Seguem trechos do livro do Mark Mazower mostrando a mesma coisa dos outros posts, o nazismo na extrema-direita. Eu já adianto, como já disse antes, que considero vexatório ter que fazer um texto sobre isso porque considero essa discussão batida, beirando o ridículo, só em um país dominado por um "analfabetismo político" (e funcional) fora do comum é necessário se chegar a um extremo de ter que mostrar o óbvio (porque os que panfletam bobagens só "leem" sites toscos da extrema-direita liberal que é quem panfleta essa asneira no país, como filial, já que a matriz fica nos EUA), quem afirma que nazismo é de "esquerda", "extrema-esquerda" etc está só panfletando, fora o "nível" de argumentação e discussão que esse pessoal usa pra "justificar" essa baboseira (o povo que critica o "tom" nunca deve ter visto as baboseiras que temos que ler sobre isso, fora os "elogios" recebidos, vulgo "xingamentos"), com esse pessoal rotulando até gente de direita (que chama o nazismo pelo que é, de extrema-direita) como "esquerdistas que foram doutrinados pelo gramscismo" (risos).
Estou "rindo" (aspas) pra não chorar, mas... essa cretinice militante no país preocupa, é só ver os resultados da coisa com o caos que essa gente lançou o país, com a 'anuência' (concordância velada ou não) da outra parte que ficou inerte só "assistindo" o agravamento do caos começado em 2013, na "esperança" sabe-se lá de quê (golpe de estado, perda de direitos trabalhistas, terceirização irrestrita, destruição da previdência social etc), coisas que afetam até esse pessoal que agora está 'meio perdido' sem saber o que fazer ou no que se meteram. É o velho dito, não se mete em briga de "cachorro grande" sem saber o que está por trás da 'peleja', sem saber qual o embate ideológico que atravessa décadas no país que é o implante do [neo]liberalismo e sucateamento do Estado brasileiro pra manter o caráter 'subdesenvolvido' do Brasil como "país periférico", neocolonizado e área de exploração externa, e o povo do país consequentemente "que se dane", pois é só um "detalhe" pra esses grupos de pressão e seus apoiadores (igualmente lacaios).
Mark Mazower: É professor de história da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e do Birkbeck College de Londres. Lecionou também em Sussex (Inglaterra) e Princeton (EUA). Escreve sobre assuntos internacionais para o Financial Times. Ganhou o prêmio Bentinck por Continente sombrio: a Europa no século XX. (descrição tirada do site da Cia. das Letras, quem publicou o livro em português).
Livro: O império de Hitler (A Europa sob o domínio nazista)
Título original: Hider's Empire: Nazi Rule in Occupied Europe
Pág. 80
A preocupação com o sofrimento dos “alemães no estrangeiro” não estava confinada às agrupações paramilitares extremistas ou aos teóricos de perfil nazista. Os poloneses tiveram espetacular êxito na “desgermanização” dos domínios que antes haviam sido prussianos. Assentaram dezenas de milhares perto de Gdansk e construíram um porto rival nos arredores. E a saída de muitos alemães trouxe mudanças drásticas no equilíbrio da população. Em Poznan/Posen, os alemães constituíam apenas 2% da população em 1930, em comparação com os 42% em 1910; em Bydgoszcz/Bromberg, essa proporção caíra de 77% para 8,5%. Em Weimar havia uma preocupação generalizada com os refugiados alemães e um grande apoio às instituições culturais e às associações de assistência social que tinham por objetivo fortalecer a “germanidade”. A venerável Verein fiir das Deutschtum im Ausland (v d a ) — que distribuía recursos estatais e privados para as escolas das minorias alemãs e outras organizações — tinha mais de 2 milhões de associados. A v d a era uma organização oficial, mas também se referia aos governos estrangeiros de maneira hostil, como se travassem uma guerra contínua de extermínio cultural contra os alemães no estrangeiro. Visões mais radicais prosperavam nos novos institutos de pesquisa para o estudo do' Volksdeutsche.1
Pág. 103-104
Mesmo assim, sob o governo de Tiso os políticos católicos conservadores da Eslováquia exploraram com habilidade o pouco espaço de manobra que obtiveram. Tirando vantagem da relutância de Berlim em abandonar sua postura de libertador, eles criaram um sistema político mais autoritário do que propriamente nazista e marginalizaram sua extrema direita. Obrigaram os alemães a duras negociações antes de permitir que usassem a Eslováquia para deslocamentos contra os poloneses e, embora representassem de bom grado uma legislação antissemita alinhada com o exemplo alemão, nem por isso se interessaram em implementar um cunho racial em suas leis internas. Dessa forma, a Eslováquia tornou-se um modelo da Nova Ordem de várias maneiras. Os alemães nunca se sentiram tão seguros quanto gostariam a respeito dos eslovacos. Embora a maioria visse a Eslováquia como um Estado fantoche, alguns dirigentes de Berlim consideravam o país um exemplo do que poderia acontecer quando se permitia que "pequenas nações" tivessem liberdade demais.15
Págs. 107-108
Não havia nada de especificamente nazista em enaltecer uma guerra para reparar as mágoas de Versalhes, pois a maioria dos alemães apoiava essa atitude. O que era característico do regime — e aliás dos que apoiavam os militares — era o extremismo de seus planos para transformar o conflito numa dura luta racial contra os poloneses. Manuais de treinamento apresentavam aos soldados um retrato negativo dos poloneses, e agora seus superiores confirmavam aquilo. “Soldados da 21- Divisão! Isto é pela honra e pela existência da pátria”, proclamou um general às vésperas da invasão.
A Prússia Oriental está em perigo [...] Marcharemos pela antiga terra alemã que nos foi arrancada pela traição de 1919. Nessas antigas regiões do Reich nossos irmãos de sangue sofreram uma assustadora perseguição! Este é o espaço vital do povo alemão.20Pág. 149
Embora os nazistas tivessem planejado tratar a Noruega da mesma maneira, a invasão do país foi uma tarefa muito mais difícil, tanto militar como politicamente. Depois de um ataque de surpresa que fez Oslo cair em mãos alemãs, os noruegueses reagiram com determinação. Para complicar as coisas, Vidkun Quisling — um radical de extrema direita que tinha pouco apoio no país — aproveitou a oportunidade para declarar a formação de um governo provisório chefiado por ele mesmo. Hider simpatizava com suas ideias, mas o afastou e nomeou em seu lugar, como comissário do Reich, um antigo companheiro do partido. O homem que ele escolheu, Josef Terboven, já era governador provincial da Renânia, onde gozava merecida reputação por sua crueldade. Havia recebido a Cruz de Ferro na Primeira Guerra Mundial, antes mesmo de abandonar a universidade, de participar do Putsch da Cervejaria em 1923 e de se casar com uma ex-secretária de Goebbels. Tendo se mudado para a residência do príncipe herdeiro (onde se suicidou cinco anos mais tarde explodindo uma bomba), o rude Terboven não tinha os dotes de persuasão necessários para convencer os abalados deputados noruegueses a formar um novo governo pró-alemão. O presidente do Parlamento chegou a pedir que o rei Haakon abdicasse, mas este, irritado, recusou o pedido e fugiu para Londres, onde formou um governo no exílio. Enquanto isso, o interregno político em Oslo se arrastava. No fim de setembro Terboven perdeu a paciência: aboliu unilateralmente a monarquia, dissolveu todos os partidos, exceto o Nasjonal Samling (n s , Partido da União Nacional) de Quisling, e anunciou a formação de uma comissão estatal majoritariamente composta de membros do n s para governar o país. Foi um ruidoso tapa na cara da classe dirigente do país e desde o início condenou o novo governo à ilegitimidade. Embora a população fizesse muitas críticas ao rei por ter fugido, Quisling era muito mais detestado, e virtualmente toda a Noruega estava contra ele.
Pág. 409
A realeza italiana foi esperta em ficar de fora: o reino de terror da Ustase (Ustasha) que se impôs explicou amplamente por que em geral os alemães evitavam ceder poder para extremistas de direita. Dos 6,3 milhões de habitantes do novo Estado, apenas 3,3 milhões eram croatas: havia 1,9 milhão de sérvios, 700 mil muçulmanos, 150 mil alemães e 40 mil judeus. Mesmo assim, a Ustase empenhou-se em erradicar com violência os não croatas, em especial a influência no país dos sérvios e judeus. O governo proibiu o uso do cirílico, legalizou o confisco de propriedades de judeus e impôs uma nova lei de nacionalização. Ao mesmo tempo, esquadrões paramilitares embarcaram numa campanha de massacres contra sérvios, judeus e ciganos, e por mais de um mês, até que protestos dos alemães obrigaram uma breve desaceleração, as unidades da Ustase faziam um massacre atrás do outro, às vezes visando sérvios notáveis, mas em outras ocasiões, principalmente na Herzegóvina do Norte, chacinando comunidades inteiras com cenas grotescas de violência e sadismo. Quando as prisões ficaram superlotadas, uma série de campos de concentração foi construída ao redor de Jasenovac, perto do rio Sava, que logo se tornou um notório centro de matanças. Em junho, proeminentes servo-croatas apelaram ao governo sérvio em Belgrado para que os alemães interviessem. Eles não sabiam que Hitler já tinha se encontrado com Paveüc em seu retiro de Berchtesgaden e o havia instado a continuar sua política de "intolerância nacional” por cinquenta anos.50
Pág. 415
O uso de punições coletivas para forçar populações a obedecer foi reforçado quando comandantes de campo sentiram, tão nitidamente quando da ocupação da União Soviética e dos Bálcãs, que estavam com pouco pessoal e forçados ao limite. A essa altura, considerações de prestígio, semelhantes às presentes nas campanhas coloniais lutadas pelos italianos e outros, levaram a caminhos de represálias horríveis. O Exército italiano estava obedecendo a ordens nos massacres da Etiópia de 1937 e na "pacificação” de Montenegro em 1941. Assim como os húngaros em Novi Sad e os búlgaros em Drama. Algumas vezes os aliados dos alemães podem ter se sentido chocados com a brutalidade da Wehrmacht na Ucrânia e na Bielorrússia, mas não reagiram de maneira muito diferente ante a ameaça de seus próprios opositores. A inconfortável verdade é que a guerra de contrainsurgência era mais resultante do produto de certo estilo de luta europeu que do próprio nazismo. A tecnologia havia mudado nas décadas anteriores, mas em outros aspectos eles estavam lutando no mesmo espírito e seguindo as mesmas regras estabelecidas em suas campanhas coloniais e durante a Primeira Guerra. Claro, havia uma diferença crucial: no passado, autoridades civis às vezes conseguiram exercer uma influência moderada sobre as militares — como fizeram, por exemplo, na Sérvia ocupada em 1917. Sob os nazistas, os extremistas eram os civis, sempre instando seus soldados a perder a inibição e aumentar o nível do terror. Diante da ameaça dos partisans, a Wehrmacht em particular perdeu de vista até mesmo as poucas restrições que em outra época inibiram seus predecessores.60
Págs. 482-483
A ideia de colaboração convida a pensar na relação da França com os alemães. Mas isso só levanta a questão de quem representava a França. Pois os conflitos entre as diferentes agências alemãs em Paris — por mais intensos que fossem — empalideciam em comparação com a desunião na própria França. Se o país não estivesse tão amargamente dividido na época da invasão, a ocupação teria seguido um rumo muito diferente, como mostra o exemplo da Noruega. Na verdade, muitos integrantes da direita francesa saudaram o colapso da democracia parlamentar e viram a ocupação como a oportunidade de acertar contas de décadas com a esquerda — do tempo do caso Dreyfus e talvez mesmo da Revolução. Mas só em relação à Frente Popular é que se tratava de um grupo organizado em algum sentido. Alguns oponentes da Terceira República admiravam e adoravam os ocupantes, enquanto outros os odiavam. Muitos apoiavam Pétain, pelo menos por algum tempo, mas havia os que o detestavam e esperavam que os alemães o eliminassem em favor de uma alternativa mais radical de extrema direita. A história do colaboracionismo parece mais uma complicada briga de família que a guerra de conquista da Alemanha expôs e tornou muito pior, e explica por que a ocupação representava tamanha ameaça à unidade nacional e continua a ser assunto tão sensível até hoje.2
Pág. 489
Os ultras estavam agitados — especialmente quando Heydrich e a SS começaram a voltar sua atenção para a França — e eram muito mais extremistas que Déat. Eugène Deloncle era oficial condecorado da artilharia, um personagem sombrio, instável e violento da periferia do fascismo francês de antes da guerra cuja organização paramilitar e antirrepublicana Cagoule fora apoiada na década de 1930 pelos executivos direitistas da gigante dos cosméticos UOréal. Cauteloso, o comandante militar alemão em Paris havia “tolerado”, mas não “autorizado”, o Mouvement Social Révolutionnaire (m sr), sucessor da Cagoule, cuja bandeira era “a construção de uma nova Europa juntamente com a Alemanha nacional-socialista e todos os outros países europeus libertados do capitalismo liberal, do judaísmo, do bolchevismo e da maçonaria”. O m sr — que prezava tanto proclamações quanto as outras agrupações políticas da ocupação — queria regenerar a França “racialmente”, para evitar que judeus “contaminassem” o sangue francês, e criar uma economia socialista. Saquear as propriedades dos judeus era um estímulo adicional, como também, apesar do suposto compromisso com o socialismo, o apoio contínuo da L'Oréal. Mas quando Deloncle tentou tomar de Déat o controle sobre o RNP, os dois acabaram enfraquecidos pelo conflito interno.
Págs. 489-490
Os conflitos internos entre as agências alemãs em Paris eram igualmente ferozes. Deloncle também foi apoiado pela SiPo/SD . Equipados com os explosivos que ela lhes fornecia, seus homens tentaram dinamitar sete sinagogas em Paris na noite de 2-3 de outubro de 1941. Seis dos edifícios foram danificados, juntamente com outros ao redor; dois soldados alemães e inúmeros residentes franceses estavam entre os feridos. Quando a polida militar investigou as explosões, o SD tentou encobrir sua participação, alegando que aquilo não passava de “uma história de judeu”, e houve um choque frontal com o comandante militar da Wehrmacht, que logo descobriu a ligação quando um dos assessores de Deloncle, embriagado, alardeou os fatos numa casa noturna de Paris. O general Von Stülpnagel exigiu a retirada dos dois altos oficiais da SS em Paris e impediu que Deloncle fosse se juntar a seus homens na frente oriental. O caso abriu um fosso entre a Wehrmacht e a ss que afinal deu a Heydrich a abertura para tomar o comando do policiamento na França e nomear seu próprio HSSPF na primavera seguinte. Quanto a Deloncle, ele perdeu o controle sobre o m sr , envolveu-se em contatos com agentes secretos aliados e acabou sendo morto numa troca de tiros com a Gestapo em janeiro de 1944. Não foi um fim atípico no torturado mundo do extremismo francês.8
Págs. 492-493
Céline não foi o único escritor renomado a cultuar o fascismo. O jornalista e crítico Lucien Rebatet publicou uma diatribe violenta e antissemita chamada Les Décombres [As ruínas] contra os responsáveis pela queda da França, elogiava a cultura alemã e via um "profundo significado político” no disciplinado estilo da Orquestra de Câmara de Berlim. Na direção da prestigiosa Nouvelle Revue Française, o escritor Drieu La Rochelle imprimiu-lhe uma linha antidemocrática e pró-alemã e sonhava com uma "terceira via” europeia fascista, entre os Estados Unidos e a ameaça do bolchevismo. O mesmo fazia Robert Brasillach, outro brilhante e jovem literato extremista, que considerava os franceses "um povo absurdo e medíocre” e insistia em louvar os jovens alemães e criticar os velhos senis que ostentavam cargos em Vichy. Seu fascínio por um belo e jovem professor do Instituto Alemão teve um trágico desfecho quando este foi morto em ação na frente oriental. Visitando a floresta de Katyn como jornalista, ele se recordou do amigo e saudou sua amizade como a expressão de uma Europa rejuvenescida que derrotaria tanto a complacência burguesa como "as forças do Leste”. Para Brasillach, Pétain e Vichy tinham chegado a um beco sem saída e, à medida que a colaboração entrava em colapso, passou a confiar exclusivamente nos alemães. A queda de Mussolini o comoveu profundamente e parecia anunciar o fim de seu
ideal de uma Europa fascista: "Uma França fascista numa Europa fascista, que belo sonho!”. Mas, à diferença de muitos outros ultras, ele se recusou a abandonar suas convicções. Mesmo nos dias sombrios do fim de 1944, quando viu que os ventos sopravam na direção "do templo da paz universal, da irmandade imposta a todas as raças e credos”, Brasillach ainda acreditava que o fascismo tinha sido "a verdade mais emocionante do século XX”.10
Aquela era a perspectiva ultra, mas certamente não a de Cocteau: ele não era um extremista e valorizava mais a sociedade e a sociabilidade que a ideologia. "Eventos me entediam”, confidenciou o poeta Valéry a Gerhard Heller por volta dessa época. "Os eventos são a espuma das coisas. É o mar que me interessa.” No que dizia respeito à política, os sentimentos de Cocteau eram muito semelhantes. A situação foi ficando sombria à medida que amigos fugiam do país ou passavam à clandestinidade. Alguns escreveram cartas angustiadas antes de ser presos e deportados, e um ou dois se suicidaram. Junto com Picasso, em 1943 Cocteau foi ao enterro do pintor exilado judeu Chaim Soutine, um ato de solidariedade para com um homem que tinha morrido fugindo da Gestapo. Sua vida social, no entanto, mantinha o ritmo frenético. Encantava-se, como tantas outras vezes, com a "beleza prodigiosa” de Paris — os alemães que apareciam para lhe prestar homenagens, os visitantes da zona livre, sempre "estupefatos pela cidade”, os restaurantes "que vendem de tudo o que supostamente está proibido”; os caçadores de autógrafos perseguindo estrelas e atores de cinema nas ruas. "Como os alemães devem se espantar com esta primavera”, divertia-se ele em maio de 1942. "Essas flores, esses chapéus femininos, esses pequenos carrinhos puxados por equipes de ciclistas, pela incrível graça da resistência do ar! Paris digeretudo e não assimila nada. Um espetáculo de profunda leveza.. .”11
Págs. 494-495
O próprio Cocteau tinha muito pelo que se sentir grato. Era o patrocínio alemão que o protegia dos extremistas franceses. Não particularmente interessado na política, ele demonstrou com que facilidade um espírito independente podia se dedicar às artes sob a ocupação alemã — na verdade, com sustento alemão. Com a aprovação dos censores, sua carreira no cinema durante a guerra decolou. Quando um artigo que o atacava apareceu numa revista de extrema direita, Cocteau observou que "todos os alemães riram do texto". À parte os ultras, a carreira de Cocteau tinha um lugar para quase todos, até mesmo o maréchal, cujo regime o atormentava. Em 1942, ele deu sua contribuição para uma luxuosa
obra de idolatria de Vichy, um livro de homenagem póstuma intitulado DeJeanne D ’Arc a Philippe Pétain [De Joana d'Arc a Philippe Pétain]. Com o subtítulo Quinhentos anos de história francesa, o livro suntuosamente ilustrado apareceu no momento certo para a visita do maréchal a Paris. A ocupação se aproximava do fim, mas Pétain ainda era popular e recebeu uma calorosa recepção. Como tema de guerra, Joana d'Arc era muito conveniente — dada a ambigüidade de suas associações — para a guerra particular de Cocteau: um símbolo de sentimento antibritânico, especialmente depois do desastre de Mers-el-Kebir. Quando o livro surgiu, em 1944, a própria Joana já tinha passado para o lado gaullista como um exemplo de resistência ao invasor. Cocteau não ficava muito atrás.13
Pág. 499-500
Essa continuidade foi de certa forma bastante inesperada. Afinal, Vichy não era um país dirigido por funcionários públicos, como a Bélgica e a Holanda: na França havia um governo legítimo, com um programa político claro de ruptura com o passado. Mas Pétain (como De Gaulle quatro anos mais tarde) tinha todas as razões para preservar a existência das instituições do Estado se quisesse governar com eficácia. Por isso os expurgos produziram menos mudanças do que se poderia esperar, e os extremistas de direita se queixaram amargamente: em 1944, Mareei Déat criticou a “comuna reacionária” da capital, alegando que seus membros eram profundamente attentistes, para não dizer gaullistas. Fossem ou não gaullistas, quase 80% dos prefeitos dos subúrbios de Paris durante a guerra eram republicanos antes do conflito. Quanto às zonas rurais, foram desestimuladas mudanças por motivos puramente políticos: os alemães também temiam o impacto sobre a eficiência e a continuidade. Na Aquitânia e em Charente, por exemplo, quase metade dos funcionários governamentais locais que tinham cargos em 1939 ainda estava presente quando a ocupação terminou.19
Assim, a promessa de Vichy de uma nova revolução autoritária mascarava a realidade de sua dependência do funcionalismo público civil. Naturalmente, os burocratas podiam — e o fizeram — servir como instrumentos de repressão, notadamente nas prisões em massa de judeus e de opositores políticos. Mas em geral não se mostravam propensos a aderir ao dinamismo revolucionário exigido pela extrema direita da França. O culto a Pétain escondia o vazio político no coração de seu governo, e sua recusa em permitir a formação de um único partido político ironicamente fez com que os funcionários franceses nunca se deparassem com algo semelhante à competição radical que os Gauleiters nazistas infligiram a seus pares alemães, ou que o nsb holandês usou — com muito menos sucesso — em seu esforço para assumir o controle do funcionalismo público civil na Holanda. Dessa forma, ter o conservador Pétain no poder protegeu a França do tipo de nazificação que ameaçava outros países, pelo menos até que fosse demasiado tarde na guerra para que fizesse muita diferença. Aumentando o controle sobre as províncias, criando um novo escalão de superprefeitos, impedindo que a maioria dos novos comissariados políticos especialmente formados tivesse grande influência, os altos funcionários franceses presidiram durante a guerra uma expansão da burocracia e uma consolidação do poder estatal que Wilhelm Stuckart, no Ministério do Interior do Reich, teria invejado. Os alemães podiam ter conquistado a França, mas o Estado francês sobreviveu mais ou menos intacto.
Pág. 510
A longevidade de tais figuras oferece uma pista para compreender a dinâmica da colaboração na França durante a guerra. Os franceses não foram um país de colaboradores, embora de início muitos tenham sido atraídos pela ideia. No começo o governo de Pétain foi popular porque parecia prometer o restabelecimento da ordem depois do caos da derrota. Os mais impacientes com ele eram da extrema direita, que desconfiavam que sua Revolução Nacional era na realidade uma restauração conservadora disfarçada, e não a ruptura fascista que almejavam com o passado. Mas no fim de 1941, no máximo — a crise dos reféns foi um ponto de inflexão, mas a crise do abastecimento alimentou o conflito —, o público francês tinha se afastado de Vichy. fA opinião geral parece ser muito desfavorável ao governo”, relatou o governador de Puy de Dome em outubro daquele ano. Cada vez mais afastada da opinião pública francesa, a administração permaneceu fiel aos ideais de colaboração e respondeu de forma positiva aos alemães mesmo quando estes aumentaram muito suas exigências. Enquanto isso, um grande número de seguidores de Pétain entrou para a resistência de uma forma ou outra, garantindo assim uma passagem sem sobressaltos para a Quarta República no pós-guerra. 33
Pág. 563
Se esse foi um exemplo para levar o Exército Nacional a aumentar suas ações, havia outros fora de Varsóvia, pois a atividade da resistência agora se alastrava pelos campos do centro da Polônia. Um ano depois de Hitler ter aprovado seu Plano Geral para o Leste, as prioridades de Himmler tinham mudado drasticamente. No verão de 1943, ele declarou todo o Governo-Geral como uma "zona de guerra partisan” (Bandenkampfgebiet). Instadas por ele a "queimar aldeias inteiras se necessário”, a ss e a polícia, reagiram com as costumeiras táticas de terror, deixando milhares de mortos. Porém, dentro da SS havia sérios desacordos, e Von dem Bach--Zelewski insistia em que "nenhum país pode ser governado apenas com o uso da polícia e das tropas”, e tentou forçar uma política mais astuta (semelhante a outras levadas a cabo nos Bálcãs), que explorasse o anticomunismo dos poloneses e os trouxesse para o lado alemão. A SS esperava poder apelar para o Exército Nacional, cujo comandante, "Grot”, tinha sido capturado por eles em junho; mas sua recusa em cooperar (o que levou à própria morte) significou que eles tinham de se conformar em trabalhar — nos bastidores, e de maneira intermitente — com as Forças Armadas da Polônia (NSZ), menos expressivas e de extrema direita.
Págs. 575-576
As repercussões foram imediatas e duradouras. A violência convenceu Stálin de que poloneses e ucranianos não podiam viver juntos, e Moscou começou a planejar uma série de mudanças forçadas de população entre 1944 e 1947. Na vizinha Galícia, os poloneses agora se voltavam contra os ucranianos por vingança, e o embrionário movimento partisan polonês foi inflado por refugiados de Volínia. Esse movimento depois se espalhou não apenas para o oeste na direção da Polônia Central, mas também para o norte em direção a Vilna e para outras regiões do leste da Polônia de antes da guerra onde os poloneses eram minoria e precisavam se defender. Ao mesmo tempo, o fracasso do Exército Nacional em Volínia encorajou muitos poloneses a preferir procurar os partisans soviéticos. Assim como os ucranianos, os poloneses estavam agora entre os russos e os alemães, e era difícil evitar certos acordos. Tanto os comandantes de extrema direita das n s z como do Exército Nacional negociaram acordos temporários com oficiais da ss alemã e da Wehrmacht para evitar a “ressovietização" da região. (Embora Himmler proibisse esses acordos, eles aconteciam de qualquer forma em pequena escala.) Porém, outros comandantes do Exército Nacional cooperaram com os partisans soviéticos, reconhecendo a futilidade de se opor a eles. Tanto os poloneses como os ucranianos tinham esperança de ver um mundo no qual eles conseguissem abrir um espaço próprio, independentemente dos dois poderes igualmente totalitários. Mas esse mundo precisaria de muito mais que alguns anos para se materializar.61
Págs. 643-644
Para deixar as coisas em perspectiva, pode ser útil lembrar como era a situação aos olhos dos pequenos grupos de nazistas que se recusaram a transigir. Depois da guerra, pequenos grupos marginais, geralmente efêmeros, atacaram tanto americanos como soviéticos e reciclaram ideias tiradas dos escritos de Hitler de trinta anos antes. Também reagiram violentamente contra os movimentos europeístas que se tornavam visíveis na Europa Ocidental do pós-guerra. Karl-Heinz Priester, um antigo oficial da SS que assumiu um papel ativo na extrema direita, apareceu na primeira reunião dos neofascistas europeus em Roma em 1950 e advertiu:
Quanto mais esses homens que dizem amém a tudo nos apressarem para converter não apenas nossa pátria materna, a Alemanha, mas também nossa pátria paterna, a Europa, numa colônia [...] mediante dispositivos como o Conselho da Europa e a “União Europeia” [...] mais depressa aumentará a determinação de todos os alemães honestos e independentes de nos acompanhar em nosso caminho do nacionalismo até a Nação Europa.30Até mesmo nazistas como Priester poderiam ver que, na era das superpotências, a Alemanha não tinha poder para recuperar sua independência sem apoio regional. Assim, a Nação Europa era a alternativa dos extremistas para Bruxelas e Estrasburgo, uma espécie de versão em tempos de paz das Waffen-ss “europeias” de Himmler. Não obstante, tais homens consideravam a democracia parlamentarista uma falsa "democratura” (Demokratur), acreditavam que o sistema multipartidário tinha de ser abolido e queriam reunificar o país com a ajuda de fascistas estrangeiros que pensavam como eles. Ignorados pelos eleitores, brigavam constantemente entre si, acusando-se mutuamente de vender-se ou transigir na questão racial. Alguns fundaram no ano seguinte o movimento Nova Ordem Europeia para lutar contra o “bolchevismo mongoloide” e o “capitalismo negroide” em nome dos homens brancos. Outros pensaram em atrair nacionalistas
africanos e forjar uma nova Euráfrica, que permitiria à Europa recuperar sua posição no centro da cena mundial.31
Págs. 659-660
Essa postura implacável com certeza estava presente entre os ingleses. Na ocasião do levante da Jamaica de 1865, por exemplo, expressões de um novo autoritarismo racial surgiram na imprensa vitoriana. Segundo o editor da publicação médica The Lancet, pequenos grupos de homens brancos só poderiam se salvaguardar em colônias pelos métodos mais coercitivos; os nativos tinham de “ser mantidos sempre de cabeça baixa com um bastão de ferro ou ser lentamente exterminados". Essas ideias expressavam a possibilidade inerente na prática do próprio império e os britânicos estavam começando a perceber que o “poder dos números" estava contra eles. O tio de Virginia Woolf Fitzjames Stephen escreveu uma famosa carta ao The Times em 1883 afirmando que “um governo absoluto, fundado não no consentimento mas na conquista" — como o dos britânicos na índia —, representava uma “civilização beligerante” que não deveria “se evadir da afirmação aberta, descomprometida e direta de sua superioridade”. Mas essa não era a linha de raciocínio costumeira na Inglaterra, e sempre foi sujeita a críticas. Em última análise, essa foi a base do império de Hitler. Por mais brutais e mortíferos que tenham sido, nenhum poder colonial, britânico ou de outro país da Europa, jamais lidou com o problema do “poder dos números” de forma tão áspera e violenta quanto os nazistas. Sua abordagem em geral era gradualista e experimental, motivada por uma imaginação política restrita pelo extremismo da variedade de fatores do nazismo, que incluía uma cultura mais legalista e uma burocracia de Estado surpreendentemente desmotivada. Se faltavam a ideologia e os recursos para sistematizar a matança em massa na escala da Nova Ordem, faltava também um fundamental sentido de urgência. Depois de conseguirem sua revolução em casa, os nazistas tinham pressa de colher os benefícios no exterior. “Nós queríamos estabelecer um império mundial quatro anos depois de termos introduzido o alistamento militar geral”, foi o resumo de um oficial alemão capturado em 1943. À medida que a própria guerra criava racionamentos, gargalos e grandes problemas novos, o culto da força e da geopolítica racial que os nazistas levavam tão a sério transformou-se num programa de extermínio numa escala sem precedentes.28
|***| Nazismo de esquerda? (Ian Kershaw) O que os Historiadores nos dizem sobre o Nazismo SER de (extrema) Direita - Parte 03