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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

"Aqui não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e a exploração"

O jornalista Carlos Hernández de Miguel publicou "Los campos de concentración de Franco" (Os campos de concentração de Franco)

Prisioneiros caminham pela estação de Irun. (Foto: Biblioteca Nacional)
"Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim um holocausto ideológico contra os diferentes".

Donostia - Foram três anos de intenso trabalho entre arquivos e testemunhas para reverter 80 anos de silêncio e confusão. O jornalista Carlos Hernández de Miguel crê que o capítulo dos campos de concentração do franquismo foi "esquecido" pela História e pela política. Não só durante a ditadura como também na Transição. E isso que resulta complexo ocultar que na Espanha houve cerca de 300 campos de concentração franquistas que fizeram da Espanha um "gigantesco campo de concentração" na ditadura", indica a EFE.

Carlos Hernández de Miguel
Jornalista e pesquisador
Os campos de concentração, assinala o autor, foram "uma dos pés da enorme mesa que foi a repressão franquista", uma prática da qual hoje pouca documentação deriva "da destruição em massa de arquivos que se realizou durante a ditadura e os primeiros anos da Transição". Depois da segunda guerra mundial, realizou-se um "apagão" geral especialmente da documentação que podia relacionar o regime franquista com o nazismo, de tal forma que há um "lacuna brutal dos arquivos existentes sobre essa etapa". Porque, apesar das diferenças, houve uma analogia e existiram alguns elementos em comum entre esses campos de concentração espanhóis e os implantados pelo sistema nazista, sustenta Carlos Hernández, que explica que inclusive dirigentes da Gestapo participaram do treinamento das forças policiais espanholas. O sistema franquista desses campos foi desenhado de acordo com as necessidades da ditadura, qu eram - recalca o escritor - o "extermínio" dos elementos "mais ativos" do entorno republicano e a consecução da mão de obra através dos "batalhões de trabalho", uma derivada dos mesmos ainda que diferentes. "O sistema de campos buscava um extermínio ligado a uma classificação. Num primeiro bloco estavam os irrecuperáveis (membros de partido, oficiais do exército republicano...): acabam mortos nos campos ou em um conselho de guerra que os devolvia à prisão ou ao paredão. A seguir estavam os desafetos, pessoas classificadas como republicanos ou duvidosos. Muitos não têm informação ao proceder da zona vermelha. Estão nos campos e são os que resultam acabar nos batalhões de trabalho como forma de reeducação. A seguir estavam os "afetos", gente que ao final era liberada para que fosse ao front nas fileiras nacionais", detalha.

"Nos campos de concentração franquistas não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e se explorou os cativos como trabalhadores escravos. Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim houve um verdadeiro holocausto ideológico, uma solução final contra quem pensava de forma diferente", ressalta Carlos Hernández de Miguel. Com sua pesquisa, na qual visitou dezenas de arquivos, o autor identificou 296 campos de concentração oficiais, abertos em outras tantas cidades e povoados.

Andaluzia, com 52 campos de concentração, encabeça este "ranking do horror" desenhado por Carlos Hernández, no que seguem a "Comunidade Valenciana" com 41, "Castela-Mancha" com 38, "Castela e Leão" com 24 e Aragão com 18. Extremadura, com 17 desses campos;Madrid com 16, Catalunha com 14, Astúrias com 12, Galícia e Múrcia com 11, Cantábria com 10, a CAV (Comunidad Autónoma Vasca, País Basco) com 9, Baleares (ilhas) com 7, Canárias com 5, Navarra com 4, La Rioja, com 2 e Ceuta, junto às antigas colônias espanholas no norte da África com 5, completam as cifras. - T. Iribarren

Domingo, 31 de março de 2019

Fonte: Noticias de Gipuzkoa (País Basco, Espanha)
https://www.noticiasdegipuzkoa.eus/2019/03/31/politica/aqui-no-hubo-camaras-de-gas-pero-se-practico-el-exterminio-y-la-explotacion
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Paul Preston publica "A destruição da democracia na Espanha" (1978)

Entrevista com o historiador britânico (jornal El País)
Juan Cruz; 9 JUN 1978

Paul Preston, historiador britânico especializado em questões espanholas, apresenta hoje no hotel Princesa Plaza, de Madrid, sua última obra, "A destruição da democracia na Espanha" (La destrucción de la democracia en España), que será comentada no citado ato pelo líder socialista Felipe González. O livro, subintitulado como "Reacción, reforma y revolución en la Segunda República" (Reação, reforma e revolução na Segunda República), foi traduzido por Jerónimo Gonzalo e editado por Turner.

Na atualidade, o professor Preston ensina na Queen Mary College, da Universidade de Londres. Estudou sua especialidade - História Moderna - na Universidade de Oxford e agora prepara um amplo estudo sobre a resistência da esquerda espanhola ao franquismo. A destruição da democracia na Espanha, diz Paul Presto, foi para mim a obra mais importante entra as que escrevi. Nasce na realidade da tese doutoral que apresentei em Oxford sobre as conspirações monárquicas contra a República espanhola. Depois de muito trabalho, dei-me conta de que o assalto direitista contra a República não provinha somente dos grupos violentos. Havia dois assaltos direitistas. Um era violento, na realidade, e tinha como fim o estabelecimento por armas de um Estado corporativista autoritário".

"A outra ofensiva direitista contra a República seguiu uma tática legalista para destruir o regime democrático imperante. Ao terminar minha investigação me dediquei a analisar os grupos legalistas de direita, desde a CEDA aos radicais do sul da Espanha. Estudadas as atividades desses grupos, observei o impacto que tais atividades tinham na esquerda de então".

O livro serviu a Paul Preston para concretar as causas determinantes da guerra civil e para fazer um exame amplo da oligarquia espanhola. Esta investigação, além disso, resultou-lhe especialmente útil para seus trabalhos sobre o franquismo. Prova disto é que o livro "Spain in crisis" (Espanha em crise), cuja preparação ele dirigiu e que foi publicada na Inglaterra há dois anos. A edição espanhola está próxima. Na Itália ele já foi publicado.

"Da preparação da minha tese e de minha simpatia pela causa republicana nasceu também meu estudo sobre a esquerda espanhola e sua resistência ao franquismo. Neste volume, que agora preparo, faz-se especial fincar pé no papel que teve o Partido Comunista nessa atitude de resistência".

Paul Preston, que viveu a época republicana só como historiador - agora tem algo mais de trinta anos -, estima que "há implicações claras neste livro para a atualidade", ainda que matiza seu critério.

"A Espanha dos anos trinta - diz o professor Preston - era um país fundamentalmente agrário. Ante essas estruturas, o Partido Socialista e o de Esquerda Democrática tentaram fazer reformas básicas, humanitárias, para melhorar a situação cotidiana dos mais frágeis. Esses intentos reformistas repercutiram logo numa direita latifundiária agressiva e selvagem, que provocou reações muito violentas. Agora a situação econômica mudou de modo radical. Ainda assim, segue havendo uma esquerda - o Partido Comunista e o Partido Socialista - que volta a se plantar a tarefa de fazer reformas básicas, depois do estabelecimento da democracia burguesa, que para a esquerda é o contexto mais adequado para chegar a outras formas de sociedade, também democráticas, mas socialistas".

"Se os intentos reformistas se produziram agora", diz o professor Preston, "quando existe uma profunda crise econômica, poderiam provocar reações fascistas ou autoritárias, similares àquelas que produziria um revolucionarismo aberto. Essa é a situação que devem ter em conta o socialismo e o eurocomunismo na circunstância espanhola".

* Este artigo apareceu na edição impressa de Sexta-Feira, 9 de junho de 1978

Fonte: versão original (castelhana) do El País (até o momento este texto não saiu na "versão" brasileira deste jornal, por isso tomei a liberdade de traduzir)
http://elpais.com/diario/1978/06/09/cultura/266191209_850215.html
Título original: Paul Preston publica "La destrucción de la democracia en España"
Tradução: Roberto Lucena
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Observação 1: este texto estava arquivado há algum tempo (é um texto originalmente de 1978), e infelizmente tem muita coisa em comum com o que se passa no Brasil atualmente. Aos que acham que este golpe branco pode acabar em pouco tempo, a ditadura de Franco durou décadas com um legado de atraso (retrocesso) pesado pra Espanha, só superado (em parte) por uma coincidência conjuntural de terem entrado pra futura União Europeia.
Tem muito "idealista" tosco no Brasil, que acredita em qualquer asneira de "mudança pela mudança" (sem base real pra isso), principalmente na extrema-esquerda (tem uma extrema-esquerda ligada ao PSOL e cia que são incrivelmente ridículos e débeis, liberais mal assumidos) e que vai mudar subestimando as forças políticas fortes e retrógradas do Estado brasileiro. Por conta destas cretinices (a principal delas, mas não a única, aquelas marchas de 2013) o país se vê mergulhado numa encruzilhada política (eu iria comentar isso em outro post mas como este texto tem muito a ver com o presente do país, antecipei algo aqui).

"Ah, mas o golpe não vai sobrar pra mim"... rs, vai sim, tolinho (a), rs. Ninguém brinca de "revolucionário de araque" num país com uma direita arcaica, primitiva, vendepátria e truculenta como esta e sai impune disso. Julgam-se espertos? Pode sempre haver um (uns) mais que vocês, guardem isso como "lição política". Da próxima, quando forem brincar de "política", levem a coisa mais a sério e façam menos "cirandas" (o adjetivo "cirandeiro", de quem dança ciranda, é associado ao PSOL e seus espetáculos públicos ridículos, ou a uma esquerda dita "pós-moderna" com agenda política totalmente vazia e que adora espetacularizar tudo, só que pra tudo há limite, até pra espetáculos/performances teatrais pueris). Os caras ainda conseguiram avacalhar uma dança típico do meu estado com essa associação "macabra".

Observação 2: à turma "crítica" (entre aspas) ao blog (tem aparecido uns chiando nos textos críticos à doutrinação mofada e datada da guerra fria das tais olavetes golpistas apoiadoras de Temer e cia, com a falta de educação habitual, "cheios de si"), não adianta espernear comigo, eu não sigo essa postura "tanga frouxa" do PT ou de uma certa "esquerda cagona" do país ("cagão/cagona" é o mesmo que "frouxo/frouxa", neste sentido, principalmente a de alguns estados do país, ressalto isso pois muita gente de fora do Brasil lê este blog e pode não estar familiarizados com essas expressões do país), nem tenho medo de cara feia (como dizem na minha terra, "cara feia é fome"), se for discutir, discutam a sério, se quiserem brincar, eu também brinco (aponto os erros das bobagens que comentam) e não tenho obrigação de ser "educado" com gente mal educada, tampouco tenho paciência com gente "assim". A "tolerância" pós-golpe com essa "direita excêntrica liberal autoritária" do país, que já não era boa, ficou muito pior. Parece que não adianta avisar uma vez ou duas, sempre esse pessoal quer encher o saco e acaba tomando uma "entrada de sola" (gíria de futebol). O problema é que é estupidez "bater boca" com gente estúpida demais, e isso enche o saco, daí o aviso. Não creio que há mais espaço pra esse comportamento infantil demais desses grupos abobalhados que avacalharam o país por ignorância política aguda.

Caso alguém se incomode com o pessoal do blog ter posicionamento político, não posso fazer absolutamente nada em relação a isso (e nem quero). Todo mundo tem direito de ter o seu, mesmo que este governo ilegítimo - colocado de forma ilegítima no poder por um bando de imbecis e uma emissora golpista e mentirosa - queiram tentar silenciar quem discorde deles, não irão conseguir calar todo mundo, nunca.

Cansei de discutir com gente enviesada (politicamente) até o talo (muitos de direita, que adoravam posar de "moderados" sem ser) achando que os outros não têm direito de ter suas posições, foro o arsenal de idiotices que comentavam. Por muito tempo evitei colocar posicionamentos mais ligados ao presente (exceto o do cenário da extrema-direita de cunho fascista, literalmente), mas uma vez que o radicalismo só aumentou no país (principalmente pelo lado da direita neoliberal e entreguista), não vejo motivo algum com esse "excesso de respeito" com quem apoia isto, até porque há que frisar o seguinte: esta direita neoliberal do país sempre foi autoritária, arcaica e entreguista (contra o país) e não conseguirão impor um regime neoliberal no país sem provocar um conflito civil de graves proporções. Não venham até mim dizer como pensar, eu nunca disse a ninguém como agir e isso é uma via de mão-dupla.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Crítica publicará "Minha Luta" de Hitler em 19 de janeiro a cargo de Sven Felix Kellerhoff


Um exemplar da primeira edição
de "Mein Kampf"- EFE
O selo editorial Crítica publicará em 19 de janeiro "Mi lucha. La historia del libro que marcó el siglo XX" (Minha Luta. A história do livro que marcou o século XX), sob responsabilidade do historiador e jornalista Sven Felix Kellerhoff, com um "estudo amplamente documentado".

Segundo informou a editora num comunicado, em 31 de dezembro de 2015 expiram os direitos de "Mein Kampf", escrito por Adolf Hitler, já que 70 anos depois da morte do ditador o Estado da Baviera perde os direitos autorais.

Nesta versão, Kellerhoff conta como se escreveu a obra na cadeia de Landsberg; revela como Hitler falsificou nela sua vida; analisa as ideias que expõe, e desvela sua procedência.

Segue depois o processo pelo qual o livro, que foi um fracasso de vendas nos primeiros anos, converteu-se num negócio (até 1945 foram impressos uns doze milhões de exemplares) que fez o Führer milionário, às custas de evasão de impostos, e na forma na qual suas ideias se aplicaram na política do regime nazi.

Kellerhoff nasceu em 1971 em Stuttgart; estudou história e jornalismo e, depois de uma longa carreira em diferentes meios de comunicação, atualmente é chefe de redação do "Die Welt".

EFE Barcelona - 14/12/2015 às 19:34:51h. - At. às 12:08:55h.

Fonte: ABC (Espanha)
http://www.abc.es/cultura/libros/abci-critica-publicara-lucha-hitler-19-enero-cargo-sven-felix-kellerhoff-201512141934_noticia.html
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 13 de dezembro de 2015

A lista (falsa) de sobrenomes de cristãos-novos de novo, agora na BBC, e a nova lei de Portugal sobre o assunto

A BBC recentemente publicou matéria sobre uma nova lei portuguesa que dá cidadania a brasileiros descendentes de judeus, segue a matéria abaixo:
Saiba como lei portuguesa pode dar cidadania a brasileiros descendentes de judeus

Esta lei copia (ou segue) uma lei semelhante na Espanha, com o mesmo propósito:
A oferta de nacionalidade aos sefarditas satura os consulados espanhóis em Israel

Eu já comentei sobre isso aqui (post "O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola" e o jornal El País (Espanha) já comentou sobre a lista falsa com sobrenomes que teriam "direito", listas disseminadas a esmo por grupos evangélicos (alguns se passando por judeus, ou que 'creem' que são):
Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol?

A matéria da BBC Brasil do início do post reproduz a baboseira da lista falsa (ou uma delas). Mas não só ela, basta clicar aqui pra ver outra.

A quem se questionar porque estou fazendo este post, é porque muita gente aparecia em comunidades sobre "revisionismo" vindo encher o saco com esse assunto, com uma obsessão doentia (pleonasmo) com essa questão, na crença de que se se "tornarem" judeus seriam mais "abençoados", "ficarão ricos" etc. Ou seja, o pessoal 'bem-intencionado' repete os estereótipos dos ditos "revis" sobre judeus (sobre riqueza, poder etc).

Geralmente é gente de religião evangélica, ou de algumas denominações no Brasil que criam uma verdadeira mixórdia religiosa misturando idolatria a judeus, judaísmo etc com cristianismo. A quem quiser ler mais, só no verbete em inglês, o verbete em português é entupido de proselitismo religioso.

Essa postura vem importada dos EUA, e essas pessoas ficam circulando em torno desses assuntos apenas por crendice, fanatismo religioso ou mesmo por posturas não muito louváveis (como já citado acima: acham que irão ficar "ricos" ou melhorar status social "virando" judeu). Daí começam a fantasiar sobre "origem judaica" num passado remoto (faz um "pouquinho" de tempo 'meio milênio').

A Record também embarcou na pilha e fez um programa horrível sobre isso.

Sobre o post de um dos links acima (o do filossemitismo), ele foi feito na época que a Espanha fez o mesmo tipo de lei: a de dar cidadania espanhola a quem for descendente de "judeus expulsos" da Espanha na época da Inquisição. Cidadania que torna a pessoa cidadão da União Europeia também.

Seria assunto pra outra post, mas tem a ver com o que se passa. É visível que no Brasil parte da população passa por um problema de crise identitária e fica procurando 'identidades' outras pra se auto-afirmarem ou fazer parte de algum "grupo". Alguma "ascendência nobre" etc. Em vez de se enxergarem como brasileiros ou se proclamarem brasileiros, ficam procurando identidades que julgam ter "mais status" por algum menosprezo ou ódio ao país. Esse tipo de surto não é bom pois descamba pra algum ufanismo qualquer (o extremo oposto do complexo de vira-latas) como aqueles que aconteceram esse ano, com gente urrando com a camisa da CBF (da seleção da CBF) querendo mostrar que são "mais brasileiros" que outros só por ostentarem uma camisa amarela (como se isso tornasse alguém brasileiro ou mais brasileiro que outros), quando parte desse povo sente um menosprezo profundo pelo país.

Mas indo ao ponto.

Primeiramente, um sobrenome genérico numa lista não é prova que alguém seja descendente de algum judeu/judia convertido ao cristianismo (catolicismo) na época das inquisições.

A maioria dos sobrenomes (senão todos) dessas listas eram sobrenomes também de cristãos-velhos (se há o "novo" é porque havia o "velho", dã! rs), que eram os cristãos não convertidos ou cristãos não-judeus.

Pena que perdi os links (do Orkut) que tinham alguns ensaios sobre esse tema, mas também houve muçulmanos convertidos à força ao cristianismo na Península Ibérica e havia os moçárabes. Nunca ouviu falar deles? Clique aqui e aqui. Resumidamente (pois sei que tem gente que não vai clicar nos links), moçárabes eram cidadãos ibéricos, cristãos, que adotavam a cultura da potência invasora/dominante (então árabe e muçulmana), língua etc.

Ou seja: e se você for descendente, não de judeus, mas de algum moçárabe ou muçulmano árabe convertido ao cristianismo na época da Inquisição que veio ao Brasil e Américas? Vai pular do penhasco por isso? rs.

Por que fiz esta pergunta irônica (a do "pular do penhasco" com raiva? Se você tem visto os comentários de ódio irracional, movido por ignorância extrema, desses grupos contra muçulmanos entenderá o porquê da ironia com a pergunta. Veja que no Brasil nem tocam no assunto.

Só pra dar uma ideia da extensão genética da coisa, já que não achei a matéria que saiu sobre isso há algum tempo. Segue esta matéria em espanhol sobre o DNA na Espanha, Portugal segue um padrão semelhante:
Uno de cada tres españoles tiene marcadores genéticos de Oriente Medio o el Magreb (El Mundo, Espanha)

É a parte anedótica dessa "busca" (entre aspas) por antepassados judeus no Brasil. A pessoa pode descobrir que é descendente de algum moçárabe ou muçulmano convertido ao cristianismo à força. Curioso que as matérias não tocam no assunto.

Em resumo: essas listas com sobrenomes não servem pra coisa alguma.

Causa constrangimento e vergonha alheia ver a publicação dessas listas.

Pra você provar que tem algum antepassado judeu/judia convertido de forma remota (pois faz tempo...), vai ter que fazer uma "escavação arqueológica", provar genealogicamente a coisa, até porque não irão dar cidadania por "brinde", a menos que seja um grupo minoritário que conseguiu preservar desde essa época o culto judaico etc. Além de outros problemas com o tema: houve gente que se converteu porque quis também. Não era "status" ser judeu na colonização das Américas, essa coisa de "ser judeu pra ter status" é algo recente, novo, pós-segunda guerra. Até a segunda guerra muita gente mascarava isso com medo de perseguição e preconceito/racismo.

Só lembrando: a maioria absoluta dos convertidos se assimilaram à Espanha, Portugal ou outros países em que se fixaram. Sentiam-se parte dessas sociedades, mas não como "judeus".

Não avaliem o passado com anacronismo (repassando pruma época remota valores de hoje). Não havia internet na época, rastros se apagam com certa facilidade, principalmente num "mundo" onde tudo era precário.

Muita gente na época não queria ser "judeu", a não ser por questão de fé, porque a perseguição cedo ou tarde seria inevitável. A menos que alguém seja masoquista (tirando o que permanecia judeu por convicção religiosa), não era uma boa religião (do ponto de vista de se manter vivo) pra alguém se converter ou permanecer nela.

Muitas famílias adotaram sobrenomes de cristãos-velhos e se assimilaram totalmente a esses países (Portugal e Espanha), não sendo tão fácil rastrear a mudança. Não estamos falando de algo com 50 anos e sim de meio milênio. A maioria se sentia ou português ou espanhol, ou descendentes dos mesmos, professando o cristianismo (tornavam-se católicos).

Querer escavar essas coisas (tirando o pessoal de História, arqueologia etc, o pessoal das ciências, que tem que escavar mesmo) por fanatismo religioso e oportunismo, em minha opinião, não passa de escrotice da grossa, além de uma cretinice sem tamanho.

No vídeo da Record mostra uma pessoa seguindo (imitando) ritual judaico provavelmente por ser evangélico e com base nessa ideia de que sobrenome tal torna essas pessoas judias. É um crime (mentira) o que estão fazendo com essas pessoas, fora a ignorância histórica profunda.

Em suma, eu fico com vergonha do conteúdo dos programas com conteúdo "histórico" que passam no país. Ainda mais a BBC reproduzindo essa papagaiada sem avaliar a informação que repassa. A BBC tem um histórico problemático de conteúdo, tem bons documentários mas a cobertura jornalística é enviesada, tanto como a Globo (essa nem enviesada é mais, é partidarizada mesmo). Saem copiando listas de sites evangélicos ou de "judeus messiânicos" (evangélicos que 'pensam' que são judeus, pra proselitismo religioso) na web que dizem ser de "marranos" e colocam essas coisas sem critério algum, além de atiçarem a neurose de grupos antissemitas que veem judeus na sombra, na esquina, em qualquer canto.

Por isso que disse num dos posts (não só eu) que o 'filossemitismo' anda junto do antissemitismo, são unha e carne.

Chega a ser ridículo que Espanha e Portugal apresentem uma lei dessas (de "reparação", entre aspas) 500 anos depois que mataram gente por fanatismo religioso e racismo. Era melhor só ter admitido que cometeram os crimes e pedir desculpas pelo ocorrido (e põe pedido tardio nisso) e assunto encerrado. Esses países não estão reparando coisa alguma, só sendo hipócritas.

E um adendo, porque a internet infelizmente está infestada de gente fanática: eu não tenho interesse em discutir religião/religiões com A, B ou C, tampouco sou religioso. A quem quiser pregar a "verdade" (religiosa) pra mim, está dando viagem perdida. Digo isso porque no Orkut aparecia muita gente confusa (eu diria que até "perturbada") enchendo o saco com esse tipo de assunto/neurose quando esse pessoal deveria procurar ajuda especializada pra tratar disso, já que nem interpretar um texto direito conseguem ou querem. Estou sendo duro no comentário porque chega uma hora que a coisa extrapola e irrita de verdade, a gente vai "relevando" por educação, mas uma hora estoura.

O texto acima não trata de "crença" e sim de História, trata sobretudo da proliferação do preconceito no país, que se dá também através desse fanatismo religioso sectário e disseminação de mentiras como as citadas acima (listas falsas etc).

No Brasil a mídia (generalizando) serve mais pra dinamitar o país do que ajudar no progresso do mesmo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O que era, o que é o Fascismo? (Em PDF gratuito, EBOOK)

O texto (traduzido), introdução, com o pdf se encontra abaixo. Estou colocando este link em destaque aqui porque acho provável que muita gente que tenha visto o post "Na Legião Azul franquista houve poucos voluntários e muitos forçados". Entrevista de Xavier Moreno" tenha passado batido do link que se encontra na "observação".

Muita gente pergunta "o que é fascismo", ou usa a generalização que se formou com o termo (geralmente usado como sinônimo de autoritário) e tem uma ideia confusa do que seja, até porque nunca foi fácil defini-lo por afirmações e mais pelo que ele se diz contra. Sem contar com a propaganda cretina que rola pela internet feita por grupos neocons (extrema-direita liberal) (tag: liberalismo) alegando que "Nazismo é de esquerda", com o intuito, via negação (jogar uma ideologia de extrema-direita pro "outro lado"), tentar tirar a carga negativa que o rótulo de extrema-direita carrega e/ou de não serem associados ao Fascismo, uma vez que o autoritarismo desses bandos possui muita semelhança com a dos fascistas (observação: ter semelhanças não significa que sejam necessariamente iguais). Esses bandos neocons defendem um liberalismo radical econômico (existente só na cabeça deles, eu costumava os chamar de PSTU de sinal trocado, vai ursinho! rs) que geralmente costuma levar países ao caos social.

Um adendo (ou mais de um), já que não vou colocar as notas no texto abaixo. O termo "populista" e "populismo" costuma, ou costumava, ser empregado na Europa pra rotular pejorativamente movimentos, grupos, partidos de extrema-direita. Um exemplo (o texto é recente): Le Pen e Lisboa. Até no Brasil e América Latina, governos nacionalistas (Vargas, Perón etc) recebiam o rótulo de "populistas", Vargas e Perón fizeram governos de cunho nacionalista (à direita). Ultimamente a direita neocon usa o termo (que serve mais pra demonizar do que pra explicar algo) pra atacar grupos de esquerda chamando tudo de "populismo" como um xingamento.

Adendo 2: o livro é sobre o fascismo e extrema-direita (de cunho fascista) na Espanha, mas serve de referência pra entender o fenômeno em outras partes do mundo, já que muitos grupos de extrema-direita no Brasil têm como referência o fascismo europeu.

Adendo 3: essa outra explicação é pro pessoal de fora que lê o blog e não conhece o contexto brasileiro, que tenham interesse mas não conhecem todos os detalhes, apesar deu ter colocado o link do verbete. O PSTU é um partido de extrema-esquerda, trotskista, que de tão à esquerda costuma 'dar beijo na boca' (força de expressão) da extrema-direita neocon. O PSTU sempre foi visto como um partido caricato e sem força (com baixa representatividade, não possui nenhum deputado ou senador no congresso nacional), que mais parece ou que tem um comportamento de seita (como quase todo agrupamento radicaloide, à direita e à esquerda).

Texto abaixo traduzido abaixo com o link do PDF do livro (ebook).
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Nosso ensaio "Que era e o que é o Fascismo", PDF gratuito

¿Qué era? ¿Qué es? El fascismo. Entre el legado de Franco y la modernidad de Le Pen (1975-1997), Destino, Barcelona, 1998, 94 pág. ISBN: 978-84-233-2999-1. Prólogo de Rosa Regás, pág. 11-14.

Em 1998 publicamos nosso breve ensaio "El fascismo" (O Fascismo), na coleção "¿Qué era? ¿Qué es?" ("O que era, o que é"), que era então dirigida por Rosa Regás na editora Destino. Dado que o livro se encontra fora de catálogo, e temos recebido petições de consulta, decidimos digitalizá-lo integralmente para que seja acessível em PDF, de modo gratuito.

Para acessar o livro inteiro, clique no link abaixo (Download):
El fascismo-Xavier Casals

Consideramos que, em que peso o tempo transcorrido, ele oferece uma imagem de interesse: uma radiografia do universo da extrema-direita espanhola da época, na qual se desenha então tentativas de importação do "lepenismo", sobrevivência do neofranquismo e se apontavam populismos protestatario emergentes.

Em suma, da nossa perspectiva o livro oferece una radiografia acessível do universo da extrema-direita espanhola antes da eclosão da Plataforma per Catalunya [PxC].

Sinopse

Síntese de divulgação sobre a evolução do fascismo até o momento da publicação do ensaio centrado no caso da Espanha. A primeira parte ("Os herdeiros do fascismo") expõe como se conformou uma extrema-direita no seio do franquismo, que constituiu um setor ideologicamente retrocedente no fim do regime e durante o alvorecer da Transição, chamado "bunker". A segunda ("A crise do 'bunker', 1975-1982") analisa o papel e a trajetória do "Fuerza Nueva", do terrorismo ultradireitista nos "anos do chumbo" e do fracassado golpe de Estado de 23 de fevereiro de 1981. A terceira parte ("Entre a tradição e a inovação, 1983-1994") constata a coexistência de discursos ultradireitistas nostálgicos do franquismo com outros inovadores e importadores da cultura política deste espectro então com sucesso na Europa, sendo sua referência principal o Front National francês. A quarta e última ("Até uma nova extrema-direita, 1994..."), faz previsões do futuro sobre a eventual existência de um "lepenismo espanhol".

A conclusão final, à luz da década transcorrida, resultou acertada. Dizíamos antes (1998):

"Enquanto a ultradireita espanhola, esta todavia parece contar com um longo caminho por percorrer antes de se configurar como opção política de certa solidez. Carece de líderes e quadros políticos, os eixos ideológicos de seu discurso atual são tão variados como - em ocasiões - contraditórios. As siglas que se agitam nesse espectro são quase desconhecidas, muito cambiantes e dificilmente com poder quanto à sua capacidade de convocatória. Os distintos grupos ou não concorrem às eleições ou, quando o fazem, seus resultados são insignificantes [...]. Mas, sobretudo, a extrema-direita enfrenta um problema não resolvido: conciliar os valores da ultradireita 'tradicional' e os da 'pós-industrial', reunir o legado de Franco e a modernidade de Le Pen" (p. 89).

Fonte: Blog de Xavier Casals
https://xaviercasals.wordpress.com/2014/08/31/el-populismo-que-viene-86-asi-era-la-extrema-derecha-espanola-antes-de-anglada-descarguese-el-ensayo-el-fascismo-en-pdf-gratuitamente/
Título original: Nuestro ensayo "¿Qué era? ¿Qué es? El fascismo" En PDF gratuito
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Paul Preston: "Franco pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico"

O historiador e hispanista britânico (d), conversa com o reitor da Universidade de Estremadura, Segundo Píriz (i),
e com o presidente estremenho, Guillermo Fernández Vara (c), antes de ser investido Doutor Honoris Causa
num ato celebrado na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Estremadura. EFE/Esteban Martinena

CÁCERES.- O historiador e hispanista britânico Paul Preston foi investido como doctor honoris causa pela Universidade de Estremadura, onde afirmou que o ditador tinha "aspectos bastante cômicos", como o fato de que acreditava que "Paulo VI era um bolchevique".

"Pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico, que não se sabia se estava na Lua ou debaixo do Atlântico", acrescentou em tom irônico durante sua conferência como doutor honoris causa pela Universidade estremenha (Uex).

Ante um abarrotado Paraninfo da Faculdade de Filosofia e Letras, no Campus de Cáceres, Preston recorreu a sua vinculação com a Espanha e com sua história, entre a que se situa a biografia que elaborou sob o título "Franco: Caudillo de España" ("Franco: Caudilho da Espanha").

Relatou que quando recebeu o encargo desta obra, tinha "a impressão de que a figura de Franco era tão tediosa, tão odiosa", que não lhe interessaria". Contudo, uma vez iniciada, se "enganchou", pois, entre outros motivos, "Franco era, pessoalmente falando, um enigma mas com aspectos bastante cômicos".

Seu discurso, seguido pelo reitor da UEx, Segundo Píriz, e o presidente da Junta de Estremadura, Guillermo Fernández Vara, entre outras autoridades, também serviu para conhecer sua relação com Estremadura, "uma terra" com a qual mantém "importantes laços pessoais e profissionais".
"Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol"
De fato, sua relação com a Espanha começou nos fins dos anos 60, e "minha primeira viagem - revelou - foi a esta terra". Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol", afirmou o historiador londrino, a quem em seu começo como historiador decidiu aproximar seus interesses pela Segunda Guerra Mundial pelo da Guerra Civil espanhola, a mercê do trabalho do professor Hugh Thomas.

"Pareceu-me mais fascinante" que qualquer outro tema que até então havia estudado, acrescentou, e que desvelou que o sentido do humor dos espanhóis e sua gastronomia foram elementos que influíram na hora de adentrar na História da Espanha.

Desde um prisma acadêmico, Presto assegurou que a UEx goza de uma "muito merecida e crescente reputação internacional, pelo qual é um privilégio poder se considerar uma pequena parte dela".

Píriz destacou a trajetória acadêmica "sólida e excelsa" de Preston, cuja obra qualificou como "extensa, profunda, influente e sugestiva". "Repassa de maneira crítica e fundada o devir de todo um século da vida na Espanha", acrescentou.

Na sua concepção, "os espanhóis de hoje estão em dúvida com seu retrato de nosso imediato passado". Também o presidente estremenho disse palavras de elogio para Preston, "um mestre dos historiadores", um conhecedor "dos sofrimentos desta terra e também os esforços que se há feito por aqui pela recuperação da memória histórica". "Estamos convencidos de que a melhor maneira de recuperar a história é contá-la", acrescentou Vara.

Fonte: Público/EFE (Espanha)
http://www.publico.es/politica/preston-franco-pensaba-mundo-regido.html
Título original: Preston: "Franco pensaba que el mundo estaba regido por un superestado masónico"
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

domingo, 4 de outubro de 2015

"O mito da alergia francesa ao fascismo". Um debate historiográfico.

A ascensão da extrema-direita nas últimas eleições europeias é um fato, e é para se preocupar que partidos como o "Aurora Dourada" na Grécia, ou o Jobbik na Hungria, tenham se convertido em forças políticas com representação parlamentar na Europa e seus países. Não resulta estranho, acerca do fascismo, que o presente e o futuro pesem mais que o passado, mais ainda em países nos quais a crise, a corrupção e os abusos de poder tenham se traduzido numa progressiva oposição acerca da política tradicional. Sem ser o mesmo, ainda que o integrando dentro do mesmo espectro político, a Frente Nacional se aproveitou dessa desaprovação na França, um país no qual além da vertiginosa ascensão do partido de Marine Le Pen, há que se destacar o alto nível de abstenção que alcançou cerca de 60% do eleitorado e que, contudo, beneficiou bastante a própria Frente Nacional (Front National).

Como já comentamos num artigo anterior, tentaremos levar esta análise até nossos dias, mas da nossa maneira, através de um prévio e minucioso exame do passado mais recente da França que nos permita ver as chaves históricas para entender o presente, desenvolvendo neste caso algo importantíssimo que cito de passagem no outro artigo que é o "mito da alergia" ao fascismo na França, combinado com o mito da Resistência. Sendo assim, neste artigo nos centraremos na extrema-direita francesa no período entreguerras, e sobretudo no debate historiográfico acerca deste fenômeno, na medida em que a Frente Nacional vem a herdar e a atualizar discursos e práticas [1] que nos anos trinta tiveram uma importante incidência na vida política e social da III República. De fato, foi o movimento da extrema-direita da Croix de Feu, reconvertido em 1936 no Parti Social Français (PSF, Partido Social Francês) depois da proibição das ligas paramilitares pelo governo de Leon Blum, o partido com maior número de militantes, cerca de um milhão em 1939, e que contava com uma ampla rede de organizações e publicações onde o nacionalismo, a ideia de regeneração e os ataques ao parlamentarismo e o comunismo ofereciam um espaço de renovação política frente aos caducos partidos tradicionais da III República.

De fato, este partido passou a ocupar o centro de um debate historiográfico de uma longa trajetória sobre, se houve ou não, fascismo na França, como um movimento político com capacidade de explicar um projeto autoritário e alternativo frente à III República como ocorreu na Itália, Alemanha e Espanha, onde o fascismo, tal como entende Ferran Gallego, foi capaz de mobilizar um eleitorado majoritário de classe média especialmente rural, e de modernizar e agrupar em torno de si grande parte da direita radical e nacionalista em torno de um projeto político encaminhado para a construção de uma ordem que superasse os conflitos da modernidade democrática e liberal [2]. Catalogar à CF/PSF* dentro dos fascismos europeus da época é especialmente relevante por isso mesmo. Por isto ter sido, para nós, inevitável de nos aproximar e apresentar um debate historiográfico que também afeta, como não, o fantasma de Vichy, assunto no qual os trabalhos de Robert Paxton tiveram um papel-chave na recuperação de um passado complicado de digerir por parte da historiografia oficial francesa.

Pois bem agora, sobre o fascismo, aquela segue mantendo, salvo algumas exceções, a que veio a ser conhecida como a "tese da inumanidade" [3], a qual se converteu em todo um dogma historiográfico desde o surgimento do livro de René Rémond, "La droite en France de 1815 à nos jours", em 1954 [4]. Sobre isto, aproxima-nos deste debate nos pode aportar uma certa perspectiva na hora de explicar o mesmo problema aqui na Espanha. É que, durante anos, aqui como na França, grande parte da comunidade historiográfica, amparando-se em definições estritamente genéricas do fascismo, e tal como explica Julián Casanova, inventaram "múltiplos rótulos, termos e conceitos peculiaríssimos, numa tentativa, que colhe notáveis êxitos, de absolver o franquismo - e a ordem social e política que consolidou - do estigma fascista" [5]. Na França esse estigma foi eliminado por uma sorte de cultura política nacional que se apresentava inseparável dos valores republicanos, o qual não deixa de ser uma venda com a qual se tapa os olhos frente a uma realidade resistente a coisas essenciais desse tipo, os quais dificultam a leitura, não só do passado senão do presente [6].


Externalizar o fascismo, reduzi-lo a sua mais mínima expressão, ou até negá-lo foi algo muito comum no contexto europeu do pós-segunda guerra. Enquanto na Espanha Franco consolidava o nacional-catolicismo como ideologia do regime, sem perder um ápice de sua retórica excludente e da capacidade repressiva, os historiadores franceses e italianos construíam novas referências a partir de oferecer uma narrativa apropriada para a construção de identidades nacionais renovadas e apropriadas ao novo contexto. Depois dos julgamentos e purgas iniciais, França e Itália deviam mirar adiante, na direção de sua reconstrução e de seu desenvolvimento econômico e social, e esquecer as divisões e conflitos de seus passados mais recentes. Na Itália, Benedetto Croce falava do período fascista como uma espécie de enfermidade. Igualmente que, na França, onde o fascismo seria literalmente extirpado de sua história nacional e o período de Vichy ficaria num parênteses febril entre a III e a IV República, um produto da derrota e da ocupação alemã. Neste sentido, toda uma sociedade devia ocultar o trauma da derrota, do colaboracionismo e de Vichy.

Os tribunais oficiais franceses se encarregariam de castigar os colaboradores por delitos de traição à pátria, ainda que se aleijasse intencionalmente o fantasma da responsabilidade dos cidadãos franceses na guerra [7]. Desta maneira, não se castigou a nenhum francês por crimes contra a humanidade, sendo estes imputados exclusivamente aos alemães [8]. Por sua parte, no espaço público se estenderia a memória da Resistência como objeto nacional e na qual praticamente todos os franceses tinham cabida. A luta partisan contra o invasor vinha para desdenhar o colaboracionismo e Vichy, e passava a se converter no novo espaço de referência e representatividade da nação. Essa mesma vontade é a que vemos claramente na historiografia, que junto a tribunais e políticas de memória do Estado, configuraram como os principais arquitetos das leituras nacionais do passado. As palavras de François Bédarida e Jean Pierre Azema sobre isto são muito ilustrativas: "dans le couple Vichy/Résistance, la priorité a longtemps joué au profit de l’historiographie de la Résistance au détriment de celle de Vichy. Tout concourait en effet a privilégier la première plutôt que la seconde: un objet historique exaltant, une demande sociale forte, une vertu éducative [...], une mémoire a la fois glorieuse et dominante" [9].

Se Robert Aron publicava sua "Histoire de Vichy" em 1954 na qual aleijava o fantasma do colaboracionismo [10], René Rémond, nesse mesmo ano, faria sua parte acerca do fascismo advertindo que aquilo havia sido uma importação do exterior realizada por grupos marginais e sem capacidade de mobilização. Esta tese se converteria num componente essencial de uma excepcionalidade francesa baseada no compromisso permanente da direita francesa, diferentemente de suas homólogas italiana ou alemã, com os princípios democráticos e constitucionais, um compromisso que se renovava através do novo mito da Resistência e que tomou forma imediatamente depois da Libertação. O argumento principal de Rémond era que o fascismo não tinha espaço político na França, posto que não pertencia a nenhuma das três famílias da direita francesa que ele havia reconhecido: a direita contrarrevolucionária, a conservadora e a Bonapartista. Deste modo, movimentos de massas como o Parti Social Français e o próprio regime de Vichy só poderiam ser explicados a partir de uma destas três tradições, nunca poderíamos falar de fascismo. Sternhell explica como este livro se converteu numa espécie de bíblia para várias gerações de estudantes e historiadores que assimilavam uma ideia cômoda e autocomplacente de seu passado mais recente [11].

É bastante significativo que quem atacasse as ditas teses fossem historiadores de fora [12], na mesma medida que foi Robert Paxton, um historiador norte-americano, que atacou a tese de Robert Aron, afirmando que tanto Pétain como Laval, foram colaboradores ativos com os alemães e que as medidas adotadas durante o regime de Vichy, entre elas a deportação de milhares de judeus para os campos de extermínio [13], foram responsabilidade das autoridades francesas. Enquanto a tese da inumanidade, foi Ernst Nolte, em sua já clássica trilogia sobre o fascismo europeu, quem situou a Action Française como precursor da ideologia fascista [14]. Mas foi o historiador israelense Zeev Sternhell quem irrompeu com mais força no debate, pois não só rechaçava essa suposta inumanidade francesa ao fascismo, senão que também situava suas origens culturais e ideológicas na convergência entre o nacionalismo de Maurice Barres e Charles Maurras e o revisionismo marxista e vitalista de Georges Sorel [15]. Suas obras geraram um intenso debate provocando respostas por parte de historiadores como Serge Berstein ou Michel Winock, discípulos de Rémond e que vieram a atualizar a tese da inumanidade frente às ideias de Sternhell.

Por outro lado, o debate tomava um cariz mais acadêmico na medida em que muitos comentários iam encaminhados para a crítica da perspectiva puramente intelectual que tomava Sternhell para entender o fascismo [16]. É que a história das ideias adotada por Sternhell lhe permitiu rastrear uma tradição política francesa que iria desde o último terço do século XIX, passando pelo assunto Dreyfus e que desembocaria em Vichy em 1940, o que permitia, além disso, assinalar o caráter puramente francês do regime [17]. Essa história estritamente intelectual seria muito criticada por historiadores franceses como Winock ou Julliard, para os quais Sternhell ignorava a dimensão social e política da realidade em suas investigações. Por sua parte, Serge Berstein lhe atribuía uma definição por demais ambígua do fascismo, o que lhe permitia introduzir qualquer experiência que se amoldasse a uns marcos bastante flexíveis [18]. Pierre Milza coincide com esta crítica quando diz que Sternhell utiliza a noção de fascismo para "todas as expressões de hostilidade à democracia parlamentarista burguesa" [19].

Sendo bastante acertadas todas essas críticas sobre o método usado por Sternhell, o caso é que tanto Winock, Julliard, Berstein ou Milza, todos eles franceses, mantém a ideia da excepcionalidade francesa e um certo essencialismo nacional, retomando os argumentos dados por Rémond, que reeditaria em 1982 sua obra [20] e na qual se permitiria atualizar ele mesmo seus argumentos e atender aos pontos centrais sobre os quais giravam o debate. Desta maneira, admitiria a atração que exerceu o fascismo sobre alguns intelectuais como Brasillach ou Drieu la Rochelle e a existência de grupos fascistas na França como o Faisceau de George Valois, o Solidarité Française de Réné Coty, o Parti Popular Français de Doriot ou o Francisme de Marcel Bucard, mas nunca chegaram a ser verdadeiros movimentos de massas como o italiano ou o alemão. Enquanto a Croix de Feu/Parti Social Français, uma das chaves do debate, encaixaria-lhe dentro da direita Bonapartista e reduziria sua estética e capacidade mobilizadora a uma espécie de "scoutisme politique pour grandes personnes" [21]. Nesta linha se manteria Jacques Nobécourt[22], que fez um exaustivo estudo com fonte primária, acessando pela primeira vez os arquivos pessoais do líder da Croix de Feu, o Coronel De la Rocque do Parti Social Français, François de La Rocque, deixando por terra os argumentos de que como Robert Soucy[23], William Irvine [24] ou Kevin Passmore [25] a partir do exterior haviam catalogado a organização de fascista.

Nos dias de hoje, o debate em torno da CF/PSF e do fascismo francês ainda está aberto e seguem aparecendo publicações [26] que tentam sair adiante na análise do fenômeno deixando em segundo plano se foi fascista ou não, contextualizando a III República no panorama europeu da época. Assim, avança-se agora já não analisando o discurso e a ideologia da organização liderada por De La Roque, senão suas estratégias e possibilidades de conquistar o poder, advertindo, além disso, que as categorias políticas utilizadas para definir a direita francesa por Rémond e seus acólitos não deixam de ser excessivamente herméticas e estáticas [27]. Neste sentido, mais que o fascismo em si, deveríamos estudar o processo de fascistização que vive a direita europeia e seu eleitora ao longo dos anos trinta. Isto foi provocado por uma resolução dos conflitos de sociedades em transformação. Desta maneira, e atendendo ao contexto político, social e intelectual da II República, Ferran Gallego analisou o processo de fascistização da direita espanhola assinalando a permeabilidade desta acerca da nova cultura política que ofereceria a possibilidade de uma união nacional em torno de um projeto de modernização e regeneração nacional.

Tanto a Alemanha, como a Itália, Espanha ou França compartilharam essas mesmas dinâmicas em diferentes cenários e com suas respectivas particularidades. Foi isto que fez com que na França não triunfasse uma solução autoritária aos problemas que viviam a III República, durante a qual nem a violência política, nem a crítica ao parlamentarismo, nem os discursos de redenção nacional estiveram ausentes [28]. Daí que uma análise comparada entre as diversas experiências oferece uma interpretação que se distancie de essencialismos e excepcionalismos que, como diz Ferran Gallego sobre a Espanha, permitem interpretar seu passado "como o de uma nação cujos problemas e propostas de solução sempre eram alheios aos conflitos e procedimentos que se haviam experimentado no continente". [29]

Daniel Canales Ciudad: Licenciado em História pela Universidade de Saragoça e mestre em História Contemporânea. Sua linha de pesquisa é o estudo da ditadura franquista em perspectiva comparada.

Notas:

[1] Arnaud ESQUERRE et Luc BOLSTANSKI: “Fron national: de quel peuple parle-t-on?”, Libération, 29 de mayo de 2014

[2] Ferran GALLEGO: El evangelio fascista. La formación de la cultura política del franquismo (1930-1950), Barcelona, Crítica, 2014

[3] Para ver la historia de dicho debate Marc ANGENOT: “L’immunité de la France envers le fascisme: un demi-siècle de polémiques historiennes” en Discours Social, vol. XXXI, 2009. Disponible en red: http://marcangenot.com/wp-content/uploads/2011/12/immunit%C3%A9-fran%C3%A7aise-au-fascisme-complet-format-DS.pdf

Ver también, Michel DOBRY (dir.), Le mythe de l’allergie française au fascisme, Albin Michel, París, 2003

[4] René RÉMOND: La droite en France de 1815 à nos jours. Continuité et diversité d’une tradition politique, Paris, Aubier, 1954

[5] Julián CASANOVA, “La sombra del franquismo: ignorar la historia y huir del pasado”, en Julián CASANOVA, El pasado oculto: fascismo y violencia en Aragón (1936-1939), Madrid, Siglo XXI, 1992 p. 13

[6] Ya en 2003, ante el éxito cosechado por Le Pen en 2002 cuando llegó a la segunda vuelta de las elecciones presidenciales, numerosos sociólogos y politólogos coordinados bajo la dirección de Daniel Bensaid alertaron de los peligros y trazaron varios análisis sobre la extrema derecha del siglo XXI. “Noveaux mostres et vieux démons: déconstruire l’extrême droite”, Contretemps, nº8, 2003. Disponible en red: http://www.contretemps.eu/sites/default/files/Contretemps%2008.pdf

El interés académico por el Frente Nacional no ha dejado de aumentar, tal como lo demuestran los recientes congresos y publicaciones aparecidos en Francia a raíz del ascenso del partido bajo el liderazgo de Jean Mary Le Pen. Ver: Charlotte ROTMAN: “Le Front national, «objet scientifique», Libération, 20 de junio de 2013

[7] Entre 1944 y 1951 se llegaron a sentenciar 6763 personas a muerte, de las que se ejecutaron 791. Las purgas afectaron a cerca de 350.000 personas, aunque la mayoría «de sus vidas y carreras no se vieron dramáticamente afectadas». Tony JUDT, Postguerra: una historia de Europa desde 1945, Madrid, Taurus, 2006, p. 83

[8] Para ver las implicaciones de la culpabilidad exclusiva de Alemania, Íbidem, p. 91

[9] Traducción nuestra: “en el binomio Vichy/Resistencia, la prioridad ha jugado durante mucho tiempo a favor de la historiografía de la Resistencia en detrimento de la de Vichy. Todo ha contribuido, en efecto, a privilegiar la primera por encima de la segunda: un objeto histórico exaltado, una demanda social fuerte, unas virtudes educativas [...], una memoria a la vez gloriosa y dominante” en Jean Pierre AZEMA et François BEDARIDA: “L’historisation de la Résistence” en Esprit, enero 1994, p.21. Disponible en red: http://www.esprit.presse.fr/archive/review/article.php?code=10982

[10] Éste diferenció entre la Francia de Pétain y la Francia de Laval, siendo la primera una solución para el mantenimiento de la soberanía nacional y una especie de escudo frente a la invasión alemana, mientras que la segunda representaba el colaboracionismo que se restringía a personalidades muy concretas y aliados de los alemanes. Robert ARON y Georgette ELGEY: Histoire de Vichy, 1940-1944, Paris, Artheme Fayard, 1954.

[11] Íbidem, p.32

[12] Esto lo podemos ver a la perfección en el libro France in the era of Fascism, en el que se ataca y se pone en tela de juicio la supuesta tesis de la inmunidad francesa al fascismo. Como señala su coordinador, Brian Jenkis, todos los historiadores que han aportado investigaciones para el libro son todos no franceses, a excepción de Michel Dobry.

[13] La cinta Le Chagrin et la Pietié, del documentalista Marcel Ophuls provocó también una gran conmoción, estrenándose en los cines franceses en 1971 dos años antes de que se publicase en Francia el libro de Paxton.

[14] Ernst NOLTE: Der Faschismus in seiner Epoche. Action francaise – Italienischer Faschismus – Nationalsozialismus, Münich, R. Piper, 1963. Traducido al francés siete años después, Ernst NOLTE: Le fascisme dans son époque, Paris, Julliard, 1970.

[15] Zeev STERNHELL: La droite révolutionnaire. 1885-1914 : Les origines francaises du fascisme, Paris, Seuil, 1978. También Zeev STERNHELL, Ni droite ni gauche. L’idèologie fasciste en France, París, Fayard, 2000 [1983]

[16] Un análisis del debate suscitado por las teorías de Sternhell en Antonio COSTA PINTO, “Fascist ideology revisited: Zeev Sternhell and his critics” en European History Quartely, núm. 16 (1986), pp. 465-483

[17] Zeev STERNHELL, “Morphology of Fascism in France”, en Brian JENKINS (ed.) (2005), pp. 22-64

[18] Antonio COSTA PINTO (1986)., p. 474

[19] Pierre MILZA, “Fascisme français” en J-F. SIRINELLI (ed.) (1995), p. 357. Aparece en Brian JENKINS (ed.) (2005), p. 200

[20] René RÉMOND: Les droites en France, Paris Aubier Montaigne, 1982

[21] Íbidem, p. 214

[22] Jacques NOBÉCOURT: Le Colonel de la Rocque ou les pièges du nationalisme crètien, París, Fayard, 1996

[23] Robert SOUCY: French Fascism: the Second Wave 1933-39, New Haven, Yale University Press, 1995, obra que no se traduciría al francés hasta nueve años más tarde, en 2004, lo cual muestra el poco interés que había entre los historiadores franceses por la historia que se generaba desde fuera y que ponía en tela de juicio, como ya lo había hecho Sternhell, la tesis de la inmunidad.

[24] William D. IRVINE, “Fascism in France and the strange case of Croix de Feu”, en The Journal of Modern History, Vol. 63, Núm. 2 (1991), pp.271-295

[25] Kevin PASSMORE: From Liberalism to Fascism: The Right in a French Province, 1928-1939, Cambridge, Cambridge University Press, 1997.

[26] Sean KENNEDY: Reconciling France against Democracy: the Croix de feu and the Parti social français. Montreal, McGill-Queen’s, 2007.

[27] Brian JENKINS: “The Right-Wing Leagues and Electoral Politics in Interwar France”, History Compass, nº 5/4 (2007), pp. 1359-1381

[28] Una propuesta para el estudio de la violencia política en la Francia del período de entreguerras en Chris MILLINGTON: “Political Violence in Interwar France”, en History Compass, nº 10/3 (2012), pp. 246-259

[29] Ferran GALLEGO: El evangelio fascista... p.17
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*CF/PSF: siglas de Croix de Feu e Parti Social François

Fonte: El Mito de Sisif (blog catalão, Espanha)
http://elmitedesisif.cat/es/fascismo/el-mito-de-la-alergia-francesa-al-fascismo-un-debate-historiografico/
Link alternativo: http://holocaust-doc.blogspot.com/2015/10/el-mito-de-la-alergia-francesa-al-fascismo-un-debate-historiografico.html
Título original: "El mito de la alergia francesa al fascismo". Un debate historiográfico
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

[Pausa Musical] - Llévame Muy Lejos (Amaral, Espanha)

Em primeira mão, ou segunda, não sei, rs (eu acho que é em primeira mesmo pois mal sai algo do cenário musical da Espanha no país, vi uma matéria mas tiraram do ar), a quem não viu, pode ver (e ouvir) de novo o post sobre Eva Amaral cantando "Camino Soria", música de uma banda dos rock dos anos 80 na Espanha, com Jaime Urrutia (que era membro da banda).

Aviso: a quem quiser pular logo pra música, pode descer direto pro fim do post (não precisa ler o texto).

Voltando ao post. O post com "Camino Soria" era só ela participando de um tributo sem a formação (a dupla) dela com o Juan Aguirre, a dupla de Saragoça (Espanha). Eu ia fazer um post sobre uma banda portuguesa, mas fica pra próxima.

A banda é praticamente desconhecida no Brasil e é uma das, ou a mais conhecida na Espanha. Curioso isso, parece que não chega cultura alguma de outros países exceto a dos EUA no Brasil, pela exibição massiva na TV aberta e TV a cabo. Algo deliberado e medíocre.

O máximo que me recordo, remotamente, dessa banda no país eram cenas do clipe "El universo sobre mi" que passava diversas vezes como propaganda de uma rádio, curiosamente não dava pra notar que era uma banda espanhola porque só passava um trecho da música e como comentei acima, pra chegar música, filmes etc da Europa ou de outras partes do mundo (até de países vizinhos) no Brasil, é como se houvesse um bloqueio imposto pelo oligopólio de mídia no país. Este comentário vai pros que acham que isto não é nocivo ao país. O povo não ter acesso à cultura de vários países e ser direcionado a ver aquela pobreza musical atual dos EUA é algo simplesmente esdrúxulo, culturalmente pobre.

Estão lançando disco novo, acho que no fim do mês ou fim de outubro (como demoram), o último disco foi em 2011 e divulgaram mais uma música do álbum novo já que já havia saído duas (ainda em 2014) e mais algumas tocadas em concertos que dão na Espanha, só que com gravação amadora da plateia como a música Nocturnal que dá nome ao álbum. A música Nocturnal nem se chamaria assim só que mantiveram o nome a pedido do público e deram o nome ao disco também.

Essa música foi composta nos EUA (alguma turnê sem o público que a banda merece pois não investem na penetração do mercado Latino-americano e no Brasil) e o som é muito bom (sou suspeito pra falar pois eu acho bom mesmo, rs).

É um clipe "meia boca" mas é mais pra divulgação, mas ficou bom. O som da música também, principalmente a parte final dela:
"Llévame muy lejos, borra todos mis recuerdos, de este país sin corazón"

A quem não entendeu: "Leva-me para longe, apaga todas minhas recordações, deste país sem coração".

Letra que provavelmente tem a ver com o momento político (e econômico) vivido na Espanha, só que lembrei de outro país da América do Sul, que fala português, que muitas vezes tem parte da população que não tem coração também (essa expressão é simples e forte). Pesa na concepção dos clipes a mudança da banda, saíram do selo da EMI prum selo próprio, e não a mesma superprodução de uma gravadora (acho que foi um equívoco deles, apesar da tecnologia hoje compensar muita coisa, mas a divulgação não é a mesma).

"Momento nada a ver": Wagner Moura, reclamaram do teu sotaque na série Narcos (o pessoal da América do Sul), era só imitar o sotaque da Espanha (do castelhano, espanhol peninsular como chamam, o da música do vídeo abaixo) que paravam de frescura e de te encher o saco, rs. Ainda se fez propaganda da série (rs).

Escutem a música e tirem suas conclusões. Há outra música anterior, que teoricamente seria inclusa no disco e agora está em "suspenso", por conta do teor político do clipe, que teve repercussão pesada naquele país, e uma que foi apresentada num festival, ao vivo, mas esta é oficialmente a primeira música de divulgação do disco, confiram.

Amaral - Llévame Muy Lejos


Pra conferir as outras "Pausas", cliquem na tag "Pausa Musical".

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Futebol e Fascismo: os mundiais de Mussolini e Hitler

Seus olhares se cruzavam no plasma em câmara lenta, num plano eterno digno de um Western de Sergio Leone. Casillas frente a Buffon. Sós ante o perigo, com um muro de silêncio entre eles inquebrantável ao gritaria das arquibancadas. Nas casas, o respeitável se benzia e pensava, "outra vez nas quartas não, por deus. Outra vez não" e segurava a respiração a cada lançamento.

Árbitros fazendo a saudação fascista no Mundial de 1934
Aquelas paradas de Santo, de De Rossi e Di Natale, e aquele último penal de Cesc, acabaram por desmontar um velho mito: o da maldição das quartas, que nos condenava, verão após verão, ao frango da derrota e à depressão nacional. Desde então, e até pouco tempo, só vitória.

O velho tópico de que a história são ciclos, o mesmo que se atrevem a dizer os entendidos em economia, cumpre-se neste caso. Igual a maldição que se rompia num Espanha-Itália, este havia tido uma partida similar, só que em 1934 e em circunstâncias políticas muito diferentes.

Dizem que Benito Mussolini só havia assistido a uma partida de futebol em toda sua vida, mas isto não lhe impediu de se aperceber das possibilidades políticas e propagandísticas que o jogo da bola podia lhe proporcionar. O fascismo, desde suas origens, exaltava dentro de seus valores supremos a juventude (o hino fascista italiano, Giovenezza, era todo um exemplo disto), a ação, a força e a mesma violência. Não é de estranhar, portanto, que todos os regimes fascistas potenciaram a prática desportiva como forma de educar os jovens com visando um cumprimento melhor dos deveres para com a pátria, e como fórmula para forjar o caráter e a disciplina que, supunha-se, devia ter um "bom" fascista.

Logo o esporte, que começava a se converter num entretenimento de massas, obteve para os fascistas uma nova dimensão: igual ao cinema e outros espetáculos da moda, podia ser usado como suporte propagandístico. O doutrinamento era fundamental num regime totalitário e eles sabiam perfeitamente como chegar ao povo. Bem conhecido é o caso das Olimpíadas de Berlim, em 1936, que Hitler desenhou como a apoteose da "modernidade" hitlerista, ainda que um afro-americano, Jesse Owens, acabasse por lhe roubar o protagonismo ao se alçar pela primeira vez na história com quatro medalhas de ouro no atletismo. Mais desconhecido para o público é o uso que o fascismo italiano e o nazismo tentaram fazer do futebol: durante este artigo tentaremos recolher vários exemplos do ocorrido em torno dos encontros dos mundiais de 1934 e 1938.

A batalha futebolística do "fáscio"

Mussolini se empenhou em celebrar na Itália o segundo mundial da história, depois de não conseguir para seu país o que fora celebrado no Uruguai em 1930 e que acabaria com a vitória da própria anfitriã. Para ele, não duvidou em pressionar a Suécia, a outra candidata a albergar a competição, que acabou por ceder às pressões do gabinete do Duce: uma vez conseguida a celebração do acontecimento em terras transalpinas, só restava assegurar o sucesso da azzurra. Mussolini se dirigia a Giorgio Vaccaro, presidente da Federação Italiana de Futebol e membro do Comitê Olímpico Italiano, da seguinte maneira:

—Não sei como fará, mas a Itália deve ganhar este campeonato.

—Faremos todo o possível...

—Não me compreendeu bem, general... a Itália deve ganhar este Mundial. É uma ordem.


A vitória italiana de 1934 começaria a ser gestada desde o mesmo mundial de 1930. Depois da vitória uruguaia, diversos emissários italianos convenceriam ao argentino Luis Monti para que se filiasse pela Juventus de Turim, depois de lhe oferecer 5.000 dólares mensais de soldo, uma casa e um carro. Toda uma fortuna que o argentino não pode rechaçar. A intenção da filiação era de poder nacionalizá-lo alguns anos depois, como fariam com outros futebolistas antes do mundial. Com Monti, somariam-se seus compatriotas Atilio Demaría, Enrique Guaita e Raimundo Orsi, assim como o brasileiro Guarisi, que reforçariam a seleção azzurra. Ante as críticas recebidas por "filiar" estrangeiros, nacionalizados convenientemente pelo governo fascista, o selecionador, Vittorio Pozzo, sentenciou: "Se podem morrer pela Itália, podem jogar pela Itália".

O treinador italiano Vittorio Pozzo observa uma partida. Foto: FIFA.com
Pela primeira vez a competição se desenvolveria com um formato de eliminatórias em partida única, com prorrogação de 30 minutos e repetição do encontro em caso de continuar o empate depois da prorrogação. No mundial da Itália se reuniram 16 equipes, depois de uma fase prévia de classificação desenvolvida em diferentes regiões. Inglaterra, como já ocorrera durante o mundial do Uruguai, negou-se a participar por não ter concedido a organização do campeonato.

A Itália chegou com cartazes anunciando o campeonato, no que se representavam jovens atletas saudando com o braço alto. As partidas se iniciavam ao grito de "Itália, Duce", depois do qual, e depois de fazer a saudação fascista desde o centro do campo, os azzurri saíam disparados pela vitória. Desde o palco, Mussolini, acompanhado por hierarcas do regime e cercado por milhares de camisas negras, a milícia do partido fascista, seguia com interesse as evoluções do combinado nacional. Não podiam falar. O que para eles constituía uma pressão atroz, convertia-se em medo para seus adversários. A grande vitória fascista estava em marcha.

Na partida de estreia das quartas de final as seleções da Espanha e Itália se enfrentavam no estádio Giuseppe Berta de Florença, ante uns 43.000 espectadores desejosos de ver uma vitória italiana no encontro que acabaria por se parecer mais a uma batalha que a uma partida de futebol. Até sete espanhóis caíram lesionados numa eliminatória na qual consigna dos italianos, que levaram o jogo além dos limites do regulamento, respondia ao lema fascista: "Vencer ou morrer".

A Espanha, superior em técnica e classe à Azzurra, chegava à investida liderada pelo melhor porteiro da história até o momento, Ricardo Zamora, "o Divino" e pelo goleador Lángara, no ataque. A esquadra espanhola acabava de vencer o Brasil com um resultado de três gols a um. Durante esta partida, Zamora se converteria no primeiro goleiro a pegar uma penalidade máxima na história dos mundiais, depois de pegar um pênalti da estrela carioca, Leônidas.

Foto da seleção espanhola em 1934 com Zamora segurando a bola
"Foi um encontro espetacular, dramático e jogado com uma intensidade muitas poucas vezes vista", assim resumiria Jules Rimet, o francês inventor do negócio dos mundiais, uma partida que passaria para a história do cálcio como "A batalha de Florença".

Passou à frente do placar a Espanha com um tento de Regueiro, no minuto 31, mas ao filo do descanso os italianos conseguiram empatar com uma jogada digna do pior pátio de recreio: Ferrari arremataria ao fundo das redes um chute, não muito perigoso, enquanto Schiavio agarrava Zamora para que não pudesse bloquear o esférico. O colegiado Louis Baert, de origem belga, não quis ver a clara violação do regulamento.

A segunda parte começaria com todo um massacre nas fileiras espanholas, provocado pela violência inusitada da esquadra italiana: Zamora, Ciriaco, Lafuente, Iraragorri, Gorostiza e Lángara acabariam o encontro, depois da pertinente prorrogação, com diferentes lesões que lhes impediria de jogar a partida de desempate do dia seguinte. A pior parte ocorreria com a estrela espanhola, Ricardo Zamora, que sairia da cidade italiana com duas costelas rotas depois de uma trombada com um jogador italiano, que nem sequer fora marcada como falta pelo árbitro belga.

Imagem do gol italiano
Durante a partida de desempate os italianos seguiram a mesma estratégia: a violência como forma de parar o jogo espanhol. Desta vez foram Bosh, Chacho, Regueiro e Quincoces os lesionados ante a passividade arbitral. A injustiça chegou a seu ponto máximo quando o árbitro, desta vez o suíço René Mercet, anulou gols legais de Regueiro e Quincoces, por inexistentes fueras de jogo, enquanto validava em definitivo o tento do mítico Giuseppe Meazza, o mesmo que hoje dá nome ao estádio do Milan, apesar de que o italiano Demaría estava obstaculizando a Nogués, porteiro que substituía o lesionado Zamora.

A atuação arbitral foi tão comentada que Mercet, quando regressou a seu país, foi expulso por toda a vida da arbitragem, tanto pela FIFA como pela federação de seu país.

Em semifinais a arbitragem voltou a ser igualmente "discutida". Os italianos conseguiram com a vitória frente ao "Wunderteam" austríaco. O time maravilha, como era conhecida a excelente seleção liderada por Matthias Sindelar, nada pode fazer frente ao gol impedido que o juiz deu como válido.

A equipe austríaca, que havia extasiado meia Europa com seu jogo, voltava a seu país sem saber que Hitler se cruzaria em breve por seu caminho, rompendo a trajetória desportiva daquela legendária seleção. Mas isso contaremos mais adiante.

Em dez de junho de 1934 se celebrava em Roma a grande final do campeonato, enfrentando-se as seleções da Itália e Checoslováquia, outra seleção das que, em teoria, tinham certa superioridade sobre os transalpinos. Para a final se designou o mesmo árbitro que havia apitado as semifinais frente a Áustria, o sueco Ivan Eklind.

A seleção checoslovaca se apresentava no campeonato com uma esquadra cheia de talento, com futebolistas de grande estatura em suas fileiras como Nejedly, Planicka, "o Zamora do Leste" ou Svoboda. A Itália de Vittorio Pozzo, o inventor do sistema do catenaccio, dispôs de um sistema de jogo com posição piramidal, um 5-3-2 que os italianos denominaram "O Método".

Logo os checos mostrarem sua vontade de não ser simples convidados para a festa latina, o que fez com que se instalasse o nervosismo no palco quando, ao chegar o descanso, o marcador mostrava um empate zerado. Diz a lenda que, quando Pozzo arengava com seus pupilos no vestiário, apresentou-se um enviado do Duce com a seguinte mensagem: "Senhor Pozzo, você é o único responsável do sucesso, mas que Deus o ajude se chega a fracassar". Como contestação, 'Il vecchio maestro' se dirigiu aos jogadores com estas palavras: "Não me importa como, mas hoje devem ganhar ou destruir o adversário. Se perdemos, todos ficaremos muito mal".

No minuto 70 os checos abriram o marcador graças a um grande tento de Vladimir Puc. Três minutos depois, Svoboda acertaria a bola no travessão que pode mudar o curso da história mas Pozzo, velho zorro, fez algumas mudanças táticas que modificariam o destino do encontro. A nove minutos do final, Orsi, com um forte chute, empatou. Durante a prorrogação, Shiavio, com passe de Guaita, bateria o goleiro checoslovaco, Planicka, dando o triunfo à Itália.

A grande vitória fascista fora alcançada. Mussolini organizaria uma cerimônia para comemorar a gesta no dia seguinte, ao que os jogadores acudiram com o uniforme da partida. O Duce já tinha a vitória que aguardava com ânsia desde 1930, a vitória que permitiria exaltar, ainda mais, ante o mundo, e ante os próprios italianos sobretudo, o caráter heroico e guerreiro da "raça latina".

Depois a gesta, as benesses que o fascismo havia prometido aos jogadores se converterem, em alguns casos, em fel. Luis Monti relataria, muitos anos depois, como tudo mudou depois do mundial. Especialmente relevante foi o caso de Guaita, um dos estrangeiros filiados e nacionalizados pelo governo de Mussolini que, depois dos mimos e do sucesso, acabou sendo exilado.

Enrique Guaita jogava no Roma, mas o time favorito do fascismo era outro. A cidade de Roma se divide, ainda hoje, entre os seguidores do Roma, majoritariamente de esquerdas e do Lázio, de direitas, pelo que era lógico que a equipe escolhida pelos fascistas para encarnar seus valores fosse este último.

Vê-se que alguma mente privilegiada do fascismo, lê-se a ironia, teve uma grande ideia para desativar o Roma e que a Lazio tivesse mais fácil o caminho no campeonato. O plano era simples: mandar boa parte da equipe romana para o front, concretamente para a Abissínia, uma louca aventura imperialista com a qual o Duce pretendia reverdecer os louros do Império Romano mas que, ao contrário do que eles supunham, não estava resultando num caminho de rosas. A reação de Guiata, que queria conservar sua vida acima de tudo, foi a de fugir para a França junto com outros companheiros. Posteriormente, continuou sua carreira futebolística em seu país de origem, a Argentina.

O homem de papel que desafiou o Führer

Em 1938, o mundial seria celebrado na França, graças ao empurrão do mesmíssimo Jules Rimet. A situação política evidenciava um caminho inevitável para uma nova conflagração mundial, que em boa parte parte estava ocorrendo na Espanha seu mais imediato precedente. Por esse motivo, a seleção espanhola não pode participar do campeonato, que se viu salpicado em cada partida pelas rivalidades políticas.

Outro país que dispunha, igual com a Espanha, de um grande seleção e que não pode participar do mundial por questões políticas foi a Áustria, que havia renunciado participar estando classificada. A história do "Wunderteam" correria tragicamente paralela a de sua pequena nação.

Em 12 de março de 1938, a Alemanha de Hitler anexaria a Áustria, convertendo-a pela força em mais uma província alemã. Aquela mostra imperialista, que passaria para a história com o nome de "Anschluss", significava também a desaparição da equipe austríaca, igualmente que já havia ocorrido com todos os símbolos da independência desse país.

Matthias Sindelar durante um lance de jogo
A anexação supôs o princípio do fim da maior estrela da história do futebol austríaco, Matthias Sindelar, conhecido como "O homem de papel", pela delicadeza de seus movimentos no terreno de jogo. Sindelar gozava de uma grande fama, dentro e fora de seu país, e era o líder, tanto de sua seleção como do Áustria de Viena. Mas os nazis cruzaram seu caminho.

Restavam apenas uns poucos meses para a celebração do Mundial de 1938, quando o governo alemão pensou que, uma vez que a Áustria formava já parte da Alemanha, os melhores jogadores desse país poderiam reforçar a esquadra teutônica. O "Wunderteam", que só havia perdido quatro das últimas 50 partidas jogadas, tinha suas horas contadas. Até oito jogadores da equipe passariam a defender a camisa alemã, mas antes disso os nazis idealizaram uma parte de despedida que, por sua vez, devia se converter na grande festa da raça ariana. Evidentemente, contava com a vitória alemã.

Contudo, os de Sindelar, que em princípio jogaram aterrorizados pelo medo, decidiram não perder o único que lhes restava: o orgulho. "O homem de papel" começou a fazer das suas. Os austríacos acabariam ridicularizando com seu jogo os alemães e a partida acabariam num dois a zero para o "Wunderteam".

O momento máximo do encontro chegaria depois de um dos gols da partida, marcado pelo próprio Mathias Sindelar. Depois do tento, correria para celebrá-lo frente ao palco das autoridades, repleto de mandachuvas do partido nazi e presidido pelo próprio Führer, realizando uma dança/malabarismo que, naqueles tempos, à parte de ser algo totalmente inusual, foi tomado como uma tremenda falta de respeito e todo um desafio ao poder nazi. O atacante ficaria sentenciado por toda a vida.

Depois da partida, Sindelar se negaria a formar parte da seleção nazi no Mundial da França, para isto aludiria falsas lesões e, inclusive, chegaria a anunciar sua retirada do esporte. Desde então se converteria num indesejável para o nazismo, que não lhe permitiria nem jogar o futebol em seu país nem, muito menos, cruzar as fronteiras para competir fora.

Em 22 de janeiro de 1939 os bombeiros de Viena encontrariam seu corpo em sua casa, junto com o de sua parceira. Haviam aberto o condutor de gás para liquidar suas vidas. Ninguém sabe o que se passou ao certo, pois o caso acabou oculto. Muitos apontam a Gestapo, outros a depressão que lhe causou em não poder voltar a jogar futebol. o caso é que o totalitarismo encerrou a carreira a um dos melhores futebolistas de sua época.

Vencer ou morrer em camisa negra

Mas apesar de reforçar a seleção com os melhores jogadores da Áustria, a equipe alemã, que tantas esperanças havia dado a Hitler, não pode suceder na glória futebolística à outra potência fascista, a Itália, que seguiria reinando até depois da Segunda Guerra Mundial.

O Mundial de 1938 poderia ter sido uma oportunidade de confraternização na Europa do pré-guerra, mas foi só uma mostra a mais do frio e temível ambiente que se vivia nos países europeus durante aquele tempo: todo mundo sabia que, mais cedo ou mais tarde, a guerra acabaria por ser, outra vez, uma terrível realidade.

Assim, Mussolini, disposto a voltar a utilizar o futebol para sua política propagandística, decidiu comandar sua seleção pessoalmente. Para isto, organizou um ato no Palazzo de Venezia, no que os jogadores acudiram com o uniforme fascista, e que culminou com a vitória com um discurso ante o multidão desde a sacada.

Durante a partida de oitavas de final, contra a Noruega, os italianos realizaram a saudação fascista, também conhecida como romano, antes de começar o encontro, desatando a ira do público francês e ganhando sua animosidade para o resto do campeonato. Mas a grande contenda política teve lugar poucos dias depois, no encontro de quartas de final entre os italianos e os anfitriões do torneio, os franceses.

Mussolini não havia deixado nada ao azar assim que, para o dia no qual tinham que enfrentar seus odiados adversários, os italianos apareceriam com uns uniformes negros, em homenagem aos "camisas negras", a força paramilitar do partido fascista. O desafio, ante 61.000 espectadores franceses, e algum ou outro exilado italiano, foi total. Enfrentavam-se duas formas de ver o mundo, a fascista italiana e a República democrática francesa, num clima asfixiante que não tardaria em explodir. Quando os italianos chegaram ao centro do campo realizaram a saudação fascista, obtendo como resposta uma sonora vaia que não cessaria durante toda a partida. Apesar da pressão do público, a Itália voltaria a conseguir a vitória com um resultado de três a um.

A seleção italiana, de negro, saúda de braço erguido
Depois de vencer os brasileiros em uma das semifinais, enfrentariam na grande final a Hungria, a qual venceriam por quatro a dois, com gols duplos de Piola e Colaussi, no estádio de Colombes de Paris. Os italianos voltariam a jogar a partida com as camisas negras, símbolo de guerra do fáscio. Antes da partida, Vittorio Pozzo recebeu um telegrama pessoal por parte do Duce que rezava assim: "Vincere o morir", vencer ou morrer.

Depois de duas vitórias consecutivas na Copa do Mundo da FIFA, a Itália de Pozzo entraria para a história do futebol como uma das melhores seleções nacionais de todos os tempos. A Segunda Guerra Mundial acabaria com o reinado desta equipe, e com os mundiais durante 12 anos privando a uma grande geração de futebolistas a seguir desfrutando o que mais amavam, o futebol, e iniciando uma nova etapa na história deste esporte que, também veria como outros regimes de diversas índoles tratariam de usar a bola para seus interesses políticos. E assim, até o dia de hoje...

A seleção italiana celebra o Mundial sobre o terreno do jogo. Foto: FIFA.com
Publicado por Cristóbal Villalobos

Fonte: Jotdown site (Espanha)
http://www.jotdown.es/2013/08/futbol-y-fascismo-los-mundiales-de-mussolini-y-hitler/
Título original: Fútbol y fascismo: los mundiales de Mussolini y Hitler
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen
Benito Bermejo

Prólogo de Javier Cercas. RBA. Barcelona, 2015. 267 páginas.

RAFAEL NUÑEZ FLORENCIO | 22/05/2015 | Edição impressa


As relações entre memória e história deram lugar nos últimos tempos a inflamados debates em muitos países. Se a controvérsia toma centro da chamada "memória histórica" - um oximoro, segundo reputados historiadores - as posições se fazem mais irredutíveis. Na Espanha a polêmica se concentra na repressão da guerra civil e no pós-guerra, mas não tem sido só uma discussão teórica ou acadêmica como mostram as disposições políticas adotadas sob o governo Zapatero e os diversos movimentos cidadãos que reivindicam a exumação de fossas comuns. Nesse ambiente pode se entender o impacto - não isento de ressentimentos e desaprovações - de uma obra inclassificável como "O impostor" (El impostor)), de Javier Cercas, que só de uma perspectiva modesta pode qualificá-la como novela.

Os leitores que conhecem o livro de Cercas sabem que de certo modo o personagem principal é o próprio autor, que se planta um desafio que, envolto em formas literárias, nada tem a ver com a ficção e sim muito com a maneira de recuperar o passado, real e conflitivo, que ainda gravita sobre nosso presente e nosso futuro. Do ponto de vista narrativo o protagonista do livro de Cercas é Enric Marco, mas este não tinha importância alguma nesse contexto senão fora porque foi desmascarado como impostor por alguém que toma a iniciativa de encaixar as peças do passado buscando algo tão sensível mas tão desacreditado nesses "tempos líquidos" como a verdade. Esse alguém é um modesto historiador chamado Benito Bermejo (Salamanca, 1963) que, paradoxo do mundo que vivemos e das promoções publicitárias, adquire por ele uma inesperada relevância. Até tal ponto que se reedita agora - com prólogo de Cercas - um velho livro seu de 2002, que havia passado inadvertido em seu momento, sobre um dos espanhóis de Mauthausen, Francisco Boix (1920-1951).

Se bem é verdade que a editora aposta agora no livro de Bermejo e os meios lhe prestam a atenção que antes negaram, não é menos certo - u deve ficar claro num exame crítico - que o volume que nos ocupa é um trabalho excelente que mostra sem veladuras o horror do campo de concentração no qual foram parar (e, numa porcentagem elevadíssima, a morrer) a maioria dos espanhóis que haviam atravessado os Pirineus depois da guerra civil. Para dissecar este aterrador panorama o autor põe seu foco de atenção nas andanças de Boix, de maneira que o volume pode ser lido ao mesmo tempo como uma biografia da curta trajetória deste fotógrafo catalão, um testemunho das personalidades que sofreram os reclusos (não só os espanhóis) e uma denúncia detalhada da crueldade da maquinária nazi.

Ainda que a fotografia pareça ser mero completo documental, neste caso e por tudo o que foi dito não deve se deixar num segundo plano, pois constitui o material mesmo que está na origem e no núcleo do testemunho histórico. Além disso, frente a outras fontes documentais, a fotografia (sobretudo quando falamos de milhares de fotos, como aqui sucede) nos mostra uma realidade que dificilmente se presta a interpretações interessadas e muito menos a banalizações. O horror em estado puro que se mostra nestas páginas está desnudo, como os esqueletos viventes, os olhos aterrorizados, os corpos exânimes empilhados para a incineração. Ainda que pareça incrível, a totalidade dos testemunhos da vida (o conceito é aqui um sarcasmo) no campo procede dos próprios guardas nazistas. Os carrascos, longe de esconder as serviçais realizaram milhares de instantâneas dos prisioneiros, das atrocidades e das mortes. O que fez Boix, pondo em risco seu status de privilegiado em Mauthausen, foi subtrair parte dessas fotografias (cerca de 20.000, ainda que se conservam muito menos) para que servissem de acusação. De fato, em Foix declarou nos processos contra os criminosos nazis de Nuremberg e Dachau por esses testemunhos. Parte dessas manifestações aparecem no livro.

Quando chegou a derrota alemã, Boix passou de ladrão de fotografias alheias a repórter gráfico da libertação. Com as fotos salvas clandestinamente da destruição e as tomadas por ele mesmo, documenta-se este magnífico volume, exemplo palpável de como é possível conjugar harmonicamente a recuperação da memória com o rigor historiográfico.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.com/revista/letras/El-fotografo-del-horror-La-historia-de-Francisco-Boix-y-las-fotos-robadas-a-las-SS-en-Mauthausen/36502
Título original: El fotógrafo del horror. La historia de Francisco Boix y las fotos robadas a las SS en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

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