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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

"Aqui não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e a exploração"

O jornalista Carlos Hernández de Miguel publicou "Los campos de concentración de Franco" (Os campos de concentração de Franco)

Prisioneiros caminham pela estação de Irun. (Foto: Biblioteca Nacional)
"Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim um holocausto ideológico contra os diferentes".

Donostia - Foram três anos de intenso trabalho entre arquivos e testemunhas para reverter 80 anos de silêncio e confusão. O jornalista Carlos Hernández de Miguel crê que o capítulo dos campos de concentração do franquismo foi "esquecido" pela História e pela política. Não só durante a ditadura como também na Transição. E isso que resulta complexo ocultar que na Espanha houve cerca de 300 campos de concentração franquistas que fizeram da Espanha um "gigantesco campo de concentração" na ditadura", indica a EFE.

Carlos Hernández de Miguel
Jornalista e pesquisador
Os campos de concentração, assinala o autor, foram "uma dos pés da enorme mesa que foi a repressão franquista", uma prática da qual hoje pouca documentação deriva "da destruição em massa de arquivos que se realizou durante a ditadura e os primeiros anos da Transição". Depois da segunda guerra mundial, realizou-se um "apagão" geral especialmente da documentação que podia relacionar o regime franquista com o nazismo, de tal forma que há um "lacuna brutal dos arquivos existentes sobre essa etapa". Porque, apesar das diferenças, houve uma analogia e existiram alguns elementos em comum entre esses campos de concentração espanhóis e os implantados pelo sistema nazista, sustenta Carlos Hernández, que explica que inclusive dirigentes da Gestapo participaram do treinamento das forças policiais espanholas. O sistema franquista desses campos foi desenhado de acordo com as necessidades da ditadura, qu eram - recalca o escritor - o "extermínio" dos elementos "mais ativos" do entorno republicano e a consecução da mão de obra através dos "batalhões de trabalho", uma derivada dos mesmos ainda que diferentes. "O sistema de campos buscava um extermínio ligado a uma classificação. Num primeiro bloco estavam os irrecuperáveis (membros de partido, oficiais do exército republicano...): acabam mortos nos campos ou em um conselho de guerra que os devolvia à prisão ou ao paredão. A seguir estavam os desafetos, pessoas classificadas como republicanos ou duvidosos. Muitos não têm informação ao proceder da zona vermelha. Estão nos campos e são os que resultam acabar nos batalhões de trabalho como forma de reeducação. A seguir estavam os "afetos", gente que ao final era liberada para que fosse ao front nas fileiras nacionais", detalha.

"Nos campos de concentração franquistas não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e se explorou os cativos como trabalhadores escravos. Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim houve um verdadeiro holocausto ideológico, uma solução final contra quem pensava de forma diferente", ressalta Carlos Hernández de Miguel. Com sua pesquisa, na qual visitou dezenas de arquivos, o autor identificou 296 campos de concentração oficiais, abertos em outras tantas cidades e povoados.

Andaluzia, com 52 campos de concentração, encabeça este "ranking do horror" desenhado por Carlos Hernández, no que seguem a "Comunidade Valenciana" com 41, "Castela-Mancha" com 38, "Castela e Leão" com 24 e Aragão com 18. Extremadura, com 17 desses campos;Madrid com 16, Catalunha com 14, Astúrias com 12, Galícia e Múrcia com 11, Cantábria com 10, a CAV (Comunidad Autónoma Vasca, País Basco) com 9, Baleares (ilhas) com 7, Canárias com 5, Navarra com 4, La Rioja, com 2 e Ceuta, junto às antigas colônias espanholas no norte da África com 5, completam as cifras. - T. Iribarren

Domingo, 31 de março de 2019

Fonte: Noticias de Gipuzkoa (País Basco, Espanha)
https://www.noticiasdegipuzkoa.eus/2019/03/31/politica/aqui-no-hubo-camaras-de-gas-pero-se-practico-el-exterminio-y-la-explotacion
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Paul Preston publica "A destruição da democracia na Espanha" (1978)

Entrevista com o historiador britânico (jornal El País)
Juan Cruz; 9 JUN 1978

Paul Preston, historiador britânico especializado em questões espanholas, apresenta hoje no hotel Princesa Plaza, de Madrid, sua última obra, "A destruição da democracia na Espanha" (La destrucción de la democracia en España), que será comentada no citado ato pelo líder socialista Felipe González. O livro, subintitulado como "Reacción, reforma y revolución en la Segunda República" (Reação, reforma e revolução na Segunda República), foi traduzido por Jerónimo Gonzalo e editado por Turner.

Na atualidade, o professor Preston ensina na Queen Mary College, da Universidade de Londres. Estudou sua especialidade - História Moderna - na Universidade de Oxford e agora prepara um amplo estudo sobre a resistência da esquerda espanhola ao franquismo. A destruição da democracia na Espanha, diz Paul Presto, foi para mim a obra mais importante entra as que escrevi. Nasce na realidade da tese doutoral que apresentei em Oxford sobre as conspirações monárquicas contra a República espanhola. Depois de muito trabalho, dei-me conta de que o assalto direitista contra a República não provinha somente dos grupos violentos. Havia dois assaltos direitistas. Um era violento, na realidade, e tinha como fim o estabelecimento por armas de um Estado corporativista autoritário".

"A outra ofensiva direitista contra a República seguiu uma tática legalista para destruir o regime democrático imperante. Ao terminar minha investigação me dediquei a analisar os grupos legalistas de direita, desde a CEDA aos radicais do sul da Espanha. Estudadas as atividades desses grupos, observei o impacto que tais atividades tinham na esquerda de então".

O livro serviu a Paul Preston para concretar as causas determinantes da guerra civil e para fazer um exame amplo da oligarquia espanhola. Esta investigação, além disso, resultou-lhe especialmente útil para seus trabalhos sobre o franquismo. Prova disto é que o livro "Spain in crisis" (Espanha em crise), cuja preparação ele dirigiu e que foi publicada na Inglaterra há dois anos. A edição espanhola está próxima. Na Itália ele já foi publicado.

"Da preparação da minha tese e de minha simpatia pela causa republicana nasceu também meu estudo sobre a esquerda espanhola e sua resistência ao franquismo. Neste volume, que agora preparo, faz-se especial fincar pé no papel que teve o Partido Comunista nessa atitude de resistência".

Paul Preston, que viveu a época republicana só como historiador - agora tem algo mais de trinta anos -, estima que "há implicações claras neste livro para a atualidade", ainda que matiza seu critério.

"A Espanha dos anos trinta - diz o professor Preston - era um país fundamentalmente agrário. Ante essas estruturas, o Partido Socialista e o de Esquerda Democrática tentaram fazer reformas básicas, humanitárias, para melhorar a situação cotidiana dos mais frágeis. Esses intentos reformistas repercutiram logo numa direita latifundiária agressiva e selvagem, que provocou reações muito violentas. Agora a situação econômica mudou de modo radical. Ainda assim, segue havendo uma esquerda - o Partido Comunista e o Partido Socialista - que volta a se plantar a tarefa de fazer reformas básicas, depois do estabelecimento da democracia burguesa, que para a esquerda é o contexto mais adequado para chegar a outras formas de sociedade, também democráticas, mas socialistas".

"Se os intentos reformistas se produziram agora", diz o professor Preston, "quando existe uma profunda crise econômica, poderiam provocar reações fascistas ou autoritárias, similares àquelas que produziria um revolucionarismo aberto. Essa é a situação que devem ter em conta o socialismo e o eurocomunismo na circunstância espanhola".

* Este artigo apareceu na edição impressa de Sexta-Feira, 9 de junho de 1978

Fonte: versão original (castelhana) do El País (até o momento este texto não saiu na "versão" brasileira deste jornal, por isso tomei a liberdade de traduzir)
http://elpais.com/diario/1978/06/09/cultura/266191209_850215.html
Título original: Paul Preston publica "La destrucción de la democracia en España"
Tradução: Roberto Lucena
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Observação 1: este texto estava arquivado há algum tempo (é um texto originalmente de 1978), e infelizmente tem muita coisa em comum com o que se passa no Brasil atualmente. Aos que acham que este golpe branco pode acabar em pouco tempo, a ditadura de Franco durou décadas com um legado de atraso (retrocesso) pesado pra Espanha, só superado (em parte) por uma coincidência conjuntural de terem entrado pra futura União Europeia.
Tem muito "idealista" tosco no Brasil, que acredita em qualquer asneira de "mudança pela mudança" (sem base real pra isso), principalmente na extrema-esquerda (tem uma extrema-esquerda ligada ao PSOL e cia que são incrivelmente ridículos e débeis, liberais mal assumidos) e que vai mudar subestimando as forças políticas fortes e retrógradas do Estado brasileiro. Por conta destas cretinices (a principal delas, mas não a única, aquelas marchas de 2013) o país se vê mergulhado numa encruzilhada política (eu iria comentar isso em outro post mas como este texto tem muito a ver com o presente do país, antecipei algo aqui).

"Ah, mas o golpe não vai sobrar pra mim"... rs, vai sim, tolinho (a), rs. Ninguém brinca de "revolucionário de araque" num país com uma direita arcaica, primitiva, vendepátria e truculenta como esta e sai impune disso. Julgam-se espertos? Pode sempre haver um (uns) mais que vocês, guardem isso como "lição política". Da próxima, quando forem brincar de "política", levem a coisa mais a sério e façam menos "cirandas" (o adjetivo "cirandeiro", de quem dança ciranda, é associado ao PSOL e seus espetáculos públicos ridículos, ou a uma esquerda dita "pós-moderna" com agenda política totalmente vazia e que adora espetacularizar tudo, só que pra tudo há limite, até pra espetáculos/performances teatrais pueris). Os caras ainda conseguiram avacalhar uma dança típico do meu estado com essa associação "macabra".

Observação 2: à turma "crítica" (entre aspas) ao blog (tem aparecido uns chiando nos textos críticos à doutrinação mofada e datada da guerra fria das tais olavetes golpistas apoiadoras de Temer e cia, com a falta de educação habitual, "cheios de si"), não adianta espernear comigo, eu não sigo essa postura "tanga frouxa" do PT ou de uma certa "esquerda cagona" do país ("cagão/cagona" é o mesmo que "frouxo/frouxa", neste sentido, principalmente a de alguns estados do país, ressalto isso pois muita gente de fora do Brasil lê este blog e pode não estar familiarizados com essas expressões do país), nem tenho medo de cara feia (como dizem na minha terra, "cara feia é fome"), se for discutir, discutam a sério, se quiserem brincar, eu também brinco (aponto os erros das bobagens que comentam) e não tenho obrigação de ser "educado" com gente mal educada, tampouco tenho paciência com gente "assim". A "tolerância" pós-golpe com essa "direita excêntrica liberal autoritária" do país, que já não era boa, ficou muito pior. Parece que não adianta avisar uma vez ou duas, sempre esse pessoal quer encher o saco e acaba tomando uma "entrada de sola" (gíria de futebol). O problema é que é estupidez "bater boca" com gente estúpida demais, e isso enche o saco, daí o aviso. Não creio que há mais espaço pra esse comportamento infantil demais desses grupos abobalhados que avacalharam o país por ignorância política aguda.

Caso alguém se incomode com o pessoal do blog ter posicionamento político, não posso fazer absolutamente nada em relação a isso (e nem quero). Todo mundo tem direito de ter o seu, mesmo que este governo ilegítimo - colocado de forma ilegítima no poder por um bando de imbecis e uma emissora golpista e mentirosa - queiram tentar silenciar quem discorde deles, não irão conseguir calar todo mundo, nunca.

Cansei de discutir com gente enviesada (politicamente) até o talo (muitos de direita, que adoravam posar de "moderados" sem ser) achando que os outros não têm direito de ter suas posições, foro o arsenal de idiotices que comentavam. Por muito tempo evitei colocar posicionamentos mais ligados ao presente (exceto o do cenário da extrema-direita de cunho fascista, literalmente), mas uma vez que o radicalismo só aumentou no país (principalmente pelo lado da direita neoliberal e entreguista), não vejo motivo algum com esse "excesso de respeito" com quem apoia isto, até porque há que frisar o seguinte: esta direita neoliberal do país sempre foi autoritária, arcaica e entreguista (contra o país) e não conseguirão impor um regime neoliberal no país sem provocar um conflito civil de graves proporções. Não venham até mim dizer como pensar, eu nunca disse a ninguém como agir e isso é uma via de mão-dupla.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Paul Preston: "Franco pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico"

O historiador e hispanista britânico (d), conversa com o reitor da Universidade de Estremadura, Segundo Píriz (i),
e com o presidente estremenho, Guillermo Fernández Vara (c), antes de ser investido Doutor Honoris Causa
num ato celebrado na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Estremadura. EFE/Esteban Martinena

CÁCERES.- O historiador e hispanista britânico Paul Preston foi investido como doctor honoris causa pela Universidade de Estremadura, onde afirmou que o ditador tinha "aspectos bastante cômicos", como o fato de que acreditava que "Paulo VI era um bolchevique".

"Pensava que o mundo era regido por um superestado maçônico, que não se sabia se estava na Lua ou debaixo do Atlântico", acrescentou em tom irônico durante sua conferência como doutor honoris causa pela Universidade estremenha (Uex).

Ante um abarrotado Paraninfo da Faculdade de Filosofia e Letras, no Campus de Cáceres, Preston recorreu a sua vinculação com a Espanha e com sua história, entre a que se situa a biografia que elaborou sob o título "Franco: Caudillo de España" ("Franco: Caudilho da Espanha").

Relatou que quando recebeu o encargo desta obra, tinha "a impressão de que a figura de Franco era tão tediosa, tão odiosa", que não lhe interessaria". Contudo, uma vez iniciada, se "enganchou", pois, entre outros motivos, "Franco era, pessoalmente falando, um enigma mas com aspectos bastante cômicos".

Seu discurso, seguido pelo reitor da UEx, Segundo Píriz, e o presidente da Junta de Estremadura, Guillermo Fernández Vara, entre outras autoridades, também serviu para conhecer sua relação com Estremadura, "uma terra" com a qual mantém "importantes laços pessoais e profissionais".
"Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol"
De fato, sua relação com a Espanha começou nos fins dos anos 60, e "minha primeira viagem - revelou - foi a esta terra". Estremadura significa para mim a Guerra Civil e o sofrimento do povo espanhol", afirmou o historiador londrino, a quem em seu começo como historiador decidiu aproximar seus interesses pela Segunda Guerra Mundial pelo da Guerra Civil espanhola, a mercê do trabalho do professor Hugh Thomas.

"Pareceu-me mais fascinante" que qualquer outro tema que até então havia estudado, acrescentou, e que desvelou que o sentido do humor dos espanhóis e sua gastronomia foram elementos que influíram na hora de adentrar na História da Espanha.

Desde um prisma acadêmico, Presto assegurou que a UEx goza de uma "muito merecida e crescente reputação internacional, pelo qual é um privilégio poder se considerar uma pequena parte dela".

Píriz destacou a trajetória acadêmica "sólida e excelsa" de Preston, cuja obra qualificou como "extensa, profunda, influente e sugestiva". "Repassa de maneira crítica e fundada o devir de todo um século da vida na Espanha", acrescentou.

Na sua concepção, "os espanhóis de hoje estão em dúvida com seu retrato de nosso imediato passado". Também o presidente estremenho disse palavras de elogio para Preston, "um mestre dos historiadores", um conhecedor "dos sofrimentos desta terra e também os esforços que se há feito por aqui pela recuperação da memória histórica". "Estamos convencidos de que a melhor maneira de recuperar a história é contá-la", acrescentou Vara.

Fonte: Público/EFE (Espanha)
http://www.publico.es/politica/preston-franco-pensaba-mundo-regido.html
Título original: Preston: "Franco pensaba que el mundo estaba regido por un superestado masónico"
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen
Benito Bermejo

Prólogo de Javier Cercas. RBA. Barcelona, 2015. 267 páginas.

RAFAEL NUÑEZ FLORENCIO | 22/05/2015 | Edição impressa


As relações entre memória e história deram lugar nos últimos tempos a inflamados debates em muitos países. Se a controvérsia toma centro da chamada "memória histórica" - um oximoro, segundo reputados historiadores - as posições se fazem mais irredutíveis. Na Espanha a polêmica se concentra na repressão da guerra civil e no pós-guerra, mas não tem sido só uma discussão teórica ou acadêmica como mostram as disposições políticas adotadas sob o governo Zapatero e os diversos movimentos cidadãos que reivindicam a exumação de fossas comuns. Nesse ambiente pode se entender o impacto - não isento de ressentimentos e desaprovações - de uma obra inclassificável como "O impostor" (El impostor)), de Javier Cercas, que só de uma perspectiva modesta pode qualificá-la como novela.

Os leitores que conhecem o livro de Cercas sabem que de certo modo o personagem principal é o próprio autor, que se planta um desafio que, envolto em formas literárias, nada tem a ver com a ficção e sim muito com a maneira de recuperar o passado, real e conflitivo, que ainda gravita sobre nosso presente e nosso futuro. Do ponto de vista narrativo o protagonista do livro de Cercas é Enric Marco, mas este não tinha importância alguma nesse contexto senão fora porque foi desmascarado como impostor por alguém que toma a iniciativa de encaixar as peças do passado buscando algo tão sensível mas tão desacreditado nesses "tempos líquidos" como a verdade. Esse alguém é um modesto historiador chamado Benito Bermejo (Salamanca, 1963) que, paradoxo do mundo que vivemos e das promoções publicitárias, adquire por ele uma inesperada relevância. Até tal ponto que se reedita agora - com prólogo de Cercas - um velho livro seu de 2002, que havia passado inadvertido em seu momento, sobre um dos espanhóis de Mauthausen, Francisco Boix (1920-1951).

Se bem é verdade que a editora aposta agora no livro de Bermejo e os meios lhe prestam a atenção que antes negaram, não é menos certo - u deve ficar claro num exame crítico - que o volume que nos ocupa é um trabalho excelente que mostra sem veladuras o horror do campo de concentração no qual foram parar (e, numa porcentagem elevadíssima, a morrer) a maioria dos espanhóis que haviam atravessado os Pirineus depois da guerra civil. Para dissecar este aterrador panorama o autor põe seu foco de atenção nas andanças de Boix, de maneira que o volume pode ser lido ao mesmo tempo como uma biografia da curta trajetória deste fotógrafo catalão, um testemunho das personalidades que sofreram os reclusos (não só os espanhóis) e uma denúncia detalhada da crueldade da maquinária nazi.

Ainda que a fotografia pareça ser mero completo documental, neste caso e por tudo o que foi dito não deve se deixar num segundo plano, pois constitui o material mesmo que está na origem e no núcleo do testemunho histórico. Além disso, frente a outras fontes documentais, a fotografia (sobretudo quando falamos de milhares de fotos, como aqui sucede) nos mostra uma realidade que dificilmente se presta a interpretações interessadas e muito menos a banalizações. O horror em estado puro que se mostra nestas páginas está desnudo, como os esqueletos viventes, os olhos aterrorizados, os corpos exânimes empilhados para a incineração. Ainda que pareça incrível, a totalidade dos testemunhos da vida (o conceito é aqui um sarcasmo) no campo procede dos próprios guardas nazistas. Os carrascos, longe de esconder as serviçais realizaram milhares de instantâneas dos prisioneiros, das atrocidades e das mortes. O que fez Boix, pondo em risco seu status de privilegiado em Mauthausen, foi subtrair parte dessas fotografias (cerca de 20.000, ainda que se conservam muito menos) para que servissem de acusação. De fato, em Foix declarou nos processos contra os criminosos nazis de Nuremberg e Dachau por esses testemunhos. Parte dessas manifestações aparecem no livro.

Quando chegou a derrota alemã, Boix passou de ladrão de fotografias alheias a repórter gráfico da libertação. Com as fotos salvas clandestinamente da destruição e as tomadas por ele mesmo, documenta-se este magnífico volume, exemplo palpável de como é possível conjugar harmonicamente a recuperação da memória com o rigor historiográfico.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.com/revista/letras/El-fotografo-del-horror-La-historia-de-Francisco-Boix-y-las-fotos-robadas-a-las-SS-en-Mauthausen/36502
Título original: El fotógrafo del horror. La historia de Francisco Boix y las fotos robadas a las SS en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O revisionismo neofranquista (3): Moa exposto

Em outro post, meses atrás, Pío Moa ficou com a palavra na boca, depois que Enrique Moradiellos lhe colocou as luvas do debate, em maio de 2003, nas páginas virtuais do "El Catoblepas". Seria Moa capaz de demonstrar, com documentos, uma das ideias defendidas em suas obras sobre a GCE (Guerra Civil Espanhola) *, sabendo: que a ajuda militar estrangeira durante a guerra foi de quantidade e qualidade similar para ambos os lados e que a dita intervenção não afetou de maneira substancial o resultado final da guerra? Moradiellos havia-lhe rebatido esta ideia com documentos de arquivos da Espanha e estrangeiros que apontavam junto a direção contrária e aqui ficamos, esperando sua resposta.

Responde Moa, um mês depois, na mesma revista digital sustentando, em primeiro lugar, que o assunto de que o bando recebeu mais e melhor ajuda militar é secundário "num debate sério em torno da guerra civil" e que não deveria distrair do verdadeiro assunto a discutir que seria como e quanto influiu a ajuda estrangeira para cada grupo. Moa responde em seguida: a ajuda ítalo-germânica não implicava nenhuma obediência de Franco a Hitler; por outro lado, a ajuda soviética submeteu a Frente Popular (que melhor se entregou voluntariamente) às diretrizes de Stálin. Os planos do ditador soviético haviam sido a instauração de um satélite bolchevique na Espanha para destruir os regimes democráticos da Europa Ocidental.

Portanto, a esperança de uma discussão historiográfica científica com base em fontes documentais fiáveis se esvazia desde o primeiro momento. Disse Moa:
Sustento que, em termos militares, a intervenção se equilibrou mais ou menos. (...) Mas não entrarei agora nesse debate, insisto que é secundário uma vez esclarecida a primeira tese [a influência de Stálin]. Admitirei, a princípio, que meu crítico [Moradiellos] pode ter razão em alguns dos dados parciais que maneja, mas sigo inclinado a crer num equilíbrio básico, inclusive com ligeira supremacia dos suministros recebidos pelas esquerdas.
"Uma visão neostalinista da Guerra Civil", El Catoblepas, 16 (junho de 2003).
Moa escapa da discussão que Moradiellos tratava de apontar metodologicamente: medir a quantidade e qualidade de ajuda militar recebida por cada grupo e, com base nisso, determinar a influência sobre o resultado final da guerra. Moa, ao não possuir fontes que rebatessem Moradiellos, liquida a discussão invocando opiniões pessoais sem mais fundamento que sua crença pessoal, esse "mas sigo inclinado a crer" vem a dizer que seu preconceito é a prova de toda evidência contrária. O mais curioso do assunto é que um dos slogans publicitários que Moa mais utilizou para a venda de seus livros é que utilizou fontes de arquivos nunca descobertas ou desprezadas por outros historiadores "marxistas". Neste caso, privou-nos delas.

Alguns meses depois, Moa o resume da seguinte forma:
Creio que Moradiellos pode ter razão em algumas das críticas que me faz sobre fechas e volume da intervenção exterior, se bem que esses dados seguem sujeitos à revisão. Mas, como creio ter demonstrado, falha no fundamental, ou seja, no caráter qualitativamente distinto da intervenção soviética e da ítalo-germânica. Stálin "satelizou" a Frente Popular, enquanto que o apoio das potências fascistas não privou Franco de sua independência. Este é o ponto chave da intervenção externa (...).
"Errores en Los mitos de la Guerra Civil", Libertad Digital, 9 de janeiro de 2004.
Parece que vai admitindo que sim, que fora possível que Franco recebesse mais ajuda militar de Hitler e Mussolini em relação ao que recebeu a República da URSS? Em todo caso, Moa segue afirmando que isto seria irrelevante para o desenvolvimento e desenlace da guerra.
Ele [Moradiellos] plantou sua crítica em torno das cifras das intervenções soviética, alemã e italiana, negando minha aseveración de que foram mais ou menos equivalentes, e pretendendo que o maior aporte ítalo-germânico havia decidido a guerra. Como lhe indiquei, a questão das cifras, ainda que seja interessante, não é fundamental. E sua fonte principal, o livro de Howson, resulta muito pouco fiável.
"Los casos de Moradiellos y Viñas", Libertad Digital, 1 de janeiro de 2007
Em tão-somente um par de meses voltou a carga sobre esse assunto (sobre o que deve alimentar alguma má consciência) e lançou sua opinião final a respeito:
A quantidade de material e de tropas nunca determina o resultado de uma guerra ou de uma batalha. Tem sido frequente as guerras ganhas com inferioridade material..
"Un debate pueril", Libertad Digital, 14 de março de 2008.
Em resumo:
  1. Primeiro afirmou que a ajuda militar recebida pela Frente Popular foi de maior quantidade e qualidade que a que receberam os franquistas. Isto exaltaria a vitória de Franco, enfrentando um inimigo superior, e desmorona ainda mais a República, dilapidadora das riquezas da Espanha, mal gastadora de sua vantagem militar.
  2. Mais tarde, depois que Moradiellos houvesse lhe mostrado a prova contrária que era mostrada pelos arquivos, Moa passa a se defender argumentando que a supremacia militar não é algo decisivo no desenlace de uma guerra (esta ideia não merece maior comentário que uma simples revisão dos resultados da intervenção alemã na GCE e o significado da supremacia aérea na guerra moderna).
Na realidade, a ideia de Moa se esconde uma manipulação tosca e propagandística, uma falácia sem mais: quer fazer crer a seu leitor que o grupo que ganha uma guerra é o mais virtuoso e portanto é possuidor da Razão e o defensor da Justiça. No caso da GCE, para Moa ambos os exércitos simbolizavam duas ideias políticas de Estado: o Franquismo é interpretado como um intento honesto de reconstruir o desastre nacional provocado pela República e sua revolução stalinista. Moa, ao denegrir a capacidade militar do grupo republicano e achacar sua derrota, não a sua inferioridade bélica senão por sua própria incompetência, não faz senão simbolizar em sua derrota a justa derrota da Esquerda como ideologia frente à superioridade natural da Direita.

Com respeito à influência de Stálin sobre a Frente Popular, Moradiellos replica de novo em "El Catoblepas" (a Moa e a outros habituais desta revista não faltará oportunidade de lhes citar em outro post) que a URSS nunca conseguiu impor seus ditadores ao governo da República (ainda que tenha penetrado por completo no PCE e, por isso, nos mandos policiais e militares inscritos no partido) e que sua influência só cresceu significativamente ao longo de 1938 quanto mais se distanciavam as potências democráticas da República. Cita para mostrar isso a Viñas, Sarda, Martín Aceña ou Varela Ortega, assim como os documentos citados pelo historiador norte-americano Ronald Radosh em sua obra "España traicionada", Barcelona, 2002.

Contudo, parece um esforço vão já que na seguinte resposta Moa, abundando em desqualificações (burlescamente chama a Moradiellos de "o ilustre professor" e o acusa de "retórica barroca" e de "divagações, nimiedades, justificações desnecessárias", etc) opõe como critério de autoridade para respaldar suas ideias que "para qualquer pessoa algo a par das circunstâncias, não pode admitir a menor dúvida no predomínio soviético na Espanha".

Moa, portanto, não está disposto a discutir no terreno da historiografia baseada em fontes documentais, com informações e dados escritos contrastáveis e discutíveis com critério. Moa pretende levar sempre a discussão unicamente para os terrenos ambíguos da discussão política, onde crê que pode demonstrar a máxima que anima toda sua produção bibliográfica: que a Esquerda é uma ideologia maligna e que a História da 2ª República e da GCE o demonstra.

Que a política de esquerdas seja uma ideologia maligna ou não, não deveria ofuscar o espírito crítico de nenhum historiador que investigue sobre ela. O dever de objetividade deve estar acima de qualquer preconceito pessoal. A não ser que nosso objetivo não seja escrever História, senão fazer propaganda.

Do último livro de Alberto Reig Tapia, "Revisionismo y Política: Pío Moa revisitado" (Madrid, 2008) extraio esta citação que explica este afã de propaganda em determinados leitores:
Determinada gente não busca a verdade (verdades) senão a aquilo ou aqueles que melhor defendam suas prévias tomadas de postura que, naturalmente, jamais "revisam".

Fonte: blog Fuentes para la Historia de la 2ª República, la Guerra Civil y el Franquismo (Espanha)
Título original: El revisionismo neofranquista (3): Moa al descubierto
http://fuentesguerracivil.blogspot.com/2008/07/el-revisionismo-neo-franquista-3-moa-al_12.html
Tradução: Roberto Lucena

Parte 1: O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa
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Observação: Sobre as siglas, como já ressaltado no começo.

GCE é sigla para Guerra Civil Espanhola.
PCE é sigla para Partido Comunista Espanhol.

domingo, 10 de maio de 2015

O revisionismo neofranquista (2): como funciona

Ao fundo do debate sobre o revisionismo neofranquista é preciso distinguir previamente ao quê estamos nos referindo:

A princípio, o revisionismo histórico é uma técnica acadêmica legítima que reinterpreta uma teoria historiográfica estabelecida já que apareceram novas fontes documentais que permitem uma melhor análise. A História é uma ciência social que constrói suas teorias de forma acumulativa (segundo a quantidade de dados) mas também qualitativa (objetividade de suas teorias). Ou seja, não já nada ruim (de fato é um exercício muito são) em renovar nossa visão dos fatos passados (que mudam segundo nossa civilização) sempre, claro está que o façamos de acordo com o método científico.

Existe, por outro lado, um outro tipo de revisionismo propagandístico e pseudo-histórico que refugia o uso científico da História com um claro interesse político: dar uma interpretação do presente com base no passado. Assim, por exemplo, a esquerda política na Espanha atual é antissistema, anti-Estado, antidemocrática, anti-etc. como já se havia demonstrado, segundo os revisionistas, durante os anos da Segunda República. Trata-se de uma forma de propaganda que trata de justificar suas afirmações entroncando-as num passado manipulado. É uma forma de busca de "respeitabilidade". O exemplo extremo do revisionismo é o negacionismo neonazi.

Em outro post, já se deu alguns quantos dados sobre a figura do principal valedor (ao menos o mais midiático) do revisionismo neofranquista, Pío Moa, e sobre a origem dessa corrente pseudo-histórica.

Melhor que vejamos o anterior como um exemplo: numa discussão que mantiveram na internet, de um lado Enrique Moradiellos e do outro, o próprio Pío Moa apoiado por Antonio Sánchez Martínez, José Manuel Rodríguez Pardo e Íñigo Ongay de Felipe, todos colaboradores assíduos de El Catoblepas, a revista eletrônica da associação Nódulo Materialista a qual está ligada o filósofo Gustavo Bueno e vários outros professores da Universidade de Oviedo. Gustavo Bueno é uma figura muito controvertida por suas recentes obras, "España no es un mito" ("Espanha não é um mito") e "Zapatero y el pensamiento Alicia" ("Zapatero e o pensamento de Alice") (de novo, passado e presente) e suas declarações radicais sobre o atual governo socialista ou o nacionalismo na Espanha, reproduzidas e apoiadas inclusive pela extrema-direita.

Sobre a adscrição política da revista "El Catoblepas", a verdade é que é um tema controvertido porque seus editores se definem como "materialistas", ainda que como sempre, diz-me com quem andas...

Moa declarou repetidamente que o mundo universitário o exclui de seus debates por contradizer a corrente historiográfica predominante controlada por professores ideologizados de esquerda, e portanto, subjetivos.

Enrique Moradiellos, catedrático de História Contemporânea da Universidade de Extremadura lhe responde caindo na provocação. Entre maio de 2003 e fevereiro de 2004 cruza uma série de artigos acerca de uma questão historiográfica particular: a intervenção de potências estrangeiras em apoio de um e de outro bando contendores na GCE (Guerra Civil Espanhola) e seu efeito sobre o curso e desenlace final.

Moa havia enfocado este tema em seu livro "Los mitos de la Guerra Civil" ("Os mitos da Guerra Civil") nos seguintes termos: 1) que a ajuda foi de quantidade e qualidade similar para ambos os bandos; 2) que foi a URSS quem rompeu a política de não-intervencionismo das potências europeias; 3) que o objetivo final da ajuda stalinista era a instauração de um satélite na Espanha que acelerasse a queda dos regimes democráticos da Europa Ocidental e 4) que a dita intervenção não afetou de maneira substancial o resultado final da guerra.

Moradiellos rebate num primeiro artigo todas essas teorias com base na documentação já estudada (citando suas obras) por Jackson, Coverdale, Proctor, Avilés, Pike, Viñas, Saz, Howson, Preston, Abendroth, Graham, Radosh, Whealey, Haslam, Oliveira, Stone, Madariaga, García Cruz, Fusi, Bizcarrondo, Elorza etc. Esta documentação está disponível para a consulta nos arquivos do Foreign Office britânico, do Departamento de Estado estadunidense, do Arquivo Político do Ministério de Relações Externas (Berlim), dos Arquivos Militares de Friburgo, do Arquivo Secreto do Estado (Berlim); do Archivio Centrale dello Stato (inclui a Segretaria Particolare del Duce) e do Archivio Storico del Ministero degli Affari Esteri (inclusive o «Ufficio Spagna» que dirigia a intervenção italiana na Espanha) ambos em Roma; do Arquivo do Ministério de Assuntos Exteriores da França (Paris), dos arquivos militares franceses (Toulouse e Paris), dos arquivos de departamentos fronteiriços com a Espanha e dos arquivos de companhias aeronáuticas franceses.

Toda esta documentação estudada e já publicada, vem a demonstrar justo o contrário do afirmado por Moa: que o Eixo levou a iniciativa na intervenção, que os objetivos da intervenção soviética eram contemporizadores (deter o avanço do fascismo) e que a maior ajuda militar alemã e italiana conferiu uma esmagadora superioridade aérea ao grupo franquista, o que determinaria finalmente o curso das operações militares.

Chegando a este ponto, podemos pensar que íamos ter um debate a altura, com Moa replicando com novos dados e cifras provenientes de documentos inéditos. Pois não foi o que aconteceu.

Mas sua resposta e outras coisas mais já a veremos no post seguinte.

Fonte: blog Fuentes para la Historia de la 2ª República, la Guerra Civil y el Franquismo (Espanha)
Título original: El revisionismo neofranquista (2): cómo funciona
http://fuentesguerracivil.blogspot.com.br/2008/03/el-revisionismo-neofranquista-como.html
Tradução: Roberto Lucena

Parte 1: O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa
Parte 3: O revisionismo neofranquista (3): Moa exposto

domingo, 3 de maio de 2015

Os empresários de Hitler e o negócio dos campos de concentração

Se houve um grupo de cúmplices do nazismo que se "safou" de ter má imagem com o fim da Segunda Guerra Mundial, esse foi o dos empresários. Homens de negócios alemães, austríacos, franceses e também estadunidenses que se enriqueceram sob o capitalismo fascista que foi imposto pelo III Reich. Nomes tão conhecidos como Bayer, Ford, Standard Oil ou Siemens colaboram ativamente com Hitler e não tiveram dúvidas em utilizar como trabalhadores escravos a prisioneiros judeus, soviéticos ou espanhóis dos campos de concentração.
Prisioneiros de Mauthausen transportam pedras para a construção do campo
O adjetivo "fanático" é o que mais se tem utilizado na história para definir a Hitler e ao amplo grupo de suplentes que dirigiram o destino da Alemanha nazi. Contudo, há outro qualificativo muito menos utilizado e que se torna imprescindível para explicar sua estratégia política e militar. Hitler e o resto de sua camarilha eram grandes "homens de negócios".

Em suas mentes pesavam mais o dinheiro e as questões econômicas que seu desejo de exterminar judeus. Seu modelo de capitalismo fascista, pese a estar sob uma forte intervenção estatal, tornou-se muito atrativo para os empresários alemães e também para importantes magnatas estrangeiros, principalmente estadunidenses.

A SS criou suas próprias empresas para se beneficiar do trabalho escravo dos milhões de prisioneiros capturados pelo exército alemão. A DEST e a DAW foram as duas mais destacadas. O objetivo de Himmler era que, graças a essas companhias, a SS pode jogar um papel predominante na economia alemã, inclusive no cenário de paz que se abriria depois da guerra.

Fazer negócio a qualquer preço

As empresas de armamento, automotivas, produtos farmacêuticos e tecnologia não podiam contar com os jovens alemães para trabalhar em suas fábricas porque esses se encontravam nas frentes de batalha. Os prisioneiros dos campos e os trabalhadores forçados se converteram na melhor opção e também na mais barata. O negócio dos campos era redondo. A DEST administrava os trabalhadores, a SS oferecia a segurança e as empresas aportavam o resto. Na repartição dos papéis todos ganhavam. Todos menos os deportados, que morreriam aos milhares nas pedreiras e nas fábricas controladas pelo empório da SS e pelas empresas privadas alemães e norte-americanas.
O selo "Hollerith" indica que os dados deste prisioneiro espanhol foi processado pela IBM
A lista de firmas alemãs que colaboraram e se beneficiaram das políticas bélicas e genocidas do regime nazi é interminável. Desde gigantes da automotivas até pequenas empresas familiares e inclusive particulares que utilizaram prisioneiros dos campos de concentração para cultivar suas terras ou trabalhar em suas granjas. Essas são algumas das mais destacadas:

IG Farben - Este consórcio foi o que melhor exprimiu todas as opções de negócio que facilitava o regime nazi. Fabricou combustível e um tipo de borracha sintética chamada "Buna" para o exército alemão, fornecendo os produtos químicos para o extermínio em massa dos "inimigos" do Reich e se aproveitando do trabalho escravo de milhares de prisioneiros dos campos. Três empresas químicas e farmacêuticas constituíam o coração da IG Farben: Bayer, Basf e a Hoechst.

Audi - Empregou em sua cadeia de produção 20.000 trabalhadores forçados.

Daimler - Utilizou em grande escala trabalhadores forçados para a fabricação de automóveis.

Bosch - Empregou cerca de 20.000 trabalhadores forçados.

Volkswagen - Colocou em grande parte de sua produção trabalhadores forçados.

Krupp (atualmente Thyssenkrupp) - Krupp teve a honraria de ser a empresa modelo do nacional-socialismo e empregou mais de 75.000 trabalhadores forçados.

Deutsche Bank - o historiador Harold James analisou o período nazi em 1995. James rotulou a atitude do banco naquela época como "complacente".

Lufthansa - autorizou o historiador Lutz Budraß a realizar um estudo sobre sua participação na criação da Luftwaffe. Os dados oficiais do estudo não foram publicados ainda. A pergunta permanece no ar.

Bertelsmann - Encarregou o historiador Saul Friedländer um estudo que foi apresentado em 2002. A gigante dos meios de comunicação se aproveitou do regime nazi de forma massiva.

Quandt (proprietária da BMW) - Segundo a investigação levada a cabo pelo historiador Joachim Scholtyseck, Günther Quandt enriqueceu no período compreendido entre 1933 e 1945. A empresa do magnata utilizou 50.000 trabalhadores escravos.

Oetker - Abriu seus arquivos em 2007 depois da morte do patriarca, Rudolf August Oetker. O historiador Deren Erkenntnisse revelou que Rudolf A. havia pertencido à Waffen-SS e colaborado ativamente com o regime nazi.

Adidas e Siemens - Permitiram que se investigue seus arquivos. Sabe-se que, ambas empresas, empregaram milhares de trabalhadores escravos.

Cúmplices em Detroit e Nova Iorque

Historiadores e economistas coincidem na opinião de que para Hitler seria impossível se lançar à conquista de Europa sem o apoio de quatro grandes multinacionais estadunidenses: Standard Oil, General Motors, Ford e IBM.

General Motors. Fabricou milhares de caminhões militares em suas fábricas da Alemanha. Seu modelo batizado com o nome de Blitz, Relâmpago, serviu a Hitler para entrar com suas tropas na Áustria. A admiração do Führer pela tecnologia de Opel e seu agradecimento em contar com sua colaboração lhe levou a conceder a Grande Cruz da Ordem da Águia Alemã a seu diretor executivo, James Money. A GM utilizou prisioneiros dos campos de trabalhadores escravos.

Ford. O fundador da companhia, Henry Ford, já era conhecido em fins dos anos 20 por seu profundo antissemitismo. Hitler admirava profundamente a Ford, a ponto de chegar a dizer que era sua inspiração. Esse amor era mútuo e permitiu que a empresa automobilística estadunidense se convertesse no segundo produtor de caminhões para o exército alemão, superado unicamente pela Opel-General Motors. Henry Ford também foi distinguido por Hitler com a Grande Cruz da Ordem da Águia Alemã em 1938. Depois da invasão da França, a empresa estadunidense continuou trabalhando para o Reich e se negou a fabricar motores para os aviões da Royal Air Force britânica. Igual à GM, a Ford se aproveitou do trabalho escravo de milhares de deportados.

Standard Oil Proporcionou a Hitler o combustível e a borracha necessária para empreender a invasão da Europa. O governo nazi, consciente de que as importações de petróleo se reduziriam com o estouro da guerra, decidiu fabricar combustível sintético. O complexo processo de elaboração não havia sido possível sem a aliança entre o consórcio alemão IG Farben e a Standard Oil norte-americana. Os navios cisternas da Standard forneceram combustível a barcos alemães em Tenerife e outros portos da Espanha franquista.

IBM. Seu "mérito" foi dotar o regime nazi de seus ainda primitivos, mas eficazes, sistemas informáticos. Suas máquinas, que funcionavam com cartões perfurados, precursores dos ordenadores, resultaram em uma enorme utilidade para o governo alemão. Himmler era consciente das possibilidades que lhe oferecia a tecnologia da IBM para organizar, distribuir, explorar e eliminar milhões de judeus e prisioneiros de guerra que caíram em suas mãos durante a guerra. Realizaram censos da comunidade judaica que serviram para identificar e eliminar com maior facilidade seus membros. Na maioria dos campos de concentração se abriu um "departamento Hollerith" (nome da filial alemã da IBM) na qual se realizaram fichas de cada deportado, incluindo sua profissão, sua raça ou religião.

Escravos espanhóis

O grosso dos republicanos que passaram pelos campos de concentração trabalhou e morreu pelas ordens da DEST, a empresa de propriedade da SS. As pedreiras de Mauthausen e Gusen, assim como o moinho de pedra localizado junto a esta última, cobraram o maior número de vidas entre os espanhóis. O empório dirigidos pelos homens de Himmler também controlava a maior parte dos trabalhos que os republicanos realizaram em subcampos como Schlier-Redl-Zipf, Bretstein ou Vöcklabruck. Não obstante, houve algumas empresas privadas alemãs e austríacas que, especialmente depois de 1942, exploraram os republicanos que ficaram vivos.

A maior delas foi a Steyr-Daimler-Puch que empregou internos de Mauthausen, desde 1941, para trabalhos de construção em sua fábrica de Steyr. Em 1942 negociou com os altos mandatários do regime a utilização de prisioneiros no processo de fabricação de armamento e veículos para o exército. Fruto dessas conversas, Himmler aprovou a construção de um subcampo, dependente de Mauthausen, que dotasse a fábrica de operários. Meio milhão de espanhóis se viram obrigados a trabalhar em condições inumanas. Uns dez por cento deles morreu no próprio subcampo, assassinados violentamente ou por uma mortal combinação de fome, esgotamento e frio. A empresa também dirigiu fábricas nos túneis de Ebensee e Gusen, pelos quais passaram um menor número de republicanos.

A outra grande companhia armamentista que se aproveitou dos trabalhadores de Mauthausen foi a Masserschmit, que instalou uma de suas maiores plantas nos túneis da Bergkristall, próxima de Gusen. Foram poucos os espanhóis que trabalharam nela fabricando fuselagens e outras peças para diversos modelos de aviões de combate. Contudo, como ocorreu com a fábrica da Steyr-Daimler-Puch de Ebensee, dezenas de republicanos pereceram junto a milhares de soviéticos, poloneses, judeus e tchecos na perfuração das galerias subterrâneas em que se alojam suas fábricas.
Prisioneiras escravas do campo de concentração de Ravensbrück
As prisioneiras espanholas deportadas para Ravensbrück trabalharam em diversas empresas que fabricavam armamento e peças para veículos e aviões do Exército alemão. A mais conhecida delas foi a Siemens und Halske, que em 1942 construiu uma fábrica junto ao campo de produção de componentes eletrônicos destinados aos mísseis V1 e V2. A princípio, as mulheres seguiam dormindo em Ravensbrück e se deslocavam cada dia até a fábrica. Em fins de 1944, para poupar tempo, a Siemens construiu uns barracões na própria fábrica nos quais alojou suas trabalhadoras forçadas. As condições de vida eram igualmente duras como no campo central e capatazes se encarregavam de que as mulheres débeis e enfermas fossem devolvidas a Ravensbrück onde, geralmente, acabavam sendo executadas.

Junto a estas grandes companhias, houve também pequenas empresas que se aproveitaram do trabalho escravo dos prisioneiros. Em Mauthausen destacou, por cima do resto, a empresa local de materiais de construção Poschacher. Seu dono, Anton Poschacher, pagou à DEST para ter a sua disposição um grupo de reclusos. No total, em seu pequeno canteiro trabalharam 42 espanhóis menores de 18 anos. A empresa tirou um grande benefício do emprego desses jovens, pelo que pagava à DEST menos de 50% do salário que havia cobrado um trabalhador austríaco. Depois da guerra, seus responsáveis não foram perseguidos. A empresa não só conseguiu manter suas posses, como ainda ampliou e hoje em dia é a proprietária da maior parte dos terrenos que morreram 120.000 prisioneiros de Mauthausen, entre eles, 5.000 espanhóis.

Este artigo recolhe estratos do livro "Los últimos españoles de Mauthausen" (Os últimos espanhóis de Mauthausen) da Editora B. Nele são citados devidamente as diversas fontes consultadas.

Fonte: El Diario (Espanha)
http://www.eldiario.es/el-holocausto-espa%C3%B1ol/hitler-concentracion-deportado-mauthausen-gusen-ravensbruck-franco_6_369273071.html
Título original: Los empresarios de Hitler y el negocio de los campos de concentración
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O revisionismo neofranquista (1): guia de uso - Pío Moa

Acho que é preciso destacar que na Espanha, por volta dos anos oitenta, consolidada melhor ou pior a Transição e ainda distantes dos oito anos (1996-2004) de governo de José María Aznar, em que discutir sobre a 2ªR (2ª República) e a GCE (Guerra Civil Espanhola) era, ao menos na Universidade, um exercício de relativa unanimidade. Desterrados os argumentos da propaganda franquista, a Segunda República deixava de ser um caos anárquico de roubos, mortes e violações e se convertia em uma oportunidade de progresso perdida; o "Movimento" de regeneração nacional iniciado em julho de 1936 passava a ser considerado um golpe de Estado de livro e a Guerra Civil já não se decidia por intervenção divina, como boa cruzada, senão pelo abandono das democracias europeias frente à aliança de Hitler, Mussolini e Franco. Sinceramente, não parecia haver nada de extraordinário nisto. Toda ditadura constrói mitologias heroicas de luta e resistência por diversos motivos, e se crer nelas como se subministram requer sectarismo e ignorância em partes iguais.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

"Na Legião Azul franquista houve poucos voluntários e muitos forçados". Entrevista de Xavier Moreno

Referimo-nos ao livro "La División Azul. Sangre española en Rusia, 1941-1945" (Barcelona, 2004) [A Divisão Azul. Sangue espanhol na Rússia, 1941-1945]; Hitler y Franco. Diplomacia en tiempos de guerra, 1936-1945" (Barcelona, 2007) [Hitler e Franco. Diplomacia em tempos de guerra, 1936-1945]; e agora se publica "Legión Azul y Segunda Guerra Mundial. Hundimiento hispano-alemán en el Frente del Este, 1943-1944" (Madrid, 2014) [Legião Azul e Segunda Guerra Mundial. Afundamento hispano-alemão na Frente do Leste, 1943-1944].

Dado que a Legião Azul é pouco conhecida entre o grande público, devemos considerar que podia ser de interesse para nossos leitores entrevistas este especialista nas relações existentes entre o franquismo e o Terceiro Reich, cuja generosidade agradecemos por ter concedido responder nossas perguntas.

Que relação tem a Legião Azul com a Divisão Azul?

Muita, tanto que nasceu dela. Concretamente, quando a Divisão Azul foi retirada do Front, em outubro de 1943, por ordem de Madrid ficou na Rússia um pequeno contingente, a Legião Azul, de modo que remanente que evitasse possíveis reações alemãs e, a par, a imagem de que a Espanha abandonou a Alemanha a sua própria sorte.

Um soldado da Divisão Azul coloca um crucifixo na tumba de um companheiro.
Quem tomou parte da Legião Azul?

Em tese, 2.269 homens, dos quais em meu livro "Legião Azul e Segunda Guerra Mundial", listo os nomes e dados pessoais de 2.199. De fato, até agora se acreditava que eram os mais ideologizados entre os divisionários, mas não foi bem assim: majoritariamente foram os últimos a chegarem à Rússia que ficaram retidos por el mando. Portanto, algo pouco voluntário e muito forçado.

Qual foi sua trajetória?

Primeiro sua entrada em combate foi retrasada pelo Ministério do Exército (o Min. do Exterior era totalmente contrário a sua existência). Depois, já no Front, foi parcialmente utilizada contra os partisans, o que desagradou bastante a maior parte de seus membros. Por outra parte, ficou concentrada num Front em apreensivo ante a possibilidade do início da esperada ofensiva de inverno do Exército Vermelho. Ações de patrulha e vigilância ocupavam as horas. E finalmente, quanto o ataque foi desencadeado, a retirada foi de grande magnitude, tanto que afetou a todo o Grupo de Exércitos do Norte. A marcha foi um desastre.

Capa do livro Legião Azul, o estudo mais completo sobre o tema.
Foi relevante em termos bélicos/militares?

Não, pois eram muito poucos homens numa frente de magnitude enorme. Apontar aqui que, contudo, a luta a que se viu enfiada foi brutal, pois falamos de dezembro de 1943 e janeiro de 1944 na Rússia, quando a Alemanha havia perdido já toda a possibilidade de vitória e ficou ocupada na defesa de suas cada vez mais minguadas conquistas.

Qual foi a atitude de Franco ante a Legião Azul?

A de sempre: de passividade. Ainda que foi ele quem recolheu a ideia do ministro do Exército, Carlos Asensio, e a criou, não optou por retirá-la até que a pressão dos Aliados o obrigou.

A Legião Azul foi o último vestígio da colaboração militar franquista com Hitler.
Foi mitificado o papel da Legião Azul?

Não se pode mitificar seu papel enquanto que não participou de nenhum grande hecho de armas. Mas bem que tentaram esquecê-la, e muito pouco se havia escrito sobre ela. De fato, para mim seu estudo significou o ponto final de uma trilogia que comecei há dez anos já com a Divisão Azul (2004) e prosseguiu com "Hitler y Franco" (2007).

* Podem acessar o índice de Legião Azul clicando aqui.

XAVIER MORENO JULIÁ (Barcelona, 1960) é doutor em História Contemporânea pela Universidade de Barcelona e professor da Universidade Rovira i Virgili, de Tarragona. É prêmio nacional de Pesquisa e publicou uma trilogia de relevantes investigações sobre a Divisão Azul e seu contexto.


Fonte: Blog de Xavier Casals (Blog sobre extremismo y democracia, Espanha)
http://xaviercasals.wordpress.com/2014/12/18/entrevista-a-xavier-moreno-en-la-legion-azul-franquista-hubo-poco-voluntario-y-mucho-forzado/
Título original: Entrevista a Xavier Moreno: “En la Legión Azul franquista hubo poco voluntario y mucho forzado”
Tradução: Roberto Lucena
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Observação: sugestão de blog sobre fascismo e extremismo para lerem (em espanhol), Blog de Xavier Casals, com um post para um PDF de livro sobre conceitos do Fascismo, abaixo.
Link: Nuestro ensayo "¿Qué era? ¿Qué és? El fascismo" en PDF gratuito

Há mais blogs sobre fascismo e segunda guerra acrescentados na parte de "favoritos" (Destaque) no blog, canto esquerdo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Auge e renovação do antifranquismo

Membros da UMD, oposição ao franquismo
O fenômeno da "nova esquerda" na Espanha tem que ser retraído ao momento do surgimento de protestos estudantis em 1956. Além das dissidências da esquerda tradicional, existiram outras duas fontes ideológicas no catolicismo e no nacionalismo. A gestação da nova esquerda se prolongou durante uma década para, desde 1967, entrar num período de transição, numa etapa superior de consolidação que durou até 1971. As famílias políticas da nova esquerda foram a maoista, a marxista-leninista, a trotskista e a anarcomarxista. A esses novos grupos políticos, unia-se o rechaço ante os partidos trabalhistas históricos e sobretudo ao PCE (Partido Comunista Espanhol), que eram acusados de reformismo ou revisionismo. Autodefiniam-se como organizações revolucionárias que rechaçavam o conjunto do sistema social existente na Espanha sendo, portanto, não somente antifranquistas senão anticapitalistas e contrários aos blocos. Cada uma das famílias políticas da nova esquerda estava dividida por sua vez em várias formações políticas segundo as correntes ideológicas, movimentos sociais e organizações que haviam surgido. De todas as formas, a principal fonte desses grupos seria uma série de organizações-pontes que haviam vivido seu orto e ocaso durante os anos sessenta, como a FLP e a AST.

A cavalo entre o fenômeno do radicalismo esquerdista e a dissidência dos partidos históricos da oposição, apareceria outra série de formações políticas. O comunismo espanhol foi o mais afetado por este fenômeno de fracionamento apesar de viver ao final da ditadura uma etapa de cenit, sua década prodigiosa. Ao revisionismo de figuras como Fernando Claudín e Jorge Semprún, expulsos do partido comunista em 1965, houve que somar a saída de facções autodenominadas marxistas-leninistas em 1964 (PCE m-1) e 1967 (PCEi e Bandeira Vermelha), assim como o surgimento de grupelhos pró-soviéticos desde 1970. O debate a partir de 1964 foi enfrentado por Claudín e Semprún com o resto da direção do PCE e se pode resumir na existência de diferentes interpretações da realidade espanhola, do stalinismo e do funcionamento do partido.

A condenação de Santiago Carrillo da intervenção soviética na Tchecoslováquia trouxe consigo a criação de grupos como o liderado pelo general soviético Enrique Líster. Além disso, entre 1971 e 1973, surgiu dentro do PCE uma autodenominada Oposição de Esquerdas que, a partir da crítica da democracia interna no seio do partido, passou a coordenar o recente giro europeísta e a se alinhar com posições pró-soviéticas.

De todas as maneiras, não há que exagerar o alcance dessas dissidências no seio do PCE. A mística do antifranquismo e a disciplina do centralismo democrático atrasou o grosso das lutas internas no seio do partido comunista para o tempo posterior à morte de Franco e as primeiras eleições democráticas.

A partir da condenação da intervenção soviética na Tchecoslováquia, o PCE foi evoluindo para o que seria conhecido como eurocomunismo. O passo seguinte nesta evolução ideológica foi o reconhecimento da conveniência que a Espanha se incorporaria num futuro ao Mercado Comum Europeu. Depois do VIII Congresso em 1972, os comunistas elaboraram um documento conhecido como o Manifesto-Programa, aprovado definitivamente em 1975, no qual terminavam identificando socialismo com democracia e pluralismo político.

A política do PCE durante esses anos finais do regime de Franco se alimentou dos movimentos sociais. A ideia de reconciliação nacional se uniu à proposta de um pacto para a liberdade que unisse as denominadas forças de trabalho e da cultura. Ainda que os progressos na coordenação da oposição eram todavia débeis, com a exceção da Catalunha, os comunistas conseguiram uma orla de aliados tácitos, sobretudo da nova esquerda, no seio de movimentos sociais como o estudantil ou Comissões Trabalhistas. Haveria que esperar o momento da revolução portuguesa e a enfermidade de Franco para que Carrillo decidisse dar um precipitado salto adiante lançando em Paris a Junta Democrática. Ao PCE se uniram grupos como o PTE e os carlistas mas, sobretudo, personalidades como Calvo Serer, García Trevijano, Tierno Galván, Vidal Beneyto e Rojas Marcos. Contudo, Carrillo não conseguiu a colaboração do PSOE, de nacionalistas, democrata-cristãos e liberais, e da maior parte da nova esquerda. Alguns setores da oposição que, depois de anos de negociações, terminaram agrupando-se em 1975 à Plataforma de Convergência Democrática.

Para o campo dos socialistas, os anos sessenta também foi um tempo de crise e de fracionamento. A incapacidade da direção de Toulouse, encabeçada pelo veterano Rodolfo Llopis, de aglutinar ao novo antifranquismo radical se uniu o estancamento de sua política de centro-esquerda, aberta à oposição moderada monárquica ou acidentalista. Por outro lado, a implantação dos socialistas do PSOE e da UGT nos movimentos sociais, fora dos redutos industriais no Norte da Espanha, foi muito limitada durante os anos sessenta. Este temporal desencontro com a nova geração antifranquista de 1956-68 se deveu à rigidez da política do PSOE contrária, por exemplo, à unidade de ação com os comunistas, o "entrismo" em instituições do Regime como o Sindicato Vertical, ou a prioridade do ativismo clandestino. Deste modo, toda uma série de novos grupos que se autodefiniam socialistas não conseguiram a integração no colo dos históricos PSOE e UGT. Exemplo disto foi o desencontro com organizações como a ASU, os socialistas catalães do MSC e de outras regiões, o grupo de Tierno Galván e outros neosocialistas madrilenhos, ou o sindicalismo socializante de novos grupos procedentes do trabalhismo católico.

A médio prazo, entretanto, a política socialista de presença internacional, de relações com os meios ideologicamente afins no Ocidente, viria a ser um ativo político fundamental para o momento da transição para a democracia.

Neste contexto de auge do PCE, de emergência da nova esquerda e de desencontro com os neosocialistas, a renovação do PSOE iria se dar no final dos anos sessenta. Os primeiros passos do processo de mudança interna se produziram no seio das Juventudes Socialistas em 1970 e da UGT em 1971. Contudo, a transição interna dos socialistas se prolongaria durante a totalidade dos anos setenta. Houve uma primeira fase de lutas internas, incluindo as incisões minoritárias do que se conheceria como o PSOE histórico, até o Congresso do PSOE em Suresnes em 1974, que incumbiu a Felipe González a liderança do partido e completou o transporte da direção ao interior da Espanha. Paralelamente, mas sobretudo depois da morte de Franco, produziu-se o aglutinamento de boa parte do antifranquismo a partir de uma ótica de radicalismo ideológico. Um radicalismo definido como reformismo revolucionário que, além do realce dos conteúdos anticapitalistas do socialismo e da definição marxista do partido, implicava no neutralismo, na república federal e autogestão.

Em todo caso, a nova direção socialista clandestina viria a conseguir estender a rede de federações provinciais pelo conjunto da geografia espanhola, reconstruir o sindicato UGT como entidade diferenciada do partido e responder com agilidade a mutante conjuntura política do franquismo tardio.

Neste momento final da ditadura, a oposição moderada, em sua maior parte partidária de opção monárquica, também procedeu remoçar suas plataformas organizacionais. As formações democrata-cristãs, nacionalistas, liberais e social-democratas constituíram novos partidos ou buscaram a coordenação de suas famílias políticas. Por exemplo, os democrata-cristãos constituíram uma plataforma confederativa que unia os grupos de Ruiz Giménez, Gil Robles, o PNV e a União Democrática da Catalunha.

Outro fenômeno de grande significação foi o surgimento de uma semi-oposição, a meio caminho entre a Administração do Estado e das forças antifranquistas ilegais, que viriam a jogar uma peça-chave junto à oposição moderada, na formação da União de Centro Democrática. Um dos grupos mais significativos deste processo foi a firma coletiva Tácito no diário católico "Ya" (Já). Esta zona intermediária permitiu a comunicação e, em seguida, colaboração de jovens reformistas do Regime com a oposição moderada.

Em definitivo, ainda que a oposição política e os movimentos sociais não pudessem derrubar o regime franquista, sua crescente implantação avivou a divisão da classe política do mesmo, restando possibilidades aos projetos de reforma que não tiveram como horizonte a restauração da democracia. Por tudo isto, o papel da oposição no final do regime, radicava sobretudo na conformação de uma cultura democrática da sociedade, na preparação da representação desta e no legado que a histórica conservava no plano da legitimidade.

Auge e renovação do antifranquismo
Membros da UMD, oposição ao franquismo (Foto, arquivo do site ArteHistoria)
Época: Final do franquismo
Início: Ano de 1957
Fim: Ano de 1975

Antecedente: A oposição democrática


(C) Abdón Mateos e Alvaro Soto

Fonte: site ArteHistoria (Espanha), da Junta de Castela e Leão
http://www.artehistoria.jcyl.es/v2/contextos/7449.htm
Título original: Auge y renovación del antifranquismo
Tradução: Roberto Lucena

sábado, 22 de fevereiro de 2014

A psiquiatria de Franco. A mulher, intermediário entre criança e animal

Mulher, entre criança e animal
Rodolfo Serrano; Madrid, 7 de janeiro de 1996

Antonio Vallejo-Nágera,
psiquiatra franquista
As mulheres marxistas também foram objeto de estudo. Vallejo-Nágera e Eduardo M. Martínez, diretor da Clínica Psiquiátrica de Málaga e diretor da prisão desta cidade, analisaram 50 presas de guerra. O método foi similar ao empregado com os brigadistas; mas com uma exceção: para os homens foi realizado um estudo antropomórfico, mas "no sexo feminino", escreve Vallejo e Martínez, "carece de finalidade pela impureza dos contornos". O conceito que ambos professores tinham sobre a mulher é perfeitamente expresso em seus textos.

Para justificar o alto grau de participação feminina nas fileiras da República, recordam sua "debilidade mental" e asseguram que "como o psiquismo feminino tem muitos pontos de contato com o infantil e o animal", quando se rompem os freios sociais que contém a mulher "despertando-se no sexo feminino o instinto da crueldade e ultrapassa todas as possibilidades imaginadas, precisamente por lhes faltar inibições inteligentes e lógicas".

Em busca do 'gene vermelho'

Mas não só isso. Ambos os professores estavam convencidos de que "nas revoltas políticas" as mulheres têm oportunidade "de satisfazer seus apetites sexuais latentes". A sexualidade das presas é estudada com verdadeiro interesse.

Destacam sua libertinagem, - advertem que foram sinceras ao se pronunciar nos interrogatórios, salvo nas "infidelidades conjugais que nenhuma confessou" - e oferecem tabelas sobre virgindade e desfloração e sobre as perversões sexuais das presas. Mas neste último aspecto dizem que "são raras as marxistas malaguenhas (de Málaga), pois somente três delas conhecem toda classe de perversões sexuais". "O amor lésbico tampouco é muito frequente", escrevem, "já que só seis pessoas (das 50), uma delas virgem, mostrou tendência deste tipo".

Os professores concluem que a mulher quando se lança à política "não o faz arrastada por suas ideias, senão por seus sentimentos que alcançam proporções imoderadas, inclusive patológicas, devido à irritabilidade da personalidade feminina". E sublinham que a crueldade feminina "não fica satisfeita com a execução do crime, senão que aumenta durante sua realização".

Somente três presas, das estudadas, segundo ambos doutores, apresentava uma inteligência superior. E seis, boa. O resto oferecia inteligência média ou inferior. E duas eram débeis mentais, segundo o estudo. A conclusão dos autores era de que o marxismo espanhol se nutria das pessoas menos inteligentes da sociedade.

Fonte: El País (Espanha)
http://elpais.com/diario/1996/01/07/espana/820969221_850215.html
Tradução: Roberto Lucena
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Este texto estava em destaque como link no texto maior "Em busca do 'gene vermelho' ("ciência" fascista) - Vallejo Nágera", sobre um psiquiatra fascista espanhol. Quem quiser ler, segue abaixo:
http://holocausto-doc.blogspot.com/2014/02/em-busca-do-gene-vermelho-ciencia-fascista-vallejo-nagera-franquismo.html

Pra minha surpresa, a família desse psiquiatra fascista, Vallejo Nágera, ainda tem destaque na Espanha.

Ambos textos são de 1996 do jornal El País (Espanha), sobre bizarrices/aberrações da "ciência" (médica) do franquismo. O termo bizarro é por minha conta pois não há como qualificar isso de outra coisa. Percebe-se o quanto os fascistas espanhóis contribuíram para o progresso da ciência (conteúdo obviamente irônico) com sua misoginia (ódio ao sexo feminino) provavelmente oriunda de cultura religiosa.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Em busca do 'gene vermelho' ("ciência" fascista) - Vallejo-Nágera

Antonio Vallejo-Nágera dirigiu em 1938 um estudo sobre prisioneiros de guerra para determinar que malformação levava ao marxismo
Rodolfo Serrano; Madrid, 7 de janeiro de 1996

Antonio Vallejo-Nágera
Imagem da web
Os vermelhos, nascem ou se formam? Que malformações, psíquicas ou físicas, levam a um homem ou a uma mulher ao marxismo? O professor Antonio Vallejo-Nágera, chefe dos Serviços Psiquiátricos do Exército de Franco, buscou a resposta a estes e outros interrogantes, estudando mediante testes psicológicos e medições antropomórficas a prisioneiros de guerra, fundamentalmente procedentes das Brigadas Internacionais. Durante dezembro de 1938 e outro de 1939, II e III Ano Triunfal, o famoso psiquiatra publicou - com outros colaboradores seus - até cinco relatórios na Revista Espanhola de Medicina e Cirurgia de Guerra, com o título genérico de Biopsiquismo do Fanatismo Marxista. Em suas páginas analisou "as relações que possam existir entre as qualidades biopsíquicas do sujeito e o fanatismo político-democrático-comunista". Não se limitou a estudar somente homens, também realizou um estudo em mulheres prisioneiras de guerra - cujo psiquismo "tem muitos pontos de contato com o infantil e o animal", escreve Vallejo - buscando uma explicação "à ativíssima participação do sexo feminino na revolução marxista". A conclusão do professor e seus colaboradores foi que o marxismo espanhol se nutre das pessoas menos inteligentes da sociedade.

Páginas obscuras

Pouco se sabe desses trabalhos que a comunidade científica preferiu manter em um piedoso esquecimento. Quase sessenta anos depois, os professores Javier Bandrés, da Universidade de Vigo, e Rafael Llavona, da Universidade Complutense, trouxeram à luz uma das páginas mais obscuras da psiquiatria espanhola. Seu trabalho - "A Psicologia nos campos de concentração de Franco" (La Psicología en los Campos de Concentración de Franco) -, que será publicado proximamente na revista especializada Psicothema, recolhe estudos e testemunhos de velhos brigadistas. San Pedro de Cardeña era em 1938 um velho monastério abandonado, a uns 13 quilômetros de Burgos. Para ali eram levados, à espera de sua execução, os brigadistas que foram feitos prisioneiros pelo exército de Franco. Conta-se que na entrada do campo havia uma estátua de El Cid com o braço levantado erguendo uma espada. A espada desapareceu um dia e o bom El Cid ficou só com o punho ao alto. Ao chegar, os brigadistas, levantavam seu punho respondendo àquele guerreiro que lhes recebia com a saudação revolucionária. As condições, tal como conta um dos que tiveram o amargo privilégio de passar por aquele campo, eram terríveis. "Ainda assim", conta Javier Bandrés, "os brigadistas tinham sorte se os comparassem com os prisioneiros espanhóis. Procurava-se manter os estrangeiros com vida para trocá-los por prisioneiros italianos nas mãos da República". Precisamente os que eram considerados piores eram os brigadistas italianos. Andreu Castells em seu livro "As Brigadas Internacionais na Guerra da Espanha" (Las Brigadas Internacionales en la Guerra de España) cita algo a este respeito e que é anotado no diário do genro de Benito Mussolini, o conde Ciano, em 22 de fevereiro de 1939. Conta que Franco está "limpando" a Catalunha. E aponta: "também foram detidos muitos italianos, anarquistas e comunistas: se digo ao Duce que me ordena que lhes fuzilem a todos. E acrescenta: os mortos não contam a história".

No campo de concentração de San Pedro de Cardeña, foi onde foram realizadas a maioria das pesquisas dirigidas por Vallejo-Nágera, através do Gabinete de Pesquisas Psicológicas da Inspeção de Campos de Concentração de Prisioneiros de Guerra. Bandrés e Llavona esclarecem que a ideia da criação do gabinete possivelmente não fora inteiramente de Vallejo. Alguns prisioneiros sobreviventes recordam que no campo estiveram membros da Gestapo "que tomavam medições antropométricas e interrogavam os prisioneiros". Também recordam que em San Pedro chegaram dois cientistas alemães que fizeram diversos testes nos reclusos.

Antonio Vallejo-Nágera, nascido em 1889 e falecido em 1960, pai do psiquiatra autor de numerosos livros de divulgação, Juan Antonio Vallejo-Nágera, ingressou no corpo de Saúde Militar em 1910. Durante a primeira guerra mundial esteve como agregado militar na embaixada espanhola em Berlim. E desde então teve oportunidade de trabalhar nos campos de prisioneiros de guerra. Ao estourar a guerra civil espanhola, ele era professor de psiquiatria na Academia de Saúde Militar. Foi nomeado chefe dos Serviços Psiquiátricos do Exército de Franco e criou em 1938 o já citado gabinete que dirigiu pessoalmente. Já no pós-guerra, tirou de sua cátedra o doutor López Ibor, que ele considerava "pouco afeito ao regime".

O próprio Vallejo explica os postulados de seu projeto de Biopsiquismo do fanatismo Marxista impulsionado do Gabinete de Pesquisas Psicológicas, "relação entre determinada personalidade biopsíquica e a predisposição constitucional ao marxismo", a "alta incidência do fanatismo marxista nos deficientes mentais" e a "presença de psicopatas antissociais nas massas marxistas".

Dividiu em cinco grupos as pessoas estudadas: prisioneiros das Brigadas Internacionais em San Pedro de Cardeña, presos espanhóis varões processados por atividades políticas, presas espanholas processadas pelas mesmas razões, separatistas bascos e marxistas catalães. Esses dois últimos grupos revestiam um especial interesse. Os bascos porque "se produz o curioso fenômeno do fanatismo político unido ao religioso" e os catalães porque "se une o fanatismo marxista e o anti-espanhol".

Bandrés e Llavona explicam que, utilizando suas próprias palavras, Vallejo "denomina revolucionários natos como esquizoides místicos políticos e sujeitos que induzidos por suas qualidades biopsíquicas constituintes e tendências instintivas, movidos por complexos de rancor e sentimento ou por fracasso em suas aspirações, possuem propensão, de certo modo congênito, a transtornar a ordem social.

Regenerar os prisioneiros

Vallejo-Nágera tentou inclusive regenerar os marxistas. Em seus trabalhos explica esses objetivos: "A reação social mais interessante ao objeto de nosso estudo é a transformação político-social do fanático marxista". É bem verdade que unicamente ensaiou seu programa de reeducação com os prisioneiros espanhóis. "Com os prisioneiros estrangeiros eu creio que as conclusões de Vallejo foram tão pessimistas que esse objetivo foi descartado", afirma Bandrés. Mas os marxistas espanhóis deviam ser duros de coração porque não parece que o projeto regenerador funcionou muito. Na realidade, a reeducação se limitava a lhes obrigar a desfilar, entoar gritos franquistas e a dar um curso religioso de seis semanas que ninguém conseguia superar e que, como consequência, repetia-se continuamente durante o período de cativeiro. Exemplo dos resultados de Vallejo são as conclusões sobre os prisioneiros norte-americanos, um grupo de 72 brigadistas, quase todos pertencentes à brigada Abraham Lincoln. Curiosamente, nenhum dos estudados deu uma inteligência alta no teste. E só um 19.44 mereceu a qualificação de boa. Ele leva ao psiquiatra afirmar que apesar de pertencer "a uma nação que se preza como inteligente e culta" - "sem sê-la", aclara Vallejo, as inteligências de grau inferior superam em muito as bem dotadas.

O professor Vallejo, contudo, reconhece surpreendido que a maioria dos brigadistas haviam vindo à Espanha para ajudar à democracia e que muitos dels confessavam com orgulho suas ideias antifascistas e democráticas e seu entusiasmo em defender a República. Mas inclusive este orgulho lhe fazia deduzir que "no fundo nos os temos como comunistóides, sem que falte uma elevada percentagem de reformadores idealistas e de revolucionários natos".

Antonio Vallejo-Nágera, que nos anos da guerra fria colaboraria num texto estadunidense sobre a psicopatologia das relações internacionais, não tem inibição alguma em afirmar ante o alto grau de revolucionários natos existe entre esses prisioneiros que "tampouco pode nos chocar o grande número de imbecis sociais, já que o meio ambiente cultural e social norte-americano favorece a formação de tal tipo de personalidade".

Alto grau de libertinagem

Também no estudo se tinha em conta fatores como o fracasso pessoal, o alcoolismo - no que encontra uma incidência altíssima entre os brigadistas -, simpatias pelo Exército e vida sexual. As conclusões de Vallejo neste sentido falam de que a frustração social levava ao marxismo, que tinha um esaso entusiasmo pelo Exército "típico de qualquer país democrático" - e que entre os marxistas havia um alto índice de temperamentos degenerativos e indivíduos oligofrênicos". Aos brigadistas hispanoamericanos ele os colocava contra a parede. São pouco inteligentes, incultos, bêbados e com uma religiosidade deprimente. E sim, reconhece que nenhum deles se sentia fracassado sexualmente.

A libertinagem sexual parece um elemento comum. Vallejo disse que "constitui a tônica dos marxistas norte-americanos" e assegura que os britânicos - nos que incluem escoceses, irlandeses, galeses e canadenses - superam em libertinagem sexual os demais grupos. Ao contrário dos ingleses.

Bandrés e Llavona concluem com uma amarga reflexão: "enquanto que um grupo de psicólogos norte-americanos mostravam sua solidariedade com a República, sobre a base de que o fascismo e a psicologia científica eram incompatíveis, Vallejo lançava a mensagem de que a psicologia científica podia se pôr ao serviço de qualquer ideologia, inclusive das totalitárias".

Fonte: El País (Espanha)
Título original: En busca del 'gen rojo'
http://elpais.com/diario/1996/01/07/espana/820969222_850215.html
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A Espanha franquista foi pioneira no "photoshop" do "pudor" (pra censurar)

Cartazes de filmes mostram a censura durante a ditadura na Espanha. Livro mostra como o regime cobriu decotes na Espanha franquista. Atualizado em 26 de dezembro, 2013 - 09:56 (Brasília) 11:56 GMT

A Espanha de Franco

O livro La censura franquista en el cartel de cine (A censura franquista nos cartazes do cinema) nasceu a partir da pesquisa de Bienvenido Llopis. Segundo ele, os cartazes mostram os “ajustes que os artistas tiveram que fazer” para se adequar “a linha da decência” imposta pelo regime.

A personalidade de Francisco Franco começou a se impor na Espanha em 1936, ano do início da Guerra Civil Espanhola. Franco liderou os nacionalistas, que se opunham à jovem república estabelecida em 1931. O conflito foi um dos mais sangrentos da Europa e considerado um ensaio para a Segunda Guerra Mundial.

Com a vitória, em 1939, Franco tornou-se ditador e governou o país com mão de ferro até sua morte, em 1975. Nesse tempo, obras foram censuradas, inimigos perseguidos e as identidades regionais oprimidas, caso do idioma catalão, proibido por Franco.

O livro "La censura franquista en el cartel de cine" mostra vários cartazes de filmes censurados como “The Biggest Bundle”, de 1968. A atriz Raquel Welch, de biquini, teve o corpo coberto, mas as pernas continuaram à mostra, assim como o decote na versão espanhola.


Na publicidade do filme que na Espanha ganhou o nome de “Amor a la Inglesa”, desaparece a cama em que o ator Peter Sellers aparece entediado esperando a namorada. Já a lingerie da atriz Sinead Cusack é substituida por uma saia vermelha.


Lançado em março de 1934, o filme estrelado por Joan Crawford e Gary Cooper fazia sucesso na Espanha. Crawford, no entanto, ficou publicamente do lado republicano na Guerra Civil Espanhola, que culminou com a vitória franquista. Em 1942, o filme ganhou outro cartaz, no qual o nome da atriz desaparece.


Marilyn Monroe também foi alvo de censura franquista. O decote, considerado ousado, foi retocado, para não mostrar mais do que o regime franquista considerava moral.


Francisco Franco foi ditador da Espanha de 1936 até sua morte, em 1975. Durante esse tempo, o Gabinete de Censura Democrático foi encarregado de rever a publicidade dos filmes que chegavam ao país. Na foto, imagem retocada da atriz italiana Sophia Loren.


O livro "La censura franquista en el cartel de cine" nasceu a partir da pesquisa de Bienvenido Llopis. Segundo ele, os cartazes mostram os “ajustes que os artistas tiveram que fazer” para se adequar “a linha da decência” imposta pelo regime.


Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2013/12/131225_galeria_censura_franco_4_mm.shtml

Ver matéria completa (em espanhol): “La censura franquista en el cartel de cine”, el régimen vs el poder de la imagen
http://culturacolectiva.com/la-censura-franquista-en-el-cartel-de-cine-el-regimen-vs-el-poder-de-la-imagen/

Observação: pois é, um decote era "algo criminoso" pra "moral e bons costumes" dos fáscios (que vê perversão em tudo por só pensarem em sacanagem o tempo todo). Vai ver que "tesão" pros fáscios (no caso da matéria são os da Espanha, embora todos os fascistas seguem a mesma linha, ou seja, são farinha do mesmo saco) era isso:

Repressão na Espanha franquista
Um decote é "pecado", já usar o garrote (link2) e bater no povo de forma deliberada pra reprimir, deve/devia ser algum tipo de tara/fetiche/perversão sexual deles. Esses fascistas são uma 'gente meio "estranha": caso Max Mosley.

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