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domingo, 31 de janeiro de 2016

[Pausa Musical] - A Nova Música Portuguesa: Diabo na Cruz

Pra quem não conhece, e embora seja difícil de encontrar os arquivos dessa banda na web, o som é muito bom. O Brasil desaprendeu a fazer música (não se pode ganhar sempre, rs) e Portugal faz uma nova música muito interessante, com som renovado e linguagem moderna (visual e musical).

Achei essa banda ao acaso no Youtube, ou o Youtube que sugeriu (não lembro) e é um misto de rock com uma sonoridade folclórica-popular de Portugal (algumas músicas têm essa sonoridade). Os clipes também são bem feitos, o melhor deles (visual e pela música) talvez seja o "Bomba-canção", as imagens foram tiradas de um filme (quando eu procurar de novo o nome do filme coloco aqui, rs, agora que eu vi que se encontra no final do clipe, "Campo de flamingos sem flamingos", de André Príncipe). O outro vídeo com visual muito bacana pois mostra coisas do folclore (dança e o visual do país) é a música "Siga a rusga", embora a música que os colocou no cenário musical português deva ser a "Dona Ligeirinha" (o que chamam de sucesso comercial, que não é necessariamente sinônimo de má música), que no vídeo também mostra a dança típica de Portugal (o visual combinou com a sonoridade da música).

Ainda sobre os vídeos (clipes), o vídeo "Luzia" foi gravado em alguma cidade do interior de Portugal, em alguma procissão ou marcha cultural local com trajes típicos (folclore, música) e tem uma sonoridade de música de baile (mais ou menos), e o vídeo de "Ganhar o dia" mostra cenas de alguma turnê/apresentação pelo cenário musical (pop/rock) português em algumas localidades, também tem sonoridade inovadora mas sem deixar de lado o som de guitarra misturado com um som bem português.

Bom, em parte o post de certa forma resgata certas origens do Brasil, de Norte a Sul, é um remédio pros "separatismos" exóticos que pipocam (ainda que) virtualmente, por gente ignóbil. Sinto pelo restante (quem chegou depois, paciência... rs), mas o impacto da cultura portuguesa, africana e indígena do país ainda dão forma ao Brasil, tanto que não preciso citar o nome do idioma oficial do país, quer alguns gostem ou não. E vem desse "não gostar" ou "sentir ódio" ao país, por sua formação cultural, a crise de identidade atual do Brasil, embora sempre caiba mais um ou uma cultura, rs.

Vejam o cerco cultural que o Brasil vive, a gente só tem acesso ou ouve falar dessas bandas graças à internete o Youtube porque a grande mídia do país (o oligopólio de mídia), americanófilo, só passa lixo importado dos EUA fora os lixos nacionais (que destruíram a indústria musical do país, apesar de alegarem que não). A música brasileira, que antes era sinônimo de qualidade e respeito no mundo foi reduzida a pó pela mídia do país e falta de escrúpulo da indústria fonográfica nas mãos de multinacionais, se bem que o quadro em alguns países é desolador (nos próprios EUA a indústria musical anda um verdadeiro esterco).

A cena rock/pop em Portugal é menos volumosa (o porte) que a espanhola, que acabei tendo ideia (sabendo da existência) graças à internet, aos kamikazes (a banda tem uma música com esse título, rs) e à banda Amaral (de Saragoça), que era a banda mais conhecida e popular na Espanha, embora não creio que hoje estejam em alta na Espanha, tanto pela crise econômica daquele país (que já perdura desde 2008 e altera o humor da população) e apesar do disco novo, pois a banda Amaral (que na verdade é um duo) demora muito pra lançar um disco de um pro outro lançamento e isso afeta consideravelmente a popularidade da banda, preciosismo em excesso apesar da qualidade bem alta. Como também eles já não têm mais o ritmo que tinham no começo (quando estouraram, entre os anos de 2002 e 2005, apogeu) porque saíram de um selo de peso (EMI, agora Universal) pra adotar o próprio selo independente e consequentemente piorou a distribuição/divulgação dos discos, concertos etc. A meu ver um erro feio deles.

Confiram a música do Diabo na Cruz abaixo (selecionei uns vídeos, quem quiser ver mais, virem-se no Youtube) e os clipes das músicas. O novo som que veio de Portugal. Pro Brasil sair desse bitolamento midiático imposto pela Globo e seguido pelo resto da mídia do país que só repassam enlatado dos EUA (música de quinta) e lixo musical nacional.

Diabo na Cruz - Bomba-Canção (video oficial)


Diabo na Cruz - Dona Ligeirinha (video oficial)


Diabo na Cruz - "Siga a Rusga"


Diabo na Cruz - Luzia (video oficial)


Diabo na Cruz - Ganhar o Dia

domingo, 13 de dezembro de 2015

A lista (falsa) de sobrenomes de cristãos-novos de novo, agora na BBC, e a nova lei de Portugal sobre o assunto

A BBC recentemente publicou matéria sobre uma nova lei portuguesa que dá cidadania a brasileiros descendentes de judeus, segue a matéria abaixo:
Saiba como lei portuguesa pode dar cidadania a brasileiros descendentes de judeus

Esta lei copia (ou segue) uma lei semelhante na Espanha, com o mesmo propósito:
A oferta de nacionalidade aos sefarditas satura os consulados espanhóis em Israel

Eu já comentei sobre isso aqui (post "O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola" e o jornal El País (Espanha) já comentou sobre a lista falsa com sobrenomes que teriam "direito", listas disseminadas a esmo por grupos evangélicos (alguns se passando por judeus, ou que 'creem' que são):
Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol?

A matéria da BBC Brasil do início do post reproduz a baboseira da lista falsa (ou uma delas). Mas não só ela, basta clicar aqui pra ver outra.

A quem se questionar porque estou fazendo este post, é porque muita gente aparecia em comunidades sobre "revisionismo" vindo encher o saco com esse assunto, com uma obsessão doentia (pleonasmo) com essa questão, na crença de que se se "tornarem" judeus seriam mais "abençoados", "ficarão ricos" etc. Ou seja, o pessoal 'bem-intencionado' repete os estereótipos dos ditos "revis" sobre judeus (sobre riqueza, poder etc).

Geralmente é gente de religião evangélica, ou de algumas denominações no Brasil que criam uma verdadeira mixórdia religiosa misturando idolatria a judeus, judaísmo etc com cristianismo. A quem quiser ler mais, só no verbete em inglês, o verbete em português é entupido de proselitismo religioso.

Essa postura vem importada dos EUA, e essas pessoas ficam circulando em torno desses assuntos apenas por crendice, fanatismo religioso ou mesmo por posturas não muito louváveis (como já citado acima: acham que irão ficar "ricos" ou melhorar status social "virando" judeu). Daí começam a fantasiar sobre "origem judaica" num passado remoto (faz um "pouquinho" de tempo 'meio milênio').

A Record também embarcou na pilha e fez um programa horrível sobre isso.

Sobre o post de um dos links acima (o do filossemitismo), ele foi feito na época que a Espanha fez o mesmo tipo de lei: a de dar cidadania espanhola a quem for descendente de "judeus expulsos" da Espanha na época da Inquisição. Cidadania que torna a pessoa cidadão da União Europeia também.

Seria assunto pra outra post, mas tem a ver com o que se passa. É visível que no Brasil parte da população passa por um problema de crise identitária e fica procurando 'identidades' outras pra se auto-afirmarem ou fazer parte de algum "grupo". Alguma "ascendência nobre" etc. Em vez de se enxergarem como brasileiros ou se proclamarem brasileiros, ficam procurando identidades que julgam ter "mais status" por algum menosprezo ou ódio ao país. Esse tipo de surto não é bom pois descamba pra algum ufanismo qualquer (o extremo oposto do complexo de vira-latas) como aqueles que aconteceram esse ano, com gente urrando com a camisa da CBF (da seleção da CBF) querendo mostrar que são "mais brasileiros" que outros só por ostentarem uma camisa amarela (como se isso tornasse alguém brasileiro ou mais brasileiro que outros), quando parte desse povo sente um menosprezo profundo pelo país.

Mas indo ao ponto.

Primeiramente, um sobrenome genérico numa lista não é prova que alguém seja descendente de algum judeu/judia convertido ao cristianismo (catolicismo) na época das inquisições.

A maioria dos sobrenomes (senão todos) dessas listas eram sobrenomes também de cristãos-velhos (se há o "novo" é porque havia o "velho", dã! rs), que eram os cristãos não convertidos ou cristãos não-judeus.

Pena que perdi os links (do Orkut) que tinham alguns ensaios sobre esse tema, mas também houve muçulmanos convertidos à força ao cristianismo na Península Ibérica e havia os moçárabes. Nunca ouviu falar deles? Clique aqui e aqui. Resumidamente (pois sei que tem gente que não vai clicar nos links), moçárabes eram cidadãos ibéricos, cristãos, que adotavam a cultura da potência invasora/dominante (então árabe e muçulmana), língua etc.

Ou seja: e se você for descendente, não de judeus, mas de algum moçárabe ou muçulmano árabe convertido ao cristianismo na época da Inquisição que veio ao Brasil e Américas? Vai pular do penhasco por isso? rs.

Por que fiz esta pergunta irônica (a do "pular do penhasco" com raiva? Se você tem visto os comentários de ódio irracional, movido por ignorância extrema, desses grupos contra muçulmanos entenderá o porquê da ironia com a pergunta. Veja que no Brasil nem tocam no assunto.

Só pra dar uma ideia da extensão genética da coisa, já que não achei a matéria que saiu sobre isso há algum tempo. Segue esta matéria em espanhol sobre o DNA na Espanha, Portugal segue um padrão semelhante:
Uno de cada tres españoles tiene marcadores genéticos de Oriente Medio o el Magreb (El Mundo, Espanha)

É a parte anedótica dessa "busca" (entre aspas) por antepassados judeus no Brasil. A pessoa pode descobrir que é descendente de algum moçárabe ou muçulmano convertido ao cristianismo à força. Curioso que as matérias não tocam no assunto.

Em resumo: essas listas com sobrenomes não servem pra coisa alguma.

Causa constrangimento e vergonha alheia ver a publicação dessas listas.

Pra você provar que tem algum antepassado judeu/judia convertido de forma remota (pois faz tempo...), vai ter que fazer uma "escavação arqueológica", provar genealogicamente a coisa, até porque não irão dar cidadania por "brinde", a menos que seja um grupo minoritário que conseguiu preservar desde essa época o culto judaico etc. Além de outros problemas com o tema: houve gente que se converteu porque quis também. Não era "status" ser judeu na colonização das Américas, essa coisa de "ser judeu pra ter status" é algo recente, novo, pós-segunda guerra. Até a segunda guerra muita gente mascarava isso com medo de perseguição e preconceito/racismo.

Só lembrando: a maioria absoluta dos convertidos se assimilaram à Espanha, Portugal ou outros países em que se fixaram. Sentiam-se parte dessas sociedades, mas não como "judeus".

Não avaliem o passado com anacronismo (repassando pruma época remota valores de hoje). Não havia internet na época, rastros se apagam com certa facilidade, principalmente num "mundo" onde tudo era precário.

Muita gente na época não queria ser "judeu", a não ser por questão de fé, porque a perseguição cedo ou tarde seria inevitável. A menos que alguém seja masoquista (tirando o que permanecia judeu por convicção religiosa), não era uma boa religião (do ponto de vista de se manter vivo) pra alguém se converter ou permanecer nela.

Muitas famílias adotaram sobrenomes de cristãos-velhos e se assimilaram totalmente a esses países (Portugal e Espanha), não sendo tão fácil rastrear a mudança. Não estamos falando de algo com 50 anos e sim de meio milênio. A maioria se sentia ou português ou espanhol, ou descendentes dos mesmos, professando o cristianismo (tornavam-se católicos).

Querer escavar essas coisas (tirando o pessoal de História, arqueologia etc, o pessoal das ciências, que tem que escavar mesmo) por fanatismo religioso e oportunismo, em minha opinião, não passa de escrotice da grossa, além de uma cretinice sem tamanho.

No vídeo da Record mostra uma pessoa seguindo (imitando) ritual judaico provavelmente por ser evangélico e com base nessa ideia de que sobrenome tal torna essas pessoas judias. É um crime (mentira) o que estão fazendo com essas pessoas, fora a ignorância histórica profunda.

Em suma, eu fico com vergonha do conteúdo dos programas com conteúdo "histórico" que passam no país. Ainda mais a BBC reproduzindo essa papagaiada sem avaliar a informação que repassa. A BBC tem um histórico problemático de conteúdo, tem bons documentários mas a cobertura jornalística é enviesada, tanto como a Globo (essa nem enviesada é mais, é partidarizada mesmo). Saem copiando listas de sites evangélicos ou de "judeus messiânicos" (evangélicos que 'pensam' que são judeus, pra proselitismo religioso) na web que dizem ser de "marranos" e colocam essas coisas sem critério algum, além de atiçarem a neurose de grupos antissemitas que veem judeus na sombra, na esquina, em qualquer canto.

Por isso que disse num dos posts (não só eu) que o 'filossemitismo' anda junto do antissemitismo, são unha e carne.

Chega a ser ridículo que Espanha e Portugal apresentem uma lei dessas (de "reparação", entre aspas) 500 anos depois que mataram gente por fanatismo religioso e racismo. Era melhor só ter admitido que cometeram os crimes e pedir desculpas pelo ocorrido (e põe pedido tardio nisso) e assunto encerrado. Esses países não estão reparando coisa alguma, só sendo hipócritas.

E um adendo, porque a internet infelizmente está infestada de gente fanática: eu não tenho interesse em discutir religião/religiões com A, B ou C, tampouco sou religioso. A quem quiser pregar a "verdade" (religiosa) pra mim, está dando viagem perdida. Digo isso porque no Orkut aparecia muita gente confusa (eu diria que até "perturbada") enchendo o saco com esse tipo de assunto/neurose quando esse pessoal deveria procurar ajuda especializada pra tratar disso, já que nem interpretar um texto direito conseguem ou querem. Estou sendo duro no comentário porque chega uma hora que a coisa extrapola e irrita de verdade, a gente vai "relevando" por educação, mas uma hora estoura.

O texto acima não trata de "crença" e sim de História, trata sobretudo da proliferação do preconceito no país, que se dá também através desse fanatismo religioso sectário e disseminação de mentiras como as citadas acima (listas falsas etc).

No Brasil a mídia (generalizando) serve mais pra dinamitar o país do que ajudar no progresso do mesmo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

sábado, 27 de junho de 2015

Os incompatíveis. À luz do passado fascista de Mircea Eliade através de Mihail Sebastian

Mihail Sebastian // Mircea Eliade
A amizade entre o estudioso das religiões Mircea Eliade e o novelista Mihail Sebastian era tão prometedora como o mundo na qual ela nasceu: a esperança palpável de um futuro melhor para Romênia, de um esperado debut literário para ambos e o amor compartilhado de uma mulher excepcional. Contudo, o surgimento do nazismo obscureceu tudo e os arrastou a um desencontro inimaginável pouco anos antes. Agora, a publicação malograda de uma série de livros permite reconstruir a história dessa amizade desde todos seus pontos de vista - assinados, todos, por uma extraordinária peculiaridade romena: a compatibilidade de incompatibilidades.

Por Juan Forn

Como Heidegger, Mircea Eliade também tinha um esqueleto no armário. Como Heidegger, os pecados políticos de Eliade implicaram numa traição a um ser querido. No caso de Heidegger, sua amante, a jovem Hannah Arendt. No caso de Eliade, seu melhor amigo de juventude, o escritor Mihail Sebastian. Diferentemente de Heidegger, Eliade nunca voltou a ver sua vítima: Mihail Sebastian morreu um ano depois do término da Segunda Guerra. Mas tal como Heidegger foi (para muitos incompreensivelmente) perdoado por Arendt, Mihail Sebastian terminou condenado sem resolver a questão com Eliade na tumba, e quando seu cadáver estava há mais de quatro décadas enterrado, Eliade passou este mesmo tempo desfrutando sua glória acadêmica nos Estados Unidos.

Talvez seja imprescindível ser judeu e romeno para entender em sua justa proporção a trágica história de Eliade e Sebastian. Ou talvez o alcance em ler a formidável novela autobiográfica "El regreso del húligan" (O regresso do hooligan), de Norman Manea (e seu livro de contos "Felicidad obligatoria" e seus ensaios como "Payasos. El dictador y el artista"), para entender que uma história não termina até que alguém a conte, alguém para quem essa história contém cifrada sua identidade como escritor.

Vamos por partes. Norman Manea é judeu e romeno ("um judeu do Danúbio" como prefere dizer ele), nascido trinta anos mais tarde de Eliade e Sebastian na Bucovina, no confim do Império Austro-Húngaro, que depois da Primeira Guerra se converteu em território romeno. Ao contrário de seus vizinhos, a Romênia (o mais latino dos países mitteleuropeus, ou Europa Central) pelejou aquela guerra no grupo oposto ao Kaiser e, no reparto posterior à vitória, o Tratado de Versalhes a premiou com os territórios da Bucovina e da Bessarábia. Nunca foi tão grande e próspero o território romeno (Bucovina, por exemplo, hoje pertence à Ucrânia); nunca foi mais mentiroso o comportamento dos romenos: na encruzilhada, a que vai do ano '30 até a entrada na Segunda Guerra ao lado dos nazis, Norman Manea situa o começo da quebra moral de seu país, com a escalada nacionalista antissemita, que não só havia de arrasar com a amizade entre Eliade e Sebastian, como que, décadas depois, terminaria convertendo a Romênia de Ceaucescu no único regime totalitário do mundo que praticava o comunismo e o fascismo ao mesmo tempo.

Eliade e Sebastian se conheceram em meados dos anos '20 ao ingressar na Universidade de Bucareste. Os dois queriam ser escritores, os dois mostravam um talento igualmente promissor, os dois eram (como os também jovens Emil Cioran e Eugene Ionesco) discípulos do famoso professor de lógica e metafísica Nae Ionesco. Eliade era, como seu mestre, cristão ortodoxo. Sebastian, cujo verdadeiro nome era Iosef Hechter (já veremos porque adotou em seus documentos esse pseudônimo em 1935), havia nascido no mesmo povoado do seu mestre, Braila, mas era judeu. A amizade entre ambos os jovens se desenvolveu sob a tutela de Ionescu e de uma jovem chamada Nina Mares, que seria primeiro namorada platônica de Sebastian e depois se casaria com Eliade. Nina passava à máquina os primeiros textos de Eliade e Sebastian enquanto eles percorriam o país dando conferências como membros da Associação Cultural Criterion, pregando o advento de uma nova literatura romena (eram anos de fervente curiosidade intelectual naquele país: para entendê-lo cabalmente, pode-se mencionar o fato de que os editores franceses, italianos e alemães vendiam quase uma décima parte de sua produção a livrarias romenas).

Sebastian adquiriu logo renome como jornalista ao se graduar, Eliade preferiu ensinar na universidade (uma viagem pela Índia que fez em fins dos anos '20 definiu a orientação intelectual de sua carreira), mas os dois jovens seguiam apostando em segredo pelas novelas que estavam escrevendo e que o professor Ionescu havia prometido prefaciar. Assim chegamos ao ano de 1934. Sebastian termina sua novela e a entrega a Ionescu para que ele escreva o prólogo. Entretanto, chamuscado pelos novos ares que sopravam da Itália e Alemanha, Nae Ionescu começou a se distanciar do cosmopolitismo pan-europeu e a predicar as bondades do fascismo mussoliniano e do programa de depuração nacionalista que pregava Adolf Hitler direto das páginas de Mein Kampf. Ionescu não havia se juntado ao movimento ultranacionalista Guarda de Ferro (fato que produziria a falência da Criterion), mas o texto que escreve para a novela de Sebastian (uma saga sobre os judeus do Danúbio intitulada "Desde hace dos mil años") é de uma virulência estremecedora. Em todo o prólogo se refere a Sebastian não pelo pseudônimo escolhido mas por seu sobrenome judeu, sustenta que a identidade romena se baseia de forma "inalienável" no cristianismo ortodoxo e diz coisas tão incendiárias como: "Iosef Hechter, tu estás enfermo porque só podes sofrer. Iosef Hechter, não sentes como se apoderam de ti o frio e as trevas?"

Ainda que Sebastian comentara perturbado a Eliade quando lhe mostrou o prólogo: "É uma autêntica condenação à morte", não se atreveu a retirá-lo antes da publicação. O livro produziu o previsível escândalo. Acusado pela esquerda e pela direita (de "inimigo" pelos judeus e de "pária" pelos nacionalistas), Sebastian não só adotou em seus documentos seu pseudônimo literário senão que escreveu uma resposta a todos aqueles ataques, um livro tão breve como potente que intitulou: "Cómo me hice húligan" ["Como me tornaram um vândalo"] (nesse mesmo ano Eliade havia publicado finalmente sua novela, chamada "Los jóvenes bárbaros"- título em romeno Huliganii -; é sugestivo assinalar que, nos anos comunistas na Romênia, aquele termo se usaria para assinalar a todo o inimigo do regime). O certo é que Eliade foi um dos poucos integrantes da Criterion que saiu em defesa de Sebastian, mas lentamente ele também adotou o rumo ideológico de seu mentor Ionescu, para então alcunhar "o Sócrates legionário". Em 1936 Eliade escreveu: "Sem delongas, sim, Mussolini é um tirano. Mas me interessa uma só coisa: que ele transformou um Estado de terceira ordem em uma das potências do mundo" (este sugestivo olhar internacional não se limitava à Itália; também disse o seguinte sobre a Hungria e Bulgária em 1937: "Dos chefes políticos da Transilvânia heroica, castigados e humilhados durante séculos pelos húngaros, o povo mais imbecil que existe na História depois dos búlgaros, esperamos nós uma Romênia nacionalista, armada, vigorosa, implacável e vingadora").

Muito já discutiram os intelectuais romenos que ficaram e os que se exilaram se Eliade pertenceu ou não à Guarda de Ferro. O certo é que, quando em 1938 a cúpula legionária (incluindo Ionescu) foi presa, Eliade se trasladou de apuro a Londres, onde logo se somou à delegação diplomática do governo militar de Antonescu na Inglaterra, até que a entrada da Romênia na guerra do lado nazi o obrigou a se trasladar para a embaixada de seu país em Lisboa (em Portugal Eliade passou toda a guerra; ali escreveu fervorosos elogios ao tirano Salazar e aos "mártires" franquistas da Guerra Civil espanhola). Sebastian permaneceu na Romênia, sobreviveu por milagre às purgas antissemitas e, em determinado momento de 1942, quando Eliade voltou à Bucareste incógnito (levando uma mensagem de Salazar para Antonescu), tentou contatá-lo para lhe pedir ajuda, mas Eliade evitou vê-lo. Até então, Sebastian outorgava o benefício da dúvida a seu amigo, mas esse episódio decretou o fim da amizade.

Em agosto de 1944, caiu o regime pró-nazi de Antonescu, os russos entraram em Bucareste e a Romênia se juntou aos Aliados na arremetida final contra a Alemanha. Em dezembro de 1944, Sebastian se inteirou da morte de Nina Eliade e escreveu em seu diário: "Uma onda de recordações se levanta do passado. Seu quartinho na pensão: a máquina de escrever na qual copiou as novelas de Mircea e minha, seu inesperado amor, sua boda civil em segredo, nossos anos de amizade fraternal e depois os anos de confusão e desintegração até a ruptura, a inimizade e o esquecimento. Tudo está morto, desaparecido, perdido para sempre". Menos de três meses depois, reabilitado pelo novo governo com uma cátedra na recém fundada Universidade Livre e Democrática, Mihail Sebastian esperava o bonde para dar sua primeira aula quando um caminhão o atropelou e o matou na hora. Eliade escreve a respeito em seu Diário português: "Tenho me inteirado pela Rádio Romênia de que Mihail Sebastian morreu ontem. A notícia me transtorna. Em meus sonhos era uma das poucas pessoas que me haviam feito Bucareste ser suportável. Inclusive durante meu clímax legionário o senti perto de mim. Contava com essa amizade para voltar à vida e à cultura romenas. E agora se foi atropelado por um caminhão! Com ele se vai também minha juventude. A maioria da gente que quis está mais além. Sinto-me mais só que nunca. Adeus, Mihail".

Terminada a guerra, Eliade se trasladou para Paris, onde foi professor da Ecole des Hautes-Etudes. Nos anos '50 emigrou para os Estados Unidos, onde alcançou a celebridade mundial como estudioso das religiões e onde morreu, em Chicago, em 1986. Diferentemente de Cioran, que na velhice confessou com escárnio suas simpatias legionárias da juventude (em seus diários evoca várias conversas com Ionescu nas quais, corado, pergunta-se: "Como pode ser tão insensato?"), Eliade deixou escritos quatro tomos de memórias mas nunca fez a menor luz sobre seu passado legionário (o médico de cabeceira que assinou seu atestado de óbito era outro romeno exilado de nome Alexandru Ronett, fervoroso legionário que havia dado asilo em seu hogar norte-americano à sobrinha do sanguinário chefe da Guarda de Ferro, Corneliu Codreanu).

Pouco depois, Beno Sebastian, o irmão mais novo de Mihail, morreu em Paris em 1990, sua filha entregou para sua publicação o diário que escreveu Mihail entre 1935 e 1944, um texto que havia sido tirado clandestinamente da Romênia e que Beno se negou a dar a conhecer em vida. Eliade já havia morrido há dez anos quando o texto por fim foi publicado, em 1996, e desatou a polêmica. Sob a pressão da adversidade e do horror, Mihail Sebastian conserva nas páginas de seu Diário a graça da inteligência. O tom intimista, a mistura de afeto e horror com a qual retrata a evolução de suas amizades (em particular as de Eliade, Cioran e Nae Ionescu) e os infortúnios que lhe tocam viver é demolidora. Sebastian nunca acreditou que sobreviveria à guerra. Mas escrevia essas páginas não para a posteridade senão unicamente para si, para manter secretamente sua relação com a escritura (como judeu, era proibido de publicar e ser jornalista).

O texto mais explosivo que se escreveu sobre a relação de Eliade e Sebastian o fez Norman Manea. Exilado ele mesmo do regime de Ceaucescu, e antes sobrevivente do campo de concentração durante a Segunda Guerra, Manea sofreu na própria carne o antissemitismo romeno e essa bizarra combinação de stalinismo e fascismo que asfixiou durante décadas seu país. O texto no qual compara o Diário de Sebastian com as Memórias e o Diário português de Eliade foi publicado na prestigiosa revista The New Republic (com o título "Felix culpa") e lhe valeu ameaças de morte provenientes tanto da Romênia pós-comunista como dos grupos de exilados romenos nos Estados Unidos. Manea se converteu para os romenos no que Orhan Pamuk representa para os turcos. Isso não evitou que Manea duplicasse a aposta alguns anos depois com sua novela "El regreso del húligan", um tipo de summa autobiográfica que funciona por sua vez como novela picaresca, ensaio político e afresco histórico do século XX romeno, e que lhe valeu desde sua aparição a candidatura ao Nobel.

Celebrado por autores como Claudio Magris, Philip Roth, Milan Kundera, Saul Bellow, Imre Kertesz e Antonio Tabucchi, o formidável livro de Manea propõe um contraponto entre a primeira viagem a sua terra natal depois de exilado (comparável ao que Tzvetan Todorov fez à Bulgária no "El hombre desplazado", em português "O homem desenraizado") e a história de sua vida na Romênia desde o momento em que seus pais o engendraram em Bucovina, no mesmo ano em que Eliade publicou sua novela hooligan e Sebastian seu manifesto anti-hooligan (a referência não é gratuita: os pais de Manea o conceberam nos altos de uma livraria onde ambos os livros, recém publicados, são o centro de um prolongado e febril debate sobre o futuro entre os mais jovens membros do clã Manea e seus amigos, que ignoram que pouco depois seriam arreados em conjunto para campos de concentração da Transnístria).

Manea relata com o mesmo desembaraço a episódios completamente incompatíveis. Vale a pena mencionar dois deles, arrepiantes: num conta como a polícia secreta romena convenceu a seu melhor amigo para que o espiasse, em troca de uma cama de hospital para seu pai moribundo (o amigo confessa isso a Manea e entre ambos redigem os relatórios de delação, assim creem haver burlado à Segurança até que o amigo consegue escapar da Romênia, e Manea passa anos observando paranoico a cada um de seus amigos, perguntando-lhes quem será o novo delator); o outro episódio é o misterioso assassinato do catedrático Ioan Culianu, em pleno dia, nos banhos da Universidade de Chicago. Culianu havia sido um colaborador de Eliade (graças a este havia chegado ao Estados Unidos) que, depois da morte de seu mentor, estava escrevendo um livro sobre o passado político de Eliade. Quando o FBI investigou o caso, apresentou a Manea para que os ajudassem a determinar se o assassino foi enviado pelo ex-rei romeno no exílio, ou uma seita parapsicológica inimiga das investigações religiosas de Culianu, ou pela "máfia acadêmica" (sic) ou os legionários sobreviventes no exílio, ou o novo governo romeno pós-comunista, ou por um/ou mero amante despeitado/a.

A assombrosa naturalidade com que Manea vem e vai ao longo do tempo por situações e registros inconcebíveis tem sua explicação numa frase de Mihail Sebastian que o autor de "El regreso del húligan" cita e completa. "Não há nada mais sério, nada mais grave, nada mais certo e nada mais falso nesta cultura de panfletários sorridentes. Sobretudo, nada é incompatível. Há aí uma noção que lhe falta completamente a nossa vida pública em todos seus planos: o incompatível", escreveu Sebastian em seu Diário em 1943. Manea vê nesta frase uma explicação antecipada tanto do inverossímil sistema político da Romênia de Ceaucescu, assim como do culto a um estudioso das religiões como Eliade que praticou uma ditadura supostamente ateu-materialista: "Em nenhuma parte se dá tão estranha, incompreensível compatibilidade entre incompatibilidades, entre os que poderíamos chamar convencionalmente de bons e maus. As evasivas e desconcertantes certezas morais, e não só morais, de nosso país. Muitas vezes ofereceram surpresas terríveis mas, é justo dizê-lo, houve também alguma surpresa benéfica de vez em quando. Só assim pode se explicar que um país onde se cometeram tais atrocidades contra a população judaica, tenha se conseguido sobreviver boa parte dela".

Correndo o risco de que a Manea arrepie os cabelos, para a exígua lista de surpresas benéficas produzidas por essa característica romena, deve-se agregar ao pequeno milagre de diversidade tonal que é "El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"). E outra mais: que a tradução de três livros de Manea ao castelhano, como a do Diário de Sebastian, como as do Diário português e a novela "Los jóvenes bárbaros" de Eliade, tenham sido lançadas ao longo dos últimos cinco anos, pela mesma pessoa: o espanhol residente em Bucareste Joaquín Garrigós. Só a Romênia pode fazer com que se sucedam coisas assim.

"El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"), "Felicidad obligatoria" e "Payasos", de Norman Manea, foram publicados pela Tusquets (Editora). "Diario 1935-1944", de Mihail Sebastian, e "Los jóvenes bárbaros" de Mircea Eliade, foram publicados pela Destino. O "Diário português", de Eliade, foi publicado pela Kairós.

Fonte: Página 12 (Argentina)
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/libros/10-2661-2007-08-12.html
Título original: Los incompatibles
Tradução: Roberto Lucena
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Notas:

1. O termo "húligan" no texto se refere a "hooligan" (em português se mantém a grafia inglesa, pro espanhol eles "espanholizaram" a palavra). Caso alguém ache estranho a palavra, significa isso mesmo, que num sentido amplo, ou no aplicado ao texto, "hooligan" é referente a vandalismo ou gangue de rua. Provavelmente é uma referência à Guarda de Ferro romena que também recebia a alcunha de Legião de São Miguel Arcanjo, por isso o termo "legionários" aparece com certa frequência no texto.

2. Eu não fiz uma observação no texto anterior sobre o Eliade que era a de comentar a origem da difusão desse tipo de autor fascista no país. Pensei em colocar num post à parte (é uma possibilidade), mas se for o caso vai ficar nesse post ou no anterior mesmo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O fascista romeno "cultuado" no Brasil - Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico

Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico, por Wolfgang Karrer

A orientação fascista de Mircea Eliade (1907-1986) está bem documentada pelo menos desde a publicação de Cioran, Eliade, Ionesco: l’oubli du fascisme [Cioran, Eliade, Ionesco: o esquecimento do fascismo], um livro de Alexandra Laignel-Lavastine do ano de 2002. Foi traduzido pro italiano, e na Argentina foi resenhado em 6 de outubro do mesmo ano no Página 12. Também na Wikipedia atual concede lentamente esta orientação ideológica a Mircea Eliade, ainda que trate de diminui-la como se tratasse de um "pecadinho juvenil".

Nesse ensaio quero demonstrar (usando o livro de Laignel-Lavastine) que esta orientação sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e que de certo modo Eliade se manteve fiel a suas convicções de ultradireita até sua morte. Vou apoiar esta tese com citações de Eliade, traduzidas pro espanhol por mim. Já é tempo de enfrentar suas ideias do eterno retorno, da ordem cósmica, do sacrifício e do xamanismo com mais crítica.

O terror na história de Mircea Eliade

Um breve resumo da vida de Mircea Eliade (1907-1986) até 1945 aclarará suas posições fascistas (Laignel-Lavastine 2002, 33-328). Como estudante en Bucareste, Eliade se destaca com um manifesto "O itinerário espiritual" (1927), no qual ele ataca "o mito do progresso sem fim" da ciência e da tecnologia e proclama valores novos para sua geração. Claramente se afilia com o movimento irracionalista de Chamberlein, Spengler, Papini etc. A circulação do manifesto o converte no líder estudantil de Bucareste, onde se encontram em 1927 jovens como Tristan Tzara, Victor Brauner, Constantin Brancusi e Emil Cioran. (A afiliação de Cioran ao nazismo forma outra parte do livro de Laignel-Lavastine). No mesmo ano se constitui uma organização militante de ultradireita na Romênia, a Guarda de Ferro. Imitava as quadras fascistas da Itália, introduzindo camisas verdes e a saudação romana (108-20). Militava contra os judeus como a origem da maçonaria, o freudismo, o marxismo e o ateísmo, e lutava por uma revolução espiritual nacionalista no país. Eliade se fez assistente acadêmico de Nae Ionescu, professor e ideólogo principal da direita em Bucareste (57-63).

O círculo intelectual de Eliade compartilhava muitas posições da Guarda de Ferro, ainda que inicialmente se absteve da atividade política. Começou com uma atividade jornalística febril: 250 artigos entre 1925 e 1928, e outros 250 mais entre 1932-33 (40), em todos propagando um nacionalismo autóctone. Com a conversão de seu professor Nae Ionesco em 1933 à Guarda de Ferro, o tono de Eliade também se faz mais militante, e mais fascista (85-120). Assim como Ionescu se converte num propagandista aberto do fascismo italiano e de sua variante cristã-antissemita na Romênia. Os artigos de Eliade o mostram claramente antissemita, pró-fascista e também militante no sentido da ação direta. Entre os líderes da Guarda de Ferro tem alguns amigos íntimos, com os quais mantém um contínuo contato. Quando a Guarda de Ferro começa a assassinar políticos e a formar oficialmente "esquadrões da morte" (echipele mortii), Eliade não se distancia, pelo contrário, segue publicando propaganda e participa da campanha eleitoral da Guarda de Ferro em 1937.

Ao mesmo tempo, Eliade ensina a história das religiões na Universidade de Bucareste. Nessas ensinanças, que vão formar a base de suas obras sobre ideias religiosas, publicadas a partir de 1949, o historiador de religiões põe suas aulas a serviço da "revolução espiritual" pela qual lutavam ele e seus amigos da Guarda de Ferro (165-234). Em 1936, por exemplo, recomenda o uso de um mito central e símbolos míticos de uma nova "ordem cósmica" para fortalecer a ideologia da Guarda (177). Propõe seguir o modelo de Mussolini e sacralizar a política (179), especialmente com ritos de sacrifício e de cultos aos fascistas mortos para "um renascimento espiritual" da Romênia (202-05). Busca analogias em textos históricos para propor um totalitarismo "cristão" (205-08). Numa pré-história romena encontra traços de um cristianismo arcaico para fundar uma nova Romênia, unida como "povo eleito" numa religião cósmica (209) e lamenta os ataques dos profetas israelitas contra a religião cósmica de Canaã (213). Também afirma em 1937:
"Romênia cometeu a loucura de mostrar ao Ocidente que uma vida civil perfeita só se pode conseguir com uma vida autenticamente cristã e que o destino mais sublime de um povo é fazer história a medias de valores supra-históricos." (211)
Ou seja, ele utiliza a mitologia religiosa e a pré-história para apoiar o movimento fascista e erigir um estado totalitário cristão na Romênia. "Religião cósmica", "espiritual" e "revolução" são as palavras-chaves para disfarçar tanto o fascismo antissemita e xenófobo. Tanto Eliade como seu professor Ionescu fazem o trabalho na Romênia de Julius Évola, com o qual se encontram amistosamente em 1938, que leva isto adiante na Itália.

A simpatia de Eliade por Hitler também deixa rastros em seus textos, em suas cartas e conversações, ainda que, sem dúvida, prefira um fascismo mais cristão:
"O povo romeno pode resignar-se à mais triste decomposição que sua história jamais conheceu, admitir que tenha sido abatido pela miséria e a sífilis, invadida pelos judeus, e destroçado pedaços por estrangeiros, desmoralizado, traído, vendido por alguns milhões de lei? "Porque eu não creio no Movimento Legionário", Dezembro 1937" (226)
Elogia outro movimento cristão-fascista com as palavras: "Inclusive é melhor que Hitler". (184) Defende, ainda que de maneira ambígua, a noite contra as sinagogas na Alemanha; compara-a favoravelmente com as barbaridades anticristãs na Rússia e na Espanha (224). Nos textos de 1937 a 1945 já não restam dúvidas: Eliade é pró-Mussolini e é pró-Hitler. Fascista no mais completo sentido, mas à moda "romena". E não é tão jovem, completa 30 anos em 1937 e 38 em 1945.

As repressões e o golpes de estado que seguem às eleições de 1937 levam os membros dirigentes da Guarda de Ferro e Eliade à prisão, onde os legionários cantam "Gott mit uns!", protestando com a canção da SS (196). Eliade escapa do fuzilamento de seus amigos, mas é proibido de ensinar. Pensa em emigrar, mas em 1940 um governo (que já não crê mais na vitória dos aliados) libera os legionários e oferece a Eliade um posto na embaixada romena em Londres, como agregado cultural através do novo ministro de propaganda de Bucareste (200-01).

Na Inglaterra, o Foreign Office (Ministério de Relações Exteriores) o mantém sob vigilância, caracterizando-lhe como a pessoa mais nazificada na embaixada. Eliade se sente com as mãos atadas, impedido de propagar sua causa romena. Quando o governo inglês rompe com o governo de Bucareste (agora abertamente pró-nazi) em 1941, o traslado de Eliado para Lisboa foi a única alternativa para sair da Inglaterra (275-282).

À diferença do sucedido em Londres, na embaixada de Lisboa, Eliade encontra oportunidades para desenvolver sua propaganda fascista para o governo de Antonescu (286-324). A homenagem que realiza ao ditador Salazar mostra claramente qual era a nova ordem cósmica ou a revolução espiritual que propagava entre 1937 e 1945. O livro sobre Salazar não foi realizado por encargo, ainda que se tratasse de uma contribuição voluntária de Eliade a "uma forma cristã de totalitarismo", algo que ele definia também com a "reintegração do homem nos ritos cósmicos" (297). Como a derrota do fascismo na Segunda Guerra se fazia cada vez mais e mais evidente, Mussolini e o governo pró-nazi de Anotnescu foram substituídos, e Eliade, depois de escrever sobre o grande "sacrifício" dos soldados de Stalingrado (320), do horror do pacto "anglo-bolchevique" (275) e da iminente invasão norte-americana com a "degradação da Europa" (322), perdeu seu posto na embaixada (como um dos três mais expostos na propaganda fascista). Antes de renunciar, não deixou de lamentar a queda de Mussolini (322); ou seja, até o último momento manteve sua propaganda antissemita.

Em meio à enorme crise de 1944, Eliade retoma seu trabalho sobre história das religiões, ou seja, volta aos manuscritos de suas conferências em Bucareste. Em Portugal começa a escrever Le Mythe de l’éternel retour, o livro com o qual deve seu regresso ao mundo acadêmico depois de 49. Também seu primeiro livro pós-guerra, Traité d’histoire des religions (1949), tem suas raízes na derrota fascista de 44 e em 45.

O cavalo de Troia entre acadêmicos

A vida de Mircea Eliade depois da guerra se divide em duas fases: a de Paris (1945 até 1957) e a de Chicago (1957-1986). As duas estão estreitamente vinculadas. Aterrorizado de que se revelasse seu passado, começa a apagar sistematicamente seu rancor. Como quase ninguém lia romeno em Paris ou Chicago, encontrava bastante terreno para suas pretensões. Inclusive lhe ocultava seu passado a seus amigos mais próximos (383-416). Até sua morte nos Estados Unidos, guardou silêncio sobre os velhos tempos, ainda que não deixasse de manter relações com Julius Évola e os legionários exilados em Chicago. (O assassinato de seu aluno brilhante, Ioan Culiano, tem implicações legionárias não esclarecidas, como demonstra Laignel-Lavastine (485-89). Nos anos oitenta Eliade trabalhava com a NOVA DIREITA na França (461-62).

Do outro lado, Eliade se rodeava de um círculo de amigos, alunos deles judeus, que o protegem, às vezes ignorando seu passado: Georges Dumezil, Paul Ricoeur, Gershom Scholem e Saul Bellow, entre outros. E há gente com influência e muito dinheiro que o ajudam na recuperação de seus postos acadêmicos. Consegue acesso ao grupo Eranos de Carl Gustav Jung, a quem havia mostrado certas simpatias com Hitler nos anos 30, e através dele obtém apoio da Fundação Bollingen. O dinheiro provinha da família multimilionária dos Mellon nos EUA, e Jung tinha certa influência na fundação. Em todo caso, a beca da Fundação Bollingen lhe abriu o caminho à cátedra em Chicago. Uma quarta estratégia para acobertar seu passado foi uma extensa publicação de memórias, diários e reminiscências, tão parciais como em certos casos desonestas. A única exceção foi o diário de Portugal, que não foi redigido por Eliade, e que mostra suas ideias antes da derrota do fascismo.

Também há um vínculo forte entre as duas fases de Paris e Chicago com o passado de Bucareste e Lisboa. Não somente os dois primeiros livros de 1949, senão muito do que escreveu Eliade depois desse ano retém as posições centrais do seu passado. Laignel-Lavastine mostra em detalhe como cinco temas preferidos de Eliade repetem posições do fascismo cristão de sua época anterior:

A religião como oculta hierofania (que esconde e revela)
O culto do herói no labirinto (como modelo arquetípico)
O sacrifício sagrado como purga (o Holocausto)
O terror para história (consolado pela repetição)
O eterno retorno do pré-histórico (420-33)

Esses temas, em parte, evidenciam a posição intelectual que sustenta Eliade, de seu desejo de escapar de sua própria história - algo parecido com o caso de Paul de Man -, mas também mantém os fundamentos do fascismo espiritual de 37 a 45. Por exemplo, Eliade retém a ideia de que os judeus (depois del 45 Eliade usa a palavra "hebreus") substituíram a velha ordem cíclica do cosmos por uma concepção linear do tempo. O que diz sub-repticiamente, é que isso significa o desenvolvimento do mito do progresso, do racionalismo, da iluminação, das ciências, da tecnologia, da maçonaria, do freudianismo, do marxismo e da época moderna (212, 234, 429-51). O núcleo fascista de sua filosofia de religiões ficou intacto. É "O mito da reintegração" (um livro de 1942), "A necessidade de crer" (299), e o rechaço das ciências.

Por que então Eliade busca as universidade, os centros de ciências, da maçonaria judia, do racionalismo? Porque não se contentou com o rol de um Xamã da New Age nos EUA? Desde 1944, planificava em seu diário penetrar na Europa como um "cavalo de Troia no campo científico" (324). Já não confiava numa legião paramilitar para estabelecer seu totalitarismo espiritual. Queria destruir a cidadela das universidades desde dentro. Ou seja, continuar sua propaganda totalitária sob a camuflagem de uma história das religiões, que propagava o retorno de uma "ontologia arcaica" para deter a dissolução da "ordem cósmica" da sociedade.

Considerando essas luzes do passado, lê-se de outro modo o projeto de 1945, O mito do eterno retorno (há tradução espanhola na rede), esse livro que fez famoso entre leitores que não conheciam suas convicções subjacentes. Não contamos com o espaço para uma análise extensa, mas uma menção a umas linhas do prólogo mostra que Eliade não aceitou a derrota de suas ideias fascistas:
"O mito do eterno retorno é uma original introdução à Filosofia da História, cujo objeto de estudo são os mitos e crenças das sociedades tradicionais, movidas pela nostalgia do regresso às origens e rebeldes contra o tempo concreto. As categorias em que se expressa essa negação da história são os arquétipos e a repetição, instrumentos necessários para rechaçar as sequências lineares e a ideia de progresso. Um rechaço no que subyace, contudo, uma valorização metafísica da existência humana, uma ontologia arcaica que a antropologia filosófica deve incluir em suas reflexões em pé de igualdade com as concepções da cultural ocidental".
Eliade pretende escrever um ensaio sobre a filosofia da história (7), contudo o que oferece é um ataque ao "historicismo" racional de Hegel e Marx. Busca trocar a história pelo mito. O mito do eterno retorno é o perfeito cavalo de Troia para reintroduzis as bases ideológicas da Guarda de Ferro: a sacralização da política.

Em vez de comentá-las, convido a ler as seguintes citações tendo em conta que o livro foi começado em 1945, quando era derrotado o fascismo que propagava Eliade antes de sua demissão:
"Viver de conformidade com os arquétipos equivalia a respeitar a "lei", a lei não era senão uma hierofania primordial, a revelação in illo tempore das normas da existência, feita por uma divindade ou um ser místico". (58).

"Devemos agregar que esta concepção tradicional de uma defesa contra a história, essa matéria de suportar os acontecimentos históricos, seguiu dominando o mundo até uma época muita próxima a nós (1945); e que ainda hoje segue consolando sociedades agrícolas (tradicionais) europeias que se mantém com obstinação numa posição anti-histórica e por esse fato que se encontram expostas aos ataques violentos de todas as ideologias revolucionárias". (89)

"E, num momento (1945) no qual a história podia aniquilar a espécie humana em sua totalidade - coisa que nem o Cosmos, nem o homem, nem a causalidade conseguiram fazer até agora - não seria estranho que nos fosse dado assistir a uma tentativa desesperada para proibir 'os acontecimentos da história' mediante a reintegração das sociedades humanas no horizonte (artificial, por ser imposto) dos arquétipos e de sua repetição. Em outros termos, não está vedado conceber uma época, não muito distante, na qual a humanidade, para assegurar a sobrevivência, veja-se obrigada a deixar de 'seguir' fazendo a 'história' no sentido em ... que se conforme com repetir os feitos arquétipos pré-escritos ... " (96)
É o fascismo do eterno retorno. É deplorável que Eliade tenha escapado de uma crítica mais rigorosa de seus textos depois de 45. Em vez de considerá-lo como fundador de uma "história de religiões objetiva", seria necessário valorizá-lo numa línea com outros fascistas, como Julius Évola na Itália (Revolta contra o mundo moderno/Rivolta contro il mondo moderno, 1934) ou Alfred Rosenberg (Der Mythos des 20. Jahrhunderts, 1930) na Alemanha. O neo-paganismo de Évola e de Rosenberg ilumina obliquamente muitos aspectos do "espiritualismo" de Eliade. Os três trataram de ressacralizar a política, mas concretamente sacralizaram uma ditadura fascista no sentido de Emilio Gentile.

Wolfgang Karrer
Berlim, Alemanha, EdM, dezembro de 2012

Notas:

1. Laignel, Alexandra. Cioran, Eliade, Ionesco. L’oubli du fascisme. PARIS. Presses Universitaires de France, 2002 (Perspectives critiques).

2. Emilio Gentile. El culto del litoral. La sacralización de la política en la Italia fascista. Trad. L. Padilla López. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2007.

Fonte: Site Escritores del Mundo (Argentina)
http://www.escritoresdelmundo.com/2013/01/mircea-eliade-y-el-caballo-de-troya-en.html
Título original: Mircea Eliade y el caballo de Troya en el mundo académico, por Wolfgang Karrer
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 14 de dezembro de 2014

Foi o Holocausto um fenômeno marginal nos países neutros?

O Holocausto não foi, de forma alguma, um mero capítulo da II Guerra Mundial. Foi, na verdade, um acontecimento determinante na história europeia.

Entre os dias 24 e 26 de Novembro teve lugar, em Madrid, o Colóquio Internacional “Bystanders, Recuers or Perpetrators. The Neutral Countries and the Shoah”. Organizado pelo Centro Sefarad, pelo Centro de Estudos do Holocausto e Genocídio (Universidade do Minnesota), pelo Memorial da Shoah (Paris), pelo Departamento Federal dos Negócios Estrangeiros da Suíça, pela Fundação da Topografia do Terror (Berlim), foi o primeiro encontro em que se debateu o papel dos países neutros relativamente ao tema, numa perspectiva comparada. A par de investigadores da Suécia, Suíça, Turquia e Espanha, estiveram presentes três historiadores que se têm debruçado sobre a problemática dos refugiados judeus em Portugal e do relacionamento do Estado Novo com o III Reich.

Portugal esteve representado, pela primeira vez, num fórum acadêmico internacional que debateu um dos episódios mais trágicos da história contemporânea – a atitude dos países europeus neutros face ao massacre dos judeus pelos nazis. Este encontro refletiu, na verdade, uma mudança ocorrida nas últimas décadas na própria historiografia, cujo paradigma se estendeu do “epicentro” do Holocausto para a “periferia”, isto é, para aqueles países que durante muito tempo foram vistos como meros “espectadores”. Um dos oradores questionou mesmo se foi possível ser-se neutro perante um genocídio (Paul Levine).

As palavras “similaridade”, apesar das diferenças, e “ambiguidade” foram, talvez, as mais utilizadas ao longo dos três dias. Uma das principais conclusões a que se chegou foi o facto de a resposta à perseguição movida pelo regime Nacional-Socialista ter sido similar em todos estes países. Todos optaram por adotar medidas restritivas, fechando as fronteiras aos que tentavam salvar-se, sob o pretexto de que os refugiados poderiam perturbar o mercado de trabalho interno ou, até, pôr em perigo a homogeneidade nacional. E até os documentos oficiais refletem esta semelhança ao utilizarem termos como “indesejáveis” para classificar os judeus. Análoga foi, ainda, a resposta ao ultimato alemão de repatriamento dos judeus, em 1943/1944, e o ajustamento da política fronteiriça de acordo com a evolução da guerra.

Terá sido o grau de conhecimento e de compreensão dos fatos fatores que condicionaram a resposta e posição dos países neutros? De fato, não era possível prever o que iria acontecer depois da invasão da União Soviética, em Junho de 1941, dado que o chamado Holocausto – ou Shoah – se tratou, como o historiador Yehuda Bauer demonstrou, de um genocídio não planeado, que evoluiu por etapas e teve a sua expressão máxima, no Leste europeu, a partir de final de 1941. Se até então a discriminação, emigração/expulsão dos judeus (e “arianização” da sua propriedade) eram centrais na política nazi, e era uma solução possível, embora cada vez mais difícil devido aos entraves colocados pelos nazis e à própria guerra, a partir de final de 1942 e ao longo de 1943, tornou-se cada vez mais claro o que estava a acontecer no Leste da Europa. No entanto, o mesmo Yehuda Bauer chamou a atenção para o facto de o genocídio nazi dos judeus não ter tido precedente e de que, apesar de os países aliados e neutros terem obtido algumas informações sobre o que se passava na Europa de Leste ocupada, se tem de fazer uma distinção entre informação e conhecimento, sendo este último fundamental para a tomada de uma ação.

Outros fatores equacionados pelo investigadores presentes foram o regime político (democracia/ditadura) dos países neutros, a proximidade/distanciamento ideológico face ao Nacional-Socialismo, o peso da opinião pública, a existência de antissemitismo individual e/ou estatal, a questão da soberania nacional ou, entre outros, o desfecho da guerra.

Ficou claro que o Holocausto não foi, de forma alguma, um mero capítulo da II Guerra Mundial. Foi, na verdade, um acontecimento determinante na história europeia. Para alguns países, como a Suécia, tornou-se numa memória essencial para a própria integração na Europa. Mas, além de ser um facto da história europeia, foi ainda um facto da história da Humanidade e uma questão ética da humanidade. Isto explica a necessidade de apostar no seu ensino, que é tanto mais premente quando se assiste na Europa à ascensão de uma nova extrema-direita, ao recrudescimento da xenofobia e do antissemitismo, bem como à banalização do Holocausto devido ao conflito israelo-palestiniano. A abordagem do tema no ensino básico e secundário ajudará – como foi sublinhado num dos últimos painéis sobre a sua memória e educação nos países neutros – a uma reflexão mais ampla sobre racismo, democracia – tão frágil –, direitos humanos ou sobre o papel da história e da memória na construção de uma educação para a cidadania.

Que obstáculos enfrentam os professores nos países neutros? Um dos desafios consiste no fato de se estar a ensinar sobre algo que não teve lugar no interior das suas fronteiras, não existindo mesmo “lugares de memória”, como os campos. Outros países, onde a transição pacífica para a democracia – como foi o caso de Espanha – não conduziu a uma confrontação com a memória, é ainda necessário lidar com o legado da ditadura e enfrentar, com honestidade, o passado (Marta Simó). Este é o caso da Espanha, onde o regime Franquista apostou na construção da sua própria memória histórica em torno do envolvimento do país na II Guerra Mundial.

No final da conferência houve ainda oportunidade para refletir sobre o futuro da investigação sobre o Holocausto, realçando-se a necessidade de incorporar na agenda historiográfica destes países uma abordagem comparativa, promovendo-se projetos conjuntos, bilaterais, especialmente entre Portugal e Espanha. Esta necessidade traduz-se, no caso português, num continuado esforço por parte da historiografia nacional em trilhar o seu caminho, contando com o apoio das instituições científicas nacionais e da própria sociedade civil. Finalmente, observou-se que, se a Historiografia sobre o tema em Portugal já é assinalável, o País ainda só tem um estatuto de observador, a par da Bulgária, Macedônia e Turquia, na Aliança Internacional de Memória do Holocausto (International Holocaust Remembrance Alliance- IHRA), que teve o seu segundo plenário semi-anual, entre 1 e 4 de Dezembro de 2014, em Manchester.

Cláudia Ninhos e Irene Flunser Pimentel
Historiadoras e autoras de Portugal, Salazar e o Holocausto, 2013

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/mundo/noticia/foi-o-holocausto-um-fenomeno-marginal-nos-paises-neutros-1678689?page=-1

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Batalha dos Guararapes (o filme)

Quadro votivo "Batalha dos Guararapes"
Pra quem nunca assistiu e queira ver, segue abaixo o link do filme "Batalha dos Guararapes" que trata justamente da batalha e do período de ocupação holandesa de Pernambuco (Brasil) que se encerra com a expulsão dos holandeses na Restauração Pernambucana.

Quando o José Wilker (que participa do filme) morreu, pediram ou perguntaram sobre se havia cópia desse filme para assistirem. Eu acho bizarro que não achem isto pelo Google ou Youtube pois basta digitar o nome do filme que dá de cara com o mesmo (é um dos primeiros resultados a aparecer). Pra acrescentar, acho que não houve agradecimento também (pois por boa educação se agradece).

Mas deixando isso de lado, alguns dados rápidos do filme com ajuda da Wikipedia (ou leiam este post aqui).

1. Este filme, de 1978, foi a primeira superprodução brasileira custando, à época, certa de 3,5 milhões de dólares, o que é um valor alto até pra filmes nacionais produzidos hoje. Quem quiser fazer a conversão de quanto isto valeria hoje, seria uma boa. É bastante dinheiro prum filme daquela época.

2. O filme foi rodado em Pernambuco, com a ajuda do Exército, em pleno governo Figueiredo (último ditador do país do regime militar 1964-1985).

3. O filme teve a participação de 120 atores e mais de três mil figurantes sob a produção de Carlos Henrique Braga, um ex-oficial da Marinha, também empresário.

4. O filme representou o Brasil no Festival de Moscou (quem diria, a ditadura brasileira era "bolivariana", rs, conteúdo irônico).

5. O filme tem destaque pra participação de José Wilker como ator principal, e vários outros atores brasileiros conhecidos.

Acho que pela distância do período da ditadura já é possível assistir este filme com um distanciamento daquele período, sem a polarização da época. Teoricamente, pois me refiro à gente normal, pois os extremistas sempre verão tudo de forma distorcida.

Só um adendo, o filme não é uma reconstituição fiel dos episódios retratados (nenhum filme é), ele também tem um caráter ufanista e de propaganda nacionalista da época, mas mesmo assim, são poucos os filmes de destaque de caráter épico-histórico no Brasil.

E como não posso deixar de reparar, nos textos dos links retratando o filme, e até na abertura do filme, há a citação de "Nordeste brasileiro", mas como já comentei aqui, esta expressão, além de anacrônica (Link2, Link3), é totalmente errada pois não havia "Nordeste" brasileiro na época e sim território português e suas divisões conforme a coroa portuguesa. Colocar valores atuais em algo que não existia naquele período é um erro, exceto quando se faz um comentário explicando o porquê da adoção do termo. Muita gente por conveniência (costume) usa o termo, como eu tenho restrição a ele, eu não uso (ou evito).

Como já dito em outros posts, as divisões regionais atuais foram feitas no Estado Novo de Vargas, antes do Estado Novo (período recente, 1937-1945) não havia Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste, Norte ou Sul como regiões, ou seja, são mais de 400 anos sem existência de "Nordeste", não é um período curto de tempo qualquer. Isso mostra a força como o direcionamento ideológico de divisão do país propagado pela literatura, mídia/imprensa no Brasil tentam moldar a realidade atual do país.

Por isso que acho bizarro essa convicção preconceituosa de certos bovinos no Brasil que usam esta expressão como se as mesmas sempre houvessem existido.

E a quem acha que o problema se resume a estados de outras regiões em contraposição à região alvo de preconceito, sei que há gente da própria região que odeia quando pernambucanos enfatizam esta questão, aí começam os "elogios" a Pernambuco, porque ao mesmo tempo em que essas pessoas usam o discurso regional como "escudo", também muitos costumam malhar Pernambuco. Eles adoram usar vários aspectos culturais de Pernambuco pra reproduzir esta identidade regional forjada como se fosse algo "natural" de todo um conjunto mesmo sabendo da verdade por trás disso, justamente pra minar a identidade de alguns estados que nunca tiveram vergonha de suas raízes e história, como se houvesse um ressentimento por detrás dessa atitude de outros estados da região, quando não existe razão pra isso pois basta citarem sua história ao invés de anulá-la totalmente com um termo regional.

Apenas fique claro que, o tempo de pernambucano aturar o "monopólio" de expressões contra o próprio estado, proferidas por outros estados, acabou. Não sei se será possível reverter esta postura e todo estrago feito pela disseminação desses regionalismos, mas jamais irão conseguir empurrar goela abaixo esses regionalismos forjados pra abafar a bandeira e a história do Leão do Norte.

Eu gostaria de colocar mais links de filmes históricos brasileiros, principalmente sobre movimentos políticos e de outros estados (se alguém souber, indique), mas se o filme for produzido pelo oligopólio de mídia brasileiro eu evitarei colocar.

Sobre o quadro (pintura) do começo do post, ler sobre ele aqui:
Exposição: "A Presença Holandesa no Brasil: Memória e Imaginário"
Batalha dos Guararapes (quadro)

Filme - Batalha dos Guararapes (1978) TVRip

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Retificando, sobre o post "sobrou pros portugueses".

Como não tirarei o post, coloco o link pro mesmo caso alguém queira ler, foi este aqui:
Sobrou pros portugueses. A onda de ódio político que a mídia brasileira incitou faz mais vítimas

Saiu o desmentido em sites de Portugal como este Ionline da artista das organizações Globo e a afirmação sobre Portugal, de que a afirmação foi feita por uma conta falsa no Twitter. Só que o jornal ou jornais não citam a conta.

O print que foi disseminado corta a url da conta do twitter, confiram no link abaixo (caso tirem do ar eu salvei a imagem):
Assessora de atriz brasileira desmente críticas a Portugal

A conta do twitter que tiraram print foi esta abaixo do link, achei a conta por curiosidade já que citaram que se trata de uma fraude. A conta continua ativa e dando a entender que é a pessoa porque usa foto e nome apesar de não ter uma verificação que o Twitter usa pra pessoas públicas e não nega que seja uma conta falsa:
https://twitter.com/LuanaPiovaniTV/status/526504332704108544
https://twitter.com/LuanaPiovaniTV/status/526859122353143808

O erro original foi dos jornais em não verificar a origem da conta.

O que confirma o que comentei no outro post que a imprensa de Portugal e da Espanha muitas vezes se equiparam a do Brasil (quando não chega a ser pior). Não quero fazer ranking de ruindade pois todas essas imprensas se nivelam por baixo.

Como eu não iria checar a conta originalmente, exceto agora que saiu essa matéria alegando que era algo falso, não deu pra checar o hoax de cara, porque não tenho realmente paciência de ler artista de TV brasileira escrevendo abobrinha no Twitter (a maioria deles só escreve bobagem).

Pra não cometer injustiça, a acusação falsa deve ser rechaçada, embora o tom emitido pelo tweet falso replicado dê conta da radicalização que rolou nesta eleição, reproduz o clima da coisa.

A pessoa por ser pública/conhecida (como se diz habitualmente), poderia averiguar (já que a conta usa o nome e foto da pessoa se passando pela mesma) quem está usando esta conta e espalhando esses comentários, porque a conta falsa está cometendo crime. E não se trata de um "troll" querendo fazer "brincadeira", e mesmo que fosse estaria cometendo crime do mesmo jeito. Citei o termo "troll" pois eles são conhecidos por fazerem este tipo de ataque cretino, mas a conta falsa não é um "troll" e está sendo usada pra fins políticos.

O que acho estranho é os jornais ou alguém que conhece gente da redação dos jornais (pois alguém repassou isso a essas redações) seguirem essas contas falsas e não se darem conta que são falsas.

Mas mantenho a crítica que fiz no outro post com o caso anterior de outra artista do mesmo grupo de mídia (Globo), até porque há outro caso (confiram no link) do tal Mainardi falando besteira (pra variar, é só o que ele bovinamente fala) no mesmo grupo de mídia, sem qualquer chamada de atenção por parte da emissora sobre o conteúdo preconceituoso proferido.

Este segundo caso seria o outro post, mas como fiz a retificação, fica aí o link pra quem quiser ler.

Eu não me sinto ofendido por idiotices ditas por um cara chamado Mainardi, nunca senti, pois acho que esse tipo de preconceito de gente estúpida se rebate mostrando o nível de inferioridade moral e intelectual que eles demonstram mostrando a quantidade de erros que eles comentam por se sentirem "superiores" (ele e outros quando emitem este tipo de comentário dão a entender nas entrelinhas esta mentalidade, mesmo que neguem) quando a manifestação visivelmente é fruto de um recalque incontido e ignorância pesada.

À parte o que eu acho pessoalmente de figuras como ele, o fato é que é grave uma emissora de TV abrir espaço pra gente desqualificada (sem educação, sem princípios, com intelecto pra lá de questionável) como este cidadão dizer todo tipo de absurdos sem qualquer contraponto pois vigora nestas organizações Globo uma espécie de "Macartismo" onde a maioria dos comentaristas/jornalistas desta TV (fechada e aberta) são de direita ou de extrema-direita, ao mesmo tempo em que mantém uma meia dúzia de progressistas pra não ser rotulada como emissora de extrema-direita ou de "partido político". Jogada política velha e manjada que só trouxa engole.

Lembrando que emissoras exploram concessão pública, mesmo sendo grupos privados, ou seja, não podem usar a concessão pra pregação de ódio e preconceitos e deveriam ser punidas por isto.

Em outro país um indivíduo desses, depois de um ataque ridículo desses, teria sérios problemas jurídicos ou relativos à imagem dele. Mas no Brasil até quando a coisa é recriminada pela maioria aparecem meia dúzia de imbecis ou mais defendendo a boçalidade de gente como este indivíduo.

Sobrou pros portugueses. A onda de ódio político que a mídia brasileira incitou faz mais vítimas

Pra deixar claro de novo, mas não mais farei essa explicação quando usar o termo, quando cito "mídia brasileira", pra toda vez não ter que explicar a que me refiro, refiro-me à mídia oligopolizada do país e não à toda mídia pois há exceções, embora não tantas...

Pois bem, feitas as considerações, sobrou pra Portugal a onda de ódio político que a mídia oligopolizada do Brasil incita há anos tentando criminalizar alguns partidos e a política no país, ao se comportar como "partido político" de oposição ou de direita em vez de meio de comunicação.

Uma declaração sem propósito e imbecil de uma atriz das Organizações Globo, que deve ter sucursal em Portugal e vende programação praquele país:
"O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal e agora continuará sendo pelo PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio (Neves)", escreveu Luana Piovani. Criticada pelo comentário, a atriz não retirou o que escreveu:

"Sou responsável pelo que escrevo, não pela maneira que os petistas interpretam! Falo o que penso, não o que vocês querem ouvir."

Fonte: Diário Digital (Portugal)
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=740216

O problema é chamar isso de "interpretação de petista" pra justificar a própria boçalidade. E não é questão só de responsabilidade, é que a afirmação continua sendo uma idiotice, independente da pessoa assumir. Uma idiotice não deixa de ser menos idiotice caso alguém assuma.

A frase está reproduzida literalmente acima sem 'interpretações' ou distorções, até porque transcrevê-la literalmente faz "mais estrago", por assim dizer. Quem por caso ler, que tire suas conclusões.

Em que pese o fato da exploração portuguesa, no período em que Portugal dominou o Brasil, ser bem conhecida (o período é mais conhecido como "período colonial" ou "Brasil colônia"), qual o propósito de evocar isso pra criticar o presente? Numa eleição?

Só porque a terminação (sufixo ou prefixo) usual atribuída à Portugal na internet e em outras praças ser "PT" que coincide com a sigla do Partido dos Trabalhadores no Brasil? "Sarcasmo inteligente" é isso aí...

Mas será algum ranço anti-lusitano por ela não ser descendente de portugueses e boa parte do Brasil ser? Bom, aí já entramos no terreno da especulação e não lemos mente. Mas são no mínimo curiosas essas coincidências uma vez que não é a primeira manifestação do tipo que vejo, só que quando é alguém da mídia a coisa amplifica certas coisas que rolam na surdina.

Obviamente que nem vale a pena tentar entender "a fundo" o "pensamento" dessa figura, e isso já repercute em Portugal:

Brasil Luana Piovani usa Portugal para arrasar resultado das eleições
Actriz brasileira acusa Portugal de exploração
Conta da atriz Luana Piovani com críticas a Portugal é falsa
Luana Piovani gera polémica nas redes sociais com comentário sobre Portugal

Eu soube do caso através de um desses jornais portugueses listados acima, pois não saiu nada na imprensa brasileira a princípio. Eu pelo menos não vi (não afirmo que não tenha nada, mas não houve destaque algum).

E obviamente que a imprensa lusa não vai pegar leve, e nem deve, já que este não é o primeiro caso de insulto gratuito envolvendo artistas da Globo com Portugal, que resvala no país e não no emissor do ataque e do veículo de mídia ao qual ele faz parte. Talvez por ser um caso reincidente isto chame mais atenção.

Pra quem não sabe do outro caso com ataques a Portugal (soube desse caso pela internet e muita gente no Brasil nem sabe disso porque a imprensa brasileira abafa), isto ocorreu com outra atriz da Globo, Maitê Proença (esta com sobrenome bem português), ironizando ou ridicularizando Portugal de forma gratuita numa matéria exibida num canal fechado (GNT eu acho) da Globosat que é parte das Organizações Globo.

As imagens são parte desta reportagem da SIC de Portugal. Meu comentário foi feito com base nas imagens que são bem claras no vídeo abaixo:



Como podem ver, o que a gente critica e comenta aqui sobre esta proliferação de ódios, preconceitos no Brasil por parte da mídia é algo que já ultrapassa as fronteiras do país e o "tolerável" (se é que dá pra tolerar tanto comportamento inconsequente e irresponsável).

Já houve vídeo ofensivo contra o Paraguai fora as demais reproduções de estereótipos e comportamento mal educado (sem etiqueta) por parte desta mesma mídia, que de tão preconceituosa é incapaz de se autocriticar e acha natural certos comportamentos, pois não houve sequer reparo por parte da Globo sobre esses casos já que envolve direta ou indiretamente este grupo de mídia. Que está sujando a imagem do Brasil com esta postura.

O curioso é que quando um artista estrangeiro ironiza os arredores da Globo ou da mesma, ou fala do Brasil (e eles vestem a carapuça quando sentem que é com eles), eles prontamente se mostram indignados e "críticos do preconceito" como naquele caso do ataque racista ao jogador Daniel Alves do Barcelona, com direito a teatro por parte de artistas globais com a palhaçada "não somos macacos". Quem quiser entender o caso, cliquem aqui e aqui.

"Ah, chega...". Certo?

Você pensa que parou por aí? Quem dera...

Tem mais no próximo post... de um programa também exibido em um dos canais fechados da Globosat que é empresa do grupo Globo.

Vejam que a proliferação do ódio, preconceitos e estereótipos já foge do controle desta mídia e que a justiça brasileira ou mesmo estrangeira deveria punir estes abusos por se tratar de concessão pública e por atingir a várias coletividades.

Refiro-me à justiça de fora pois a justiça portuguesa, neste caso do GNT, poderia ter acionado a Globo se assim quisesse e não o fez. Que sejam mais duros numa próxima.

Às pessoas em Portugal, saibam que isto não é um ato do povo brasileiro, não temos controle ou uma forma de coibir abusos destes meios de comunicação no Brasil nem quando eles agem contra a população brasileira. Este foi um dos assuntos mais discutidos nestas eleições apesar do boicote tradicional da mídia oligopolizada tentando abafar a questão.

O problema da oligopolização da mídia no Brasil é muito sério, eu diria que é o problema político mais grave do país hoje e é uma das heranças mais malditas da ditadura militar brasileira (1964-1985) que ao ruir deveria ter fatiado essas empresas de comunicação em várias ao invés de deixar o oligopólio intacto ignorando o problema (cultural, econômico etc) que isto iria provocar no futuro.

Peço desculpas aos portugueses sérios pelo país, mas não por esses grupos de mídia privados que, por mim, não fariam falta alguma ao Brasil com uma programação de baixo nível cultural, preconceitos, manipulação de informação e educação de sarjeta. As TVs públicas no Brasil têm baixa audiência apesar da programação melhor, ironicamente.

Este é um assunto que remete à regulação da mídia (de novo), mas deixo isto pro próximo post.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Invenção do Nordeste (livro). Pra entender o Brasil atual e suas divisões artificiais criadas na Era Vargas

Eu sempre disse que um dia iria fazer um post sobre esse livro e acabava deixando pra depois, como eu ia fazer um comentário sobre preconceito regional (mais precisamente do que eu penso sobre isso) achei melhor fazer primeiro o post desse livro porque ele deixa bem claro o que eu penso sobre regiões e Brasil. Essas divisões regionais atuais do Brasil são mitificações/divisões oriundas do Estado Novo varguista, basicamente, mas o livro mencionado no título do post detalha de forma mais precisa (e como isso foi conduzido propositalmente) a construção dessas divisões regionais que afetam o país hoje pois a mídia brasileira depois da redemocratização do Brasil em 1985 faz questão de reforçar essas divisões e não atenuar.

Este livro "A invenção do Nordeste", do autor Durval Munis de Albuquerque Jr (se não me engano, potiguar), que mal vejo ser citado no país (mas sai tudo quanto é porcaria como "bestseller" na mídia), é essencial pra entender o Brasil atual e como essa divisão regional criada na Era Vargas vem afetando negativamente o intercâmbio estadual que sempre existiu no país, desde os tempos em que o Brasil ainda era colônia portuguesa. Esse comentário aqui é uma interpretação minha, não sei se o autor concorda, mas é como vejo a atuação política desta divisão que eu considero artificial. "Ah, mas toda tradição é criada, artificial", sim, mas tradições podem surgir de culturas existentes ou ser simplesmente forjadas pra algum propósito, no caso a criação do "Nordeste" serviu aos interesses do estado autoritário de Vargas e à maioria dos governos posteriores a ele.

Resumo do livro: (FGV-CPDOC)
A invenção do nordeste
Matéria do JC: A invenção do Nordeste; por Isabel Guillen
http://www2.uol.com.br/JC/_2000/0409/cu0409e.htm
Links pro livro ou partes dele:
III. “A invenção do Nordeste”. 3.1. O conceito de região: da Geografia ao discurso

Foto da capa tirada do link do Skoob:
http://www.skoob.com.br/livro/15933-a_invencao_do_nordeste_e_outras_artes

Tem mais de um PDF se procurarem no site acima. Depois vejo se consigo colocar o resto.

Quem quiser entender o Brasil só por coisas como "ó, São Paulo a locomotiva do Brasil" ou "Brasil, meu Brasil brasileiro" reduzindo o Brasil a mitificação criada em cima do Rio, não vai entender nada, ou só uma parte do todo, e uma parte muito pequena em relação ao conjunto da obra chamada Brasil (514 anos de História). Por sinal, esse é um dos motivos da crise de identidade que existe em alguns estados do país, o não saber como tais cidades e Estados foram formados e um certo discurso fascistoide que endeusa a formação desses estados em detrimento dos núcleos mais antigos de população do Brasil.

Intuitivamente eu sempre soube que essa região que chamam por "Nordeste" é uma formação forçada, nunca foi homogênea, não existe um sotaque regional ou uma identidade regional já que vários estados possuem sua própria identidade e sotaques. Tampouco existe uma bandeira regional ou hino regional, a não ser o que a mídia de dois estados do país "forçam" a ser. O sotaque baiano não é igual ao pernambucano (que tem mais de um), que não é igual ao sotaque cearense e assim por diante. Cada estado tem sua bandeira e seus simbolismos, e hino também (link1, link2, link3). Justamente pelo forte fator identitário de Pernambuco essas contradições entre essa identidade regional forjada no Estado Novo (apropriando-se de coisas do Estado e disseminando que isso é algo "de todos") e uma identidade com praticamente meio milênio de História, fica fácil de sacar de cara o que é ou não forjado e imposto de fora.

Resumidamente, o livro fala da construção literária e ideológica que formou a ideia em torno do que muita gente no Brasil vê como "Nordeste brasileiro" e "nordestinos", o livro fala do quanto isso é mitificação e construção, criada na ditadura Vargas, pra justificar a "diferença" de regiões ou valorizar umas e largar a própria sorte outras, principalmente a área do país onde o próprio Brasil surgiu como país e nação. Inclusive com participação de gente da região reforçando essa ideia de "seca", "retirante" etc, o que é uma distorção pesada da História do Brasil.

É sempre bizarro ver alguém querendo falar de Pernambuco citando Lampião (por conta do cinema) do que Frei Caneca, Nassau ou Joaquim Nabuco que tiveram muito mais relevância pro Estado (e pro Brasil) do que um mero bandoleiro. É duplamente irônico ver a reverência que tratam do período Holandês em Pernambuco pelo complexo de vira-latas (au au) de alguns estados do país, com crenças ridículas (que eu já ouvi e li gente dizer, mas não salvei o link, é algo bizarro e sem fundamento algum) de que os loiros do Estado são descendentes de holandeses e quando retratam este mesmo estado (e região) no século XX, mudam pra imagem de Lampião, coronéis etc.

O autor do livro é potiguar, mas por motivos óbvios irei falar mais do meu estado, primeiro por conhecer mais e saber dessas peculiaridades, também por saber das rixas históricas entre estados da região e por saber da manipulação que a grande mídia do país reproduz o tempo todo sobre essas identidades regionais e com os estados do país. Gente preconceituosa falando sobre isso em TV é uma desgraça total. Também por saber da relutância e rejeição pernambucana a essa imposição cultural televisiva de outros estados do país. Por exemplo, a grande mídia, por prepotência (e burrice) omite o nome dos estados da região os citando como "bloco", o que pra quem sabe dessas diferenças sempre soa como estupidez ou cretinice, e que como ficará demonstrado neste post, essa postura é uma repetição das crenças e mitificações fascistoides criadas no Estado Novo varguista.

O mal do brasileiro (generalizando) é ignorar profundamente a História do país. Digo isso porque o que vejo de gente chorona (reclamando de tudo) na internet quando fala de política, com comentários totalmente alienados e idiotas, é vergonhoso.

Este post é um comentário em cima da ideia do livro, que pra muita gente poderá soar como uma "revelação" pois a maioria é criada ouvindo que o Brasil atual é esta divisão regional ridícula da Era Vargas e das generalizações cretinas que a mídia hegemônica do país (que se situa atualmente nas cidades do Rio e de São Paulo) reproduzem o tempo todo sobre isso, reforçando estereótipos reais ou não e essa ideia de divisão regional como se o Brasil não tivesse uma origem comum e omitindo a formação dessas cidades populosas (hoje) do país, que nem sempre foram politicamente relevantes na História do Brasil (a maior parte da História do Brasil foi vivida e passada nos estados mais antigos do país e não nos mais populosos atuais). Existe uma falta de reflexão clara da maior parte da população do país, que é criada pra aceitar verdades impostas e não ter uma mente aberta pra, por exemplo, entender sem choque que o Brasil que elas concebem não passa de uma criação varguista. Que o Brasil é o país dos bairrismos e não um país "unido" como muita gente apregoa. Que o Brasil já esteve a ponto de se fragmentar e por conta de um português autoritário isso não ocorreu. Se isso foi bom? Pra alguns certamente não foi (principalmente pernambucanos que tiveram seu estado mutilado, único corte de estado do país por castigo e retaliação política).

Daí a razão de haver um certo ressentimento por parte de uns quando a gente cita isto, que não é uma diminuição do papel das outras cidades do país, mas sim uma visualização da História do Brasil como um todo e não um recorte a partir da ascensão de Rio de Janeiro e São Paulo no século XIX. Até chegarmos ao século XIX houve mais de três séculos de lutas e conflitos no Brasil, que nem sequer era um território unido, que definiram o que hoje todo mundo entende como o Brasil. O Brasil não começa com a vinda (fuga dos fujões de Lisboa) da Família Real Portuguesa em 1808, correndo do cerco de Napoleão a Portugal e sim em 1500 mesmo ou antes.

O próprio crescimento dessas cidades se deveu a dois fatores: a vinda pesada de imigrantes europeus no século XIX e começo do século XX e o grande êxodo das outras regiões do país e da antiga capital (Salvador) pra esses centros, pegando quase toda classe média e intelectuais do que hoje é conhecido como "Nordeste".

A você de outro estado e região que vive malhando o que entende por "Nordeste" sem nem saber como o país foi formado, ou sente vergonha disso (por ser imbecil mesmo), se você tiver sobrenome português, as chances de você ter raízes nesses estados que citei é muito, mas muito grande e não foi pouca gente que migrou mesmo antes do êxodo do século XX que é mais conhecido (como retirantes etc), mas fazem questão de apagar esses fatos, ou omitir ou simplesmente diminuir a importância deles pra mitificar a ideia de estados formados por "italianos" etc mesmo falando português e tendo vários bairros com nomes indígenas.

O Brasil atual não existia até 1879 do século XIX quando São Paulo ascende como metrópole (até então era menor que Teresina no Piauí, dados do livro A Economia Brasileira, de Werner Baer) com a produção de café (o ciclo) e a industrialização que ocorre por isso. O resultado deste processo de mudança e migração interna é o que vocês veem hoje em dia.

Os centros políticos, econômicos e militar do Brasil por 308 anos ou mais foram Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. O Rio Grande do Sul sempre foi muito isolado e passou a ter relevância política no país também no século XIX com as lutas contra a coroa e a imigração e colonização maior dos estados da região Sul. Há outro núcleo também antigo e forte que fica no estado do Pará, não menos relevante. Mas os maiores centros urbanos eram Salvador (principalmente, capital do Brasil por mais de três séculos), Recife e o interior de Minas (Ouro Preto etc).

A maioria dos brasileiros antigos do país, principalmente os que têm sobrenomes portugueses (a maioria da população), são descendentes desses centros urbanos que citei acima. O intercâmbio (migração interna) no Brasil sempre foi intenso, em toda a história do país.

Se eu por acaso esquecer de citar algum estado, não foi proposital, nem sempre dá pra lembrar tudo.

E a quem quiser duvidar que esta divisão regional é algo recente na História do país, como eu citei no post, pois se trata de uma criação/herança da Era Vargas (Estado Novo) e uma mitificação ridícula, inclusive bancada nos estados da atual região Nordeste por ignorância de parte da população, façam o seguinte teste: procurem o termo "Nordeste" e "nordestino" em livros de literatura antigos do Brasil e de Portugal. Se você encontrar o termo me avise aqui.

Dificilmente alguém encontrará pois o Brasil era dividido por Portugal por séculos em Norte e Sul apenas, sem qualquer conotação ideológica atual, o Brasil era território português e só, por isso que até hoje existem os termos sulista e nortista pra apontar regiões, mesmo com esses termos novos como "nordestino".

Sugestão de livro: O Norte Agrário e o Império (1871 - 1889)
De Evaldo Cabral de Mello (talvez o historiador brasileiro vivo mais importante do país).

Nem no Sertão de Euclides da Cunha existe a palavra "nordestino" e sim sertanejo. O termo "nordeste" que se encontra no livro é referente a ponto cardeal e área dentro da área maior em que ele se encontra, não tem ligação com o que se conhece hoje como "Nordeste" (região), só pra ilustrar a mitificação e falsificação fascistoide que criaram em torno das regiões do país. Cito esse autor porque é talvez o mais conhecido ao retratar o sertão do Brasil, que abrange o semiárido do país uma região que vai até o Norte de Minas Gerais atravessando vários estados.

Fico por aqui na apresentação do livro, mas farei ainda um post sobre preconceito regional e o que penso disso pois não comungo da ideologia de vitimismo/coitadismo que muita gente da região vive manifestando e enaltecendo, como se fosse virtude quando não é.

Eu mesmo acho que equiparar preconceito regional ao racismo (que é manifestado em sua maioria contra negros no Brasil, inclusive na região Nordeste com histórico escravagista pesado) um absurdo total. Quem comunga com isso, aceita passivamente a ideia que a mídia e pessoas ignorantes ou preconceituosas passam que gente de tal região é "inferior" e precisam de leis pra preservar sua integridade moral e física quando deveriam se impor e bater de frente com quem manifesta isso.

E nessa questão do preconceito pesa bastante e entra o fator Pernambuco no meio, que não quero frisar aqui pra não parecer que estou tentando ressaltar isso por bairrismo, mas como a mídia nunca ou quase nunca menciona essas particularidades, eu prefiro eu mesmo comentar que ouvir um paspalho de outro estado falar besteira sobre o que não conhece.

Mas o fator existe e é real, sempre foi. Resumidamente, já que citei o fato e não diminuindo o peso dos outros estados da região: a rejeição a essas imposições culturais e identitárias de governos autoritários sempre foi mais forte e pesada em Pernambuco, até pelo peso cultural, das ideias libertárias das revoluções do Estado e do envolvimento em revoltas em toda a história do Brasil. Sempre quiseram destruir a identidade cultural pernambucana por representar uma ameaça ao status quo de algumas elites e da Monarquia luso-brasileira que combatia toda e qualquer revolta por soberania (independência) do Brasil.

Quem quiser ler algo sobre os conflitos do século XIX que forjaram o Brasil e a forçaram a independência do país, destacando as relações de Minas, Bahia e Pernambuco nisto, ler o PDF:
Pernambuco, 1817, “encruzilhada de desencontros” do Império luso-brasileiro. Notas sobre as idéias de pátria, país e nação
Luiz Carlos Villalta*; 1817, DO REINO UNIDO A PERNAMBUCO, DO RIO AO RECIFE

Por isso não deixa de ser engraçado que comemorem a independência do país "declarada" por um português (um estrangeiro) e não se escolha uma revolta popular brasileira no lugar disso, o que é de fato correto. O 7 de setembro é mais outra distorção histórica cultuada no Brasil até hoje como "verdade" inconteste, fruto da imposição historiográfica do Rio com o Brasil (por ter sido a sede da Coroa Portuguesa no Brasil, moldou esses mitos). A independência de fato do Brasil de Portugal (quando há uma ruptura real) foi na Proclamação da República em 1889, onde se constituiu o primeiro governo brasileiro de fato e não o resquício do ex-dominador português sob mando de Pedro II, herdeiro de Pedro I.

Por isso também tenho aversão a essa ideia de Monarquia que ainda alguns delirantes no Brasil ficam defendendo sem nem entender as causas da rejeição à mesma. Como podem ver, essa imposição de identidade no Brasil é algo nocivo pois não respeita a pluralidade de manifestações culturais locais do país que é a grande riqueza cultural de fato do país. Essa imposição autoritária de sotaque e cultura é muito, mas muito chata, principalmente num país continente.

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