base de dados, documentos oficiais podem ser cruzados com passaportes, fotografias, passagens e relatos de sobreviventes, permitindo reconstituir o cotidiano de algumas cidades europeias, como Berlim, Viena e Varsóvia, em um momento em que os judeus eram expulsos, presos ou exterminados. Todo esse acervo documental pode ser consultado livremente por pesquisadores, professores e pelo público em geral.
O projeto, intitulado “Arquivo virtual sobre Holocausto e antissemitismo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo em 1933-1945”, tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Tucci Carneiro também coordena o Projeto Temático “Arquivos da repressão e da resistência. História e memória. Mapeamento e análise da documentação do Deops/SP e Deip/SP”, apoiado pela Fundação.
De acordo com a coordenadora, cerca de 10 mil cópias dos documentos originais foram reunidas durante sua pesquisa de doutorado sobre o antissemitismo na Era Vargas (1930 a 1945), concluída em 1987 e publicada pela Editora Perspectiva. A coleta dessa documentação teve continuidade na investigação para sua tese de livre-docência, defendida em 2001 – “Cidadão do mundo – O Brasil diante da questão dos judeus refugiados do nazifascismo (1933-1950)”.
“Grande parte são documentos secretos confidenciais produzidos durante a época de Getúlio Vargas e o período do pós-guerra. Tendo em vista o volume e a riqueza dessas fontes, muitas das quais ainda inéditas, resolvi disponibilizá-las da melhor forma possível por meio de um arquivo virtual. Dessa forma, novos projetos de pesquisa podem ser elaborados ,contribuindo para a construção de novos conhecimentos sobre a história do Holocausto e do Brasil contemporâneo”, disse à Agência FAPESP.
Foram necessários dois anos para selecionar, classificar e digitalizar uma parte significativa do acervo da historiadora, que, somente sobre esse tema, reúne 10 mil documentos que estão sendo identificados pela equipe técnica.
“A maioria dos documentos foi reproduzida do Arquivo Histórico do Itamaraty, que nos autorizou a publicar na internet. Importante ressaltar que esses documentos estão disponíveis para consulta pública no Rio de Janeiro desde 1995. Devemos levar mais dois anos para digitalizar o restante, sem contar com novos documentos cedidos por sobreviventes e de outras bases, como o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro”, explicou.
Os documentos fornecidos pelo Itamaraty revelam, segundo Tucci Carneiro, as “decisões diplomáticas articuladas nos bastidores, a postura do governo brasileiro diante do genocídio praticado pela Alemanha nazista e os desdobramentos políticos na Europa durante a Segunda Guerra Mundial”.
“O governo brasileiro se tornou, indiretamente, colaboracionista. Fechou as portas, negando vistos de entrada aos judeus que procuravam fugir da Alemanha e dos países invadidos por Adolf Hitler”, apontou. Apesar de a política emigratória no país estar identificada com a postura intolerante da Alemanha, a posição pública do governo brasileiro era ambígua em relação ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial, disse a cientista.
“O governo se posicionava como solidário à política de salvamento aos judeus refugiados articulada pelos países líderes na Liga das Nações, dentre os quais estavam os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Em vários momentos, o Brasil comprometeu-se a fornecer, por mês, 3 mil vistos de entrada para esses refugiados, mas, na prática, o que se via era o oposto”, disse.
Segundo ela, essa postura foi mais sistemática de 1937 a 1945, endossada primeiro pelo Itamaraty e, depois, pelo Ministério da Justiça. “É como uma orquestra em que se somam ações intolerantes por parte de vários ministérios, que apregoavam o cumprimento das regras impostas por circulares secretas. Circulares que obstruíam o salvamento de milhares de judeus, centenas de ciganos e dissidentes políticos do nacional-socialismo. Essa é uma dívida que o Brasil tem para com o povo judeu e outras minorias tratadas como ‘raças indesejáveis’”, afirmou.
Esse é o conteúdo de grande parte dos documentos disponíveis no site, como, por exemplo, ofícios e circulares secretas antissemitas classificados na época como secretos pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Nesses registros – muitos dos quais são assinados por importante ministros, como Oswaldo Aranha, Gustavo Capanema, Francisco Campos e Raul Fernandes, e por diplomatas brasileiros em missão na Europa – fica evidente a recomendação de dificultar a entrada de judeus no país.
De acordo com a historiadora, ajudar judeus era visto como “um ato contra a nação”. Mas, durante a guerra, alguns raros nomes se sobressaíram como sinônimo de indignação e coragem.
“Foi o caso do embaixador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, e de uma funcionária do consulado em Hamburgo, Aracy Moebius de Carvalho, mais tarde esposa do escritor Guimarães Rosa. Tanto Aracy, conhecida como ‘o anjo de Hamburgo’, como Souza Dantas desobedeceram às ordens do governo Vargas e liberaram centenas de vistos de judeus para o Brasil”, contou.
Ferramenta pedagógica
No portal, além de documentos oficiais, os usuários podem consultar um inventário de judeus refugiados no Brasil com dados e correspondências pessoais, fotografias, passagens de navio e bibliografia sobre o tema. Essas informações encontram-se distribuídas em vários links: “Arquivo”, “Justos & Salvadores”, “Periódicos”, “Artistas & Intelectuais”, “Rotas de fuga”, “Testemunhos” e uma “Biblioteca Virtual” com livros de memórias. O site também será alimentado com novos relatos, a partir do link “Indique um sobrevivente”.
O objetivo é disponibilizar histórias e memórias dos sobreviventes de campos de concentração e refugiados do nazifascismo radicados no Brasil até 1960, considerando o árduo e longo processo daqueles que procuraram naturalizar-se brasileiros.
Segundo Tucci Carneiro, a partir de 1950 o Itamaraty adotou uma postura mais liberal, após a divugação das atrocidades praticadas pelos nazistas e da resolução da Organização das Nações Unidas que definiu genocídio como crime contra a Humanidade.
A diplomacia deixou de, por exemplo, usar o termo “raça semita” e as circulares secretas antissemitas caíram no limbo da história. “Houve um esvaziamento da política antissemita enquanto instrumento do Estado, mas nem por isso o antissemitismo deixou de existir alimentado por grupos da extrema direita e da esquerda. Daí a importância do Arqshoah neste momento em que diferentes vozes negam o Holocausto”, disse.
Além de “arquivo-testemunho”, o Arqshoah pretende também ser uma ferramenta pedagógica importante para professores e alunos do ensino fundamental, médio e universitário. Segundo a professora da USP, tanto o Holocausto como o antissemitismo raramente são analisados nos livros didáticos e, quando aparecem, entram como adendo da Segunda Guerra Mundial.
“Normalmente, quando os professores falam sobre a guerra ou sobre a Alemanha nazista têm poucas informações sobre esse contexto. A ideia é romper o silêncio e promover o debate sobre o Holocausto enquanto genocídio singular e crime contra a humanidade”, disse a pioneira nos estudos sobre o antissemitismo na Era Vargas, título do seu livro publicado em 1988.
Memória oral
Além do acervo digitalizado, o portal Arqshoah terá arquivos de áudio e vídeo. Até o momento foram gravados mais de 30 depoimentos com sobreviventes ou seus filhos.
“Alguns dos entrevistados haviam gravado depoimentos para a Survivors of the Shoah Visual History Foundation (Fundação dos Sobreviventes da História Visual do Shoah), fundada em 1994 pelo cineasta norte-americano Steven Spielberg, cujas cópias procuramos recuperar. Novos registros estão sendo gravados sob um outro olhar, sendo esse mais um segmento coordenado pelo professor Pedro Ortiz e pela historiadora Rachel Mizrahi, ambos pesquisadores do LEER”, disse Tucci Carneiro.
“Vamos também tornar públicos os processos de naturalização dos judeus que entraram no Brasil de 1933 a 1950, documentos sob a guarda do Arquivo Nacional e que vão inaugurar a segunda fase do projeto, em 2010. Segundo a legislação brasileira, somente após dez anos os estrangeiros poderiam se naturalizar brasileiros. A partir do passaporte anexado ao processo é possível identificar o diplomata que emitiu o visto e a estratégia de entrada no Brasil, burlando as circulares antissemitas. Além disso, a naturalização exige atestados de trabalhos e, no caso dos intelectuais, eles anexavam também artigos e livros para mostrar sua produção, como ocorreu com o crítico e historiador de arte Otto Maria Carpeaux”, contou.
A difícil trajetória daqueles que conseguiram entrar no Brasil (com documentos falsos ou como católicos) pode ser conhecida através de alguns links, dentre os quais o do “Inventário de Sobreviventes” e “Artistas & Intelectuais”. “Pode também ser vislumbrado um conjunto de obras do pintor Lasar Segall, que entre 1936 e 1947 denunciou a a brutalidade praticada pelos nazistas contra os judeus”, disse Tucci Carneiro.
Mais informações: http://www.arqshoah.com.br/ ou arqshoah@usp.br.
Fonte: Agência FAPESP
http://www.agencia.fapesp.br/materia/11287/especiais/historia-de-sobreviventes.htm
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quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Brasil foi o país com mais filiados ao Partido Nazista fora da Alemanha
Com base em documentos de arquivos alemães, pesquisadora identifica atuação do Partido em 83 países. O grupo brasileiro tinha o maior número de integrantes
A historiadora Ana Maria Dietrich analisou, em seu mestrado, documentos do Deops-SP que revelaram a atuação do Partido Nazista alemão (NSDAP) no Estado de São Paulo, entre 1928 e 1938. Algumas dessas descobertas incentivaram a historiadora a ir para a Alemanha, onde atualmente pesquisa o tema para o doutorado. O objetivo é compreender a atuação do NSDAP em território brasileiro sob a perspectiva do III Reich.
O doutorado é feito pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em parceria com o Centro de Estudos de Anti-Semitismo da Universidade Técnica de Berlim, onde Ana Maria atua como pesquisadora convidada. A historiadora utiliza como fontes as atas do Arquivo Federal Alemão e o Arquivo político do Ministério das Relações Exteriores, em Berlim.
A pesquisadora pretende analisar, também, revistas e jornais da linha nacional-socialista publicados no Brasil em alemão, disponíveis no Instituto de Relações Exteriores, em Stuttgart, e verificar arquivos de outras cidades alemãs. As fontes orais - entrevistas com ex-partidários ou familiares - também estão entre as suas prioridades.
"Além de revelar um capítulo da história do Brasil, minha pesquisa está fundamentada no fortalecimento dos valores democráticos no Brasil e em outros países da América Latina", conta.
Nacional-socialismo no Brasil
Entre os primeiros resultados, Ana Maria identificou que o Landesgruppe Brasilien (o grupo do país Brasil) integrava uma espécie de rede mundial com outras filiais do partido. Esta "rede" estava presente em 83 países, em todos os continentes, com 29 mil integrantes.
As filiais estavam ligadas à Organização do Partido Nazista no Exterior (AO), um departamento do governo do Reich. Todas as diretrizes, ordens e controles partiam desta central. "A estruturação como uma espécie de 'rede de aranha' me chamou a atenção, pois mostra a força mundial do movimento."
O Landesgruppe Brasilien tinha o maior número de filiados do Partido Nazista fora da Alemanha, com 2.903 integrantes, superior à Holanda (1.925), Áustria (1.678) e Polônia (1.379). Dos filiados no Brasil, 92,7% eram alemães natos e apenas 2,45% eram brasileiros. "Para o governo Vargas, o NSDAP era um pequeno partido voltado para uma minoria estrangeira (alemães). Mas para o governo de Hitler, a história era outra."
"Uma grande surpresa foi localizar documentos sobre o norte do Brasil e saber que o Partido também desempenhou um importante papel nos estados de Pernambuco, Bahia e Pará." Ana Maria pretende comparar a história do NSDAP nos diferentes estados brasileiros, principalmente na relação norte / sul do País.
"Inferno" tropical
Se nos panfletos de propaganda para imigração que circulavam na Alemanha entre 1920 e 1930 o Brasil foi descrito como paraíso tropical, Ana Maria constatou que nos relatórios da Organização do Partido Nazista no Exterior e nos artigos de alguns jornais alemães, o País era visto pelos nazistas como "inferno" tropical.
"Isso não aconteceu pelas diferenças climáticas, nem pelas doenças que os imigrados tinham de enfrentar, mas pelo fato de os "arianos puros" conviverem com negros e outras etnias na lavoura e nas cidades. A miscigenação característica da formação do povo brasileiro era absolutamente inaceitável para o III Reich."
Durante o mestrado, Ana Maria identificou Hans Henning von Cossel como chefe do Partido Nazista no Brasil e também como editor do jornal semanal Deutscher Morgen, que circulou livremente no País entre 1932 e 1940. Na Alemanha, a pesquisadora conseguiu entrevistar duas filhas de Cossel. "Elas relataram que o pai tinha uma boa relação com os estadistas da época, como Getúlio Vargas e Adolf Hitler, sendo que este último ele encontrou pessoalmente."
Segundo Ana Maria, Cossel fazia viagens pelo Brasil para divulgar o nacional-socialismo e também para a Alemanha, onde encontrou o chefe da Organização do Partido Nazista no Exterior, Ernst Wilhelm Bohle. "Cossel era, para o Partido, o "Fuhrer" no Brasil. Exercia as funções de "Vertrauensmann" (homem de confiança) do III Reich e adido cultural da Embaixada Alemã no Rio de Janeiro, além de manter o status de correspondente do III Reich, transmitindo informações importantes sobre o Brasil para a Alemanha.
Aspectos sociais
"O viés 'social' também é uma das novidades do meu trabalho, em complemento a importantes estudos de historiadores alemães e brasileiros sobre a chamada 'história política' do Partido Nazista no exterior e no Brasil."
Segundo a historiadora, ao se estudar as consequências do fenômeno do nazismo para o Brasil e para a humanidade, evita-se a proliferação da ideologia e de movimentos de extrema-direita. "Só através do debate deste período histórico poderemos informar às futuras gerações sobre a importância da democracia, contra qualquer tipo de discriminação em relação às minorias."
Ana Maria faz doutorado-sanduíche com bolsa do CNPq / DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). A orientação no Brasil é da professora Maria Luíza Tucci Carneiro, da FFLCH, e na Alemanha é do professor Wolfgang Benz, da Universidade Técnica de Berlim. A previsão é que, em 2006, seus estudos estejam concluídos. Segundo a pesquisadora, o mestrado será publicado no segundo semestre deste ano pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
[imagens: arquivo Ana Maria Dietrich]
Valéria Dias / Agência USP
Fonte: USP Online
http://www2.usp.br/index.php/sociedade/442
A historiadora Ana Maria Dietrich analisou, em seu mestrado, documentos do Deops-SP que revelaram a atuação do Partido Nazista alemão (NSDAP) no Estado de São Paulo, entre 1928 e 1938. Algumas dessas descobertas incentivaram a historiadora a ir para a Alemanha, onde atualmente pesquisa o tema para o doutorado. O objetivo é compreender a atuação do NSDAP em território brasileiro sob a perspectiva do III Reich.
O doutorado é feito pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em parceria com o Centro de Estudos de Anti-Semitismo da Universidade Técnica de Berlim, onde Ana Maria atua como pesquisadora convidada. A historiadora utiliza como fontes as atas do Arquivo Federal Alemão e o Arquivo político do Ministério das Relações Exteriores, em Berlim.
A pesquisadora pretende analisar, também, revistas e jornais da linha nacional-socialista publicados no Brasil em alemão, disponíveis no Instituto de Relações Exteriores, em Stuttgart, e verificar arquivos de outras cidades alemãs. As fontes orais - entrevistas com ex-partidários ou familiares - também estão entre as suas prioridades.
"Além de revelar um capítulo da história do Brasil, minha pesquisa está fundamentada no fortalecimento dos valores democráticos no Brasil e em outros países da América Latina", conta.
Nacional-socialismo no Brasil
Entre os primeiros resultados, Ana Maria identificou que o Landesgruppe Brasilien (o grupo do país Brasil) integrava uma espécie de rede mundial com outras filiais do partido. Esta "rede" estava presente em 83 países, em todos os continentes, com 29 mil integrantes.
As filiais estavam ligadas à Organização do Partido Nazista no Exterior (AO), um departamento do governo do Reich. Todas as diretrizes, ordens e controles partiam desta central. "A estruturação como uma espécie de 'rede de aranha' me chamou a atenção, pois mostra a força mundial do movimento."
O Landesgruppe Brasilien tinha o maior número de filiados do Partido Nazista fora da Alemanha, com 2.903 integrantes, superior à Holanda (1.925), Áustria (1.678) e Polônia (1.379). Dos filiados no Brasil, 92,7% eram alemães natos e apenas 2,45% eram brasileiros. "Para o governo Vargas, o NSDAP era um pequeno partido voltado para uma minoria estrangeira (alemães). Mas para o governo de Hitler, a história era outra."
"Uma grande surpresa foi localizar documentos sobre o norte do Brasil e saber que o Partido também desempenhou um importante papel nos estados de Pernambuco, Bahia e Pará." Ana Maria pretende comparar a história do NSDAP nos diferentes estados brasileiros, principalmente na relação norte / sul do País.
"Inferno" tropical
Se nos panfletos de propaganda para imigração que circulavam na Alemanha entre 1920 e 1930 o Brasil foi descrito como paraíso tropical, Ana Maria constatou que nos relatórios da Organização do Partido Nazista no Exterior e nos artigos de alguns jornais alemães, o País era visto pelos nazistas como "inferno" tropical.
"Isso não aconteceu pelas diferenças climáticas, nem pelas doenças que os imigrados tinham de enfrentar, mas pelo fato de os "arianos puros" conviverem com negros e outras etnias na lavoura e nas cidades. A miscigenação característica da formação do povo brasileiro era absolutamente inaceitável para o III Reich."
Durante o mestrado, Ana Maria identificou Hans Henning von Cossel como chefe do Partido Nazista no Brasil e também como editor do jornal semanal Deutscher Morgen, que circulou livremente no País entre 1932 e 1940. Na Alemanha, a pesquisadora conseguiu entrevistar duas filhas de Cossel. "Elas relataram que o pai tinha uma boa relação com os estadistas da época, como Getúlio Vargas e Adolf Hitler, sendo que este último ele encontrou pessoalmente."
Segundo Ana Maria, Cossel fazia viagens pelo Brasil para divulgar o nacional-socialismo e também para a Alemanha, onde encontrou o chefe da Organização do Partido Nazista no Exterior, Ernst Wilhelm Bohle. "Cossel era, para o Partido, o "Fuhrer" no Brasil. Exercia as funções de "Vertrauensmann" (homem de confiança) do III Reich e adido cultural da Embaixada Alemã no Rio de Janeiro, além de manter o status de correspondente do III Reich, transmitindo informações importantes sobre o Brasil para a Alemanha.
Aspectos sociais
"O viés 'social' também é uma das novidades do meu trabalho, em complemento a importantes estudos de historiadores alemães e brasileiros sobre a chamada 'história política' do Partido Nazista no exterior e no Brasil."
Segundo a historiadora, ao se estudar as consequências do fenômeno do nazismo para o Brasil e para a humanidade, evita-se a proliferação da ideologia e de movimentos de extrema-direita. "Só através do debate deste período histórico poderemos informar às futuras gerações sobre a importância da democracia, contra qualquer tipo de discriminação em relação às minorias."
Ana Maria faz doutorado-sanduíche com bolsa do CNPq / DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). A orientação no Brasil é da professora Maria Luíza Tucci Carneiro, da FFLCH, e na Alemanha é do professor Wolfgang Benz, da Universidade Técnica de Berlim. A previsão é que, em 2006, seus estudos estejam concluídos. Segundo a pesquisadora, o mestrado será publicado no segundo semestre deste ano pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
[imagens: arquivo Ana Maria Dietrich]
Valéria Dias / Agência USP
Fonte: USP Online
http://www2.usp.br/index.php/sociedade/442
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