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quarta-feira, 21 de junho de 2017

Morre o historiador e hispanista britânico Hugh Thomas

Desde 1994 era membro da "Real Academia de la Historia"
e em 2001 recebeu a "Gran Cruz de la Orden
de Isabel la Católica"
O historiador e hispanista bitânico Hugh Thomas faleceu este domingo em sua casa emn Londres, aos 85 anos, segundo informou o diário 'ABC', com o qual colaborava.

Thomas, nasceu na cidade de Windsor em 1931 e foi educado nas universidades de Cambridge (Reino Unido) e Sorbone (Paris), escreveu duas dezenas de obras, entre as que destacam "El Imperio español, de Colón a Magallanes" (O Império espanhol, de Colombo a Magalhães), "La conquista de México" (A conquista do México), "El Imperio español de Carlos V" (O Império espanhol de Carlos V) e "El señor del mundo: Felipe II y su imperio" (O senhor do mundo: Felipe II e seu império). Contudo, na Espanha é conhecido principalmente por conta de "La Guerra Civil Española" (A Guerra Civil espanhola), publicado pela primeira vez em 1961, revisada pela última vez em 2011 e traduzida para 15 idiomas.

Desde 1994 era membro da Real Academia de la Historia e em 2001 recebeu a "Gran Cruz de la Orden de Isabel la Católica". Também era, desde 2013, membro da "Real Academia Sevillana de Buenas Letras" e em 2014 recebeu a Gran Cruz de la Orden de Alfonso X el Sabio".

Europa Press

Fonte: Público (Espanha)
http://www.publico.es/culturas/muere-historiador-e-hispanista-britanico.html
Tradução: Roberto Lucena

Observação: pra não passar em branco, uma vez que não foi possível publicar na ocasião, há mais de um mês atrás. O livro "A guerra civil espanhola" foi lançado no Brasil décadas atrás, é razoavelmente conhecido (do público que lê sobre segunda guerra). Não lembro se o livro foi relançado.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Alguns heróis ciganos

O povo romani reivindica referências como o boxeador Johan Trollmann, o ilustrador Helios Gómez ou o líder anarquista Mariano Rodríguez Vázquez

Da esquerda para a direita, o líder da CNT Mariano Rodríguez Vázquez,
o grafista Helios Gómez, e o boxeador Johan Trollmann.
Jóvenes gitanos plantan cara al antigitanismo
HELENA LÓPEZ / BARCELONA

Quinta-feira, 8 de dezembro de 2016 - 17:18 CET

Johan Trollmann (1907-1944), conhecido como Rukeli, foi campeão nacional de boxe na Alemanha de 1933, ano em que Hitler ascendeu ao poder. Não é estranho dizer, pois, que oito dias depois, os nazis retiraram o título alegando "falta de nível". O Terceiro Reich não podia aceitar exaltar a um cigano. Um jovem como Rukeli, nas antípodas do modelo ariano que o nazismo pretendia impor. Não só por sua tez morena e sua frondosa mata de cabelo azeviche, senão também por seu característico estilo dançarino sobre o quadrilátero, muito longe do duro 'estilo alemão'. Saltos ágeis e muito efetivos que, contam, tiravam os nazis do sério. Assim que, não sendo bastante lhe retirar o título de campeão, ameaçaram-no em lhe negar também a licença para seguir competindo a nível profissional se não deixasse de "dançar" enquanto lutava.

A seguinte peleja que ele participou acudiu depois de terem tirado seu título, Rukeli, desafiante, subiu ao ringue com o cabelo tingindo de ruivo e o rosto polvilhado de branco (algumas versões dizem que com farinha, outras, que com pó de talco). Com a rebeldia própria de sua condição cigana, Rukeli fez caso e, por uma vez, não dançou. Ficou no centro do ringue coberto em pó branco sem mover as pernas até que foi nocauteado no quinto assalto; tudo dignamente. Ali terminou sua carreira, mas esse gesto de galhardia lhe converteu em um herói para o povo cigano. Um gesto simples mas estoico com o qual ridicularizou a todo um regime racista, que acabou o encarcerando em um campo de trabalho forçado.

ASSOCIAÇÃO CULTURAL HELIOS GÓMEZ
Os anjos negros da 'Capela cigana' da Modelo,
pintados por Helios Gómez na prisão
Histórias como a de Rukeli, ainda referência, são as que os jovens ciganos não só daqui, senão de meia Europa, reivindicam, fazendo pressão tanto a seus governos locais como através das poderosas redes sociais para lhes fazer justiça.

ARTISTA INTERNACIONAL

Em Barcelona também há heróis ciganos com histórias muito desconhecidas, pese o impacto que deixam em quem as descobre (algo que se sente difícil, já que a história do povo cigano não é estudada nos colégios). É o caso de Helios Gómez (1905-1956), autor da 'Capela cigana' (Link2) de 'La Modelo', ainda tapada sob uma capa de cal em uma habitação fechada. Rebelde como Rukeli, Gómez foi anarquista, comunista e de novo anarquista, segundo desencadeou em decepções. Preso em incontáveis ocasiões por sua ideologia, o ilustrador foi 'convidado' pelo cura do cárcere pra que desenhasse em uma das paredes da cela um fresco da Virgem das Mercês (Barcelona). Também ao melhor estilo Rukeli, Gómez - que fora proibido de pintar entre grades - concordou, mas o fez, como não, a sua maneira. Pintou uma Virgem e um menino Jesus rasgos inequivocamente ciganos, acompanhados por uns anjos negros de Machín que acabaram se convertendo em um apelo contra o regime.

O filho de Helios, Gabriel, passa anos trabalhando na associação cultural que leva o nome de seu pai para restituir a memória do ilustrador, grafista e poeta e de "todos os que, como ele, lutaram pela liberdade".

Outra figura cigana muito reivindica, também rebelde e anarquista, é Mariano Rodríguez Vázquez, 'Marianet'. Secretário Regional da Catalunha e da CNT entre novembro de 1936 e junho de 1939, "desempenhou um papel decisivo no futuro anarcosindicalista e na vida política e social da guerra civil espanhola", segundo a Wikipedia. Urge que as petições do coletivo de que se estude e documente a fundo sua história sejam escutadas para poder ir mais além da enciclopédia livre.

Fonte: El Periódico, Barcelona (Espanha)
http://www.elperiodico.com/es/noticias/barcelona/algunos-heroes-gitanos-5674253
Título original: Algunos héroes gitanos
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Paul Preston publica "A destruição da democracia na Espanha" (1978)

Entrevista com o historiador britânico (jornal El País)
Juan Cruz; 9 JUN 1978

Paul Preston, historiador britânico especializado em questões espanholas, apresenta hoje no hotel Princesa Plaza, de Madrid, sua última obra, "A destruição da democracia na Espanha" (La destrucción de la democracia en España), que será comentada no citado ato pelo líder socialista Felipe González. O livro, subintitulado como "Reacción, reforma y revolución en la Segunda República" (Reação, reforma e revolução na Segunda República), foi traduzido por Jerónimo Gonzalo e editado por Turner.

Na atualidade, o professor Preston ensina na Queen Mary College, da Universidade de Londres. Estudou sua especialidade - História Moderna - na Universidade de Oxford e agora prepara um amplo estudo sobre a resistência da esquerda espanhola ao franquismo. A destruição da democracia na Espanha, diz Paul Presto, foi para mim a obra mais importante entra as que escrevi. Nasce na realidade da tese doutoral que apresentei em Oxford sobre as conspirações monárquicas contra a República espanhola. Depois de muito trabalho, dei-me conta de que o assalto direitista contra a República não provinha somente dos grupos violentos. Havia dois assaltos direitistas. Um era violento, na realidade, e tinha como fim o estabelecimento por armas de um Estado corporativista autoritário".

"A outra ofensiva direitista contra a República seguiu uma tática legalista para destruir o regime democrático imperante. Ao terminar minha investigação me dediquei a analisar os grupos legalistas de direita, desde a CEDA aos radicais do sul da Espanha. Estudadas as atividades desses grupos, observei o impacto que tais atividades tinham na esquerda de então".

O livro serviu a Paul Preston para concretar as causas determinantes da guerra civil e para fazer um exame amplo da oligarquia espanhola. Esta investigação, além disso, resultou-lhe especialmente útil para seus trabalhos sobre o franquismo. Prova disto é que o livro "Spain in crisis" (Espanha em crise), cuja preparação ele dirigiu e que foi publicada na Inglaterra há dois anos. A edição espanhola está próxima. Na Itália ele já foi publicado.

"Da preparação da minha tese e de minha simpatia pela causa republicana nasceu também meu estudo sobre a esquerda espanhola e sua resistência ao franquismo. Neste volume, que agora preparo, faz-se especial fincar pé no papel que teve o Partido Comunista nessa atitude de resistência".

Paul Preston, que viveu a época republicana só como historiador - agora tem algo mais de trinta anos -, estima que "há implicações claras neste livro para a atualidade", ainda que matiza seu critério.

"A Espanha dos anos trinta - diz o professor Preston - era um país fundamentalmente agrário. Ante essas estruturas, o Partido Socialista e o de Esquerda Democrática tentaram fazer reformas básicas, humanitárias, para melhorar a situação cotidiana dos mais frágeis. Esses intentos reformistas repercutiram logo numa direita latifundiária agressiva e selvagem, que provocou reações muito violentas. Agora a situação econômica mudou de modo radical. Ainda assim, segue havendo uma esquerda - o Partido Comunista e o Partido Socialista - que volta a se plantar a tarefa de fazer reformas básicas, depois do estabelecimento da democracia burguesa, que para a esquerda é o contexto mais adequado para chegar a outras formas de sociedade, também democráticas, mas socialistas".

"Se os intentos reformistas se produziram agora", diz o professor Preston, "quando existe uma profunda crise econômica, poderiam provocar reações fascistas ou autoritárias, similares àquelas que produziria um revolucionarismo aberto. Essa é a situação que devem ter em conta o socialismo e o eurocomunismo na circunstância espanhola".

* Este artigo apareceu na edição impressa de Sexta-Feira, 9 de junho de 1978

Fonte: versão original (castelhana) do El País (até o momento este texto não saiu na "versão" brasileira deste jornal, por isso tomei a liberdade de traduzir)
http://elpais.com/diario/1978/06/09/cultura/266191209_850215.html
Título original: Paul Preston publica "La destrucción de la democracia en España"
Tradução: Roberto Lucena
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Observação 1: este texto estava arquivado há algum tempo (é um texto originalmente de 1978), e infelizmente tem muita coisa em comum com o que se passa no Brasil atualmente. Aos que acham que este golpe branco pode acabar em pouco tempo, a ditadura de Franco durou décadas com um legado de atraso (retrocesso) pesado pra Espanha, só superado (em parte) por uma coincidência conjuntural de terem entrado pra futura União Europeia.
Tem muito "idealista" tosco no Brasil, que acredita em qualquer asneira de "mudança pela mudança" (sem base real pra isso), principalmente na extrema-esquerda (tem uma extrema-esquerda ligada ao PSOL e cia que são incrivelmente ridículos e débeis, liberais mal assumidos) e que vai mudar subestimando as forças políticas fortes e retrógradas do Estado brasileiro. Por conta destas cretinices (a principal delas, mas não a única, aquelas marchas de 2013) o país se vê mergulhado numa encruzilhada política (eu iria comentar isso em outro post mas como este texto tem muito a ver com o presente do país, antecipei algo aqui).

"Ah, mas o golpe não vai sobrar pra mim"... rs, vai sim, tolinho (a), rs. Ninguém brinca de "revolucionário de araque" num país com uma direita arcaica, primitiva, vendepátria e truculenta como esta e sai impune disso. Julgam-se espertos? Pode sempre haver um (uns) mais que vocês, guardem isso como "lição política". Da próxima, quando forem brincar de "política", levem a coisa mais a sério e façam menos "cirandas" (o adjetivo "cirandeiro", de quem dança ciranda, é associado ao PSOL e seus espetáculos públicos ridículos, ou a uma esquerda dita "pós-moderna" com agenda política totalmente vazia e que adora espetacularizar tudo, só que pra tudo há limite, até pra espetáculos/performances teatrais pueris). Os caras ainda conseguiram avacalhar uma dança típico do meu estado com essa associação "macabra".

Observação 2: à turma "crítica" (entre aspas) ao blog (tem aparecido uns chiando nos textos críticos à doutrinação mofada e datada da guerra fria das tais olavetes golpistas apoiadoras de Temer e cia, com a falta de educação habitual, "cheios de si"), não adianta espernear comigo, eu não sigo essa postura "tanga frouxa" do PT ou de uma certa "esquerda cagona" do país ("cagão/cagona" é o mesmo que "frouxo/frouxa", neste sentido, principalmente a de alguns estados do país, ressalto isso pois muita gente de fora do Brasil lê este blog e pode não estar familiarizados com essas expressões do país), nem tenho medo de cara feia (como dizem na minha terra, "cara feia é fome"), se for discutir, discutam a sério, se quiserem brincar, eu também brinco (aponto os erros das bobagens que comentam) e não tenho obrigação de ser "educado" com gente mal educada, tampouco tenho paciência com gente "assim". A "tolerância" pós-golpe com essa "direita excêntrica liberal autoritária" do país, que já não era boa, ficou muito pior. Parece que não adianta avisar uma vez ou duas, sempre esse pessoal quer encher o saco e acaba tomando uma "entrada de sola" (gíria de futebol). O problema é que é estupidez "bater boca" com gente estúpida demais, e isso enche o saco, daí o aviso. Não creio que há mais espaço pra esse comportamento infantil demais desses grupos abobalhados que avacalharam o país por ignorância política aguda.

Caso alguém se incomode com o pessoal do blog ter posicionamento político, não posso fazer absolutamente nada em relação a isso (e nem quero). Todo mundo tem direito de ter o seu, mesmo que este governo ilegítimo - colocado de forma ilegítima no poder por um bando de imbecis e uma emissora golpista e mentirosa - queiram tentar silenciar quem discorde deles, não irão conseguir calar todo mundo, nunca.

Cansei de discutir com gente enviesada (politicamente) até o talo (muitos de direita, que adoravam posar de "moderados" sem ser) achando que os outros não têm direito de ter suas posições, foro o arsenal de idiotices que comentavam. Por muito tempo evitei colocar posicionamentos mais ligados ao presente (exceto o do cenário da extrema-direita de cunho fascista, literalmente), mas uma vez que o radicalismo só aumentou no país (principalmente pelo lado da direita neoliberal e entreguista), não vejo motivo algum com esse "excesso de respeito" com quem apoia isto, até porque há que frisar o seguinte: esta direita neoliberal do país sempre foi autoritária, arcaica e entreguista (contra o país) e não conseguirão impor um regime neoliberal no país sem provocar um conflito civil de graves proporções. Não venham até mim dizer como pensar, eu nunca disse a ninguém como agir e isso é uma via de mão-dupla.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Os árabes que lutaram contra Franco

O jornalista palestino Najati Sidki
Um documentário resgata do esquecimento os mais de mil árabes que se juntaram ao grupo republicano e reivindica sua memória frente às tropas moras de Franco.

O filme, em sua fase final de produção, reconstrói os passos de um palestino que pagou sua luta na Espanha com o desterro e a dispersão familiar

FRANCISCO CARRIÓNEl; Cairo
fcarrionmolina
02/05/2016 19:45

"Vim defender a liberdade no Front de Madrid. Para defender Damasco em Guadalajara, Jerusalém em Córdoba, Bagdá em Toledo, o Cairo em Cádis e Tetuão em Burgos". O jornalista Najati Sidki, palestino e comunista, desembarcou na Espanha de 1936 com a determinação de lutar contra Franco e suas tropas mouras. Sua vida, marcada também pela II Guerra Mundial e pela tragédia do povo palestino, centra agora um documentário que trata de resgatar do esquecimento as centenas de árabes que se juntaram ao grupo republicano.

A cineasta egípcia Amal Ramsis (Cairo, 1972) chegou até Sidki "por pura casualidade" depois de uma longa e frequentemente infrutuosa pesquisa que começou mais de uma década. "Li um artigo sobre a participação árabe na Guerra Civil e comecei a puxar o fio. Saíram muitos nomes, datas e lugares de chegada mas me faltava uma história que proporcionasse um enfoque pessoal", relata ao EL MUNDO Ramsis a partir de um restaurante central do Cairo. E então se fez a luz. "Em 2008 topei com as memórias de Sidki e encontrei o rosto que necessitava pra história".

Em plena ensambladura, o documentário "You come from far away" ("Vim de longe", em espanhol) reconstrói os passos do intelectual e secretário do Partido Comunista Palestino desde sua viagem à península ibérica em 1936 e oferece testemunho de uma realidade desconhecida, sepultada pela terrível recordação dos soldados marroquinos do exército da África que Franco somou a sua sublevação. "Sidki tentou dirigir-se a eles. Baixou no Front de Córdoba e lhes pediu que se unissem ao bando republicano. Poucos lhe escutaram e os que o fizeram não foram bem recebidos", reconhece Ramsis, autora de documentários como "Vida" (2008), "Proibido" (2011) e "O rastro da mariposa" (2014).

"Cheguei - escreve Sidki em suas memórias - à bela e espetacular Barcelona, capital da Catalunha. Comecei a passear por suas amplas avenidas. De repente, encontrei-me com um grupo de milicianos. Seu chefe, achando que eu fosse espanhol, aproximou-se e me disse em castelhano: "Por que não te unes a nós?" Sorrindo lhe repliquei em francês: "Sou um voluntário árabe e vim defender a liberdade no front de Madrid. Para defender Damasco em Guadalajara, Jerusalém em Córdoba, Bagdá em Toledo, o Cairo em Cádis e Tetuão em Burgos".

Najati Sidki, com suas duas filhas
O jornalista - o nome que pôs voz aos alistados árabes que se juntaram a outros milhares de brigadistas estrangeiros que participaram em uma contenda alheia - sobreviveu à derrota e teve duas filhas que hoje são as testamenteiras de sua memória. "Cheguei até Hind, sua filha mais nova que vive na Grécia, e me dei conta de que o testemunho era maior do que havia imaginado. A família de Sidki condensa a história do último século, desde a Nakba (a catástrofe que em 1948 se supõe o exílio forçado de ao menos 750.000 palestinos de suas terras) passando pela II Guerra Mundial ou a guerra civil libanesa", detalha a ditadura do filme.

Alcançada pela ladainha de acontecimentos históricos que desfilaram pelo século XX, a tragédia familiar de Sidki havia permanecido até agora escondida. "Nem sequer fora escrita. Este documentário supõe também um descobrimento dessa vida marcada pelo contexto político espanhol", argui Ramsis. Perdida toda a esperança de defender a República, Sidki teve que fazer frente a outro afundamento. Sua filha Dulia, nascida três anos antes do início da refrega, cresceu em Moscou aleijada de sua família. Durante mais de 20 anos o jornalista apenas teve notícias de sua primogênita.

"Sidki pagou assim não estar de acordo com a posição do Partido Comunista Espanhol a respeito do colonialismo no norte da África", desvela a documentarista. "Ele era, acima de tudo, uma mente livre. Fez pública sua opinião e foi castigado por isso. Expulsaram-lhe do partido e jamais regressou à Rússia. Sua filha mais velha não pode abandonar Moscou e só voltaram a se ver décadas depois em Beirute, que chegou depois de deixar a Palestina em 1948 e onde viveu até a guerra civil. Terminou morrendo na Grécia junto de sua filha mais nova", acrescenta Ramsis.

O documentário reúne o relato das duas irmãs em um contra-relógio contra o esquecimento. "Filmei material durante anos. Pesquisei o fenômeno com uma ajuda da fundação Euroárabe em Granada e deixei congelado o projeto durante a revolução egípcia. O ano passado recebi uma chamada da filha mais nova de Sidki. Disse-me: "Se quer terminar esta história, tens que ir à Moscou de imediato porque minha irmã está perdendo a memória", evoca a cineasta. Na capital da extinta União Soviética se fechou o círculo. "É a vítima de toda a história. A que viveu o desarraigamento e a que tem identidade mista", admite Ramsis. Dulia, com 83 primaveras, e nem sequer balbucia o árabe.

Dulia, a filha mais velha de Najati Sidki
As vicissitudes de Sidki e de seus descendentes são só um fragmento de uma crônica alinhavada por mais de mil árabes chegados da Argélia, Líbano, Marrocos, Arábia Saudita, Egito ou Iraque que entrelaçaram suas vidas ao cruel destino das duas Espanhas. Alguns caíram em combate, outros desapareceram e outros tantos regressaram a sua terra nativa. A todos lhes venceu a desmemória que ditaram quatro décadas de ditadura. "Há uma anedota sobre esta participação árabe. Em 2003 quando um grupo de espanhóis partiu até Bagdá para mostrar sua solidariedade com o povo iraquiano, desconheciam que havia iraquianos entre aqueles que defenderam a República espanhola", indica a realizadora. O filme, terminado na metade dos clarões dos refugiados que chegam às portas da Europa, também convida à reflexão.

"Sidki e seus camaradas árabes não vieram como refugiados. Não vieram para solicitar asilo senão para apoiar os europeus em sua luta contra o fascismo. Para aqueles as fronteiras estavam abertas para todo o mundo. Não é só um documentário que trata de história passada senão que quer falar do significado das fronteiras antes e agora e lutar contra os estereótipos que se associam ao mundo árabe. Esses rostos demonstram que há gente que não pensava na religião e que tratavam de fazer um mundo melhor. A solidariedade com o povo espanhol também serviu para a liberação dos árabes", conclui Ramsis.

Fonte: El Mundo (Espanha)
http://www.elmundo.es/cultura/2016/05/02/57278d0d22601d95368b4670.html
Título original: Los árabes que lucharon contra Franco
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Paul Preston: "Franco pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico"

O historiador e hispanista britânico (d), conversa com o reitor da Universidade de Estremadura, Segundo Píriz (i),
e com o presidente estremenho, Guillermo Fernández Vara (c), antes de ser investido Doutor Honoris Causa
num ato celebrado na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Estremadura. EFE/Esteban Martinena

CÁCERES.- O historiador e hispanista britânico Paul Preston foi investido como doctor honoris causa pela Universidade de Estremadura, onde afirmou que o ditador tinha "aspectos bastante cômicos", como o fato de que acreditava que "Paulo VI era um bolchevique".

"Pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico, que não se sabia se estava na Lua ou debaixo do Atlântico", acrescentou em tom irônico durante sua conferência como doutor honoris causa pela Universidade estremenha (Uex).

Ante um abarrotado Paraninfo da Faculdade de Filosofia e Letras, no Campus de Cáceres, Preston recorreu a sua vinculação com a Espanha e com sua história, entre a que se situa a biografia que elaborou sob o título "Franco: Caudillo de España" ("Franco: Caudilho da Espanha").

Relatou que quando recebeu o encargo desta obra, tinha "a impressão de que a figura de Franco era tão tediosa, tão odiosa", que não lhe interessaria". Contudo, uma vez iniciada, se "enganchou", pois, entre outros motivos, "Franco era, pessoalmente falando, um enigma mas com aspectos bastante cômicos".

Seu discurso, seguido pelo reitor da UEx, Segundo Píriz, e o presidente da Junta de Estremadura, Guillermo Fernández Vara, entre outras autoridades, também serviu para conhecer sua relação com Estremadura, "uma terra" com a qual mantém "importantes laços pessoais e profissionais".
"Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol"
De fato, sua relação com a Espanha começou nos fins dos anos 60, e "minha primeira viagem - revelou - foi a esta terra". Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol", afirmou o historiador londrino, a quem em seu começo como historiador decidiu aproximar seus interesses pela Segunda Guerra Mundial pelo da Guerra Civil espanhola, a mercê do trabalho do professor Hugh Thomas.

"Pareceu-me mais fascinante" que qualquer outro tema que até então havia estudado, acrescentou, e que desvelou que o sentido do humor dos espanhóis e sua gastronomia foram elementos que influíram na hora de adentrar na História da Espanha.

Desde um prisma acadêmico, Presto assegurou que a UEx goza de uma "muito merecida e crescente reputação internacional, pelo qual é um privilégio poder se considerar uma pequena parte dela".

Píriz destacou a trajetória acadêmica "sólida e excelsa" de Preston, cuja obra qualificou como "extensa, profunda, influente e sugestiva". "Repassa de maneira crítica e fundada o devir de todo um século da vida na Espanha", acrescentou.

Na sua concepção, "os espanhóis de hoje estão em dúvida com seu retrato de nosso imediato passado". Também o presidente estremenho disse palavras de elogio para Preston, "um mestre dos historiadores", um conhecedor "dos sofrimentos desta terra e também os esforços que se há feito por aqui pela recuperação da memória histórica". "Estamos convencidos de que a melhor maneira de recuperar a história é contá-la", acrescentou Vara.

Fonte: Público/EFE (Espanha)
http://www.publico.es/politica/preston-franco-pensaba-mundo-regido.html
Título original: Preston: "Franco pensaba que el mundo estaba regido por un superestado masónico"
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen
Benito Bermejo

Prólogo de Javier Cercas. RBA. Barcelona, 2015. 267 páginas.

RAFAEL NUÑEZ FLORENCIO | 22/05/2015 | Edição impressa


As relações entre memória e história deram lugar nos últimos tempos a inflamados debates em muitos países. Se a controvérsia toma centro da chamada "memória histórica" - um oximoro, segundo reputados historiadores - as posições se fazem mais irredutíveis. Na Espanha a polêmica se concentra na repressão da guerra civil e no pós-guerra, mas não tem sido só uma discussão teórica ou acadêmica como mostram as disposições políticas adotadas sob o governo Zapatero e os diversos movimentos cidadãos que reivindicam a exumação de fossas comuns. Nesse ambiente pode se entender o impacto - não isento de ressentimentos e desaprovações - de uma obra inclassificável como "O impostor" (El impostor)), de Javier Cercas, que só de uma perspectiva modesta pode qualificá-la como novela.

Os leitores que conhecem o livro de Cercas sabem que de certo modo o personagem principal é o próprio autor, que se planta um desafio que, envolto em formas literárias, nada tem a ver com a ficção e sim muito com a maneira de recuperar o passado, real e conflitivo, que ainda gravita sobre nosso presente e nosso futuro. Do ponto de vista narrativo o protagonista do livro de Cercas é Enric Marco, mas este não tinha importância alguma nesse contexto senão fora porque foi desmascarado como impostor por alguém que toma a iniciativa de encaixar as peças do passado buscando algo tão sensível mas tão desacreditado nesses "tempos líquidos" como a verdade. Esse alguém é um modesto historiador chamado Benito Bermejo (Salamanca, 1963) que, paradoxo do mundo que vivemos e das promoções publicitárias, adquire por ele uma inesperada relevância. Até tal ponto que se reedita agora - com prólogo de Cercas - um velho livro seu de 2002, que havia passado inadvertido em seu momento, sobre um dos espanhóis de Mauthausen, Francisco Boix (1920-1951).

Se bem é verdade que a editora aposta agora no livro de Bermejo e os meios lhe prestam a atenção que antes negaram, não é menos certo - u deve ficar claro num exame crítico - que o volume que nos ocupa é um trabalho excelente que mostra sem veladuras o horror do campo de concentração no qual foram parar (e, numa porcentagem elevadíssima, a morrer) a maioria dos espanhóis que haviam atravessado os Pirineus depois da guerra civil. Para dissecar este aterrador panorama o autor põe seu foco de atenção nas andanças de Boix, de maneira que o volume pode ser lido ao mesmo tempo como uma biografia da curta trajetória deste fotógrafo catalão, um testemunho das personalidades que sofreram os reclusos (não só os espanhóis) e uma denúncia detalhada da crueldade da maquinária nazi.

Ainda que a fotografia pareça ser mero completo documental, neste caso e por tudo o que foi dito não deve se deixar num segundo plano, pois constitui o material mesmo que está na origem e no núcleo do testemunho histórico. Além disso, frente a outras fontes documentais, a fotografia (sobretudo quando falamos de milhares de fotos, como aqui sucede) nos mostra uma realidade que dificilmente se presta a interpretações interessadas e muito menos a banalizações. O horror em estado puro que se mostra nestas páginas está desnudo, como os esqueletos viventes, os olhos aterrorizados, os corpos exânimes empilhados para a incineração. Ainda que pareça incrível, a totalidade dos testemunhos da vida (o conceito é aqui um sarcasmo) no campo procede dos próprios guardas nazistas. Os carrascos, longe de esconder as serviçais realizaram milhares de instantâneas dos prisioneiros, das atrocidades e das mortes. O que fez Boix, pondo em risco seu status de privilegiado em Mauthausen, foi subtrair parte dessas fotografias (cerca de 20.000, ainda que se conservam muito menos) para que servissem de acusação. De fato, em Foix declarou nos processos contra os criminosos nazis de Nuremberg e Dachau por esses testemunhos. Parte dessas manifestações aparecem no livro.

Quando chegou a derrota alemã, Boix passou de ladrão de fotografias alheias a repórter gráfico da libertação. Com as fotos salvas clandestinamente da destruição e as tomadas por ele mesmo, documenta-se este magnífico volume, exemplo palpável de como é possível conjugar harmonicamente a recuperação da memória com o rigor historiográfico.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.com/revista/letras/El-fotografo-del-horror-La-historia-de-Francisco-Boix-y-las-fotos-robadas-a-las-SS-en-Mauthausen/36502
Título original: El fotógrafo del horror. La historia de Francisco Boix y las fotos robadas a las SS en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

sábado, 23 de maio de 2015

O espanhol que se dizia sobrevivente do Holocausto, mas foi desmascarado

Enric Marco nunca lutou contra o fascismo; pelo contrário, ele se inscreveu
como trabalhador voluntário na Alemanha nazista
Dos 7.532 espanhóis mantidos no campo de concentração nazista de Mauthausen (Áustria), só 2.335 sobreviveram.

Nesta terça-feira, completam-se 70 anos da liberação desses sobreviventes, uma data particularmente especial para a Espanha. Foi ali que terminaram a maioria dos 9 mil espanhóis deportados.

No entanto, a memória deles correu o risco de ser distorcida. Tudo devido a um impostor, Enric Marco, que até dez anos atrás foi presidente da principal associação de vítimas do nazismo na Espanha, a Amical Mauthausen.
Discurso de impacto

O historiador madrilenho Benito Bermejo, especialista em deportados da Espanha, interessou-se por Marco depois de conhecê-lo em uma conferência em 2002 – e achou a história dele muito intrigante.

Enric Marco contava que havia sido preso em Flossenbuerg, um campo de concentração na Baviera (Alemanha) e um destino atípico para um deportado espanhol.

Bermejo leu tudo o que pôde encontrar sobre o passado de Marco, a partir da versão deste - de que havia sido um anarquista obrigado a fugir de Barcelona, sua cidade natal, para a França no fim da Guerra Civil Espanhola (1936-39).

"Eu estava curioso, interessado em descobrir mais, mas logo fiquei perplexo", conta Bermejo à BBC.

"A versão de Marco para os acontecimentos mudava a cada vez que ele contava. Tanto sobre o campo de concentração quanto sobre como havia chegado ali."

Benito Bermejo também achou misterioso que nas poucas ocasiões que conseguiu falar com Marco cara a cara, ele se recusou a contar suas experiências na Alemanha nazista.

Enric Marco tem 94 anos e não se arrepende de ter mentido sobre sua presença no campo de concentração
Como presidente da Amical Mauthausen, Marco mostrou uma predileção por discursos de grande impacto, cheios de detalhes horríveis de sua suposta vida em Flossenbuerg.

Deixou vários deputados chorando ao se dirigir a eles no Dia Internacional da Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto, em janeiro de 2005.

Desmascarado

Buscando no arquivo do Ministério das Relações Exteriores, o historiador encontrou uma solicitação oficial do comando do Exército na Catalunha para obter informações sobre o paradeiro de Marco, já que ele não havia se apresentado para o serviço militar obrigatório em 1943.

O ministério respondeu que Marco era empregado de um estaleiro naval de Deutsche Werke, em Kiel, no norte da Alemanha.

Longe da luta contra o fascismo, Marco na verdade fez parte dos 20 mil espanhóis que trabalhavam para o Terceiro Reich sob um acordo de 1941 entre o general espanhol Francisco Franco e Adolf Hitler.

"Quando soube que Marco não foi deportado, e sim que foi à Alemanha voluntariamente, vi que algo muito estranho estava acontecendo", disse Bermejo.

Mas ele ainda tinha dúvidas quanto um possível engano de Marco, já que alguns trabalhadores voluntários que tiveram problemas com o regime nazista terminaram em campos de concentração.

Durante meses, o historiador buscou uma explicação de Marco.

Descobriu que Marco fora preso brevemente em Kiel, mas nunca foi condenado, e muito menos enviado a um campo de concentração.

Logo, durante o evento para comemorar o 60º aniversário da liberação do campo de Mauthausen, ele enviou um relatório sobre o caso ao escritório do governo espanhol e à associação Amical. E esperou.

"O que mais eu poderia fazer? Decidi que ir a público com o que eu sabia seria uma espécie de declaração de guerra e algo muito controverso naquele momento."

A caminho da Áustria, um dia antes da cerimônia de Mauthausen, Bermejo leu na imprensa que Marco havia tido que voltar à Barcelona por estar "indisposto". A farsa havia acabado.

O livro O Impostor, do escritor Javier Cercas, escrito com a colaboração de Marco, sugere que o próprio Marco foi confrontado por seus colegas da Amical a respeito das conclusões de Bermejo e confessou ter sido um voluntário do Terceiro Reich.

Perto do desastre

Marco finalmente admitiu abertamente que nunca havia estado em um campo de concentração. Passou a argumentar que foi preso brevemente "sob acusação de conspiração contra o Terceiro Reich" mas nunca foi liberado pelas tropas aliadas - como contava anteriormente - em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial.

Aos 94 anos, não se arrependeu publicamente da mentira que contou por três décadas, alegando que o objetivo era manter viva a memória das vítimas espanholas de Hitler.

Marco ia participar de Comemoração oficial com o então premiê Zapatero (à dir.), mas acabou desmascarado
"Quem teria me escutado se eu não tivesse encarnado esse personagem?", disse recentemente.

"É assustador pensar que se eu não o tivesse conhecido, as coisas poderiam ter sido muito diferentes", afirmou Bermejo.

Para José Marfil, também de 94 anos e um dos poucos sobreviventes espanhós reais do campo de Mauthausen, a luta para manter as memórias do local vivas deve continuar.

"Temos que fazer tudo o que for possível para manter a memória da existência desses campos de concentração viva para as pessoas, já que nós sobreviventes vamos desaparecer."

James Badcock, De Madri para a BBC
5 maio 2015

Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150505_espanhol_nazista_rm
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Observação: curioso que nos sites "revisionistas" (ao menos os lusófonos) esta matéria não tenha sido citada como "prova" da "não existência" do Holocausto (como eles costumam alegar) com o alarde de costume. Matéria recente, do mês de maio.

Críticas à parte ao já habitual 'mantra' "revi", a matéria destaca a importância dos pesquisadores que desbancaram essa fraude antes que os ditos negacionistas usassem o caso pra fazer o alarde habitual deles ignorando que, num evento deste porte, com a quantidade de pessoas envolvidas, pode haver impostores como o da matéria e outros casos recentes, por exemplo:
Caso Misha Defonseca. Mulher que inventou memórias do Holocausto condenada a devolver mais de 22 milhões de dólares
Livro que conta história falsa sobre o Holocausto causa polêmica nos EUA (Caso Herman Rosenblat)

Só que casos como este têm sido coisas pontuais, mas na narrativa negacionista o que é pontual vira "regra" em vez de exceção, pois a agenda política deles está acima do evento em si. Todos os três casos citados foram descobertos e denunciados.

Por essas e outras que vale a repetição do dito popular de que "de boas intenções o inferno está cheio", pois pessoas com supostas boas intenções (pelo menos alguns alegam) podem agir de má fé e provocar prejuízos.

Esses casos acima sempre me faz lembrar daquele pessoal "bem intencionado" (na visão deles, que ignoram totalmente o que os outros comentam ou criticam), misturando a questão de Israel com essa questão da segunda guerra, causam ao irem provocar "revisionistas" com discurso moralista achando, tolamente, que irão mudar a visão de mundo dos negacionistas sem entender o quão são arraigadas essas crenças obscuras nos "revis", ignorando a agenda fascista (na acepção do termo) por detrás do discurso.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O negro catalão que os nazis utilizaram como criado em Mauthausen

Carlos Greykey, catalão de pele negra,
foi utilizado como criado pelos
nazis (Wikimedia commons)
Chamava-se José Carlos Grey-Molay (ainda que anos depois mudou seu nome para Carlos Greykey) nasceu em 4 de julho de 1913 e vivia em Barcelona junto de seus pais, de origem africana e procedentes da Ilha de Fernando Poo, uma das colônias que a Espanha teve na África.

Isto lhe conferia ter todos os documentos como qualquer outro espanhol, já que os pais não eram considerados imigrantes, e o único fato que o diferenciava das demais crianças na escola, vizinhos ou companheiros (quando teve idade suficiente para trabalhar) foi sua cor de pele. Por demais, era um jovem esperto, inteligente, com um grande engenho e capacidade para aprender idiomas, dominando entre eles o alemão.

Também tinha um marcado compromisso político (catalanista, republicano e de esquerda), daí até o estouro da Guerra Civil (que o impediu de terminar seus estudos de medicina) decidisse combater no grupo republicano e ao finalizar o conflito bélico preferir se exilar e não viver sob a ditadura de Franco.

Mas sua chegada à França veio acompanhada do início de outra guerra: a II Guerra Mundial, pela qual seu espírito aventureiro o levou a se alistar no exército galo para combater a invasão nazi, mas em junho de 1941 foi preso e levado para o campo de concentração de Mauthausen.

Tudo parecia indicar que o final de Carlos seria trágico e que pouco tardaria para ir até as duchas com as quais os nazis gaseavam negros, ciganos, homossexuais e judeus, mas não foi assim, já que sua aberta forma de ser o levou a saber se relacionar com os oficiais de campo, que viam nele a alguém divertido, engenhoso e muito diferente do resto da gente de pele negra.

Por ter nacionalidade espanhola e ser republicano, classificaram-no como preso político, motivo pelo qual ele levava cosido em suas roupas um triângulo invertido de cor vermelha com o número 5124.

O domínio do idioma alemão, assim como o inglês e francês, fizeram que vissem em Carlos Greykey a alguém que podia ser muito útil como servente e camareiro dos oficiais, que se divertiam e davam umas boas risadas depois das engenhosas ideias que lhes dizia de forma divertida.

Em certa ocasião, um oficial que havia bebido demais e havia ficado embriagado, perguntou-lhe porque era negro, ao que Carlos respondeu "é que minha mãe esqueceu de me lavar". Como estas, eram muitas das respostas que dava, ganhando a simpatia e confiança dos alemães. Sabia que se não fizesse isso seria enviado para fazer trabalhos forçados e, muito possivelmente, acabaria gaseado. Preferia ser humilhado, que o tratassem como um "macaco" de feira e se comportar como tal a não ter um trágico final.

E sua tática lhe serviu para salvar a pele e sair dali são e salvo quando terminou a guerra. Depois de sua libertação de Mauthausen, sabia que sua condição de republicano lhe impediria de poder voltar à Barcelona, motivo pelo qual decidiu se instalar e viver na França, onde contraiu matrimônio, formou uma família e passou o resto de seus dias, até seu falecimento em 1982 aos 71 anos.

Fonte: Yahoo! (em espanhol), usando como referências o blog Holocausto en español e o El País
https://es.noticias.yahoo.com/blogs/cuaderno-historias/negro-catalan-nazis-utilizaron-como-criado-mauthausen-143406201.html
Título original: El negro catalán que los nazis utilizaron como criado en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

Observação: há textos melhores que esse, mais completos (com mais informações), tanto que o texto do Yahoo! foi feito em cima do texto contido no blog "Holocausto en español". Caso alguém se interesse, fica a dica.
É curioso ver a diferença do padrão do Yahoo! em outro idioma pro entulho que é esse portal em português. Colocam de forma proposital (baixam o nível).

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O revisionismo neofranquista (3): Moa exposto

Em outro post, meses atrás, Pío Moa ficou com a palavra na boca, depois que Enrique Moradiellos lhe colocou as luvas do debate, em maio de 2003, nas páginas virtuais do "El Catoblepas". Seria Moa capaz de demonstrar, com documentos, uma das ideias defendidas em suas obras sobre a GCE (Guerra Civil Espanhola) *, sabendo: que a ajuda militar estrangeira durante a guerra foi de quantidade e qualidade similar para ambos os lados e que a dita intervenção não afetou de maneira substancial o resultado final da guerra? Moradiellos havia-lhe rebatido esta ideia com documentos de arquivos da Espanha e estrangeiros que apontavam junto a direção contrária e aqui ficamos, esperando sua resposta.

Responde Moa, um mês depois, na mesma revista digital sustentando, em primeiro lugar, que o assunto de que o bando recebeu mais e melhor ajuda militar é secundário "num debate sério em torno da guerra civil" e que não deveria distrair do verdadeiro assunto a discutir que seria como e quanto influiu a ajuda estrangeira para cada grupo. Moa responde em seguida: a ajuda ítalo-germânica não implicava nenhuma obediência de Franco a Hitler; por outro lado, a ajuda soviética submeteu a Frente Popular (que melhor se entregou voluntariamente) às diretrizes de Stálin. Os planos do ditador soviético haviam sido a instauração de um satélite bolchevique na Espanha para destruir os regimes democráticos da Europa Ocidental.

Portanto, a esperança de uma discussão historiográfica científica com base em fontes documentais fiáveis se esvazia desde o primeiro momento. Disse Moa:
Sustento que, em termos militares, a intervenção se equilibrou mais ou menos. (...) Mas não entrarei agora nesse debate, insisto que é secundário uma vez esclarecida a primeira tese [a influência de Stálin]. Admitirei, a princípio, que meu crítico [Moradiellos] pode ter razão em alguns dos dados parciais que maneja, mas sigo inclinado a crer num equilíbrio básico, inclusive com ligeira supremacia dos suministros recebidos pelas esquerdas.
"Uma visão neostalinista da Guerra Civil", El Catoblepas, 16 (junho de 2003).
Moa escapa da discussão que Moradiellos tratava de apontar metodologicamente: medir a quantidade e qualidade de ajuda militar recebida por cada grupo e, com base nisso, determinar a influência sobre o resultado final da guerra. Moa, ao não possuir fontes que rebatessem Moradiellos, liquida a discussão invocando opiniões pessoais sem mais fundamento que sua crença pessoal, esse "mas sigo inclinado a crer" vem a dizer que seu preconceito é a prova de toda evidência contrária. O mais curioso do assunto é que um dos slogans publicitários que Moa mais utilizou para a venda de seus livros é que utilizou fontes de arquivos nunca descobertas ou desprezadas por outros historiadores "marxistas". Neste caso, privou-nos delas.

Alguns meses depois, Moa o resume da seguinte forma:
Creio que Moradiellos pode ter razão em algumas das críticas que me faz sobre fechas e volume da intervenção exterior, se bem que esses dados seguem sujeitos à revisão. Mas, como creio ter demonstrado, falha no fundamental, ou seja, no caráter qualitativamente distinto da intervenção soviética e da ítalo-germânica. Stálin "satelizou" a Frente Popular, enquanto que o apoio das potências fascistas não privou Franco de sua independência. Este é o ponto chave da intervenção externa (...).
"Errores en Los mitos de la Guerra Civil", Libertad Digital, 9 de janeiro de 2004.
Parece que vai admitindo que sim, que fora possível que Franco recebesse mais ajuda militar de Hitler e Mussolini em relação ao que recebeu a República da URSS? Em todo caso, Moa segue afirmando que isto seria irrelevante para o desenvolvimento e desenlace da guerra.
Ele [Moradiellos] plantou sua crítica em torno das cifras das intervenções soviética, alemã e italiana, negando minha aseveración de que foram mais ou menos equivalentes, e pretendendo que o maior aporte ítalo-germânico havia decidido a guerra. Como lhe indiquei, a questão das cifras, ainda que seja interessante, não é fundamental. E sua fonte principal, o livro de Howson, resulta muito pouco fiável.
"Los casos de Moradiellos y Viñas", Libertad Digital, 1 de janeiro de 2007
Em tão-somente um par de meses voltou a carga sobre esse assunto (sobre o que deve alimentar alguma má consciência) e lançou sua opinião final a respeito:
A quantidade de material e de tropas nunca determina o resultado de uma guerra ou de uma batalha. Tem sido frequente as guerras ganhas com inferioridade material..
"Un debate pueril", Libertad Digital, 14 de março de 2008.
Em resumo:
  1. Primeiro afirmou que a ajuda militar recebida pela Frente Popular foi de maior quantidade e qualidade que a que receberam os franquistas. Isto exaltaria a vitória de Franco, enfrentando um inimigo superior, e desmorona ainda mais a República, dilapidadora das riquezas da Espanha, mal gastadora de sua vantagem militar.
  2. Mais tarde, depois que Moradiellos houvesse lhe mostrado a prova contrária que era mostrada pelos arquivos, Moa passa a se defender argumentando que a supremacia militar não é algo decisivo no desenlace de uma guerra (esta ideia não merece maior comentário que uma simples revisão dos resultados da intervenção alemã na GCE e o significado da supremacia aérea na guerra moderna).
Na realidade, a ideia de Moa se esconde uma manipulação tosca e propagandística, uma falácia sem mais: quer fazer crer a seu leitor que o grupo que ganha uma guerra é o mais virtuoso e portanto é possuidor da Razão e o defensor da Justiça. No caso da GCE, para Moa ambos os exércitos simbolizavam duas ideias políticas de Estado: o Franquismo é interpretado como um intento honesto de reconstruir o desastre nacional provocado pela República e sua revolução stalinista. Moa, ao denegrir a capacidade militar do grupo republicano e achacar sua derrota, não a sua inferioridade bélica senão por sua própria incompetência, não faz senão simbolizar em sua derrota a justa derrota da Esquerda como ideologia frente à superioridade natural da Direita.

Com respeito à influência de Stálin sobre a Frente Popular, Moradiellos replica de novo em "El Catoblepas" (a Moa e a outros habituais desta revista não faltará oportunidade de lhes citar em outro post) que a URSS nunca conseguiu impor seus ditadores ao governo da República (ainda que tenha penetrado por completo no PCE e, por isso, nos mandos policiais e militares inscritos no partido) e que sua influência só cresceu significativamente ao longo de 1938 quanto mais se distanciavam as potências democráticas da República. Cita para mostrar isso a Viñas, Sarda, Martín Aceña ou Varela Ortega, assim como os documentos citados pelo historiador norte-americano Ronald Radosh em sua obra "España traicionada", Barcelona, 2002.

Contudo, parece um esforço vão já que na seguinte resposta Moa, abundando em desqualificações (burlescamente chama a Moradiellos de "o ilustre professor" e o acusa de "retórica barroca" e de "divagações, nimiedades, justificações desnecessárias", etc) opõe como critério de autoridade para respaldar suas ideias que "para qualquer pessoa algo a par das circunstâncias, não pode admitir a menor dúvida no predomínio soviético na Espanha".

Moa, portanto, não está disposto a discutir no terreno da historiografia baseada em fontes documentais, com informações e dados escritos contrastáveis e discutíveis com critério. Moa pretende levar sempre a discussão unicamente para os terrenos ambíguos da discussão política, onde crê que pode demonstrar a máxima que anima toda sua produção bibliográfica: que a Esquerda é uma ideologia maligna e que a História da 2ª República e da GCE o demonstra.

Que a política de esquerdas seja uma ideologia maligna ou não, não deveria ofuscar o espírito crítico de nenhum historiador que investigue sobre ela. O dever de objetividade deve estar acima de qualquer preconceito pessoal. A não ser que nosso objetivo não seja escrever História, senão fazer propaganda.

Do último livro de Alberto Reig Tapia, "Revisionismo y Política: Pío Moa revisitado" (Madrid, 2008) extraio esta citação que explica este afã de propaganda em determinados leitores:
Determinada gente não busca a verdade (verdades) senão a aquilo ou aqueles que melhor defendam suas prévias tomadas de postura que, naturalmente, jamais "revisam".

Fonte: blog Fuentes para la Historia de la 2ª República, la Guerra Civil y el Franquismo (Espanha)
Título original: El revisionismo neofranquista (3): Moa al descubierto
http://fuentesguerracivil.blogspot.com/2008/07/el-revisionismo-neo-franquista-3-moa-al_12.html
Tradução: Roberto Lucena

Parte 1: O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa
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Observação: Sobre as siglas, como já ressaltado no começo.

GCE é sigla para Guerra Civil Espanhola.
PCE é sigla para Partido Comunista Espanhol.

domingo, 10 de maio de 2015

O revisionismo neofranquista (2): como funciona

Ao fundo do debate sobre o revisionismo neofranquista é preciso distinguir previamente ao quê estamos nos referindo:

A princípio, o revisionismo histórico é uma técnica acadêmica legítima que reinterpreta uma teoria historiográfica estabelecida já que apareceram novas fontes documentais que permitem uma melhor análise. A História é uma ciência social que constrói suas teorias de forma acumulativa (segundo a quantidade de dados) mas também qualitativa (objetividade de suas teorias). Ou seja, não já nada ruim (de fato é um exercício muito são) em renovar nossa visão dos fatos passados (que mudam segundo nossa civilização) sempre, claro está que o façamos de acordo com o método científico.

Existe, por outro lado, um outro tipo de revisionismo propagandístico e pseudo-histórico que refugia o uso científico da História com um claro interesse político: dar uma interpretação do presente com base no passado. Assim, por exemplo, a esquerda política na Espanha atual é antissistema, anti-Estado, antidemocrática, anti-etc. como já se havia demonstrado, segundo os revisionistas, durante os anos da Segunda República. Trata-se de uma forma de propaganda que trata de justificar suas afirmações entroncando-as num passado manipulado. É uma forma de busca de "respeitabilidade". O exemplo extremo do revisionismo é o negacionismo neonazi.

Em outro post, já se deu alguns quantos dados sobre a figura do principal valedor (ao menos o mais midiático) do revisionismo neofranquista, Pío Moa, e sobre a origem dessa corrente pseudo-histórica.

Melhor que vejamos o anterior como um exemplo: numa discussão que mantiveram na internet, de um lado Enrique Moradiellos e do outro, o próprio Pío Moa apoiado por Antonio Sánchez Martínez, José Manuel Rodríguez Pardo e Íñigo Ongay de Felipe, todos colaboradores assíduos de El Catoblepas, a revista eletrônica da associação Nódulo Materialista a qual está ligada o filósofo Gustavo Bueno e vários outros professores da Universidade de Oviedo. Gustavo Bueno é uma figura muito controvertida por suas recentes obras, "España no es un mito" ("Espanha não é um mito") e "Zapatero y el pensamiento Alicia" ("Zapatero e o pensamento de Alice") (de novo, passado e presente) e suas declarações radicais sobre o atual governo socialista ou o nacionalismo na Espanha, reproduzidas e apoiadas inclusive pela extrema-direita.

Sobre a adscrição política da revista "El Catoblepas", a verdade é que é um tema controvertido porque seus editores se definem como "materialistas", ainda que como sempre, diz-me com quem andas...

Moa declarou repetidamente que o mundo universitário o exclui de seus debates por contradizer a corrente historiográfica predominante controlada por professores ideologizados de esquerda, e portanto, subjetivos.

Enrique Moradiellos, catedrático de História Contemporânea da Universidade de Extremadura lhe responde caindo na provocação. Entre maio de 2003 e fevereiro de 2004 cruza uma série de artigos acerca de uma questão historiográfica particular: a intervenção de potências estrangeiras em apoio de um e de outro bando contendores na GCE (Guerra Civil Espanhola) e seu efeito sobre o curso e desenlace final.

Moa havia enfocado este tema em seu livro "Los mitos de la Guerra Civil" ("Os mitos da Guerra Civil") nos seguintes termos: 1) que a ajuda foi de quantidade e qualidade similar para ambos os bandos; 2) que foi a URSS quem rompeu a política de não-intervencionismo das potências europeias; 3) que o objetivo final da ajuda stalinista era a instauração de um satélite na Espanha que acelerasse a queda dos regimes democráticos da Europa Ocidental e 4) que a dita intervenção não afetou de maneira substancial o resultado final da guerra.

Moradiellos rebate num primeiro artigo todas essas teorias com base na documentação já estudada (citando suas obras) por Jackson, Coverdale, Proctor, Avilés, Pike, Viñas, Saz, Howson, Preston, Abendroth, Graham, Radosh, Whealey, Haslam, Oliveira, Stone, Madariaga, García Cruz, Fusi, Bizcarrondo, Elorza etc. Esta documentação está disponível para a consulta nos arquivos do Foreign Office britânico, do Departamento de Estado estadunidense, do Arquivo Político do Ministério de Relações Externas (Berlim), dos Arquivos Militares de Friburgo, do Arquivo Secreto do Estado (Berlim); do Archivio Centrale dello Stato (inclui a Segretaria Particolare del Duce) e do Archivio Storico del Ministero degli Affari Esteri (inclusive o «Ufficio Spagna» que dirigia a intervenção italiana na Espanha) ambos em Roma; do Arquivo do Ministério de Assuntos Exteriores da França (Paris), dos arquivos militares franceses (Toulouse e Paris), dos arquivos de departamentos fronteiriços com a Espanha e dos arquivos de companhias aeronáuticas franceses.

Toda esta documentação estudada e já publicada, vem a demonstrar justo o contrário do afirmado por Moa: que o Eixo levou a iniciativa na intervenção, que os objetivos da intervenção soviética eram contemporizadores (deter o avanço do fascismo) e que a maior ajuda militar alemã e italiana conferiu uma esmagadora superioridade aérea ao grupo franquista, o que determinaria finalmente o curso das operações militares.

Chegando a este ponto, podemos pensar que íamos ter um debate a altura, com Moa replicando com novos dados e cifras provenientes de documentos inéditos. Pois não foi o que aconteceu.

Mas sua resposta e outras coisas mais já a veremos no post seguinte.

Fonte: blog Fuentes para la Historia de la 2ª República, la Guerra Civil y el Franquismo (Espanha)
Título original: El revisionismo neofranquista (2): cómo funciona
http://fuentesguerracivil.blogspot.com.br/2008/03/el-revisionismo-neofranquista-como.html
Tradução: Roberto Lucena

Parte 1: O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa
Parte 3: O revisionismo neofranquista (3): Moa exposto

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa

Acho que é preciso destacar que na Espanha, por volta dos anos oitenta, consolidada melhor ou pior a Transição e ainda distantes dos oito anos (1996-2004) de governo de José María Aznar, em que discutir sobre a 2ªR (2ª República) e a GCE (Guerra Civil Espanhola) era, ao menos na Universidade, um exercício de relativa unanimidade. Desterrados os argumentos da propaganda franquista, a Segunda República deixava de ser um caos anárquico de roubos, mortes e violações e se convertia em uma oportunidade de progresso perdida; o "Movimento" de regeneração nacional iniciado em julho de 1936 passava a ser considerado um golpe de Estado de livro e a Guerra Civil já não se decidia por intervenção divina, como boa cruzada, senão pelo abandono das democracias europeias frente à aliança de Hitler, Mussolini e Franco. Sinceramente, não parecia haver nada de extraordinário nisto. Toda ditadura constrói mitologias heroicas de luta e resistência por diversos motivos, e se crer nelas como se subministram requer sectarismo e ignorância em partes iguais.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Algumas fotos de Robert Capa da guerra - Parte 01

Robert Capa, pseudônimo" de Endre Friedmann (nome verdadeiro dele), de origem húngara (nasceu ainda no Império Austro-Húngaro), foi um dos maiores fotógrafos de guerra do século XX. Chegou a cobrir cinco guerras: a guerra civil espanhola, a segunda guerra sino-japonesa (China-Japão), a segunda guerra mundial (na Europa), a guerra árabe-israelense (1948) e a primeira guerra da Indochina (que viria a se tornar o Vietnã), local onde ele morreu depois de pisar em uma mina terrestre. Embora, pra ser exato, tanto a segunda guerra sino-japonesa e a guerra civil espanhola são parte da Segunda Guerra Mundial.

Há pouco foi lançada uma exposição, "Capa in Color", com fotos coloridas dele nunca antes expostas, em Nova York (EUA): link1, link2.

Leia mais sobre essas fotos coloridas desta exposição nesses links: link3, link4, link5, link6, link7.

Segue abaixo algumas fotos dele sobre esses conflitos (em preto e branco). Particularmente, não gosto de fotos em preto e branco, prefiro fotos coloridas.

Irei inverter a ordem original dos posts de onde as fotos têm origem pois a última parte tem uma foto engraçada que faz muito tempo que vi, que é a de um piloto com o número de aviões nazis abatidos representados por suásticas na fuselagem do avião, achei essa foto emblemática. O outro blog (acho que deve ser da França) dividiu as fotos em 4 partes mas vou colocar somente em duas, embora tenha mais fotos no livro autobiográfico dele de nome "Slightly Out of Focus" (Ligeiramente fora de foco) lançado em português, link do livro no Google Books em inglês.

As fotos dele sobre a guerra civil espanhola principalmente e as do Dia D são muito conhecidas, incluindo fotos da França liberta (dos fascistas) onde aconteceu o episódio de represália a mulheres que se relacionaram com nazistas na ocupação da França junto com os colaboracionistas homens.

Usaram estas fotos (como esta aqui), com manipulação política (porque a maioria desconhece esses fatos) disseminando posts com as várias fotos deste episódio, na "web brasileira" (no Facebook principalmente, que está se revelando um estrupício fora do comum entupido de porcaria e estupidez de todo tipo, nunca mais critico o Orkut), pra relativizar o papel dos nazis na ocupação da França junto com os fascistas franceses.

De memória, não lembro deste outro fato ter sido citado nos posts espalhados (espalharam as fotos de mulheres com cabelo raspado, inclusive há um filme, com Charlize Theron e Penélope Cruz, sobre a ocupação que acho que menciona isso no fim), mas os colaboracionistas homens, a maioria, foram fuzilados por membros da Resistência Francesa, pois na libertação da França, pela ausência óbvia de Estado (ordem) e governo no meio do tumulto do fim do conflito, só a força militar poderia conter excessos e nem sempre é possível conter linchamentos de colaboracionistas sem julgamento, depende e muito da fúria da população no momento, o mesmo ocorreu na Itália liberta dos fascistas. Os nazis costumavam fuzilar (torturar também) os membros da Resistência Francesa e mesmo quem colaborava com a mesma (cidadãos franceses comuns, judeus franceses etc) porque estes queriam livrar seu país dos nazis.

Vem disso a fúria do povo contra os colaboracionistas. É extremamente fácil, de uma situação confortável, condenar as imagens (de revanche) mais de 70 anos depois sem nem saber do que se passou, o curioso é que boa parte dos que condenam são os primeiros a vibrar com linchamentos de pobres no Brasil ignorando o que seja um Estado de Direito ("Estado de Direito" pra essas pessoas só existe pra eles, o resto do país não faz parte disso, eis uma deturpação monstra causada pela cultura autoritária e tosca do país), essa "moral relativa e distorcida" (de acordo com as circunstâncias e com simpatias por regimes fascistas) dessas pessoas é simplesmente tibieza de caráter e cinismo por não assumirem publicamente que são fascistas e que gostam desse tipo de regime. Não vou nem listar as inúmeras parvoíces que a gente lê ditas por essa (extrema) 'direita patropi' do país e seu orgasmo com a barbárie.

Acho "curioso" os fáscios (força de expressão, é habitual da parte deles fazer isso) nunca mencionarem as coisas dentro do contexto que ocorreram (pra variar), só que o mais grotesco deste episódio citado acima não foi nem o uso político por parte da extrema-direita, e sim que essas fotos foram disseminadas por vários sites/Páginas de matizes ideológicos variados, o que torna a coisa mais bizarra e banal ainda. Tudo isso (provavelmente, é uma hipótese razoável já que não dá pra cravar cabalmente o intuito de cada pessoa, nem ler mentes, mas... dá pra deduzir racionalmente e de forma lógica o porquê de certas coisas ocorrerem) pra atrair cliques e míseros acessos, uma espécie de vale-tudo dos cliques.

A que ponto chega a banalização da guerra e a forma banal e idiotizada/ignorante (e muitas vezes cínica e vazia) com a qual o povo lida com assuntos sérios. Postura altamente condenável.

Clique nas descrições para ver as fotos.. Parte 4

Fotos tiradas do blog: Nikohk

Levi R. Chase, piloto norte-americano (Robert Capa)

1ª tropa de assalto à praia de Omaha, Normandia, Dia D (Robert Capa, 1944)

"Slightly out of focus" (Ligeiramente fora de foco, livro), a foto mais famosa de Capa, Dia D (Robert Capa, 1944)

Fazendeiro siciliano indicando o caminho a um soldado norte-americano (Robert Capa, 1943)

Robert Capa

Parte 3

Robert Capa com norte-americano da Primeira Divisão Airborne (1945)

Madrid, guerra civil espanhola (Robert Capa, 1936)

Barcelona, guerra civil espanhola (Robert Capa, 1939)

Alemanha, provavelmente um suicida ou alguém alvejado na janela (Robert Capa, 1939)

Prisioneiros alemães (Robert Capa)

sábado, 21 de setembro de 2013

Uma matança nazi com 24 vítimas republicanas (França)

A divisão SS Das Reich assassinou em junho de 1944 a 640 habitantes da população francesa de Oradour-sur-Glane (Limousin). Apesar das múltiplas homenagens recebidas pela República francesa nenhuma autoridade espanhola honrou as vítimas republicanas

ALEJANDRO TORRÚS Madrid 15/09/2013 11:08 Atualizado: 15/09/2013 11:18

FORO POR LA MEMORIA DE GUADALAJARA
Em 10 de junho de 1944, a companhia de granadeiros panzer, integrada dentro da divisão SS Das Reich chegaram ao pequeno povoado francês de Oradour-sur-Glane (Limousin). A unidade, que acaba de combater na frente Leste na II Guerra Mundial, tinha que se dirigir agora pro norte do país para lutar nas praias da Normandia. As ordens eram implacáveis. Nada nem ninguém podia se interpôr em seu caminho. Praticamente os 640 habitantes desta pequena localidade da campina francesa foram assassinados. Entre eles, 24 exilados da República espanhola.

"Aquele foi um massacre completamente absurdo. Os "historiadores" negacionistas querem fazer crer que eram represálias em razão dos explosivos, mas foi intimidação pura. Queriam subir rápido para ajudar na batalha da Normandia e no caminho cometeram uma autêntica violação dos direitos humanos", explica ao jornal Público Jean-Louis Schmitt-Perrin, membro do Ateneu Republicano de Limousin.

Concretamente chegaram 287 membros da SS a bordo de seus veículos blindados. Logo após chegarem estabeleceram um cordão ao redor da localidade e se reuniram com o prefeito. O pretexto é que o povo tinha um depósito de armas da resistência francesa e portanto fariam um registro. As mulheres e crianças, em torno de 450, foram trancados na Igreja, e amontoados. Os homens foram divididos em grupos e foram assassinados com armas automáticas. Os cadáveres foram molhados com gasolina e as casas arrasadas com granadas.

"Ao ouvir os disparos os pais de algumas crianças da escola da comarca correram até o povoado para ver o que se passava. Os soldados os deixaram passar e uma vez dentro os assassinaram a todos também. Segundo testemunhos de povoados vizinhos, houve soldados que negaram a entrada aos pais e lhes explicaram que se entrassem iriam morrer", prossegue Schmitt-Perrin

Os ruídos e o cheiro do massacre começaram a chegar à igreja, onde permaneceram as mulheres e as crianças. O pânico proliferou e começaram as tentativas de fuga. Mas ninguém podia escapar com vida. Eram as ordens. Os soldados dispararam através das portas e lançaram várias bombas que terminariam por aniquilar as mulheres e crianças.

"No dia seguinte apareceram corpos de bebês colocados no interior do confessionário, onde suas mães lhes havia tentando esconder de maneira desesperada", explica. Houve mortes por queimaduras, por desmembramento depois da explosão, por asfixia, por esmagadura ou cozidos literalmente.

Sobreviventes

Só duas mulheres conseguiram escapar da fogueira em que se converteu a igreja. Uma delas, a mais jovem das duas, não pode seguir. Teve as pernas quebradas ao cair e foi assassinada ali mesmo pouco depois; a única sobrevivente foi uma mulher mais velha que havia conseguido saltar e escapar antes que os soldados percebessem sua presença.

No resto do povoado, dos mais de 200 homens, somente seis escaparam com vida, todos eles feridos. Caídos ao chão entre os corpos cravados de bala, conseguiram se afastar do aglomerado de vítimas antes de que o fogo acabasse com eles.

Os republicanos espanhóis e a inexistente homenagem

Entre as 640 vítimas da SS, encontravam-se 25 republicanos espanhóis que haviam encontrado refúgio nesta pequena localidade depois da guerra civil espanhola. A maioria estava instalada no povoado desde 1941, mas também havia outros exilados republicanos espanhóis que formavam parte de um Grupo de Trabalhadores Estrangeiros (GTE). "Esses grupos se compunham de refugiados ou deslocados em idade militar, sujeitos às autoridades de ocupação e que prestavam seus serviços como trabalhadores agrícolas ou locais", explica o jornalista Xulio García Bilbao, que visitou Oradour-sur-Glane neste verão.

As vítimas da tragédia de Oradour-sur-Glane foram homenageadas em diversas ocasiões. De fato, o lugar foi declarado lugar de memória pela República francesa e praticamente todos os presidentes franceses, desde De Gaulle a Hollande, visitaram a localidade para prestar homenagem às vítimas do nazismo. E assim, também visitaram o local diversos chefes de Estado da Alemanha.

Contudo, as vítimas espanholas só receberam uma homenagem. A do governo da República espanhola no exílio que em 1945 instalou na zona uma placa com os nomes dos espanhóis falecidos pelas mãos dos nazistas. Nenhum mandatário da Espanha democrática pós-Franco esteve no lugar.

"Para eles a história é muito simples de se interpretar - lamenta Schmitt-Perrin -, o que aconteceu na Espanha compete só à Espanha e o que aconteceu na França é entre franceses e alemães. Para eles, a explicação da história é muito fácil".

As famílias espanholas

O que segue na continuação é uma lista das famílias espanholas que morreram em Oradour-sur-Glane. Esta informação foi facilitada pelo Foro pela Memória de Guadalajara.

A família Gil Espinosa era formada pelo casal, uma parente da esposa e as duas filhas gêmeas de 14 anos. Eram originários de Alcañiz, onde muito possivelmente participaram na coletivização. Seus nomes e idade: Francisco Gil Egea (cerca de 50 anos), sua esposa Francisca Espinosa (49 anos), sua parente Carmen Espinosa Juanos (30 anos), e as filhas Francisca e Pilar Gil Espinosa (14 anos).

A família Lorente Pardo, mãe e dois filhos, procediam de Barcelona e levavam na França desde o êxodo de 1939; a mãe, Antonia, era de Murcia. Seus nomes: Antonia Pardo (29 anos), Nuria Lorente Pardo (9 anos) e Francisco Lorente Pardo (11 anos).

As irmãs Emilia e Angelina Masachs, de 11 e 8 anos, eram de Sabadell e haviam perdido seus pais; encontravam-se recolhidas pelas outras famílias espanholas.

A família Serrano Pardo estava refazendo sua vida na França. O pai, José Serrano Robles (29 anos) era maestro de escola e havia marchado para o exílio com sua esposa María Pardo. Suas três filhas haviam nascido na França; a pequena Armonía Serrano Pardo (nascida em 4/6/41, quer dizer, que tinha apenas 3 anos) e as gêmeas de 1 ano de idade, Esther e Paquita Serrano Pardo.

A família Téllez Domínguez vinha de Barcelona. O pai, Domingo Téllez (45 anos) era de Saragoça e se encontrava em Oradour com sua esposa María Domínguez (31 anos), e seus filhos Miguel (11 anos), Armonía (8 anos) e o pequeno Liberto, de dois anos, nascido em Oradour.

Por último, também se encontrava a espanhola Carmen Silva, de 39 anos, era de Bilbao e estava casada com o francês Robert Pinede.

*FOTOS: FORO PELA MEMORIA DE GUADALAJARA

Fonte: Publico (Espanha)
http://www.publico.es/468291/una-matanza-nazi-con-24-victimas-republicanas
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Franco e o extermínio - Parte 2 (Holocausto)

Outra das imagens do encontro de Hitler e Franco
em Hendaya três meses depois do começo
da Segunda Guerra Mundial
Talvez outra das perguntas que sugerem estes acontecimentos é a de quanto tempo Franco se mostrou tão insensível e tão antissemita? Os documentos avindos só dão uma resposta parcial a esta questão. Há dezenas de papeis que tratam deste assunto e até o analisam, e alguns deles desliza alguma explicação para esta interrogação. Por exemplo, o telegrama cifrado de 22 de fevereiro de 1943 escrito pelo embaixador Hans von Moltke, que acabava de insistir mais uma vez ante o governo espanhol e informava a Berlim: "... o governo espanhol decidiu não permitir em nenhum caso a volta à Espanha dos espanhóis de raça judia que vivem em territórios sob jurisdição alemã" e acrescenta mais adiante que "o governo espanhol abandonará os judeus de nacionalidade espanhola a seu próprio destino". E além de outras considerações escrevia o seguinte: "O diretor geral [refere-se ao diplomata espanhol José María Doussinague] comentou que esses judeus seriam provavelmente mais perigosos na Espanha que em outros países porque os agentes americanos e ingleses os captariam em seguida para utilizá-los como propagandistas contra a aliança do eixo, em especial contra a Alemanha. Além disso, o senhor Doussinague não mostrou muito interesse espanhol no assunto. Rogo por novas ordens. Assinado: Moltke”.

Ninguém pode escapar que neste breve texto se evidencia que a olhos franquistas os judeus eram muito "perigosos", em sintonia com a ideia de Eberhard von Thadden, reproduzida em umas linhas antes, nas quais considerava que um judeu, pelo fato de ser judeu, já era um antialemão. E um detalhe a mais pra sublinhar: nos comentários de Doussinague que foram recolhidos por Moltke se percebe claramente que nas altas esferas da ditadura franquista não se acreditava na declarada neutralidade espanhola durante a Segunda Guerra Mundial, pois o diplomata espanhol não duvidou em situar como inimigo a "americanos e ingleses".

O regime era sintonizado totalmente com Berlim, e apesar dos reiterados ultimatos alemães - obviamente secretos - que advertiram explicitamente ao governo espanhol das medidas extremas de que seria alvo o coletivo judaico, Franco se opôs a salvá-los, mas não esqueceu de reclamar pelas propriedades e o dinheiro dos aniquilados, considerados, portanto, cidadãos espanhóis todavia. Diria-se o o seguinte: "(...) A embaixada espanhola solicita ao Ministério de Relações Exteriores (alemão) que intervenha ante as autoridades correspondentes para lhes explicar que os bens dos judeus espanhóis deixados pra trás ao saírem da França, Bélgica e Países Baixos serão administrados pelos cônsules espanhóis ou representantes da Espanha e que têm que ficar em sua posse por se tratar de bens de súditos espanhóis e portanto sendo um bem nacional da Espanha. Berlim, 25 de fevereiro de 1943”.

Capa do livro, publicado pela Librosdevanguardia
Essa história tem outro lado trágico, mas muito honroso. Enquanto se produziam as deportações e a Espanha negava o pão e sal a milhares de seres humanos, uns horrorizados diplomatas espanhóis atuaram por sua própria conta e contra as ordens vindas de Madri. Falsificaram documentos e conseguiram salvar centenas de pessoas. Todos alertaram a Madri do genocídio em telegramas secretos, e dois deles, Ángel Sanz Briz, de Budapeste (Hungria), e Julio Palencia, da representação da Espanha em Sófia (Bulgária), foram duramente explícitos em suas mensagens. O primeiro, conhecedor do chamado "protocolo de Auschwitz", avisou sobre as matanças em câmaras de gás, e o segundo, testemunha presencial em sua embaixada, escreveu a Madri avisando sobre o desastre humano. Julio Palencia redatou, com o respeito de um funcionário em uma ditadura, várias cartas que enviou a seu ministro e cuja leitura emociona ao mais endurecido"... se por acaso VE (Vossa Excelência) considera digna de ser tomada em consideração minha sugestão... tenha por bem me conceder certa elasticidade para... conceder vistos a israelitas de qualquer nacionalidade ou condição… pois os judeus estão sendo vítimas de uma perseguição cruel e encarniçada que a pessoa mais ponderada e fria ficaria espantada em seu ânimo ao contemplar as injustiças e horrores que essas autoridade vêm cometendo…”, dizia uma carta de Palencia de 14 de setembro de 1942. O ministro não autorizou os vistos que solicitou Palencia, que, desesperado, chegou a adotar dois jovens judeus para salvá-los da morte. Três anos depois, quando a guerra mundial mudou de curso e os aliados pressionaram a Franco, este se apropriou dos atos heroicos desses diplomatas para ganhar a benevolência dos vencedores.

Passaram-se os anos, Franco morreu na cama, e um jovem Juan Carlos manobrou em segredo a favor da democracia ante o atento olhar dos serviços de inteligência europeus e estadounidense. Com suas manobras, muitas em conivência com Adolfo Suárez, consta na documentação avinda que Juan Carlos jogou até o limite do possível para deixar pra trás o passado tão obscuro do que aqui tem sido dada uma pincelada. Era a transição, a mudança.

Os serviços secretos ocidentais tomaram nota de tudo, até de como Adolfo Suárez apontou em quatro papéis que entregou ao Rei no tempo da transição, que cumpriu com todo rigor contra o vento e a maré. O livro o explica. E um pouco depois, já com uma Espanha nova, Dom Juan Carlos seria o primeiro chefe de Estado espanhol que rendia homenagem em Yad Vashem às vítimas do Holocausto se apartando do terrível legado histórico de Franco e de Isabel, a Católica, a rainha espanhola mais admirada pelos nazis, a qual lhe dedicaram vários relatórios que fariam sorrir se se por detrás deles não houvesse uma matança de proporções colossais.

Mas nem tudo foi ocultado no que se refere à Espanha. Os aliados também têm algo a explicar. Uma mensagem secreta de Sir Harold MacMichael, alto comissionado britânico para o protetorado da Palestina, enviada em 15 de junho de 1944 a Sir Anthony Eden, então Ministro de Relações Exteriores do Reino Unido e logo premier, disse outras coisas: "Os nazis têm a esperança de obter alguma graça ante os olhos aliados pelo fato de não matar agora a dois milhões de judeus, pois creem que ajudará a esquecer que já mataram seis milhões de judeus". Lido de outra forma: em plena guerra, como Franco, os aliados sabiam perfeitamente o que estava acontecendo nos campos de extermínio. A pergunta é óbvia: o que fizeram pra evitar?

Fonte: Magazine Digital, do jornal Lavanguardia.com (Espanha)
http://www.magazinedigital.com/reportajes/los_reportajes_de_la_semana/reportaje/cnt_id/8416/pageID/2
Tradução: Roberto Lucena

Franco e o extermínio - Parte 1
O inimigo judeu-maçônico na propaganda franquista (1936-1945)

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