segunda-feira, 6 de abril de 2015

O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa

Acho que é preciso destacar que na Espanha, por volta dos anos oitenta, consolidada melhor ou pior a Transição e ainda distantes dos oito anos (1996-2004) de governo de José María Aznar, em que discutir sobre a 2ªR (2ª República) e a GCE (Guerra Civil Espanhola) era, ao menos na Universidade, um exercício de relativa unanimidade. Desterrados os argumentos da propaganda franquista, a Segunda República deixava de ser um caos anárquico de roubos, mortes e violações e se convertia em uma oportunidade de progresso perdida; o "Movimento" de regeneração nacional iniciado em julho de 1936 passava a ser considerado um golpe de Estado de livro e a Guerra Civil já não se decidia por intervenção divina, como boa cruzada, senão pelo abandono das democracias europeias frente à aliança de Hitler, Mussolini e Franco. Sinceramente, não parecia haver nada de extraordinário nisto. Toda ditadura constrói mitologias heroicas de luta e resistência por diversos motivos, e se crer nelas como se subministram requer sectarismo e ignorância em partes iguais.

Hoje, ao contrário, em qualquer discussão de café na qual alguém aborde à 2a República, acabará topando com a opinião de outro que discutirá quase tudo a respeito: começando pela legitimidade ou não da República, colocará em dúvida a democracia real do período, mencionará quantos golpes de estado esquerdistas foram perpetrados na Espanha antes de 36, rebaterá que as Brigadas Internacionais foram voluntárias e, finalmente, ponderará se os quarenta anos de ditadura não foram um mal necessário ante um mal maior: uma ditadura stalinista. Talvez até citem a Indalecio Prieto para confirmar suas teorias.

Estamos topando com um adepto do revisionismo histórico neofranquista.

E o que é isto?

PÍO MOA

Para situar os antecedentes pessoais de Moa, é muito útil o esforço de neutralidade que realiza o artigo publicado na Wikipedia. Não deixes de ler a discussão que gerou o artigo (verbete) e tire suas próprias conclusões.

Moa começa a ser conhecido pelo grande público a raiz da publicação de seu livro "Los mitos de la Guerra Civil" (Os Mitos da Guerra Civil), resumo divulgador de hipóteses que já havia desenvolvido em outras obras anteriores. Em 19 de fevereiro de 2003, Moa é entrevistado no programa dirigido por Carlos Dávila "El tercer grado" (O Terceiro Grau), provocando uma forte controvérsia dentro do Conselho de Administração da TVE. Sua aparição e os argumentos que empregara serão muito criticados por Javier Tusell num artigo publicado no El País três dias depois intitulado de "Vexatória TVE". Tusell resume as polêmicas opiniões de Moa:
Nem na mais remota hipótese ele é um profissional da história; leu livros mas o essencial em "Los mitos de la Guerra Civil" (Os Mitos da Guerra Civil" é uma interpretação sistemática contra a esquerda e a favor da extrema-direita adubada com gotas de extravagância. Hoje, entre os historiadores, existe um consenso generalizado. Ninguém o escreveria de igual modo, mas todos estamos de acordo que foram inaceitáveis todas as sublevações contra a República, que a Guerra Civil foi um grande desastre coletivo ou que Franco pressupôs não só a repressão cruel senão o atraso no desenvolvimento. Chega este amador e nos informa que toda a violência espanhola do século XX foi culpa exclusiva da esquerda, que a liberdade idílica da Restauração foi destruída por socialistas e nacionalistas, que Prieto foi o assassino de Calvo Sotelo, e que a repressão do pós-guerra não foi tanto assim.

O pior é o que nos diz no final do seu livro, que transcrevo literalmente: "A vitória de Franco salvou a Espanha... seu regime a libertou da Segunda Guerra Mundial, modernizou a sociedade e assentou as condições de uma democracia estável".
Contudo, a fama de Moa não fazia mais que aumentar. Consegue atrair a atenção da opinião pública e em agosto de 2003, o próprio presidente (chanceler) Aznar afirmava que "Los mitos de la Guerra Civil" (Os Mitos da Guerra Civil) seria uma de suas leituras escolhidas para o verão. Este dado revela um certo desejo do PP de legitimar, de apoiar as afirmações de Moa que, por aquela época, já havia se convertido em um Adail (Combatente) do setor midiático ultraconservador encabeçado por Federico Jiménez Losantos. Por outra parte, isto mesmo converteria Moa em objeto de insulto da extrema-esquerda. Dando uma olhada no tumulto que ocorreu durante uma conferência sua na Universidade Carlos III de Madrid em 24 de maio de 2005.



Um dos mais ativos historiadores antirrevisionistas, Alberto Reig Tapia, publica em 2006 um livro contra esta corrente que se chamará precisamente Anti-Moa (aqui uma nota sua de 2003 em História em Debate).

Ante a virulência de opiniões a favor e contra, o leitor pode se sentir perdido sobre o que pensar. Sem dúvida, a melhor maneira de não ter que repetir as opiniões de outros é ler diretamente os livros citados e ponto. Mas eu vou me atrever a dar uma pista identificativa...

No meu modo de ver, um método útil para medir a capacidade de um historiador analisar, compreender e transmitir uma teoria sobre o passado, é conhecer sua capacidade de analisar o presente. De certa forma, toda a História foi em algum momento contemporânea... e sempre dá gosto ler Paul Kennedy opinando sobre o "Por que não te calas?" ou a Eric Hobsbawm sobre a deriva atual do sonho imperial norteamericano.

Assim, com respeito a Moa, pode ser útil conhecer suas opiniões sobre os novos direitos para homossexuais na Espanha, o que ele chama de "sexualidade tarada"; sobre a reforma dos estatutos de autonomia, o que define como "balcanização da Espanha", ou por exemplo, um parágrafo que vos copio legitimando a violência contra o atual governo socialista.

Passar à violência, então? Quando o governo rompe as regras do jogo, quando não só legaliza o assassinato como forma de fazer política, senão que a premia oferecendo aos assassinos a liquidação da Constituição e do Estado de Direito, obviamente abre margem à violência e se priva de qualquer autoridade moral para condenar a quem possa exercê-la contra ele.

Por fim, como este é um tema longo de narrar, em outros posts seguiremos falando deste e de outros revisionistas (César Vidal, José María Marco, etc.), e do mentor de todos eles (Ricardo de la Cierva) e de como funcionam suas técnicas.

Fonte: blog Fuentes para la Historia de la 2ª República, la Guerra Civil y el Franquismo (Espanha)
Título original: El revisionismo neofranquista: guía de uso (1): Pío Moa
http://fuentesguerracivil.blogspot.com/2008/02/el-revisionismo-histrico-neofranquista.html
Tradução: Roberto Lucena
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Parte 2: O revisionismo neofranquista (2): como funciona

Observação 1: o Pío Moa já é velho conhecido aqui:
Pío Moa, o David Irving espanhol

Por sinal, fico até com receio de estar divulgando a figura dele sem querer, pois tenho plena certeza de que este cenário da Espanha é bem desconhecido no Brasil. Pelo menos mal vejo falarem sobre guerra civil espanhola no país e sobre a cultura/história espanhola, à parte as cismas (e críticas) que eu tenha a certos jornais daquele país e certas posturas que não me agradam.

Vai lá saber o que se passa na cabeça aloprada de certos grupos no país... já que uma parte lê muita, mas muita porcaria (quando leem). O Pensamento Mágico anda a toda no país com seus ideólogos astrológicos "filósofos" (rs).

Observação 2: texto do post a ser atualizado. Vou colocar referências adicionais de termos citados no texto que só entenderá quem acompanha o cenário político espanhol e esteja familiarizado com os mesmos (mas podem procurar sozinhos, obviamente). Verei se coloco um link nas palavras ou se transcrevo aqui pra baixo um breve comentário sobre os termos (acho melhor, mesmo que fique mais extenso).

Só um exemplo: o texto cita "Transição", que é o período histórico conhecido da passagem da ditadura de Franco pro Estado democrático de direito naquele país. É usado este termo pra designar este período, não se trata de mera formalidade conforme podem verificar no verbete da Wikipedia por "Transição espanhola" (este verbete está em português), é algo mais extenso que uma simples transição.

Exemplo 2: O texto menciona o PP, que é a sigla do Partido Popular, partido de direita na Espanha, e por assim dizer, "oriundo" do franquismo via "Aliança Popular" e que governa atualmente a Espanha na figura do galego Mariano Rajoy (oriundo da Galiza ou Galícia, as duas grafias pra todos os gostos, uma coisa que me impressiona neste cidadão é que aparentemente ele sente um certo desconforto em dizer que fala português ou mesmo de falar português, ou no caso, o galego que é quase a mesma coisa apesar de alguns dizerem que não, quem tiver curiosidade procurem por "idioma galego" no Youtube e vejam por si sós, o acento do idioma inclusive é mais próximo do português do Brasil que do de Portugal, mas o Rajoy parece ter vergonha do idioma, 'pobrecito', rs), ou seja, o PP tem o atual Chefe de Governo (Chanceler) que é chamado na Espanha de "Presidente de Governo", por isso o texto usa o termo presidente em vez de primeiro-ministro ou chanceler, que é mais usual, pelo menos no Brasil e em Portugal e na maioria dos países.

Depois tentarei atualizar estas observações. Eu não ia postar este texto e sim um sobre indústria no nazismo e trabalho escravo, mas paciência, foi esse. Se não colocar a explicação dos termos muita gente vai "boiar" (não entender muita coisa citada no texto).

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