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terça-feira, 8 de março de 2016

[HB] O golpismo de ontem e o golpismo de hoje - Jessé Souza

PODEROSOS INTERESSES CONTRARIADOS
O golpismo de ontem e o golpismo de hoje

Essa história tem larga tradição entre nós. Ela funciona do mesmo modo desde o começo do século XX – quando o Brasil começou a se transformar em sociedade urbana e industrial – e reúne os mesmos elementos: imprensa conservadora, setores moralistas da classe média e interventores da ordem constitucional

por Jessé Souza
Durante todo o ano de 2015, o segundo mandato da presidenta Dilma foi marcado por intenso ataque, seja da mídia, seja do Congresso Nacional, e de suas chamadas “pautas bomba”. A presidenta eleita foi posta na defensiva e ameaçada por diversos pedidos de impeachment, além de ter sido pressionada para renunciar desde o início de seu segundo mandato. É que ela, no auge de sua popularidade, ao contrário da estratégia de conciliação de interesses contrários do presidente Lula, ousou se opor aos interesses do capital especulativo brasileiro. A intenção era parar a drenagem de recursos do excedente social de todos para o bolso da meia dúzia que controla a economia, a política e a mídia entre nós, e encaminhá-los para o setor produtivo. A estratégia não só foi sabotada pela elite, como a cobrança da fatura pela ousadia está vindo agora.

O mais importante aqui não é apenas a seletividade com a qual a questão da corrupção é abordada ao se concentrar apenas no PT e procurar atingir de qualquer modo o ex-presidente Lula, de modo a inviabilizar sua reeleição em 2018. Ainda que isso seja parte da verdade, não é, nem de longe, o ponto mais interessante dessa história. Inicialmente, o que fica evidente, como a luz do sol de meio-dia, nesta crise política, criada e manipulada midiaticamente, e tem levado a uma crise econômica em grande medida construída politicamente é o seguinte: o tema da corrupção só pode ser usado para enganar e manipular a população, porque a definição do que é corrupção é arbitrária e pode ser aplicada ao bel-prazer de quem realiza o ataque.

Recentemente, por exemplo, veiculou-se na imprensa que o ex-presidente Lula foi “lobista” da Odebrecht no exterior. Esse fato é corriqueiro em todos os países avançados onde os presidentes fazem constante pressão para conseguir contratos para grandes indústrias e prestadoras de serviço de seu país. Ao contrário de despertar desconfiança, esse fato é visto como engajamento dos dirigentes da nação pela manutenção da riqueza e dos empregos nacionais, e cada êxito é comemorado por todos. Como a noção de corrupção é vaga e indefinida, e pode ser aplicada seletivamente, vale tudo a favor dos amigos e tudo contra os inimigos.1 A estratégia passa a ser um “se pegar, pegou”, e manchetes diárias constroem a artilharia pesada contra governos com relações e compromissos – os quais no caso em apreço poderiam e deveriam ser, inclusive, bem mais profundos – com as classes populares.

O ataque tem de ser realizado contra o suposto e, na realidade, falso [2] “inchaço” e “aparelhamento” do Estado, sempre que este é usado não para ser privatizado pelo 1% mais rico, como sempre foi o caso, e sim para a maioria da população. A narrativa do Estado demonizado e do mercado virtuoso, primeiro construída “cientificamente”, como analisamos em detalhe no livro A tolice da inteligência brasileira,[3] publicado recentemente, e depois reproduzida de modo “naturalizado” e “autoevidente” como truísmo aceito por todos, seja nas práticas de todas as instituições, seja nas esquinas de todo o país, cria o pano de fundo perfeito para o assalto à inteligência nacional. Os próprios ministros de Estado do governo usam Raymundo Faoro e sua balela sobre o patrimonialismo para amparar seus discursos de defesa do Estado4 ou de ataque e de apelo ao desmonte estatal,5 finalmente aceito e colocado em prática pela própria presidenta, posta na defensiva por essa mesma narrativa.6 Maior prova de que essa interpretação de mundo tornada prática continua comandando nosso horizonte de pensamento e de ação é impossível.

Na verdade, a corrupção entendida como negação do fair play, ou seja, enganar com o fim de lucro, é endêmica ao capitalismo – e certamente endêmica a todas as outras formas históricas de apropriação do excedente social – em todos os lugares e em todas as épocas históricas. Assim como as classes endinheiradas brasileiras construíram uma ideologia antiestatal para melhor monopolizar e instrumentalizar o Estado a seu favor, os capitalistas históricos criaram uma ideologia do “mercado justo” para se autolegitimar. Max Weber, com sua extraordinária influência em todas as disciplinas sociais, contribuiu muito para isso ao vincular o capitalismo à temperança protestante. Com isso, construiu uma falsa oposição, hoje aceita por quase todos, entre “capitalismo aventureiro”, enquanto capitalismo do saque e dos grandes lucros eventuais, e “capitalismo moderno”, sóbrio, construído com a noção do lucro cotidiano, permanente, mas “justo” e “contido”. Assim, o capitalismo moderno é percebido não apenas como “ganho em racionalidade”, mas também como “ganho em moralidade”, perfazendo os dois grandes elementos da virtude e da perfeição humana como percebidas pelo Ocidente.

Nada mais falso. O “saque”, como o dos campos de petróleo do Oriente Médio sob a batuta das grandes petrolíferas no governo George W. Bush, continua um método cotidiano do capitalismo dito “moderno”, desde que seja exequível militar e politicamente. Quanto à sobriedade e à temperança, se de fato existiram algum dia, não resistem a nenhuma análise mais “sóbria”. O capitalismo monopolizado de hoje não só fabrica balanços falsos de empresas e países com interesse de lucro e cria a ilusão de que grandes empresas e bancos fraudulentos são “grandes demais para quebrar” (como ficou patente na crise financeira de 2008), como também estabelece o patamar de preços que deseja sem nenhuma relação racional com custos efetivos. Os produtores recebem uma ínfima parte do lucro, e os grandes atravessadores ganham até quarenta vezes mais sem nenhuma adição ao valor dos produtos pelo simples fato de controlarem monopolisticamente o mercado.7 Ou seja, a “corrupção” percebida como engano e falseamento da “troca justa” é o dia a dia do mercado em todo lugar, ainda que muito maior em um mercado tão mal regulado como o nosso.

No Brasil, porém, o superlucro é visto como “inteligência” e “esperteza” – esquecendo-se de que, se há um “esperto”, é porque há milhões de “tolos” –, e a corrupção é sempre estatal ou tem relação com o Estado. Uma ideia absurda ganhou o coração e a mente de todos indistintamente, independentemente de coloração política, e é hoje uma espécie de “segunda pele” de todo brasileiro. Ela se presta, antes de tudo, ao “sequestro da política” pelos donos do dinheiro. Em fases de crise, como agora, quando a “farofa é pouca se quer o seu pirão primeiro”, os mais ricos querem cortar os investimentos sociais e ficar com o Estado só para eles. E essa história tem larga tradição entre nós. Ela funciona do mesmo modo desde o começo do século XX – quando o Brasil começou a se transformar em sociedade urbana e industrial – e reúne os mesmos elementos: imprensa conservadora, setores moralistas da classe média e interventores da ordem constitucional.

O moralismo da classe média no Brasil sempre foi extremamente seletivo e antidemocrático ao mesmo tempo. Sua seletividade implica ver o mal sempre “fora de si mesma” e nunca em sua própria ação cotidiana de exploração de outras classes, de quem ela rouba o tempo, a energia e qualquer possibilidade de redenção futura. O caráter antidemocrático que vemos nas manifestações recentes dos “coxinhas politizados” não tem nada de novo. Desde o tenentismo de 1922, a política e o sufrágio universal já eram percebidos como os empecilhos maiores da renovação verdadeira da sociedade brasileira. O moralismo de classe média sempre une o desprezo pela política em geral e a busca por uma “virtude idealizada”, que espelha por sua vez uma “vontade geral” indivisa, ilusão autoritária que foi o mote de toda revolta política com base de classe média – e de seus estratos pequeno-burgueses –, desde o jacobinismo francês até o fascismo europeu do século passado.

É esse caldo autoritário que tem de ser mobilizado pela imprensa conservadora – como verdadeiro partido da ordem dominante e de seus privilégios – sempre que a política tenda a sair do acordo de gabinete dos poderosos e endinheirados para o interesse da maioria da população. Isso aconteceu sem nenhuma exceção até hoje na história brasileira, sempre que o sufrágio universal conseguiu colocar no poder líderes identificados com as classes populares. Em todos os casos a classe média conservadora foi usada como massa de manobra na tentativa de derrubar os governos Vargas, Jango e agora Lula-Dilma, e conferir o “apoio popular” e a consequente legitimidade para esses golpes, sempre no interesse de meia dúzia de poderosos. A corrupção e sua vagueza conceitual são sempre o mote que galvaniza a solidariedade “emocional” das classes médias, que se imaginam moralmente superiores às outras,[8] e confere respeitabilidade moral e política a esses assaltos à soberania popular. Como já dissemos anteriormente, a corrupção, definida seletiva e arbitrariamente, é a única forma brasileira de transformar os interesses mais privados em supostos interesses universais.

A imprensa é fundamental nesse processo e primeiro elemento da estratégia de fabricar um golpe. Isso acontece posto que é necessário “legitimar” o assalto ao princípio da soberania popular como única fonte que permite vincular legalidade e legitimidade do regime democrático e representativo. Como a soberania popular consagrada no voto é a única fonte de legitimidade do poder moderno em todas as suas dimensões, inclusive das regras consagradas constitucionalmente,9 a imprensa conservadora sempre teve de fazer estripulias de contorcionista chinês para deslegitimar a única fonte de todo o Direito e de toda a vida democrática moderna. Para isso, sempre foi necessário (e ainda é, como veremos) produzir o segundo elemento da estratégia golpista; insuflar o público conservador cativo – o qual, em uma sociedade tão perversa e desigual como a nossa, é antipopular em sua essência – com referências a uma “vontade geral” indivisa,10 a qual, supostamente, seria mais importante que a vontade individual manifesta nas urnas. O terceiro elemento formal de toda estratégia golpista é, portanto, um ator institucional que possa incorporar a “vontade geral” pré-fabricada. Na verdade, é uma vontade de meia dúzia de endinheirados que manipulam sua tropa de choque formada por uma classe média infantilizada que se autoidealiza.

Falta, então, encontrar esse terceiro elemento formal presente em todos os golpes contra o princípio da soberania popular, o qual deve incorporar precisamente tal elemento “apolítico” que responde aos anseios da antipolítica moralista construída entre nós com foro de “ciência”. Esse terceiro elemento deve ser uma espécie de “rainha da Inglaterra”, ou seja, ser visto como neutro e acima dos interesses em disputa. Em parte, a própria imprensa conservadora no Brasil sempre posou de “neutra” e gosta de se vender como uma instituição de “interesse público”, como se não fosse uma empresa qualquer disposta a (quase) tudo para aumentar seu lucro. Como nunca houve regulação da imprensa entre nós, esse tipo de empresa peculiar – que lida com a informação e, portanto, com a possibilidade de manipular a informação para fins empresariais e políticos – sempre foi historicamente comprada por todo tipo de interesse econômico que pagasse o maior preço.11 A figura emblemática desse fenômeno histórico entre nós foi Assis Chateaubriand, uma espécie de “patrono da imprensa brasileira” e o mais puro exemplo – depois seguido por muitos outros – do uso político indiscriminado e truculento dos veículos de imprensa para auferir ainda mais dinheiro e poder.12

No entanto, sempre foi necessário que o terceiro elemento estivesse ancorado na própria ordem constitucional, que no caso brasileiro já tinha a tradição do “Poder Moderador” imperial. Assim, nessa “repartição de trabalho do golpismo”, cabia à imprensa “neutra” e “desinteressada” passar a “senha”, ou seja, criar o “convencimento” para o clima de “crise”, sempre com base na crítica seletiva da corrupção, para que a baioneta pudesse exercer sem peias seu papel. Essa repartição de trabalho do golpismo para a manutenção de uma sociedade para poucos foi reproduzida também na Constituição da “redemocratização” de 1946: seu artigo 177 garantia aos chefes militares a possibilidade de julgar se o presidente havia desrespeitado os demais poderes constitucionais, a lei e a ordem.13 Estava transposto no texto constitucional o princípio de uma espécie de “democracia tutelada”, ancorada nas Forças Armadas e em sua possibilidade expressa de intervir quando a “ordem pública” estivesse em perigo, ou seja, sempre que os interesses do 1% dominante e mais rico fossem ameaçados. Estava então consolidado o terceiro elemento formal de todo golpe de Estado entre nós, como princípio constitucional, baseando-se na ficção da existência de uma instituição acima da política e dos partidos.

O jogo da pseudodemocracia moderna brasileira estava armado: o aproveitamento consequente do moralismo de fachada dos setores médios baseado no ressentimento contra os de cima (sempre considerados corruptos, especialmente no Estado) e o ódio contra os de baixo, destinado a ser astuciosamente insuflado sempre que a imprensa, “neutra como o dinheiro”, visse seus interesses na ordem para poucos de algum modo ameaçado. Os dois juntos, “povo” (ainda que 80% estivessem de fora) e “imprensa neutra”, clamam pela intervenção do elemento “não político” e “não corrupto” (sic) das Forças Armadas, que incorporaria a “vontade geral” para o povo tutelado e submetido. No caso de Vargas, que refletia formas suaves de inclusão social-democrata perfeitamente compatíveis com um capitalismo dinâmico, a “corrupção seletiva” só dos líderes ligados aos setores populares já foi o mote principal para sua derrubada.14 Com Jango, as reformas de base foram interpretadas como comunismo, e o combate à corrupção, mais uma vez seletivo – e que seria muito maior nos governos militares sem nenhum controle –, foi o grande mote para a continuidade do regime de exceção.

Poucos veem hoje em dia a continuidade desse processo antipopular de intervenção antidemocrática no “golpismo branco”. A única mudança realmente efetiva nos processos de golpes anteriores, fato que ainda não foi percebido no debate brasileiro atual sempre muito preso à conjuntura, pobre teoricamente e sem perspectiva histórica, em relação ao atual em curso é mais aparente que real. Como os militares perderam a legitimidade de “guardiões da ordem” – primeiro pela violência das torturas e depois pelos próprios casos de corrupção entre os militares no poder ou acobertados por eles –, surge a necessidade de outro “justiceiro” para incorporar a “vontade geral” acima da política, para fazer justiça com as próprias mãos, bem ao gosto de nossa classe média que aprova, por exemplo, a matança indiscriminada de pobres pela polícia.[15]

O candidato perfeito para ocupar o lugar vazio deixado pelos militares surge no aparato de órgãos de controle do Executivo e do Judiciário criados pela Constituição de 1988, que reúne ambiguamente não apenas a tentativa de universalizar direitos, mas também a desconfiança na política – criada entre nós por meios pseudocientíficos, como vimos – e a necessidade de instaurar um novo “poder tutelar”, de modo a resguardar os interesses do 1% mais rico e poderoso.

Esses órgãos não apenas recrutam seus quadros prioritariamente na classe média conservadora e moralista. Todos os interesses materiais e ideais dessas corporações – com alguns dos mais altos salários da República, além de benesses e privilégios de todos os tipos, aliados ao prestígio social, especialmente em sua classe de origem, reservado aos que lutam contra a corrupção – ganham com o projeto de substituir as Forças Armadas como nova instância do “Poder Moderador” da pseudodemocracia brasileira. São os órgãos de controle, como Tribunal de Contas da União, Ministério Público e Polícia Federal, aliados aos “juízes justiceiros”, incensados pela mídia conservadora como os novos “heróis do povo” (leia-se, da classe média conservadora), como os novos representantes da “vontade geral” (ou seja, os interesses econômicos do 1% mais rico); supostamente “acima da política”, que são os novos candidatos a incorporar o “Poder Moderador” da pseudodemocracia tutelada brasileira.

O “Direito” moderno, cuja única grandeza é ser reflexo e incorporação da soberania popular na sociedade moderna, é o primeiro a perder com a substituição do juiz sóbrio e objetivo16 pela figura narcísica do “justiceiro”, que aceita incorporar e teatralizar a “vontade geral” pré-fabricada. A própria definição do Direito formal moderno, marcada pelo respeito ao procedimento legal e como garantidor do contraditório como meio de se assegurar previsibilidade e segurança jurídica, tende a ser substituído pelo que Max Weber chamava de “justiça do Kadi”. Ou seja, um padrão de justiça material, construída sob o comando de aspectos extrajurídicos ditados pela conjuntura, sujeita a todo tipo de pressão emocional e de interesse de ocasião.17

Na lama desse “Direito de ocasião” se engalfinham agências de controle e Poder Judiciário para aumentar seu poder relativo dentro do aparelho de Estado e virtualmente “governar”. Além do interesse político em ocupar espaços de poder, todos os interesses materiais e ideais dos operadores jurídicos militam por essa expansão de jurisdição. Na condição de paladinos anticorrupção, podem exigir salários ainda melhores e ainda mais regalias de toda espécie.

A recente ofensiva do deputado federal Eduardo Cunha vem de outra senda do espectro político. Ela não se traveste de “interesse geral” e não assume a forma do protagonismo “jurídico” que se oferece desejoso de sepultar e substituir a política. Ela assume a forma da negociata à luz do dia, sem usar vestes e sem “enganar” o público. O fracasso das recentes manifestações do dia 13 de dezembro de 2015 mostra que o público precisa ser enganado e manipulado em seu ressentimento e em sua desesperança, que são reais. O sucesso da estratégia de Cunha seria um retrocesso de consequências imprevisíveis até para os oportunistas, como o PSDB, o qual se põe como herdeiro fiel do golpismo oportunista dos udenistas, que irresponsavelmente apoia. A crise tem sempre a virtude de mostrar os interesses mais vis agindo à luz do dia.

Como a política, no entanto, precisa da hipocrisia, acho que são os “golpes jurídicos” que têm maior chance de sucesso. São os “juízes justiceiros” incensados pela mídia conservadora e com o poder de fazer de tudo, muito especialmente jogar no lixo o que o desenvolvimento civilizacional construiu nos últimos 2 mil anos na esfera do Direito. O “superjuiz” só precisa da mentira repetida todos os dias, a qual diz que existem pessoas acima dos interesses dos partidos e acima dos interesses econômicos e políticos. Assim, pode-se inclusive torturar legalmente pessoas jogadas em cadeias sem culpa formada e sem razão jurídica comprovada – um tipo de tortura psíquica certamente tão cruel como o pau de arara dos militares.

Mudam-se as vestes e as fantasias, “moderniza-se” o golpe, substitui-se o argumento das armas pelo argumento “pseudojurídico”, amplia-se a aparência de “neutralidade”, sai de cena a baioneta e entra no palco da ópera bufa a toga arrogante e arcaica do operador jurídico, mas preserva-se o principal. Quem continua mandando de verdade em toda a encenação do teatro de marionetes é o mesmo 1% que controla a riqueza e o poder, e instrumentaliza a informação a seu bel-prazer. Os outros 99% ou são manipulados diretamente, como a classe média “coxinha”, ou assistem de longe, bestializados, a um espetáculo pelo qual, como sempre, vão ter de pagar sem participar do banquete.

Jessé Souza

*Jessé Souza é professor titular de Ciência Política da UFF e presidente do Ipea. Autor de A tolice da inteligência brasileira, recentemente lançado pela Leya. Este artigo é uma versão atualizada e modificada do último capítulo dessa obra.

Ilustração: Eugêni

1 Aécio Neves, por exemplo, teve sua menção no escândalo da Lava Jato simplesmente silenciada pela imprensa.

2 Segundo trabalho do técnico do Ipea, Felix Garcia Lopez, as despesas líquidas com pessoal em relação à receita líquida da União diminuíram entre 1995 e 2014, negando um suposto “inchaço” do Estado. Ao mesmo tempo, apenas 13,1% de todos os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) têm alguma relação partidária, negando a tese do aparelhamento. Ver Felix Garcia Lopez, “Evolução e origem dos nomeados para cargos DAS na administração pública federal no período 1992 a 2014”, Brasília, Ipea, 2015.

3 Jessé Souza, A tolice da inteligência brasileira, Leya, São Paulo, 2015.

4 O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, lembrou na imprensa, quando estourou o escândalo da Lava Jato, que todos os brasileiros, na verdade, usam o “jeitinho”, como ensinado por Faoro e Roberto DaMatta, na vida cotidiana.

5 O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, em sua posse, citou Faoro, cuja “teoria” não vale um vintém furado, como mostramos aqui, para legitimar o Estado mínimo.

6 O trabalho de Felix Lopez, citado anteriormente, mostra que toda essa discussão do “inchaço” e do “aparelhamento” estatal não guarda nenhuma relação com a realidade.

7 Ver Ladislau Dowbor, “Produtores, intermediários e consumidores: o enfoque da cadeia de preços”, Revista Econômica do Nordeste, v.45, n.3, p.7-16.

8 O fato de estar no “meio da sociedade” implica submissão ressentida aos poderosos acima dela e ódio pelos de “baixo”. A superioridade “fabricada” com relação aos que têm poder é baseada na ilusão de que estes são sempre “corruptos”, transformando a inferioridade econômica e social real em superioridade “moral” fantasiada. Como diz Max Weber, a primeira necessidade das pessoas não é ver a verdade, mas, ao contrário, “legitimar” a vida que efetivamente levam como a melhor possível.

9 Ver sobre isso o clássico de Jürgen Habermas, Faktizität und Geltung [Entre facticidade e validade], Suhrkamp, 1992.

10 Pierre Rosanvallon, La Légitimité démocratique. Impartialité, réflexivité, proximité [A legitimidade democrática. Imparcialidade, reflexividade, proximidade], Éditions du Seuil, Paris, 2008.

11 Ver Paulo Henrique Amorim, O quarto poder, Hedra, São Paulo, 2015; e Fernando Morais, Chatô, o rei do Brasil, Companhia das Letras, São Paulo, 1994.

1 Ibidem.

13 José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e a política no Brasil, Zahar, Rio de Janeiro, 2005.

14 Ver a excelente trilogia de Lira Neto, Getúlio, volumes I, II e III, Companhia das Letras, São Paulo, 2014.

15 A matança de pobres, com ou sem a desculpa do tráfico, no Brasil, é uma “política pública informal” com alto apoio popular.

16 É patente a diferença entre um juiz alemão, por exemplo, sempre sóbrio e discreto, com o desavergonhado “narcisismo midiático” de vários juízes brasileiros, em todas as instâncias, em uma função na qual a distância das paixões políticas é precondição para seu bom desempenho.

17 Max Weber, “Rechtssoziologie” [Sociologia do Direito]. In: Wirtschaft und Gesellschaft [Economia e sociedade], J.C.B., Mohr, 1985, p.471.



04 de Janeiro de 2016. Palavras chave: conservadorismo, congresso, câmara, política, PMDB, golpe, democracia, governo, Dilma, Getúlio Vargas, ditadura

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=2011

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

"O nacionalismo argentino foi o mais forte" - Sandra McGee Deutsch

"Estudou e comparou a extrema-direita da Argentina, Brasil e Chile e comprovou que a nossa foi a que mais influência teve. Sua maior criação foi o revisionismo histórico, "que foi até muito pouco tempo o mais aceito".

SANDRA MCGEE DEUTSCH, HISTORIADORA
"O nacionalismo argentino foi o mais forte"

Por Sergio Kiernan

Pequena, vivaz, dona de um excelente castelhano, McGee Deutsch estuda nosso país há mais de vinte anos. Professora de história latinoamericana, titular dessa cátedra na Universidade do Texas em El Paso, especializou-se na extrema-direita argentina. Sobre nossos fascistas, aliancistas e nazis, e sobre os nazis (nacis) chilenos e os integralistas brasileiros escreveu vários artigos acadêmicos e dois livros: um sobre a história da Liga Patriótica e outro sobre as direitas dos três países entre 1890 e 1939. Novamente estudando arquivos argentinos para um novo livro sobre sua outra paixão, a história das mulheres na política, falou para o Página/12 sobre o passado, a influência e, o mais inquietante, o possível futuro de nossa direita.

–Por que Argentina?

–Escolhi a Argentina porque é claro que teve a extrema-direita mais proeminente da América Latina. E, como piada pessoal, porque o primeiro livro de história argentino escrito por um argentino que li foram as memórias de Carlos Ibarguren. E isso me fez interessar sobre o tema.

–Você visitou este país pela primeira vez em 1977... toda uma introdução à direita argentina.

–Realmente, e assustadora. Cheguei a me perguntar se ia poder fazer minha pesquisa, mas não tive problemas porque meu trabalho ia até 1930.

–Por que a Argentina desenvolveu uma extrema-direita tão forte?

–Há vários fatores. Um é que, em contraste com os outros países que estudei, Brasil e Chile, aqui houve uma próspera economia exportadora que controlou bem sua demanda interna. Isto fez com que as críticas ao desenvolvimento econômico argentino não fossem contra o capitalismo como um todo senão contra a conexão britânica, a banca internacional. No Chile, a crítica à influência e o controle estrangeiros se fez em conexão com o capitalismo como sistema. Aqui, ao estar dissociados os dois elementos, a crítica jogou a favor da direita.

-Por que?

–Porque a crítica do capitalismo ficou nas mãos da esquerda e a direita ficou com a crítica detalhada ao domínio estrangeiro. Outro fator especialmente importante foi a debilidade dos conservadores argentinos. Economicamente tinham muito poder, mas politicamente não podiam ganhar eleições por isso recorriam à fraude, como ocorreu depois de 1916. E a debilidade dos conservadores sempre deixa mais espaço para a direita extremista. Os mesmos conservadores trabalharam às vezes com a extrema-direita, para ganhar o poder ou para conservá-lo. Se tivessem sido fortes, não teriam necessidade deles. No Brasil e no Chile, os conservadores eram muito mais fortes e raramente usaram ou trataram com os extremistas. Outro fator é que os nacionalistas argentinos, por várias razões, puderam forçar uma aliança muito forte com a Igreja e as Forças Armadas. Novamente, no Brasil e no Chile a tendência existiu, mas nunca chegou ao nível que chegou aqui, e que lhe deram apoio institucional ao nacionalismo.

–Com essas experiências tão diferentes, havia grandes diferenças ideológicas entre os nacionalismos desses três países?

–Não realmente, nada terrível, exceto que os aspectos mais radicalizados e extremos da ideologia foram enfatizados fora da Argentina, em particular no Chile. Nos anos 30, o Chile tinha um movimento de esquerda tão forte que para competir com a esquerda - e isto é algo que a direita extremista sempre faz, competir com e combater a esquerda - os nacistas tiveram que plantar ideias mais radicalizadas e realizar ações muito radicais. Enfatizaram os aspectos mais revolucionários de sua ideologia, a necessidade de mudanças sociais, de reforma. Esses aspectos foram mais proeminentes aqui, mas certamente estiveram presentes, coisas que muito historiadores abordam superficialmente.

–Que nível de violência geraram os nacionalistas?

–Muita, os anos 30 foram muito violentos na Argentina, com muitos incidentes na rua entre nacionalistas, esquerdistas e sindicatos. Os nacionalistas iam aos bairros operários e atacavam socialistas e sindicalistas. Até assassinaram um legislador socialista em Córdoba. Também atacaram sinagogas, atiraram petardos em cinemas que exibiam filmes antinazis. O que houve foi uma batalha pelo espaço. Os nacionalistas chegaram tarde à cena e trataram de fazer um espaço nos bairros operários pra cima da esquerda. Houve grupos mais radicalizados como a Alianza de la Juventud Nacionalista, que trataram de atrair os operários, trataram de tirar por cima a imagem aristocrática do nacionalismo e militaram nos bairros de trabalhadores. Isso gerou violência.

–Como fizeram uma aliança com os militares e a Igreja?

–Tinham prioridades em comum. Opunham-se contra a esquerda, o que era muito importante, queriam ordem e tinha muito da agenda social da Igreja. O padre Menvielle foi muito influente entre os nacionalistas quando falava da ordem corporativa, da justiça social e de uma concepção cristã da economia, sem usura. Os setores da Igreja que acreditam nesta agenda eram mais poderosos aqui que em outros países. Em relação ao exército, ele também compartilhava boa parte das ideias, mas o desacordo estava em que nenhuma força armada oficial gostaria de compartilhar o monopólio da violência, por isso que ele não gostava dos uniformes e das milícias dos nacionalistas.

–Mas essas instituições, que são profundamente conservadoras, como aceitavam o lado revolucionário do nacionalismo?

–Era um ponto de conflito, mas não muito grave. Tomar a agenda social da Igreja significa dizer que a direita também pode propor, como a esquerda, uma ordem social mais justa. E isso é algo que os conservadores não sonham falar. O mesmo com o assunto de fundar movimentos onde o povo que usa uniforme e segue ordens, a militarização da política: enquanto não se usasse armas, o Exército poderia tolerá-lo.

–Você fala da influência do nacionalismo argentino. Isso se traduziu em poder? Em nomeações?

–Não tanto como na Itália ou Alemanha, obviamente, mas a maioria dos movimentos fascistas europeus - e chamar de fascista o nacionalismo é um tema que se debate - tampouco conseguiram tanto poder. Os nacionalistas que rodearam a Uriburu no golpe de 1930 ganharam cargos: alguns interventores provinciais, como Carlos Ibarguren, foram nacionalistas e houve uns 30 funcionários que provinham dessa corrente. Depois, esteve o governo bonaerense (buenairense) do conservador Federico Martínez de Hoz, que evoluiu até o nacionalismo e nomeou vários deles em postos chaves, mas durou pouco; o presidente Justo interveio na província. O governo militar de 1943 foi nacionalista em muitos aspectos e teve ministros como Hugo Wast, Gustavo Martínez Zuviría. E tomaram medidas da plataforma nacionalista, como a educação católica em escolas públicas. Também exerceram certo poder de modo informal, como colaborando com o Estado na repressão da esquerda, informando sobre judeus e supostos subversivos...

–Já o faziam nos anos trinta...

–Sim, já nesses tempos.

–Este relativo poder que os nacionalistas argentinos conseguiram se compara com o que conseguiram no Chile e no Brasil?

–Não, no mais mínimo. No Chile o máximo que conseguiram foi eleger três deputados. Em 1938, os nacis - com "c", como eles escreviam - trataram de tomar o poder pela força e foram duramente reprimidos, com muitos mortos. Curiosamente, pouco depois houve eleições e os nacis apoiaram a Frente Popular, que ganhou. Deve ser o único caso na história de um grupo fascista que seja parte de uma Frente Popular. No Brasil, os nacionalistas estiveram um pouco melhor que no Chile, mas menos que na Argentina. Eles foram úteis a Getúlio Vargas quando tratava de consolidar sua ditadura e quando em 1935 reprimiu duramente a esquerda. Mas em 1938 os havia repudiado e os liquidado.

–E Perón?

–Perón adotou muitas ideias nacionalistas, mas não lhes deu espaço nem poder, não se aproximou deles. Os via por demais aristocráticos e sabia que o viam como bastante populista e que eles não gostavam de Evita. Como dizem amargamente muitos nacionalistas, ele lhes roubou consignas como a da soberania econômica. E há algo a dizer de Perón: ainda que tenha recebido os nazis europeus, também lhes deu um lugar proeminente e inovador de reconhecimento aos judeus argentinos e entendo que foi o primeiro presidente a ir a uma sinagoga.

–Que influência tiveram na cultura?

–No Chile e no Brasil tiveram alguns intelectuais proeminentes, mas quase nada de influência. Nem sequer se vê esse costume de pôr interventores nacionalistas nas universidades a cada golpe que faziam os militares argentinos. O grande êxito dos nacionalistas aqui foi criar e impor o revisionismo histórico, algo que nenhum outro nacionalismo pode fazer, criar sua própria escola histórica e fazer com que até muito pouco tempo fosse a interpretação mais popular da história argentina. É extremamente importante.

–É possível falar como algo do passado os nacionalistas?

–Sob risco de ser míopes. Muitas vezes ressurgem, depende de como anda a economia, do espaço que tenham no cenário político e do poder que podem exercer os conservadores. Se se sentem representados, como com Carlos Menem, não há problema. Se não, podem começar a manobrar até a direita radicalizada.

Fonte: Página 12 (Argentina)
http://www.pagina12.com.ar/2000/00-09/00-09-10/pag14.htm
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Invenção do Nordeste (livro). Pra entender o Brasil atual e suas divisões artificiais criadas na Era Vargas

Eu sempre disse que um dia iria fazer um post sobre esse livro e acabava deixando pra depois, como eu ia fazer um comentário sobre preconceito regional (mais precisamente do que eu penso sobre isso) achei melhor fazer primeiro o post desse livro porque ele deixa bem claro o que eu penso sobre regiões e Brasil. Essas divisões regionais atuais do Brasil são mitificações/divisões oriundas do Estado Novo varguista, basicamente, mas o livro mencionado no título do post detalha de forma mais precisa (e como isso foi conduzido propositalmente) a construção dessas divisões regionais que afetam o país hoje pois a mídia brasileira depois da redemocratização do Brasil em 1985 faz questão de reforçar essas divisões e não atenuar.

Este livro "A invenção do Nordeste", do autor Durval Munis de Albuquerque Jr (se não me engano, potiguar), que mal vejo ser citado no país (mas sai tudo quanto é porcaria como "bestseller" na mídia), é essencial pra entender o Brasil atual e como essa divisão regional criada na Era Vargas vem afetando negativamente o intercâmbio estadual que sempre existiu no país, desde os tempos em que o Brasil ainda era colônia portuguesa. Esse comentário aqui é uma interpretação minha, não sei se o autor concorda, mas é como vejo a atuação política desta divisão que eu considero artificial. "Ah, mas toda tradição é criada, artificial", sim, mas tradições podem surgir de culturas existentes ou ser simplesmente forjadas pra algum propósito, no caso a criação do "Nordeste" serviu aos interesses do estado autoritário de Vargas e à maioria dos governos posteriores a ele.

Resumo do livro: (FGV-CPDOC)
A invenção do nordeste
Matéria do JC: A invenção do Nordeste; por Isabel Guillen
http://www2.uol.com.br/JC/_2000/0409/cu0409e.htm
Links pro livro ou partes dele:
III. “A invenção do Nordeste”. 3.1. O conceito de região: da Geografia ao discurso

Foto da capa tirada do link do Skoob:
http://www.skoob.com.br/livro/15933-a_invencao_do_nordeste_e_outras_artes

Tem mais de um PDF se procurarem no site acima. Depois vejo se consigo colocar o resto.

Quem quiser entender o Brasil só por coisas como "ó, São Paulo a locomotiva do Brasil" ou "Brasil, meu Brasil brasileiro" reduzindo o Brasil a mitificação criada em cima do Rio, não vai entender nada, ou só uma parte do todo, e uma parte muito pequena em relação ao conjunto da obra chamada Brasil (514 anos de História). Por sinal, esse é um dos motivos da crise de identidade que existe em alguns estados do país, o não saber como tais cidades e Estados foram formados e um certo discurso fascistoide que endeusa a formação desses estados em detrimento dos núcleos mais antigos de população do Brasil.

Intuitivamente eu sempre soube que essa região que chamam por "Nordeste" é uma formação forçada, nunca foi homogênea, não existe um sotaque regional ou uma identidade regional já que vários estados possuem sua própria identidade e sotaques. Tampouco existe uma bandeira regional ou hino regional, a não ser o que a mídia de dois estados do país "forçam" a ser. O sotaque baiano não é igual ao pernambucano (que tem mais de um), que não é igual ao sotaque cearense e assim por diante. Cada estado tem sua bandeira e seus simbolismos, e hino também (link1, link2, link3). Justamente pelo forte fator identitário de Pernambuco essas contradições entre essa identidade regional forjada no Estado Novo (apropriando-se de coisas do Estado e disseminando que isso é algo "de todos") e uma identidade com praticamente meio milênio de História, fica fácil de sacar de cara o que é ou não forjado e imposto de fora.

Resumidamente, o livro fala da construção literária e ideológica que formou a ideia em torno do que muita gente no Brasil vê como "Nordeste brasileiro" e "nordestinos", o livro fala do quanto isso é mitificação e construção, criada na ditadura Vargas, pra justificar a "diferença" de regiões ou valorizar umas e largar a própria sorte outras, principalmente a área do país onde o próprio Brasil surgiu como país e nação. Inclusive com participação de gente da região reforçando essa ideia de "seca", "retirante" etc, o que é uma distorção pesada da História do Brasil.

É sempre bizarro ver alguém querendo falar de Pernambuco citando Lampião (por conta do cinema) do que Frei Caneca, Nassau ou Joaquim Nabuco que tiveram muito mais relevância pro Estado (e pro Brasil) do que um mero bandoleiro. É duplamente irônico ver a reverência que tratam do período Holandês em Pernambuco pelo complexo de vira-latas (au au) de alguns estados do país, com crenças ridículas (que eu já ouvi e li gente dizer, mas não salvei o link, é algo bizarro e sem fundamento algum) de que os loiros do Estado são descendentes de holandeses e quando retratam este mesmo estado (e região) no século XX, mudam pra imagem de Lampião, coronéis etc.

O autor do livro é potiguar, mas por motivos óbvios irei falar mais do meu estado, primeiro por conhecer mais e saber dessas peculiaridades, também por saber das rixas históricas entre estados da região e por saber da manipulação que a grande mídia do país reproduz o tempo todo sobre essas identidades regionais e com os estados do país. Gente preconceituosa falando sobre isso em TV é uma desgraça total. Também por saber da relutância e rejeição pernambucana a essa imposição cultural televisiva de outros estados do país. Por exemplo, a grande mídia, por prepotência (e burrice) omite o nome dos estados da região os citando como "bloco", o que pra quem sabe dessas diferenças sempre soa como estupidez ou cretinice, e que como ficará demonstrado neste post, essa postura é uma repetição das crenças e mitificações fascistoides criadas no Estado Novo varguista.

O mal do brasileiro (generalizando) é ignorar profundamente a História do país. Digo isso porque o que vejo de gente chorona (reclamando de tudo) na internet quando fala de política, com comentários totalmente alienados e idiotas, é vergonhoso.

Este post é um comentário em cima da ideia do livro, que pra muita gente poderá soar como uma "revelação" pois a maioria é criada ouvindo que o Brasil atual é esta divisão regional ridícula da Era Vargas e das generalizações cretinas que a mídia hegemônica do país (que se situa atualmente nas cidades do Rio e de São Paulo) reproduzem o tempo todo sobre isso, reforçando estereótipos reais ou não e essa ideia de divisão regional como se o Brasil não tivesse uma origem comum e omitindo a formação dessas cidades populosas (hoje) do país, que nem sempre foram politicamente relevantes na História do Brasil (a maior parte da História do Brasil foi vivida e passada nos estados mais antigos do país e não nos mais populosos atuais). Existe uma falta de reflexão clara da maior parte da população do país, que é criada pra aceitar verdades impostas e não ter uma mente aberta pra, por exemplo, entender sem choque que o Brasil que elas concebem não passa de uma criação varguista. Que o Brasil é o país dos bairrismos e não um país "unido" como muita gente apregoa. Que o Brasil já esteve a ponto de se fragmentar e por conta de um português autoritário isso não ocorreu. Se isso foi bom? Pra alguns certamente não foi (principalmente pernambucanos que tiveram seu estado mutilado, único corte de estado do país por castigo e retaliação política).

Daí a razão de haver um certo ressentimento por parte de uns quando a gente cita isto, que não é uma diminuição do papel das outras cidades do país, mas sim uma visualização da História do Brasil como um todo e não um recorte a partir da ascensão de Rio de Janeiro e São Paulo no século XIX. Até chegarmos ao século XIX houve mais de três séculos de lutas e conflitos no Brasil, que nem sequer era um território unido, que definiram o que hoje todo mundo entende como o Brasil. O Brasil não começa com a vinda (fuga dos fujões de Lisboa) da Família Real Portuguesa em 1808, correndo do cerco de Napoleão a Portugal e sim em 1500 mesmo ou antes.

O próprio crescimento dessas cidades se deveu a dois fatores: a vinda pesada de imigrantes europeus no século XIX e começo do século XX e o grande êxodo das outras regiões do país e da antiga capital (Salvador) pra esses centros, pegando quase toda classe média e intelectuais do que hoje é conhecido como "Nordeste".

A você de outro estado e região que vive malhando o que entende por "Nordeste" sem nem saber como o país foi formado, ou sente vergonha disso (por ser imbecil mesmo), se você tiver sobrenome português, as chances de você ter raízes nesses estados que citei é muito, mas muito grande e não foi pouca gente que migrou mesmo antes do êxodo do século XX que é mais conhecido (como retirantes etc), mas fazem questão de apagar esses fatos, ou omitir ou simplesmente diminuir a importância deles pra mitificar a ideia de estados formados por "italianos" etc mesmo falando português e tendo vários bairros com nomes indígenas.

O Brasil atual não existia até 1879 do século XIX quando São Paulo ascende como metrópole (até então era menor que Teresina no Piauí, dados do livro A Economia Brasileira, de Werner Baer) com a produção de café (o ciclo) e a industrialização que ocorre por isso. O resultado deste processo de mudança e migração interna é o que vocês veem hoje em dia.

Os centros políticos, econômicos e militar do Brasil por 308 anos ou mais foram Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. O Rio Grande do Sul sempre foi muito isolado e passou a ter relevância política no país também no século XIX com as lutas contra a coroa e a imigração e colonização maior dos estados da região Sul. Há outro núcleo também antigo e forte que fica no estado do Pará, não menos relevante. Mas os maiores centros urbanos eram Salvador (principalmente, capital do Brasil por mais de três séculos), Recife e o interior de Minas (Ouro Preto etc).

A maioria dos brasileiros antigos do país, principalmente os que têm sobrenomes portugueses (a maioria da população), são descendentes desses centros urbanos que citei acima. O intercâmbio (migração interna) no Brasil sempre foi intenso, em toda a história do país.

Se eu por acaso esquecer de citar algum estado, não foi proposital, nem sempre dá pra lembrar tudo.

E a quem quiser duvidar que esta divisão regional é algo recente na História do país, como eu citei no post, pois se trata de uma criação/herança da Era Vargas (Estado Novo) e uma mitificação ridícula, inclusive bancada nos estados da atual região Nordeste por ignorância de parte da população, façam o seguinte teste: procurem o termo "Nordeste" e "nordestino" em livros de literatura antigos do Brasil e de Portugal. Se você encontrar o termo me avise aqui.

Dificilmente alguém encontrará pois o Brasil era dividido por Portugal por séculos em Norte e Sul apenas, sem qualquer conotação ideológica atual, o Brasil era território português e só, por isso que até hoje existem os termos sulista e nortista pra apontar regiões, mesmo com esses termos novos como "nordestino".

Sugestão de livro: O Norte Agrário e o Império (1871 - 1889)
De Evaldo Cabral de Mello (talvez o historiador brasileiro vivo mais importante do país).

Nem no Sertão de Euclides da Cunha existe a palavra "nordestino" e sim sertanejo. O termo "nordeste" que se encontra no livro é referente a ponto cardeal e área dentro da área maior em que ele se encontra, não tem ligação com o que se conhece hoje como "Nordeste" (região), só pra ilustrar a mitificação e falsificação fascistoide que criaram em torno das regiões do país. Cito esse autor porque é talvez o mais conhecido ao retratar o sertão do Brasil, que abrange o semiárido do país uma região que vai até o Norte de Minas Gerais atravessando vários estados.

Fico por aqui na apresentação do livro, mas farei ainda um post sobre preconceito regional e o que penso disso pois não comungo da ideologia de vitimismo/coitadismo que muita gente da região vive manifestando e enaltecendo, como se fosse virtude quando não é.

Eu mesmo acho que equiparar preconceito regional ao racismo (que é manifestado em sua maioria contra negros no Brasil, inclusive na região Nordeste com histórico escravagista pesado) um absurdo total. Quem comunga com isso, aceita passivamente a ideia que a mídia e pessoas ignorantes ou preconceituosas passam que gente de tal região é "inferior" e precisam de leis pra preservar sua integridade moral e física quando deveriam se impor e bater de frente com quem manifesta isso.

E nessa questão do preconceito pesa bastante e entra o fator Pernambuco no meio, que não quero frisar aqui pra não parecer que estou tentando ressaltar isso por bairrismo, mas como a mídia nunca ou quase nunca menciona essas particularidades, eu prefiro eu mesmo comentar que ouvir um paspalho de outro estado falar besteira sobre o que não conhece.

Mas o fator existe e é real, sempre foi. Resumidamente, já que citei o fato e não diminuindo o peso dos outros estados da região: a rejeição a essas imposições culturais e identitárias de governos autoritários sempre foi mais forte e pesada em Pernambuco, até pelo peso cultural, das ideias libertárias das revoluções do Estado e do envolvimento em revoltas em toda a história do Brasil. Sempre quiseram destruir a identidade cultural pernambucana por representar uma ameaça ao status quo de algumas elites e da Monarquia luso-brasileira que combatia toda e qualquer revolta por soberania (independência) do Brasil.

Quem quiser ler algo sobre os conflitos do século XIX que forjaram o Brasil e a forçaram a independência do país, destacando as relações de Minas, Bahia e Pernambuco nisto, ler o PDF:
Pernambuco, 1817, “encruzilhada de desencontros” do Império luso-brasileiro. Notas sobre as idéias de pátria, país e nação
Luiz Carlos Villalta*; 1817, DO REINO UNIDO A PERNAMBUCO, DO RIO AO RECIFE

Por isso não deixa de ser engraçado que comemorem a independência do país "declarada" por um português (um estrangeiro) e não se escolha uma revolta popular brasileira no lugar disso, o que é de fato correto. O 7 de setembro é mais outra distorção histórica cultuada no Brasil até hoje como "verdade" inconteste, fruto da imposição historiográfica do Rio com o Brasil (por ter sido a sede da Coroa Portuguesa no Brasil, moldou esses mitos). A independência de fato do Brasil de Portugal (quando há uma ruptura real) foi na Proclamação da República em 1889, onde se constituiu o primeiro governo brasileiro de fato e não o resquício do ex-dominador português sob mando de Pedro II, herdeiro de Pedro I.

Por isso também tenho aversão a essa ideia de Monarquia que ainda alguns delirantes no Brasil ficam defendendo sem nem entender as causas da rejeição à mesma. Como podem ver, essa imposição de identidade no Brasil é algo nocivo pois não respeita a pluralidade de manifestações culturais locais do país que é a grande riqueza cultural de fato do país. Essa imposição autoritária de sotaque e cultura é muito, mas muito chata, principalmente num país continente.

domingo, 27 de abril de 2014

Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo (Livro, lançamento)

Livro sobre integralismo e "neointegralismo" no Brasil. O Odilon me mandou aviso sobre o livro e estou divulgando pois, quem quiser entender como pensa e funciona a extrema-direita no Brasil precisa levar em conta o integralismo, coisa que como já citei várias vezes em outros posts costuma ser "deixada de lado" (intencionalmente ou por ignorância) quando a mídia começa com o sensacionalismo em torno dos ditos "neonazis" brasileiros, que na prática são fascistas ou supremacistas raciais usando suástica.

Resumindo pra não me alongar e tomar espaço da resenha do livro: o que parece ser um "absurdo" (a existência de "neonazis" no Brasil), uma vez que o nazismo original era destinado só a alemães, alemães étnicos e a crença de "raça ariana" (que envolvia povos nórdicos como meta a ser alcançada de "pureza racial", na crença dos nazis), não esse absurdo que muita gente pensa se se levar em conta o passado racista e escravagista brasileiro escamoteado principalmente pelos governos republicanos com destaque pra Getúlio Vargas que foi um dos que mais propagou esse mito de "democracia racial brasileira" e todas essas crenças que envolvem e formam a identidade do país no século XX até agora, além dos regionalismos atuais que são cria do Estado Novo.

Segue abaixo uma pequena descrição do livro "Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo" (Eduem, 2014), de Odilon Caldeira Neto.
"Verifica-se, no exercício realizado por Odilon Caldeira Neto, como os herdeiros atuais do movimento oscilam entre a negação, a aceitação e a reelaboração do fato da AIB ter tido traços antissemitas, produzindo conflitos internos entre eles que são característicos desses movimentos. Seu estudo, assim, é não apenas uma colaboração fundamental para a historiografia do integralismo, como também fornece um insight precioso sobre a melhor forma, em termos metodológicos, de lidar com o problema da memória, ou seja, compreendendo como os agentes políticos lidam com seu passado, ao mesmo tempo em que não perde de vista a realidade por trás dessas versões" (João Fábio Bertonha; do Prefácio)
Link1

Labtempo UEM
Com muita satisfação, o Labtempo UEM informa o lançamento do livro "Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo", recém publicado pela Editora da Universidade Estadual de Maringá. A obra é resultado de pesquisa realizada no Mestrado em História da Universidade Estadual de Maringá, conta com prefácio de João Fábio Bertonha (UEM) e apresentação de René E. Gertz (PUCRS).
Aos interessados em adquirir uma cópia, basta entrar em contato diretamente com o autor:
- E-mail: odiloncaldeiraneto@gmail.com
- Facebook Odilon Caldeira Neto.

Link2

terça-feira, 25 de março de 2014

Prisioneiros da guerra: os súditos do Eixo dos campos de concentração (1942-1945)

PRISIONEIROS DA GUERRA: OS SÚDITOS DO EIXO DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO (1942 - 1945)
Autor: Priscila Ferreira Perazzo
Editora: Humanitas: Fapesp
ISBN: ISBN (Humanitas) 978-85-7732-008-0 e ISBN (Imprensa Oficial) 978-85-7060-519-1
Ano: 2009

Prefácio:
Este é um livro que perturba. Ele segue a trilha aberta pela nova historiografia brasileira sobre a participação do país na Segunda Guerra Mundial, contrapondo-se à visão apologética que construiu uma mitologia no imediato pós-guerra. Durante várias décadas, o envolvimento brasileiro permaneceu encoberto por espesso véu de ignorância e de condescendência.

Concomitantemente ao vazio na historiografia brasileira, os estudos históricos sobre o episódio multiplicaram-se através de departamentos, institutos e centros de pesquisas em muitos países, partícipes ou não, da terrível hecatombe. Uma dupla obrigação sustenta estes esforços: por um lado o direito e o dever de memória. Todo povo detém o direito fundamental e inalienável de saber o que foi feito em seu nome. Por outro lado, a capacidade de lembrança constitui importante instrumento para tentar evitar os erros e renovar os acertos do passado.

Cada geração tem a obrigação de reconstruir a memória sobre a trajetória das gerações que a antecederam. Neste sentido, reveste-se de fundamental importância o papel do historiador na renovação temática, instrumental, metodológica e, sobretudo, na luta para ter acesso a novas fontes documentais. Esta é, certamente, a maior contribuição do livro que tenho o prazer de apresentar. A presente tese atinge plenamente o objetivo que deveria ser de toda tese: uma contribuição original sobre um tema obscuro ou desconhecido. Ressalte-se que as fontes utilizadas são inéditas e a trabalhosa pesquisa de campo fornece resultados extraordinários.

No final da década de 1970, começou a surgir uma série de estudos que renovaram a historiografia brasileira. Alguns orientados informalmente por José Honório Rodrigues como os de Stanley Hilton (1) e os meus, outros como do sempre lembrado Gerson Moura (2) e posteriormente Tullo Vigevani (3), todos eles tratando essencialmente das relações exteriores do país. A memória sobre o Brasil, partícipe marginal do conflito, começava a ser construída.

Muitos outros estudos se seguiram sobre essa área que desperta, ainda hoje, um grande interesse junto a parte ponderável da opinião publica.

Todavia, os aspectos internos decorrentes do conflito internacional ainda permaneciam à sombra. Foi novamente Stanley Hilton, num texto provocativo que causou grande impacto (4), o iniciador de uma reflexão sobre temas considerados secundários do conflito. O livro de Priscila Ferreira Perazzo inscreve-se nessa perspectiva. Ele decorre de um trabalho consistente e abrangente desenvolvido no Programa de História Social da FFLCH da Universidade de São Paulo e do Projeto Integrado Arquivo do Estado/Universidade de São Paulo, que resultou na preparação e publicação de um conjunto de trabalhos fundamentais sobre a política das autoridades brasileiras com relação às supostas minorias vinculadas de alguma maneira ao Eixo (5).

O tratamento dispensado aos prisioneiros de guerra capturados junto ao inimigo e sobretudo aos que poderíamos denominar reféns das circunstâncias (supostos membros de quinta-coluna ou simplesmente detentores de vínculos com o inimigo, sejam eles de nacionalidade, de descendência ou de simpatia por sua causa), denominados neste trabalho de «prisioneiros da guerra», constitui um dos temas historiográficos de maior aridez e que impõem uma série de dificuldades de abordagem.

Em primeiro lugar, trata-se de um tema que é marginal no conjunto da historiografia dos conflitos. Se tomarmos como exemplo as centenas de obras escritas sobre a Segunda Guerra Mundial veremos que são escassos os trabalhos dedicados a estes reféns das circunstâncias. Assim, durante décadas permaneceu escondido, em razão de um misto de indiferença e de pruridos mal avaliados, o tratamento imposto, durante os anos de conflito, às minorias oriundas do Eixo estabelecidas nos Estados Unidos.

Convidado pela Professora Maria Luiza Tucci Carneiro, orientadora, participei da banca de defesa da tese de doutoramento de Priscila que resultou no presente livro. Constatada a importância da pesquisa, a metodologia, o tratamento das fontes e inovação – bases de uma boa tese – a banca discutiu longamente a natureza e, por conseguinte, a caracterização dos espaços destinados pelo Estado brasileiro para reunir os prisioneiros de guerra. Este é o segundo grande desafio da obra. Ora, a autora designa estes espaços como sendo «campos de concentração», contrariando outros especialistas que os consideram como simples prisões onde as regras eram de tal modo elásticas, a ponto de ser identificadas como verdadeiras «colônias de férias» (6).

De fato, o debate deve orientar-se pela definição da expressão «campo de concentração». Considero que, etimologicamente, trata-se de um espaço físico delimitado por barreiras (físicas, normativas e de autoridade) que separam os internos do restante da população. Não é necessária a constatação de maus tratos para caracterizar a existência de um campo de concentração. Nesse caso, muitas prisões e delegacias policiais brasileiras deveriam mudar de denominação … Por outro lado, não deve haver confusão de gênero entre os campos de concentração e os famigerados campos de extermínio. Neste sentido, o auxílio de que se vale Priscila junto aos trabalhos de Hannah Arendt são muito úteis pois o sistema concentracionário brasileiro pode ser efetivamente considerado como integrante do «limbo» cujas formas são «relativamente benignas, que já foram populares mesmo em países não-totalitários, destinados a afastar da sociedade todo tipo de elementos indesejáveis» (7).

A ocorrência de dois fenômenos contraditórios nos campos de concentração brasileiros torna mais complexa a escolha correta de sua denominação. Priscila constata que os internos de certos campos eram autorizados a manter uma vida social fora dele. Portanto, estamos diante de situações nas quais os internos gozavam de uma semi-liberdade. De outra parte, as condições de higiene, a falta de qualidade e de regularidade do atendimento médico, bem como a própria localização do campo, muitas vezes situado em lugares insalubres, fez com que muitos internos padecessem de moléstias evitáveis e viessem a falecer.

O presente livro, ao contestar uma visão idílica da história, desperta consciências e provoca desconforto. Redigido em uma linguagem coloquial, na primeira pessoa do plural, ele aborda um tema pungente. Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma tentativa de resgate dos marginais da história e da construção de uma visão dos vencidos. Mas não unicamente isso, pois a autora opera a historia através do homem e sua condição, extraindo dela lições sobre sua natureza. Surge então o homem em sua (des)humanidade, pouco importando o que o Estado tente fazer com ele através das normas da nacionalidade que separam e opõem os humanos.

Outra importante contribuição de Priscila advém do enfoque metodológico. Uma primeira lição deve ser retida e conservada pelos leitores, especialmente aqueles que se dedicam à pesquisa. Por trás de um excelente livro como este, esta (e sempre estará em todas as grandes obras), muita dedicação, trabalho, sacrifício e espírito de equipe. Não se constrói uma obra científica somente com inspiração e ideias, mesmo que sejam pertinentes. A autora não somente percorre uma trajetória intelectual através da qual ela renova, contesta e afina seus pressupostos, mas também percorre um trajetória física que a conduz aos quatro cantos do país. A fazê-lo, demonstra que as fontes constituem a matéria-prima imprescindível do bom historiador. Mas sobretudo aproxima a História da vida e do homem. Para avaliar de maneira adequada a contribuição de Priscila, é indispensável imaginar que em cada etapa da pesquisa de campo e dos arquivos, a autora organizava as ideias, as fichas e as informações acumuladas para tentar tirar o maior proveito possível da investida. Ora, a sempre possível incompreensão dos guardiões dos arquivos paira como uma espada de Dâmocles sobre os pesquisadores, assim como a precária preparação para o trabalho de campo pode torná-lo inútil.

Apesar de ser tratado marginalmente nos estudos sobre a repressão ao comunismo e sobre o controle social no Brasil, objetos de vários estudos recentes(8), o tema da repressão às minorias originárias do Eixo constitui um vasto campo ainda a ser explorado. Trabalhos pontuais foram publicados enfocando a realidade estadual ou a micro-realidade municipal (9). Todavia falta uma sistematização e uma abrangência que somente trabalhos que se espelhem no exemplo da tese de Priscila poderão responder. Certamente se trata de uma história dolorosa mas indispensável para a construção da memória nacional.

A tese acadêmica ora apresentada ao grande público reúne grande valor para a historiografia brasileira. Posso não concordar com a utilização de um vocabulário por vezes pouco científico e com conclusões apressadas como, por exemplo, a que identifica a existência de um projeto étnico-político marcado pela xenofobia da política governamental brasileira. Todavia, o mérito do livro consiste em nos fazer entender como o governo autoritário de um pais povoado essencialmente por imigrantes enfrenta o desafio que poderia ter mudado a face das relações internacionais. Imaginando que a distância dos principais palcos de operações militares pudesse também nos manter afastados dos dramas da guerra, as nossas riquezas naturais e a forte presença de contingentes populacionais oriundos do Eixo, jogaram por terra qualquer esperança de neutralidade. O tributo que pagamos para reconquistar a paz deve ser compensado pela construção da memória. As páginas que seguem constituem inconteste contribuição.

(1). Conforme O Brasil e a as grandes potências. Aspectos políticos da rivalidade comercial (1930-1939 e O Brasil e a crise internacional (1930-1945), ambos publicados pela Civilização Brasileira em 1977.

(2). in Autonomia na dependência : a política externa brasileira de 1935 à 1942, Nova Fronteira, 1980.

(3). in Questão nacional e política exterior. Um estudo de caso: formulação da política internacional do Brasil e motivações da FEB, FFLCH-USP, 1989.

(4). Conforme A guerra secreta de Hitler no Brasil : a espionagem alemã e a contra-espionagem aliada no Brasil (1939-1945), Nova Fronteira, 1983.

(5). A primeira publicação da Coleção Teses e Monografias resultante do programa é justamente a dissertação de Mestrado de Priscila sob o titulo O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo, Arquivo do Estado de São Paulo, 1999.

(6). Consultar, por exemplo,CYTRYNOWICZ, R., Guerra sem guerra : a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial, Edusp, 2000.

(7). Cf. Origens do totalitarismo : anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo, Cia das Letras, 1989, p. 496.

(8). As obras de Paulo Sérgio Pinheiro e mais recentemente o livro de R. S. Rose, Uma das coisas esquecidas : Getúlio Vargas e controle social no Brasil/ 1930-1954, Cia. das Letras, 2001.

(9) Cf. a obra pioneira de René Gertz no Rio Grande do Sul e as mais recentes de Maria Hoppe Kipper sobre o impacto da política de nacionalização em Santa Cruz do Sul e o interessante livro de SGANZERLA, C., A lei do silêncio : repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937-1945), Ed. UPF, 2001.

Ricardo Seitenfus

Doutor em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire des Hautes Etudes Internationales (Genebra) e autor, entre outras, da obra O Brasil vai à Guerra, São Paulo, Editora Manole, 2003, 3a. edição, 365 p.

Fonte: site da USP
http://www.usp.br/proin/publicacoes/detalhes_publicacoes.php?idLivro=32&idCategoriaLivro=5

sexta-feira, 22 de março de 2013

Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 04

Epílogo: o refúgio da latinidade

A ideologia do fascismo italiano encontrava, então, tantos obstáculos como variantes ou formas paralelas (nacional-populismo, fascismo "de esquerda", falangismo, nacional-socialismo), que concorriam com ele em um contexto onde predominava a busca pragmática de referentes externos. Não ajudavam as percepções confusas ou alteradas nos dois sentidos, tanto na Itália como na América Latina que ao se propagar distorciam a mensagem original. Os regimes castrenses, por seu lado "criaram um ambiente hostil para a propagação do fascismo numa forma não adulterada" [75].

Além disso, outro motivo fundamental da busca de uma hegemonia italiana, induzia a leituras superficiais. A "latinidade", um tema já importante para o nacionalismo italiano, significava o intento de extender até a América Latina uma primazia espiritual universal, que Roma reivindicava como "mãe" da Civilização Latina. [76] Este objetivo -característico de uma política externa italiana que desde sempre se expressava com linguagem de mitos - [77] implicava desvincular a maior área "latina", quer dizer, a América Latina, das influências não-latinas (anglossaxãs, eslavas e asiáticas) e se sobrepôr por cima das influências "derivadas", ou seja, luso-hispânicas. A latinidade se expressava também como o refúgio na cultura de uma política de expansão do fascismo italiano que encontrava limites e obstáculos formidáveis em outros campos.

A concorrência da latinidade com a cultura ibérica apontava a oferecer, a Roma, uma tradição alternativa de espiritualidade mais densa de significados com respeito ao mero laço genealógico e linguístico. Uma tradição antiga mas viva, renovada pelo fascismo e suscetível de desenvolvimento no tempo presente. A proposta italiana de latinidade, frequentemente, era caracterizada pela possibilidade de que "Roma" significasse um arraigo tradicional da modernidade e, pelo mesmo, um brio progressista diferente (como alternativa "espiritual") ao progressismo "plutocrático" e meramente materialista de Washington e Londres, e à tradição sem modernidade de Madrid e Lisboa. Os grupos e tendências "hispanistas" na América Latina, frequentemente, tinham geralmente uma forte matiz conservadora e religiosa, em consequência a hispanidade não podia se aproveitar do sentido modernizador. [78] Por outro lado, justamente por este motivo resultava mais próxima as forças oligárquicas, castrenses e conservadoras que predominavam na região e que foram atraídas depois de 1936 pela Espanha de Franco. [79] Frente a esta ventaja hispánica do lado conservador, Roma ostentava as boas relações do Regime com a Igreja, especificamente os Pactos Lateranenses de 1929 e, mais tarde, a defesa do catolicismo contra a República espanhola anticlerical e anticristã. A latinidade em fn supunha um esquema para integração nacional, uma fórmula para sair da "pouco clara e indefinível consistência étnica atual" e para superar "aquelas diferenças de classe que não deveriam existir em Nações em formação e que nececitam uma igualdade individual e coletiva", apontando, por outro lado, - segundo o modelo fascista italiano - a "uma entidade nacional toda harmônica, própria, que seja finalmente na concepção e na realidade dos fatos um País orgânico e formado, que pode aportar algo à comunidade dos povos civis" [80].

A latinidade, em poucas palavras, como estratégia cultural oposta à hispanidade conservadora e ao panamericanismo econômico, poderia compensar as debilidades e as insuficiências da penetração econômica e diplomática da Itália e os resultados incertos da expansão política e ideológica do fascismo.

Ainda assim a latinidade, contudo, tinha dificuldade para se impôr. Tinha, frequentemente, a debilidade de ser ao fim e ao cabo a expressão de um imperialismo europeu, mesmo débil e distante fosse (e sem antecedentes históricos na região). Isto suscitava a desconfiança em países que buscavam a construção e o fortalecimento de suas identidades nacionais e a defesa de sua soberania. México, em particular, considerado "bastão da latinidade" contra o mundo anglossaxão, parecia preferir a busca de suas razízes nacionais nas antigas civilizações pré-colombianas no lugar de Roma. [81]

Com a Guerra da Etiopia (1935-1936) não faltaram os temores de um intervencionismo italiano na região, apoiado em motivações culturais análogas - a "missão civilizadora" e a colonização "proletária" - as que havia legitimado a fundação do Império africano de Mussolini. A latinidade italiana, além disso, podia resultar incômoda porque relegava a herança ibérica a um papel secundário e desechaba as tradições indígenas como resíduos primitivos e lastres para a civilização. A primazia de Roma, como mito unificador interétnico e panlatino significava também Descartar os mitos alternativos de unidade continental mestiça e nativa, como a "raça cósmica" de Vasconcelos ou o "indoamericanismo" de Haya de la Torre e de Mariátegui [82]. Despois de sua estada de três anos na Itália, José Carlos Mariátegui retoma as críticas ao latinismo de Vasconcelos e conclui: "não somos latinos e não temos nenhum parentesco com Roma" [83].

O projeto político-cultural da latinidade era fundado, então, sobre bases precárias ao não possuir um apoio político suficiente, e era exposto à competencia, hostilidade e incompreensões. A partir de mediados dos anos trinta, a latinidade, reduzida a "um ideal que se está hundiendo paulatinamente" [84], mas não abandonado ainda pela propaganda italiana, enfrentará sobretudo o progresso da ideia panamericana, expressão da crescente potência geopolítica dos Estados Unidos na América Latina.

Os resultados decepcionantes da política cultura de "latinidade", enfim, simbolizavam a insuficiente penetração do fascismo italiano (ideológica, política e geopolítica) e, finalmente, a impossibilidade de avaliar positivamente (de um ponto de vista fascista) os efeitos de uma influência de cuatro lustros de penetração do modelo político italiano na região. O desencontro da Itália fascista com os "fascismos" latinoamericanos têm um dejo final de ironia, pois somente depois de que o regime de Mussolini cai (em 1943) um novo golpe militar na Argentina inicia um experimento político de tendências fascistas, que dará lugar mais tarde - ao finalizar a Guerra Mundial - ao "justicialismo" populista de Perón. O México, por seu lado, segue sua evolução nacional-populista autóctone e o Brasil abandona definitivamente os experimentos fascistas para desenvolver também sua forma peculiar de populismo. No mais, as muitas ilusões, especismos e equívocos recíprocos dos fascistas italianos e de seus homólogos latinoamericanos deixam um legado de incerteza semântica e interpretativa que perdura até hoje.

Notas

75 Grifn, The Nature, 148.

76 Cfr. Emilio Gentile, "L'emigrazione italiana in Argentina nella politica di espansione del nazionalismo e del fascismo", Storia Contemporanea XVII: 3 (Junio 1986): 355-396, aquí 394; Pietro Rinaldo Fanesi, "Le interpretazioni", 402-405.

77 Véase el ensayo de Richard J. B. Bosworth, "Mito e linguaggio nella politica estera italiana", en La politica estera italiana, 1860-1985, eds. R. J. B. Bosworth y S. Romano (Bologna: Il Mulino, 1991), 35-67.

78 Sobre el carácter no-moderno de la hispanidad, véase Bailey W. Dife, "The Ideology of Hispanidad", Hispanic American Historical Review XXII: 3 (Agosto 1943): 457-482. Cfr. también Frederick B. Pike, Hispanismo 1898-1936: Spanish Conservatives and Liberals and the Relations with Spanish America (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1971).

79 Por otro lado, justamente la victoria en la Guerra civil logrará matizar la rivalidad entre hispanidad y latinidad, en nombre de la lucha común contra "las pretensiones hegemónicas de los anglosajones": Erba, "Per una Spagna imperiale", Critica Fascista XVII: 18 (julio 1939): 290-291. La "hispanidad" de los años treinta (la de Serrano Suñer, Maetzu, Giménez Caballero, Pemartín, etc.) tiene, sin duda, infuencias fascistas.

80 Oreste Villa, L'America Latina, 99, 102. El significado ecuménico, cultural, de la latinidad, significaba también una ventaja frente al nacionalismo alemán, que era visto con recelo por su exclusivismo étnico y racial. "La cuestión de la raza" -escribe el embajador en Brasil a Ciano- "[...] debe entenderse como origen histórico [latino] de toda la nación [...]. Debe entenderse como idioma, que es neo-latín. Debe entenderse como forma mentis, que es mediterránea. Debe entenderse como concepción general de la moral y el derecho, que son romanos; como concepción de la familia, que es católica; como arte, arquitectura, estilo, oratoria, que son todas emparentadas con la cepa [cultural] ibérico-mediterránea". Lojacono a Ciano, Río de Janeiro, 27 de septiembre 1937, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 7, doc. 373, 450. La Latinidad, en suma, debería entenderse como herencia viva, histórica y cultural, no como comunidad etno-biológica.

81 Franco Savarino, "The Sentinel", 97-120.

82 Franco Savarino, "Apuntes sobre el fascismo", 105-106. Véase José Vasconcelos, La raza cósmica (Barcelona: Agencia Mundial de Librería, 1925). También la Brasilianidade promovida por la AIB se encontraba de facto en competencia con la latinidad itálica.

83 José Carlos Mariátegui, Lettere dall'Italia ed altri scritti (Roma: Editori Riuniti, 1973), 154.

84 Aldo Bizzarri, "America 'Latina'?", Critica Fascista XVIII: 22 (septiembre 1940): 372-373.
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Para visualizar toda a bibliografia do texto, acessar a página original: Link.

Fonte: Scielo
Texto: JOGO DE ILUSÕES: BRASIL, MÉXICO E OS "FASCISMOS" LATINOAMERICANOS FRENTE AO FASCISMO ITALIANO
Autor: Franco Savarino
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-16172009000100009&script=sci_arttext
Tradução: Roberto Lucena

Observação: texto sem revisão.

Ver:
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 03
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 02
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 01

Ver também:
O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 1
O Partido Alemão Nacional-Socialista na Argentina, Brasil e Chile frente às comunidades alemãs: 1933-1939 - parte 01

sábado, 9 de março de 2013

Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 03

3. Jogos de influências: a "moda" fascista e as ditaduras

A influência fascista é mais notável e promissora nas classes dirigentes latinoamericanas, sobretudo entre os intelectuais e nas forças armadas, inclusive o clero - seguindo a linha flexível de Pio XI- não é exento da sedução fascista [58]. Diferente do socialismo, do anarquismo e do comunismo, que penetram "desde baixo" (nos setores operários e proletários, especialmente os de ascendência europeia), o fascismo se introduz geralmente "desde cima" e no setor médio da população (com a exceção das colônias italianas, onde representa um fator de identidade nacional) [59].

As classes dirigentes veem no fascismo um recetario para resolver os problemas nacionais e se ligar a uma ideologia "de moda", com um futuro que parece então promissor. A oferta de um modelo político modernizador (nacionalista, corporativo, mobilizador etc) capaz de fortalecer as comunidades nacionais, consolidar os Estados, fortalecer a liderança autoritária e propôr, além disso, uma mudança no equilíbrio geopolítico favorável tanto às potências emergentes como às "periferias" dependentes aparentava obviamente ser algo atrativo e em sintonia com problemáticas gerais e conjunturais (integração nacional, industrialização incipiente, crise econômica, imperialismo "plutocrático", rivalidades regionais, rezagos oligárquicos, debilidades institucionales). Nesta perspectiva, o fascismo é buscado de maneira pragmática e utilitarista para solucionar problemas específicos e encontrar uma saída. Um interesse, então, não por ideologia em si, senão pelos resultados positivos que se esperam do modelo de acordo com a leitura e reinterpretação que prevalesce na região. As classes médias urbanas sentem também esta atração e, além disso - respondendo a um impulso similar ao europeu - buscam no fascismo um referente que encaixa na ambisão de se promover como nova classe dominante, às custas das velhas oligarqias liberais e evitando o perigo proletário e rural. Tanto o pragmatismo da aproximação assim como a escassa consistência demográfica das classes médias urbanas e das elites intelectuais e castrenses mais sensíveis ao chamado fascista, ajudam a entender porque a ideologia fascista não consegue em nenhum lado se estabelecer como novo paradigma ideológico.

Contudo, justamente por esta penetração elitista em setores-chaves de cada país (intelligentsia, pequena e média burguesia, exército), o fascismo tem um impacto político mais visível e mais consistente, e é capaz de ocasionar o alarmismo norteamericano. Carleton Beals manifesta estes temores - que são bastante comuns nos Estados Unidos durante esta época - em 1938.

"No geral, na América hispânica os esforços diplomáticos, econômicos e políticos soviéticos terminaram quase sempre em fracasso. A tendência da maioria dos países é francamente fascista e pró-nazi. Os vários regimes ditatoriais expressam todos aberta ou secretamente simpatia por Hitler e Mussolini. Todos estão a favor de Franco, com exceção da Costa Rica, México e, em certa medida, a Colômbia" [60].

Naturalmente estas considerações expressam ante tudo um clima de nervosismo ou histerismo pré-bélico que faz ver "fascismos" em todas as partes, ainda que se trate de meros inventos propagandistas, de imitações superficiais ou de fenômenos francamente distintos. Os Estados Unidos além disso aproveita habilmente a "ameaça fascista" - exagerando o suposto perigo mediante a propaganda - para promover sua democracia, avançar na região e extender sua hegemonia econômica e política.

O que é sim é certo é a disponibilidade das ditaduras em adotar uma roupagem "fascista" para lhes dar alguma consistência ideológica e icônica "de moda" a regimes pessoais e de ordem (ou castrenses), para lhes dar brilho e legitimidade ao exercício autocrático do poder. Na Venezuela, Juan Vicente Gómez - um velho ditador tradicional - paquera com o fascismo e assume o formato de um "duce" bolivariano: os italianos naturalmente não mordem o anzuelo, mas aproveitam esses marabalismos imitativos para extender sua influência. Em Cuba, Batista é tentado a se inclicar ao fascismo, mas evita emulações por demais francas para não criar inimizade com os Estados Unidos. Na Guatemala, Ubico também dá um barniz "fascista" a sua ditadura, para estar na moda e proclamar a modernidade de seu regime. O México é um caso à parte, pois seus governantes em sentido estrito não são ditadores, aqui se respeitam formalmente os princípios democráticos (constituição, legalidade, eleições, alternância dos mandatários etc), mas há uma forte tendência estrutural para o fascismo, visível o corporativismo oficial, o partido único, o nacionalismo e a formato cesarista de alguns presidentes, especialmente de Elías Calles e Cárdenas.

Também o Chile apresenta uma situação insólita. Neste país o fascismo italiano desperta interesse desde o começo, mas é a partir de 1927, com a ascensão ao poder do coronel Carlos Ibáñez, que se podem perceber influências concretas. Seu regime autoritário se inclina ao controle dirigido da economia e a formas corporativas no campo social inspiradas no exemplo italiano. Contudo, com o carecer de uma base ideológica e organizativa (quer dizer, não sendo um verdadeiro fascismo) [61], cai repentinamente como consequência da crise econômica em 1931. A saída de Ibáñez propicia a formação (1932) de um novo agrupamento radical, o Movimiento Nacional Socialista (abreviado como "nacista" ao estilo alemão) inspirado mais no nacional-socialismo de Hitler ue no fascismo de Mussolini. Ao não conseguir se aproximar do poder, este movimento, liderado pelo advogado Jorge González von Marées e com o suporte teórico de Carlos Keller, na segunda metade da década de trinta sofrerá uma evolução errática ante à esquerda, até se aproximar de posições comunistas [62].

Na área andina se observa o surgimento de ditaduras efêmeras de inspiração "fascista". O Peru começa um breve experimento fascisitizante ou pseudo-fascista em 1936 com a ditadura de Óscar Benavides, um militar que conheceu pessoalmente Mussolini durante sua missão diplomática na Itália. Seu primeiro-ministro, José Riva Agüero, membro da velha aristocracia, teoriza um corporativismo autoritário de tendência católica e se convence de que o fascismo é uma reedição moderna do corporativismo medieval, capaz de enfrentar o perigo socialista. Outro teórico importante é Raúl Ferrero Rebagliati, filho de um italiano, que se encontra mais próximo do modelo fascista de Mussolini [63]. A favor do fascismo se expressa também o diretor do jornal de Lima El Comercio, Carlos Miró Quesada. Apesar da presença desses intelectuais, o "fascismo" da ditadura de Benavides é elitista, não tem uma base de apoio entre as massas. Estas são mais atraídas pela Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA - fundada em 1924 por Víctor Raúl Haya de la Torre). A APRA, que está na oposição, tem também alguns traços vagamente fascistas: socialismo nacional (como elementos marxistas), anti-americanismo, populismo, espírito revolucionário que "parece sugerir uma afinidade profunda com o fascismo de esquerda" [64]. Esta organização aponta o desenvolvimento de "uma forma de fascismo nacionalista para impedir a penetração econômica estrangeira e proteger sua própria [burguesia] capitalista e industrial incipiente" [65]. Existe, além disso, um pequeno movimento "fascista" popular, a Unión Revolucionaria, UR, fundada em 1931 por Juan Sánchez Cerro (presidente do Peru antes de Benavides), abertamente inspirado no fascismo italiano (em 1933 a UR forma uma legião juvenil de "camisas negras"). Neses anos o Peru vive, por assim dizer, uma situação paradoxal, com um governo autoritário (Benavides) que busca se dar um formato fascista e uma oposição com fisionomias fascistizantes (APRA), que, entretanto, qualifica-se por uma espécie de "marxismo" nacionalista e indigenista. As infuências italianas, por demais, são perceptíveis [66].

A Bolívia, por seu lado, experimenta uma aproximação mais séria para o fascismo, devido à conjuntura que vive o país com a derrota na Guerra do Chaco (1932-1935). No pós-guerra entre os bolivianos cunde um clima de insatisfação similar ao da Itália e da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. A agitação dos ex-combatentes favorece a condensação do protesto popular contra a oligarquia mineira responsável pela derrota e sob suspeita de servir a interesses internacionais. Além disso, as missões militares italiana e alemã deixam uma forte influência no exército (com destaque da presença de Ernst Röhm, chefe da SA alemã). Em 1936 com o nome de "revolução militar socialista" um golpe de estado leva ao poder uma junta militar. Primeiro o coronel David Toro, e depois o coronel Germán Busch, buscam atrair os setores populares e fundar (sem consegui-lo) um "partido socialista de Estado que se aproxima parcialmente do fascismo" [67]. O quadro ideológico do novo regime é o socialismo nacional, com um formato fascista de esquerda, que se assemelha em alguns aspectos ao modelo mexicano e parece antecipar o peronismo argentino. Busch olha com cuidado a Itália e a Alemanha e encarrega a recorganização das forças de polícia a uma missão italiana [68]. Os observadores italianos se entusiasmam com este jovem militar e saúdam a "Nova Bolívia [...] primeiro estado totalitário da América" [69]. Em 1938, como consequência de seus intentos de submeter a oligarquia, Busch perde o apoio de uma parte do exército e, por falta de apoios, resolve se suicidar. Um regime militar conservador lhe sucede, mas o legado do socialismo nacional de Busch perdura em dois novos partidos: a Falange Socialista Boliviana, FSB e o Movimiento Nacional Revolucionario, MNR70.

Além desses experimentos ambíguos e oscilantes entre militarismo, nacionalismo e socialismo, o fascismo italiano (no sentido estrito e completo da expressão) encontra outras limitaçõs em sua difusão. Uma destas é a influência paralela que exercem, desde 1933, o nacional-socialismo alemão e o falangismo espanhol. O primeiro se apresenta em pouco tempo como uma versão mais eficiente do fascismo, como expressão política de um país industrial com maior capacidade de penetração econômica na região e, por isso, com um peso específico muito maior nas relações internacionais [71]. Quando a Itália proclamava seu imperialismo lírico-político, a Alemanha além da cultura e ideias oferecia às pragmáticas classes dirigentes latinoamericanas, produtors, mercados e assistência técnica. O nacional-socialismo teve influências em vários movimentos, como, por exemplo, nos camisas verdes brasileiros e nos camisas douradas mexicanos, cujos uniformes recordam os da SA alemã e tendem ao antissemitismo. A bandeira da AIB - um Sigma negro num círculo branco sobre um fundo azul, é recalcada sobre a bandeira nacional-socialista. O segundo - desde que foi fundada a Falange na Espanha, por José Antonio Primo de Rivera - apareceu como a "versão hispânica" do fascismo: mais católica, menos modernista e menos socialista que o original italiano. E com toda projeção da Espanha nacionalista na América Latina, o falangismo tinha possibilidades de expansão consideráveis por ser mais próximo das raízes históricas e culturais do continente [72]. A difusão da falange foi notável e suscitou em seu momento as preocupações norteamericanas no âmbito do alarmismo quintacolunista pela influência do Eixo na América [73]. Outro obstáculo, enfim, era o próprio nacionalismo nativo, "um nacionalismo [...] em alguns casos tão intransigente que ofusca a vista" [74].

Notas:

58 Ver para el caso argentino Loris Zanatta, Del Estado liberal a la nación católica: Iglesia y ejército en los orígenes del peronismo; 1930-1943 (Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes, 1996).

59 Ludovico Incisa di Camerana, I caudillos, 233.

60 Carleton Beals, The Coming Struggle for Latin America (Philadelphia: Lippincott, 1938), 156. Del mismo autor cfr. "Black Shirts in Latin America", Current History 49: 3 (Noviembre 1938): 32-34.

61 Según Oreste Villa, L'America Latina, 54. "Ibáñez en Chile debe recordarse [...] como una especie de dictador a las órdenes de la masonería. [...] Un dictador de esta índole tenía forzosamente que llevar Chile a esas consecuencias negativas que se manifestaron después con revoluciones y contrarrevoluciones".

62 Cfr. Víctor Farías, Los nazis en Chile (Barcelona: Seix Barral, 2000). En 1937 los nacionalsocialistas chilenos se declaran "democráticos", rompen públicamente con el nacionalsocialismo hitleriano y obtienen 3.5% de los votos en las elecciones.

63 José Ignacio López Soria, El pensamiento fascista, 1930-1945 (Lima: Mosca Azul, 1981).

64 Grifn, The Nature, 149.

65 James Earle K., "APRA's Appeal to Latin America", Current History 41: 1 (Octubre 1934): 39-44, aquí 44.

66 Cfr. Orazio Ciccarelli, "Fascism and Politics in Peru during the Benavides regime, 1933-39: The Italian Perspective", Hispanic American Historical Review LXX: 3 (Agosto 1990): 405-432.

67 ASMAE, AP 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni segreti, Quaderno No. 8 (Bolivia), Situazione politica nel 1937, 5.

68 Lucilla Briganti, "I rapporti tra Italia e Bolivia dall'epoca del primo "socialismo militare" alla rottura delle relazioni diplomátiche (1936-1942)", Africana. Rivista di Studi Extraeuropei (1998): 71-96.

69 Lucio Angelini, "La Bolivia, primo stato totalitario d'America", Gerarchia XIX: 11 (noviembre 1939): 752-754.

70 La primera -corporativa, católica y autoritaria- es de inspiración falangista más que fascista. La segunda -fundada en 1941 por Víctor Paz Estenssoro- es más cercana al fascismo y es infuenciada en algunos aspectos por el nacionalsocialismo alemán (antisemitismo). En 1943, el MNR promueve un golpe de jóvenes oficiales del ejército que lleva al poder el mayor Gualberto Villaroel, que se mantiene en el poder hasta 1946. Paz Estensoro llegará al poder en 1951 y cumplirá con una revolución socialista nacional que logrará fnalmente derrotar a las oligarquías mineras y nacionalizar los recursos naturales del país.

71 Con respecto a la competencia entre Italia y Alemania, Ciano en 1936 recomendó al embajador Cantalupo que se trabajara para que en Brasil se entendiera "que Italia mantiene frme en su puño la vieja bandera de la lucha al comunismo y que hacia el fascismo -reacción primogénita al comunismo- tienen que dirigir sus miradas todas las fuerzas de orden, especialmente aquellas del mundo latino tan vinculado a Roma". Ciano a Cantalupo, Roma, 28 de diciembre 1936, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 5, doc. 684, 757. Un punto de fricción grave entre fascismo y nacionalsocialismo fue ocasionado, en efecto, justamente por la carrera para "orientar" hacia Roma o hacia Berlín el movimiento integralista, que ambas potencias consideraban como virtualmente fascista: cfr. Menzinger a Ciano, Rio de Janeiro, 12 de octubre 1936, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 5, doc. 202, 222, y Lojacono a Ciano, Rio de Janeiro, 27 de septiembre 1937. Vol. 7, doc. 373, 449-451, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997.

72 Justamente en el falangismo se inspiraba el mayor movimiento político latinoamericano de índole radical-conservadora: el Sinarquismo mexicano (Unión Nacional Sinarquista), que llegó a contar con 500,000 miembros.

73 Cfr. Allan Chase, Falange: The Axis Secret Army in the Americas (New York: G. P. Putnam's Sons, 1943).

74 Oreste Villa, L'America latina, 7. El nacionalismo nativo veía con desconfanza sobre todo el intento de retardar la naturalización de los emigrados y politizarlos en función de los intereses de la madre patria. Otros factores que explican la escasa difusión del fascismo italiano son descritos en Alistair Hennessy, "Fascism and Populism in Latin America", en Fascism, a Reader's Guide: Analyses, Interpretations, Bibliography, ed. Walter Laqueur (Berkeley: University of California Press, 1976), 255-262; Payne, Il fascismo, 345; y Franco Savarino, "Apuntes sobre el fascismo", 108.

Fonte: Scielo
Texto: JOGO DE ILUSÕES: BRASIL, MÉXICO E OS "FASCISMOS" LATINOAMERICANOS FRENTE AO FASCISMO ITALIANO
Autor: Franco Savarino
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-16172009000100009&script=sci_arttext
Tradução: Roberto Lucena

Observação: texto sem revisão.

Ver:
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 02
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 01

Ver também:
O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 1
O Partido Alemão Nacional-Socialista na Argentina, Brasil e Chile frente às comunidades alemãs: 1933-1939 - parte 01

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 02

2. Miragens fascistas: México e Brasil

Neste panorama se destacavam, contudo, alguns personagens e regimes de aspecto mais familiar. Num primeiro momento foi a Argentina que despertou algumas ilusões quando o general José Félix Uriburu estabeleceu uma ditadura com alguns traços "fascistas" [23]. Influenciado pelas ideias nacionalistas radicais de Leopoldo Lugones, Uriburu tentou estabelecer um regime nacional-corporativo ao desafiar a velha oligarquia liberal argentina. Apesar do apoio de uma intelectualidade que conseguiria moldar uma "esfera pública fascista" integrada com ligas e organizações militantes nacionalistas, o experimento não prosperou, e seria somente com a revolução militar de 1943 e com Perón que voltariam a se manifestar as tendências ante o fascismo em formas sui generis [24]. A atenção italiana recaiu então no regime nacional-corporativo de Vargas no Brasil, que deu inicialmente sinais positivos de aproximação com o fascismo. Também prestaram atenção ao regime nacionalista mexicano, com muitos caveat (avisos) de sua tendência demasiada esquerdista. Esses sucessos suscitaram finalmente esperanças de que pudesse surgir uma versão latinoamericana sui generis do fascismo com possíveis desenvolvimentos geopolíticos positivos.

O México foi uma realidade particular entre os experimentos políticos latinoamericanos. Produto de uma revolução nacional de massas (1910-1917) com tendências oscilantes entre o liberalismo democrático radical e um socialismo nacional ainda não influenciado pela experiência soviética. Concluído o processo revolucionário, durante os anos vinte o país foi considerado um laboratório de experimentos sociais (ejido), políticos (Estado social) e culturais (nacionalismo artístico, educação) avançados. No aspecto político, suscitou interesse o arranque - depois do assassinato de Obregón (1928) - do processo de institucionalização da revolução levado a cabo pelo "Chefe Máximo" Plutarco Elías Calles. Ele se orientou por um sistema corporativo de partido único - o Partido Nacional Revolucionário (1929) - que tinha diversos pontos em comum com o fascismo, fato que não passou desapercebido na Itália. [25] O PNR (mais tarde PRM e finalmente PRI) no transcurso dos anos trinta chegou a se parecer em certos aspectos com o Partido Nazionale Fascista (PNF) italiano, especialmente em sua estrutura dependente de uma liderança central forte, na ideologia corporativa e nacional-populista e em sua função de orgão de conexão entre a base popular e o establishment (classe dirigente) revolucionário [26].

As tendências fascistas no México - que incluíam uma inspiração não declarada aos modelos italianos - chegaram a seu apogeu durante os últimos anos do "Maximato" (o predomínio político de Elías Calles) e durante a presidência de Lázaro Cárdenas (1935-40), a quem compensava a índole de "fascismo de esquerda" de seu regime com uma retórica socialista e uma posição internacional antifascista [27]. Além da presença na pequena comunidade italiana [28], o fascismo em sentido completo, enfim, teve certa difusão entre os intelectuais, especialmente com dois: o escritor (e político) José Vasconcelos e o artista Gerardo Murillo.
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O "fascismo" de Vasconcelos é uma derivação coerente de sua tendência revolucionária cultural oposta ao mundo cosmopolita e materialista dominado pelos anglo-saxões. A conexão é a proposta fascista de acabar com este predomínio, ao buscar uma nova ordem mundial com os valores do espírito, a vontade e a excelência. Esta evolução intelectual de Vasconcelos se torna mais perceptível depois de 1929, quando a desilusão por sua derrota eleitoral (compete sem sucesso nas eleições nacionais) o empurra para posições mais críticas e mais pessimistas, e radicaliza suas ideias de palingenesia político-cultural. Em sua viagem à Italia (1924) havia observado com ceticismo a revolução fascista e o ressurgimento de Roma, em 1925 havia exaltado a "raça cósmica" com um marcado acento cosmopolita e nos anos trinta olhou com simpatia o fascismo. Em 1936 escreveu: "quem não se deixa inspirar com orgulho por esta nova Itália [fascista] não é digno de pertencer à civilização Latina" [29]. Durante a guerra, Vasconcelos será partidário do Chefe e diretor de uma revista pró-alemã. Murillo ("Dr. Atl"), por sua parte, também vê no fascismo italiano uma força espiritual e cultural capaz de derrubar a hegemonia anglo-saxã e fundar uma nova civilização humanista com um renovado brio vital. Seus artigos na imprensa expressam uma franca admiração por Mussolini - "verdadero condutor dos povos"- e, por sua vez, um desprezo visceral pelas finanças internacionais controladas pelos anglo-saxões e pelos judeus [30].

Os italianos, por seu lado, observavam com interesse a atração que exerce o fascismo entre os intelectuais, nos políticos e na classe média atemorizada pela deriva do Governo revolucionário ante o socialismo. Iludem-se sobre a possível força de pressão da opinião pública pró-fascista e detectam o armanezamento de informação sobre o fascismo que realiza com discrição o Governo mexicano, mas não têm nenhuma expectativa realista de que Elías Calles ou Cárdenas avancem abertamente para um modelo fascista [31].

Até finais dos anos trinta o país mais promissor para a Itália foi, certamente, o Brasil. O golpe de Getúlio Vargas em 1937, com a fundação do "Estado Novo", um regime nacional-corporativo com acentos fascistizantes, suscitou um grande interesse fortalecido pelas "simpatias" que o ditador tinha desde antes com a Itália fascista [32]. Este giro na política brasileira produziu um alvoroço de esperanças na Itália e, por sua vez, temores internacionais de que se estava assistindo ao primeiro experimento fascista na América Latina [33]. O novo Brasil autoritário foi apresentado por Mussolini como exemplo de capacidade de propagação do fascismo no mundo [34]. Muito rápido, contudo, Vargas esfriou os entusiasmos ao não se comprometer no aspecto ideológico e político com o fascismo e com a Itália. Esta, para o Brasil, era um sócio por demais débil para substituir o importante vínculo com Washington [35]. Vargas, de fato, freou a transformação em sentido fascista do Estado brasileiro e não quis fundar um partido nacional de massas: omissão especialmente criticada pelos observadores italianos [36]. O afastamento em relação ao fascismo por parte de Vargas culminou com a repressão da Ação Integralista Brasileira, AIB, que tinha traços fascistas [37].

A AIB é importante porque foi o único movimento político de massas autenticamente fascista em todo o Continente. O integralismo (como é conhecida a AIB) nasce no início dos anos trinta em São Paulo, capital da região cafeeira do sul do país e florescente centro cultural. Aqui com os sólidos laços econômicos transatlânticos e a forte imigração europeia (especialmente italiana) se desenvolve entre as elites intelectuais uma tendência vanguardista, modernista e nacionalista, na qual, mesclam-se motivos futuristas, vitalistas e decadentistas com uma forte influência italiana. Os intelectuais paulistas dessa época expressam sua fascinação pelos mitos de D'Annunzio e de Mussolini. Ronald de Carvalho rende homenagem à "indisciplina bárbara" e à força da fé do novo heroísmo italiano. Graça Aranha define o Duce da Itália como "a figura da lei, viril na concepção da ordem" [38]. Os intelectuais modernistas se expressam de forma parecida em suas publicações, evocando "o governo forte de um ditador [...] que represente a concentração de poder e consiga a estabilidade nacional" [39], mas não chegam a elaborar um verdadeiro projeto político. Há uma exceção: um poeta - membro da Academia Paulista de Letras -, a quem já em 1919 se expressa em formas "dannunzianas", filho de um "coronel" (caudilho) provinciano e de uma maestrina. Seu nome, Plínio Salgado, tornará-se famoso mais tarde como fundador e líder do integralismo brasileiro.

Salgado adquire pela primeira vez notoriedade com a publicação de duas novelas: O Estrangeiro (1926) e O Esperado (1931). Nestas obras expressa um nacionalismo ingênuo e rústico, inspirado num passado brasileiro idealizado ao redor das raízes indígenas, as tradições e a coesão espiritual da nação, como contraponto à moderna influência estrangeira e cosmopolita [40]. A segunda em particular se enfurece contra o mundo corrompido, submetido às finanças anglo-saxãs, e prega a figura de um salvador, que é "desejado" por um povo que se mobiliza e espera ansiosamente por uma direção. Salgado visita a Itália em 1930, antes de concluir o manuscrito, e é transformado por esta experiência. De Roma escreve a um amigo:
"Estudei atentamente o fascismo: não é exatamente o regime que necessitamos, mas é algo que se parece próximo disto. O fascismo chegou aqui no momento oportuno e mudou o centro da gravidade política da metafísica jurídica de instituições que descansam nas realidades determinantes [...] o fascismo não é propiamente uma ditadura, é um regime. Acredito que o Ministério das Corporações é o mecanismo mais útil. O trabalho está perfeitamente organizado e o capital estupendamente controlado" [41].
Salgado resolve mudar na direção do fascismo ao regressar ao Brasil, "ágil para organizar as forças intelectuais dispersas para coordená-las, dar-lhes uma direção, iniciando um apostolado". Sua determinação é fortificada depois de um encontro pessoal com Mussolini, a quem aprova suas ideias e seus planos, e lhe sugere que "antes de um partido, é necessário um movimento de ideias" que reforce o nacionalismo e imponha a supremacia do Brasil na América do Sul [42].

Fiel a seus propósitos e seguindo as recomendações de Mussolini, Salgado se dedica à elaboração ideológica para estabelecer uma base doutrinária ao movimento em formação. Em seus artigos louva o Estado fascista que "contém em si todas as fisionomias nacionais" [43]. A nova revista Hierarquia - inspirada na fascista "Gerarchia"- consegue em pouco tempo atrair um grande número de intelectuais e propagar as novas ideias. O salto para a formação de uma verdadeira organização política ocorre em outubro de 1933, quando Salgado anuncia a fundação da Ação Integralista Brasileira. Logo se incorporam várias organizações regionais com inspiração similar. Em dois anos a AIB ascende a 400.000 militantes inscritos, e em 1937 alcançará a assombrosa cifra de um milhão de membros, convertendo-se assim no primeiro "partido nacional e popular não proíbido no Brasil" [44] e um dos maiores partidos de massas de toda América Latina.

Este sucesso surpreendente se destaca especialmente nas classes medias, no exército, entre os jovens e entre os imigrantes de primeira e segunda generação. A AIB fez inclusive concorrência com os fasci entre os italianos e os filhos de italianos, muitos destes preferiram a camisa verde (cor do movimento) à camisa negra [45]. A AIB, de fato, adquire um grande número de elementos simbólicos diretamente do fascismo italiano: as camisas de estilo militar, a saudação romana, a divisão da Milícia integralista em Legiões, o agrupamento das mais pequenas unidades de "pliniananos" (similares aos balilla italianos), as marchas em formação militar, a invocação aos caídos ("appello ai caduti" na Itália), o grito de guerra (no lugar do italiano "eja, eja, alalá" se inventa um novo, "anauê, anauê, anauê", inspirado no suposto grito de guerra dos índios tupi), o lema "Deus, Pátria e Família". O emblema do movimento é a letra grega Sigma maiúscula no lugar do Fáscio littorio, e quer dizer, como aquele, união e "soma" de forças e valores. Há também cerimoniais e liturgias completamente novas, como, por exemplo, os "amanheceres de abril": a saudação ao sol a cada ano no dia 23 de abril pelos camisas verdes, com o braço estendido com a saudação romana para glorificar a vitória do Sigma. Um conjunto de ritos, signos e mitos em soma que cabe perfeitamente no perfil dessa "sacralização da política" que qualifica o fascismo italiano [46].

As analogias e as emulações do fascismo não se limitaram aos aspectos simbólicos e organizacionais, implicaram também em uma considerável proximidade teórica (isto, de passagem, distingue-se a AIB entre todos os movimentos semi-fascistas latinoamericanos, pois possuem uma "densidade" ideológica notavelmente inferior). O núcleo ideológico da AIB inclue o conceito de Brasilianidade (equivalente à "Italianità" e "Romanità" na Itália) e um radicalismo político-antropológico que "leva a marca inconfundível do mito ultranacionalista palingenésico" [47[. Os intelectuais integralistas - em primeiro lugar Plínio Salgado e Gustavo Barroso - buscam inspiração no corporativismo nacional-sindicalista, nas variantes do fascismo italiano, no salazarismo, no falangismo espanhol e no rexismo belga. Gustavo Barroso, inclusive, proclama que o integralismo é uma forma mais perfeita do fascismo:
"Entre todos os movimentos de caráter fascista, o integralismo é o que contém a maior dose de espiritualidade e o corpo doutrinário mais perfeito, desde a concepção do mundo e do homem à formação de grupos naturais e a solução dos grandes problemas materiais" [48].
o enorme sucesso do integralismo é também, paradoxalmente, a primeira causa de seu fracasso. Getúlio Vargas não provém de suas fileiras e temia sua influência popular no exército. Além disso, seu pragmatismo lhe impedia de olhar para a Itália ou Alemanha como possíveis 'partners' e referentes geopolíticos para o pais (é o mesmo cálculo de realpolitik que no México induziu Cárdenas e Ávila Camacho, por cima de toda consideração ideológica, a preferir finalmente o velho zorro, os Estados Unidos, no lugar do Eixo). Depois do golpe de 10 de novembro de 1937, Vargas num primeiro momento faz crer que está disposto a negociar e alimenta as esperanças de Salgado de que a AIB se converterá na coluna vertebral do novo regime e que o mesmo seria nomeado Ministro da Educação. A nova constituição do Estado Novo, que contém fortes elementos nacional-corporativos, suscita o entusiasmo dos militantes integralistas. A ilusão, contudo, dura pouco: em dezembro deste ano a AIB é dissolvida por decreto. Alguns meses depois, com o pretexto de um falido intento de golpe integralista, muitos dirigentes são presos ou obrigados a se exilar, entre eles o próprio Salgado (que ficará em Portugal até a anistia de 1946).

As ações de Vargas decepcionaram os italianos, a quem lhe tinham cultivado num primeiro momento sérias esperanças de poder exercer influências no Estado Novo e, devido ao peso geopolítico do Brasil em toda a América meridional. Em uma publicação oficial (1937) se lê:
"A Itália tem a honra de haver proporcionado ao novo Brasil, além do magnífico aporte de energias humanas no século passado, também de algumas ideias fundamentais sobre as quais descansa a nova ordem. Pois se o regime brasileiro atual não é "fascista" - como o próprio presidente Vargas declarou explicitamente - ele está inspirado, sem dúvidas, em grande medida no nosso ordenamento estatal e social" [49].
O entusiasmo italiano desaparece rapidamente, conforme se torna mais evidente que a orientação "fascista" do novo regime é mais de fachada que substancial e cheia de ambiguidades. A proscrição da AIB, em particular, é lamentada amargamente por ser o único movimento latinoamericano de importância que tivera um autêntico caráter fascista e, portanto, um "interlocutor" privilegiado para extender a influência fascista na região. [50] Um relatório secreto do MAE em 1937 descreve o "Partido Integralista" como:
"Inspirado nos ideais do Fascismo com a guia de um homem e um Diretório de grande valor intelectual e moral, mas desgraçadamente com falta do dom de decisão e do sentido de oportunidade, e esperteza para se atrever [a atuar] quando já não era o caso e incapazes de ousar por pouco que fosse o caso" [51].
O conde Ciano, por seu lado, considerava o integralismo brasileiro como "a primeira expressão séria no Continente americano de um movimiento inspirado nos princípios do fascismo", ainda que também criticasse a falta de maturidade e a incapacidade política do mesmo. [52] Fora do Brasil, o panorama é ainda menos alentador. Os movimentos semi-fascistas ou reputados como tais, que surgem em muitos países no transcurso dos anos trinta, tais como o Partido Fascista Argentino (1932), o Movimento Nacional Socialista de Chile (1932) e a Acción Revolucionaria Mexicanista (1934) suscitaram mais pessimismo que esperanças nos observadores italianos [53]. A dissolução dos "Camisas douradas" mexicanos na metade de 1936 é inclusive saudada com alívio num relatório diplomático. [54] Acontece o mesmo em todas as partes. Na Argentina, por exemplo, não existe nem um só partido ou movimento que obtenha um bom olhar de Roma, nem sequer julgamentos positivos ou palavras esperançosas. Isto não é só por razões de oportunidade, senão por um julgamento negativo do conjunto sobre sua força numérica, sua coordenação, seu uso da violência e sua consistência ideológica. Assim, os supostos "partidos irmãos" como são a Legião Cívica Argentina e o Partido Nacional Fascista nunca obtiveram um reconhecimento oficial italiano. [55] No México o panorama é ainda mais desolador: os movimentos supostamente fascistas locais (a ARM, a Confederação da Classe Média e o Partido Social Democrático Mexicano) resultaram em ser más imitações ou meros disfarces de interesses ou de facções, e o sinarquismo - movimento nacionalista católico de massas inspirado no falangismo - nem sequer é levado em consideração. [56] Mais confusa a situação no Chile, onde o Movimiento Nacional Socialista ("nacista"**) parece se encaminhar "para o comunismo!".
"O 'nacismo' que com a proclamação dos princípios fascistas havia conseguido atrair um número considerável de adeptos, especialmente entre os jovens, foi se comprometendo nas alianças mais híbridas com a extrema-esquerda e com a maçonaria. Fundamentando sua ação na mais desenfreada demagogia, este partido se proclama hoje fiel aos princípios sagrados da democracia e renega suas origens. Seus chefes afirmam que seguem esta via com um propósito tático. Mas sua pouca seriedade não inspira confiança e é provável que não possam impedir que seus seguidores migrem para o comunismo que é para onde os empurra" [57].
Resumindo, os grupos, movimentos e partidos supostamente "fascistas" ou inspirados no fascismo resultaram ser uma completa decepção e deixaram desconcertados os observadores italianos. Não era possível confiar de nenhuma forma nesses sujeitos políticos precários, aproximativos ou toscamente miméticos, para extender o raio de ação da política fascista na região.

**Aparece muito raramente em alguns textos em espanhol a grafia "nacismo/nacista" para nazismo/nazista. A grafia mais usada é a com a letra "z".

Notas:

23 Sobre las manifestaciones ultranacionalistas y fascistas en Argentina (y especialmente durante el régimen de Uriburu, que generó toda una mitología en los nacionalistas argentinos) véase Christhian Buchrucker, Nacionalismo y peronismo. La Argentina en la crisis ideológica mundial (1927-1955) (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1987); Fernando Devoto, Nacionalismo, fascismo y tradicionalismo en la Argentina moderna. Una historia (Buenos Aires: Siglo XXI, 2002); Federico Finchelstein, Fascismo, liturgia e imaginario: El mito del general Uriburu y la Argentina nacionalista (Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002); y del mismo autor La Argentina fascista (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2008). Sobre el fascismo entre las comunidades italianas véase Ronald C. Newton, "Ducini, Prominenti, Antifascisti: Italian Fascism and the Italo-Argentine Collectivity, 1922-1945", The Americas 51:1 (Julio 1994): 41-66.

24 Cfr. Alberto Spektorowski, The Origins of Argentina's Revolution of the Right (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2003). Sobre las ideas y los debates políticos e ideológicos de la época véase también Tulio Halperin Donghi, Argentina y la tormenta del mundo (Buenos Aires: Siglo XXI, 2003).

25 Varios periodistas y escritores italianos que visitaron México en esa época -especialmente Mario Appelius (en 1928)- dejaron manifesta su admiración por el país y su atormentada revolución nacional.

26 "Messico", en Enciclopedia Italiana (Roma: Istituto dell'Enciclopedia Italiana, 1933 - supplemento 1938), 836. Aquí se califica al PNR -con indudable exageración- como "idéntico" al PNF italiano y al NSDAP alemán.

27 Ludovico Incisa di Camerana, I caudillos, 191. Sobre México véase Franco Savarino, "The Sentinel of the Bravo: Italian Fascism in Mexico, 1922-35", en International Fascism, eds. G. Sorensen y R. Mallet (London-Portland: Frank Cass, 2002), 97-120; y Franco Savarino, México e Italia. Política y diplomacia en la época del fascismo 1922-1942 (México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 2003). La política mexicana aun con las reconocidas similitudes con el fascismo (corporativismo, nacional-populismo, "espíritu latino", etc.) era sin embargo criticada por la infuencia de la masonería, por las tendencias a un socialismo con tintes "bolcheviques" y por el característico nacionalismo "indigenista" con implicaciones antieuropeas. Los "hombres fuertes", mexicanos en fn, que se movían en un medio institucional de matriz aún esencialmente liberal, no se podían considerar dictadores en el sentido completo de la palabra.

28 Cfr. Franco Savarino, "Bajo el signo del "Littorio". La comunidad italiana en México y el fascismo (1924-1941)", Revista Mexicana de Sociología, LXIV: 2 (abril-junio 2002): 113-139.

29 José Vasconcelos, ¿Qué es el Comunismo? (México: Ediciones Botas, 1936), 91.

30 "Mussolini tiene tres cualidades que lo elevan sobre todos los hombres de públicos de nuestros tiempos: su poder de reconcentración mental, su audacia y la extraordinaria frmeza de carácter [...]. El dictador romano es un verdadero conductor de pueblos y el primero, desde Napoleón, que sobrepasa las fronteras de su propio país para llevar al exterior los principios de su política". Gerardo Murillo, "Benito Mussolini", Excélsior, Ciudad de México, 21 de septiembre 1935, en La defensa de Italia en México por el Dr. Atl (México: Edición de la Colonia Italiana, 1936), 43-44.

31 Franco Savarino, México e Italia, 95-121.

32 Ya en 1936 en un informe de la Embajada se señalaban las "simpatías de Vargas por Italia y su solidaridad moral [...] con el régimen fascista". Cantalupo a Ciano, Río de Janeiro,12 de junio 1936, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 4, doc. 720, 792. Para contextualizar el varguismo es imprescindible la lectura de Daryle Williams, Culture Wars in Brazil: The First Vargas Regime, 1930-1945 (Durham: Duke University Press, 2001).

33 Mario Da Silva, "Il nuovo regime brasiliano", Critica Fascista, XVI: 4 (diciembre 1937): 58-60. En los Estados Unidos además "la prensa [...] se puso a gritar histéricamente que Brasil se había vuelto fascista". Suvich a Ciano, Washington, 12 de noviembre 1937, en Gianluca André, comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 7, doc. 557, 658-660.

34 Benito Mussolini, "Europa e fascismo", Il Popolo d'Italia, Roma, 6 de octubre, 1937.

35 Ciano llegó a calificar Brasil como "una especie de longa manus de los Estados Unidos" en Sudamérica. Ciano a Lojacono, Roma, 26 de abril 1937, en Gianluca André comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, 1997, Vol. 6, doc. 515, 650-651.

36 Véase por ejemplo la entrada "Brasil" en la "Enciclopedia Italiana" (supplemento 1938), 315, donde es criticada la renuencia de Vargas a formar un partido político, condición esencial para concretar un "parentesco formal" de su régimen con el fascismo. Cfr. también Vinicio Araldi, Il Brasile sotto la presidenza di Getulio Vargas (Rio de Janeiro: s. e., 1937); André Carrazzoni, Getulio Vargas (Padova: CEDAM, 1941); y Roberto Cantalupo, Brasile Euro-americano (Milano: ISPI, 1941).

37 Las esperanzas iniciales de Ciano después del golpe de noviembre disminuyeron rápidamente en cuanto se vio que Vargas se mostraba cauteloso y falto de "coraje fascista" en la construcción del Estado Novo: Galeazzo Ciano, Diario 1937-1943 (Milano: Rizzoli, 1999), 56, 59 y 120. Las relaciones brasileñas con la Italia fascista, siempre matizadas por dudas e incertidumbres y por el dilema de apoyar o no a Vargas o a Salgado, comenzaron a enfriase entre marzo y mayo de 1938, en consecuencia de la represión desencadenada contra la AIB y la vigilancia puesta a las colonias italianas sospechosas de simpatías con ella. Sobre este tema véase Mario Toscano, "Il fascismo e l'Estado Novo", en L'emigrazione italiana in Brasile, 1800-1978, ed. Renzo De Felice (Torino: Fondazione G. Agnelli, 1980), 235-270; Marco Mugnaini, L'Italia, 222-227; y Amado Luíz Cervo, Le relazioni diplomatiche fra Italia e Brasile dal 1861 ad oggi (Torino: Fondazione G. Agnelli, 1994), 129-154.

38 Antonio Aroni Prado, 1922 -Itinerário de una falsa vanguarda. Os disidentes, a Semana e o Integralismo (San Pablo: Brasiliense, 1983), 46-47.

39 Antonio Aroni Prado, 1922, 41.

40 Cit. en Hélgio Trinidade, Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30 (San Pablo-Río de Janeiro: Difel, 1979), 5 y ss.

41 Hélgio Trinidade, Integralismo, 75.

42 Hélgio Trinidade, Integralismo, 75.

43 Plinio Salgado, "A Federaçao e o Sufragio", A Razao, San Pablo, 3 de febrero, 1931.

44 Sandra McGee Deutsch, Las derechas, 248.

45 Cfr. Joao Fábio Bertonha, O Fascismo e os inmigrantes italianos no Brasil (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001).

46 Cfr. Emilio Gentile, Il culto del littorio. La sacralizzazione Della politica nell'Italia fascista (Roma-Bari: Laterza, 1993).

47 Roger Grifn, The Nature, 151.

48 Gustavo Barroso, O Integralismo e o Mundo (Río de Janeiro: Civilizaçao Brasileira, 1936), 15.

49 "Mutamento di regime in Brasile", en Autores Varios, Annuario di Politica Internazionale (1937) (Milano, ISPI, 1938), 354-358, aquí 357.

50 Joao Fábio Bertonha, O Fascismo, 69.

51 Archivio Storico del Ministero degli Afari Esteri (ASMAE), Afari Politici (AP) 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni Segreti, Quaderno 9 (Brasile). Situazione politica nel 1937, 2.

52 Ciano a Lojacono, Roma, 26 de abril 1937, en Gianluca André comp., DDI, s. VIII. Roma: Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato, Vol. 6, doc. 515, 649-654. Ciano esperó inicialmente que la AIB serviría "para la labor de divulgación y difusión de las ideas del Fascismo entre los diversos estratos de la población" (654). Sin embargo prevaleció la cautela y el programa de la AIB fue considerado "una copia mal hecha del Fascismo italiano". Relazione riservata del MAE, "Movimenti fascisti esteri" (1934), cit. en Renzo Santinon, I fasci italiani all'estero (Roma: Settimo Sigillo, 1991), 135. Sobre las relaciones Italia-AIB véase también Angelo Trento, "Relaçoes entre fascismo e integralismo: o ponto de vista do Ministério dos Negocios Estrangeiros italiano", Ciencia e Cultura XXXIV: 12 (1982): 1601-1613; y Ricardo Seitenfus, "Ideology and Diplomacy: Italian Fascism and Brazil (1935-1938)", Hispanic American Historical Review LXIV: 3 (1984): 503-534. Joao Fábio Bertonha señala que la AIB era también vista como un centro de reclutamiento político de los descendientes de italianos en función pro-fascista y proItalia. En Joao Fábio Bertonha, "O Brasil, os inmigrantes italianos e a política externa fascista, 1922-1943", Revista Brasileira de Política Internacional 40: 2 (1997): 106-130, pero la integración, por su lado, contrastaba con el objetivo de mantener la italianidad (Amado Luíz Cervo, Le relazioni, 147).

53 Renzo Santinon, I fasci, 129-197. En este largo documento, preparado en 1934 por encargo del MAE, son descritos los diferentes grupos de Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Panamá y Perú (sin embargo, falta México). Ninguno de estos se merece el calificativo de "fascista" y peor, son descritos como faltos de programas, de espíritu, de liderazgo y de capacidad política. Con la excepción de la AIB y del pequeño Partido Fascista de Chile, todos estos grupos supuestamente fascistas son criticados duramente o simplemente ignorados. Consideraciones idénticas se merecen los movimientos mexicanos (la ARM o "Camisas doradas" y el Partido Social Democrático de México) en otros documentos oficiales: cfr. Franco Savarino, México e Italia; y Franco Savarino, "Apuntes sobre el fascismo", 108. Véase también Stanley Payne, Il Fascismo, 345-354 y Mario Da Silva (ya mencionado anteriormente) quien encuentra "en estos "fascismos" una gran confusión de ideas [...] y, en general, muy poca visión verdaderamente fascista, romana, de la realidad" (Mario Da Silva, "'Fascismi' latino-americani", 46).

54 "Cuando en el mes de agosto los llamados 'Camisas Doradas' [...] que alguien estúpidamente creía incluso poder defnir como los Fascistas de México [...] volvió a llamar la atención [...] el Gobierno procedió tranquilamente a su disolución [...]. Los 'Camisas Doradas' desaparecieron sin gloria de la escena política, como sin gloria habían vivido". ASMAE, AP 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni Segreti, Quaderno segreto No 43 (Messico), Situazione politica nel 1935-36, 9.

55 Cfr. Eugenia Scarzanella, "Il fascismo italiano in Argentina: al servizio degli afari", en Eugenia Scarzanella (ed.) Fascisti in Sud America, 113-174, aquí 133. Un informe diplomático señala (1937) que "los grupos nacionalistas de tendencia fascista son: la 'Legión Cívica Argentina' [...]; el 'Partido Fascista Argentino', organización que cuenta pocos inscritos y es dirigida por personas de buena fe pero de escaso nivel y sin prestigio; la 'Federación Fascista de la Provincia de Santa Fe' [...]; la 'Defensa Social Argentina', compuesta en su mayoría por funcionarios de policía jubilados, altos oficiales y jueces jubilados [...]; la 'Acción Nacionalista Argentina' que tiene su sede en Buenos Aires y Mendoza y un periodiquillo (Aduna) pero entre todo cuenta con menos de mil adherentes y de 'acción' solo tiene el nombre. 'Restauración' es un nuevo grupo formado en 1937 con muchos buenos propósitos pero ninguna posibilidad de confar en las personas que lo integran para realizarlos. La agrupación 'Nacionalismo argentino' que es un nombre sin sustancia [...]. [...Todas estas organizaciones adolecen] de unidad de acción, de coordinación, de desinterés y capacidad organizativa de los jefes, de espíritu de sacrificio y de voluntad de acción de los militantes": ASMAE, AP 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni Segreti, Quaderno No 5 (Argentina), Situazione politica nel 1937, 9-10. Opiniones negativas italianas sobre la Legión Cívica son también señaladas por Marcus Klein, "The Legión Cívica Argentina and the Radicalization of Argentine Nacionalismo during the Década Infame", Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe 13: 2 (julio-diciembre 2002), http://www.tau.ac.il/eial/XIII_2/klein.html (fecha de consulta: mayo 2008).

56 Franco Savarino, México e Italia, 116-118 y passim.

57 ASMAE, AP 1937-40, Situazione Paesi, Quaderni Segreti, Quaderno No 12 (Cile), Situazione politica nel 1937, 11. Este movimiento hacia la izquierda es analizado por Mario Sznajder en "El Movimiento Nacional Socialista: Nacismo a la chilena", Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe 1: 1 (enero-junio 1990), http://www.tau.ac.il/eial/I_1/sznajder.htm (fecha de consulta: mayo 2008).

Fonte: Scielo
Texto: JOGO DE ILUSÕES: BRASIL, MÉXICO E OS "FASCISMOS" LATINOAMERICANOS FRENTE AO FASCISMO ITALIANO*
Autor: Franco Savarino
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-16172009000100009&script=sci_arttext
Tradução: Roberto Lucena
Post do dia: 1 de mar de 2013

Ver:
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 01
Jogo de ilusões: Brasil, México e os "fascismos" latinoamericanos frente ao fascismo italiano - Parte 03

Ver também:
O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 1
O Partido Alemão Nacional-Socialista na Argentina, Brasil e Chile frente às comunidades alemãs: 1933-1939 - parte 01

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