sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Entrevista com Raul Hilberg

Existe um novo anti-semitismo? Entrevista com Raul Hilberg à Revista Logos

LOGOS: Há um argumento seu bastante famoso de que havia três soluções para o problema judeu: conversão, expulsão e finalmente extermínio. Pode explicar o que queria dizer com isto?

RH: Este é um padrão recorrente que encontrei bem cedo em minha pesquisa. Olhando ao longo da história fica claro que conversão era um elemento do mundo cristão. As expulsões começam na baixa Idade Média quando parecia que os judeus não estavam dispostos a se tornarem cristãos. Este padrão existiu por vários séculos. Pode-se localizá-lo no início em Oxford, e depois até a Espanha de 1492 e Portugal alguns anos mais tarde. Então estamos realmente falando do final da Idade Média e do início dos tempos modernos para as expulsões.

Agora, para a questão de uma solução final, aquela solução permanente, esta é uma idéia nazista. Você pode ir até o início do partido nazista e descobrir que eles ainda estavam pensando em termos de emigração dos judeus – havia um plano chamado Plano Madagascar, que também tinha sido considerado na Polônia e mesmo na França (Madagascar era uma possessão francesa), e talvez todos os judeus pudessem ser enviados para lá. Então esta idéia ainda estava circulando no departamento de relações exteriores alemão e toda a burocracia até Hitler até pelo menos 1940, especialmente em 1940 quando a França se rendeu. No entanto, quando a guerra ainda não havia terminado (como os alemães esperavam que terminaria) com o ocidente (eles já estavam fazendo preparativos para atacar a União Soviética), considerações mais sérias de aniquilar os judeus emergiram. A primeira indicação que temos destas considerações é um encontro que Hitler teve com um grupo de membros do partido no início de fevereiro de 1941. Ele ainda não tinha completamente formulado a decisão, mas estava em processo de fazê-lo.

LOGOS: Houve uma conferência revisionista no Irã alguns meses atrás. Qual a preocupação que devem ter os estudiosos e o público em geral sobre a capacidade deste tipo de revisionismo de gerar anti-semitismo?

RH: Este revisionismo começou nos anos 60. Não é novo. Boicotei a Alemanha por bastante tempo, mas quando passei por Munique há um bom tempo atrás fui a uma banca e comprei um jornal local de extrema-direita, um jornal alemão, e para meu enorme espanto descobri que eu era mencionado na primeira página como um líder sionista. Agora, isto era uma grande novidade para mim, mas a manchete era: “A Mentira do Holocausto”. Então, na Alemanha nos anos 60 havia seguidores para esta crença, mesmo que eles lá devessem estar mais bem informados que em qualquer outro lugar. Havia um francês que já publicava sobre isto nos anos 60. Metade do seu livro era devotado a mim. Era uma publicação neo-nazista. Assim que o meu livro, 'A destruição dos judeus europeus', saiu em 1961, me tornei um alvo destes grupos.

Para mim, os desenvolvimentos seguintes em negação do Holocausto foram apenas uma lenta expansão, nem mesmo um crescimento, mas uma expansão da França e Alemanha para os EUA e para o Canadá, e finalmente chegou ao mundo árabe. O mundo árabe é bastante desorientado quando se trata da Europa, de qualquer maneira. Eles são tão confusos sobre o Ocidente como nós somos em relação a eles. Mesmo assim, a conferência no Irã não foi bem sucedida nem mesmo no Irã – era um problema e dificuldade sem necessidade. Havia iranianos que denunciavam publicamente esta conferência. Então, eu não estou terrivelmente preocupado sobre isto mesmo que no período desta conferência em dezembro último, eu houvesse sido convidado pelo governo alemão para tomar parte em uma contra-conferência que ocorreu ao mesmo tempo em Berlim, como o palestrante de honra.

Normalmente não me envolvo em debates com revisionistas do Holocausto. E continuei não fazendo isto em Berlim, mas a essência da minha fala era que, sim, houve um Holocausto, o que é, por sinal, mais fácil de dizer que de demonstrar. Demonstrei isto e houve um bom público naquela conferência. Ainda assim, os jornais alemães não deram publicidade à contra-conferência em Berlim porque eles não podiam resistir a publicar as caras dos rabinos que tinham ido ao Irã.

Cheguei à conclusão, não apenas uma vez, mas várias vezes, que, no que me concerne, não concordo com a legislação que torna ilegal fazer pronunciamentos declarando que não houve o Holocausto. Não quero criar amordaças para nada disto porque é um sinal de fraqueza e não de força quando você tenta calar alguém. Sim, tem sempre um risco. Nada na vida é sem risco, mas temos que tomar decisões racionais sobre todas as coisas.

LOGOS: Muitos dos recentes incidentes anti-semitas na Europa levaram as pessoas a falar de um novo anti-semitismo. Isto é algo que realmente deveríamos considerar seriamente ou se trata apenas da continuação de um anti-semitismo anterior?

RH: Não é nem isto. É como se alguém pegasse uns pedregulhos do passado e os jogasse nas janelas. Tenho idade o suficiente para lembrar os efeitos reais de atitudes anti-judaicas. Aqui, na Universidade de Vermont era impensável, mesmo neste estado bem liberal, ter um judeu como Decano até os anos 70, imagine como presidente. Em outras palavras, havia muita segregação nos EUA. Se você olhar para trás e pegar qualquer New York Times dos anos 30 ou mesmo dos anos 40, vai ver anúncios de apartamentos na cidade de New York e a palavra “restrito”. É um jornal cujo proprietário é judeu e eles publicam anúncios que excluem judeus. E isto era um regime anti-judaico entranhado na sociedade, que a sociedade mesmo apoiava e agora se foi. Simplesmente não mais existe.

Não se pode nem mesmo falar de restrições contra judeus no mundo islâmico porque judeus deixaram o mundo islâmico. Eles não estão mais lá exceto em Marrocos e talvez algumas dezenas de milhares aqui e ali, mas isto é o remanescente de duzentos mil que ainda estavam lá quando o estado de Israel foi criado. Então o anti-semitismo do passado pertence ao passado, e particularmente a palavra “anti-semitismo”. Havia um partido anti-semita na Alemanha e havia um partido anti-semita na Áustria. O lider do regime húngaro, Almirante Horthy, quando alguns caras de extrema-direita estavam tentando se apossar de negócios judaicos, acabou com a festa (os calou). Ele disse, mais ou menos com estas palavras, “vocês não vão tomar estas empresas/companhias/negócios porque os judeus ao menos sabem como dirigí-los e vocês, vocês quem são? E não me respondam porque eu já era anti-semita antes de vocês terem nascido”.

Adolf Hitler mesmo, e ninguém lê de fato o 'Mein Kampf', afirma que seu pai não seria um anti-semita porque isto o degradaria socialmente. A irmã de Nietzsche casou com um líder anti-semita e Nietzsche se referia ao cunhado, em todas as cartas para sua irmã, como “o seu marido anti-semita”. Agora, você pode ver que o anti-semitismo era de alguma forma relacionado a uma característica de atraso. Pertencia ao século 19 com todos os seus “ismos”, com o imperialismo, o colonialismo, com o racismo. Parece bizarro que eu diga que os Nazistas não se chamavam de anti-semitas. Você não consegue nem encontrar a palavra.

LOGOS: Mesmo?

RH: Sim, havia uma sensação de que Nazismo era algo novo. O anti-semita tinha parado num certo ponto; o anti-semita podia falar em eliminar judeus, mas não sabia como fazê-lo. O anti-semita não tinha o poder, o anti-semita era um propagandista. Os Nazistas eram sérios sobre o assunto e isto era uma proposição muito diferente. Quando vocês virem a atual legislação na Alemanha, Áustria e em outros lugares que declara que é um crime negar que houve um holocausto, é porque estes governos têm que se distanciar do Nazismo. Hoje em dia obviamente Nazismo e anti-semitismo confluíram em um tipo comum de ideologia, mas é um fenômeno diferente. Havia um jornal extremamente anti-semita na Alemanha, Der Stürmer, que era publicado por Julius Streicher. Não lembro se foi Höss, o comandante de Auschwitz, ou outra pessoa, a quem perguntaram se lia o Der Stürmer. Ele respondeu basicamente o seguinte, “Olha, eu sou um tenente-coronel das SS, nem morto me pegariam lendo Der Stürmer”. Era como ler o mais baixo dos mais baixos tablóides de fofocas dos EUA. Havia uma questão de status, de posição social.


LOGOS: O que você acha do uso retórico e simbólico da palavra “Holocausto”?

RH: Eu resisti ao uso da palavra “Holocausto”, primeiro por causa das suas implicações religiosas. No fim, é como tudo que se torna de uso comum; não dá para escapar. Mas “Holocausto” se torna problemático de várias formas, e uma delas é a que é menos discutida, porque é politicamente incorreto dizer isto, é que tudo se torna um Holocausto. Vou dar um exemplo: eu estava andando em Berlim um dia e vi uma placa “Holocausto” e vi alguns manifestantes nas ruas com cartazes que diziam “Holocausto, Holocausto, Holocausto”. Eu não conseguia entender sobre o que era a manifestação até que eu vi uma gaiola/jaula e entendi que estavam falando de crueldade contra animais. A palavra “genocídio” é também usada em muitas situações, e é claro que a Convenção de Genocídio tem uma definição que vai muito além do que eles chamam de “Holocausto”. Então se você sequestra crianças para forçá-los a fazer algo isto é genocídio, se você usar ópio, isto é genocídio, etc. Porque é uma convenção internacional, os gregos incluíram algo, os chineses incluíram outra coisa, e por aí vai.

Holocausto é uma palavra que é frequentemente utilizada erroneamente porque significa, especialmente quando em letra maiúscula, a catástrofe judaica e quando você a usa em todo o tipo de contexto ela perde sua eficácia. Agora há livros sendo escritos dizendo que os armênios não foram realmente sujeitos a um genocídio ou que os ciganos não foram realmente sujeitos ao genocídio – ainda que na minha opinião ambos foram – mas acaba nestas disputas e é uma situação inevitável. Assim que a Comissão Presidencial sobre o Holocausto foi criada –e foi este mesmo presidente Carter que hoje está sendo chamado de anti-semita quem criou a comissão – todos apareceram: os armênios, claro, compareceram, os poloneses apareceram, os ucranianos apareceram, os tchecos apareceram. Há todos estes problemas de definição e disputas que emergem quando se usa palavras como “Holocausto” ou “genocídio”.

LOGOS:Além da forma como estas palavras são empregadas simbólica e retoricamente, qual a relação que você vê entre o Holocausto e outros genocídios históricos e contemporâneos? Como podemos usar as lições [do Holocausto] para confrontar o tipo de violência e perseguição de grupos que ocorre hoje, considerando-os ou não genocídios sociologicamente?

RH: Eu não sabia o que fazer com o Camboja ou outros eventos como aquele, mas Ruanda me convenceu. Por isto que na terceira edição do meu livro eu incluí Ruanda. O que eu escrevi lá é a resposta à sua questão . Em Buchenwald e possivelmente em outros campos quando a guerra terminou, os prisioneiros colocaram grandes sinais que diziam “nunca mais”. Eu acho que foram os comunistas que organizaram aquilo, mas não tenho certeza. Os sinais diziam “nunca mais” em várias línguas porque era uma Babel de línguas naqueles campos. Milhões de pessoas, homens, mulheres e crianças mortos apenas porque eram classificados como judeus. Agora, aquilo não deveria acontecer de novo e isto era responsabilidade do mundo. O resultado foi, de fato, a Convenção de Genocídio. A palavra genocídio foi criada por Raphael Lemkin, um advogado judeu da Polônia cuja prévia especialidade era terrorismo. Quando o Holocausto acontecia, ele publicou um livro em 1944, 'O comando do Eixo na Europa ocupada'. Neste livro ele inventou a palavra genocídio porque ele dizia que a lei devia ter este conceito como um crime. É claro que os EUA não queriam assinar a Convenção de Genocídio porque o Departamento de Estado e outros políticos tinham suas dúvidas. A dúvida maior era que se tivéssemos uma Convenção de Genocídio, então os negros neste país poderiam questionar legalmente as leis de segregação. A Convenção de Genocídio é um tratado, e se é um tratado sob o Artigo 6 da Constituição nós não podemos assinar esta convenção porque seria superior às nossas sagradas leis estaduais que discriminavam contra negros. Este era o argumento deles. No final este argumento desabou.

O que permanece hoje, contudo, é que o “Nunca mais” é implícito. E no entanto, chega Ruanda e o Presidente Clinton se recusa a chamar de genocídio quando de fato era! Dizemos que nunca mais vamos tolerar este tipo de coisa, mas permitimos mais de meio milhão de pessoas serem mortas em três ou quatro meses em Ruanda. Depois que dez belgas foram mortos, as forças de paz internacionais começaram a se retirar. Foi a mesma coisa como na Alemanha, os Hutu decidiram que agora 'nós vamos resolver o problema Tutsi como os alemães fizeram com os judeus'. Era óbvio que eles tinham decidido isto meses antes de começarem a matar porque eles importaram machetes e fizeram preparações como os alemães. Então aqui estamos, o mundo inteiro, não há Segunda Guerra Mundial acontecendo, não há desculpas de que nós precisamos de todos os aviões que temos, portanto não podemos bombardear Auschwitz porque precisamos deles na Frente Ocidental, e não se faz nada. É tempo de paz, são os anos 90, e não se faz nada. Grandes coisas para o “Nunca Mais”. Então o problema obviamente não desapareceu.

Você tem que tomar decisões. Quando você está sentado no Departamento de Defesa ou no Departamento de Estado na Casa Branca você nunca pode predizer exatamente quais as configurações que algum evento vai mostrar. Você tem que pensar todas as possibilidades e esta gente não tem tempo nenhum para pensar. Eles tem que fazer todas as considerações antes de assumir os cargos. Este é um problema crucial. Mesmo assim, esta é a primeira vez na história que a assumimos um tipo de responsabilidade global. Eu não estou dizendo que estamos sozinhos, temos parceiros fazendo isto e a noção de responsabilidade global é realmente muito nova, é de depois da Segunda Guerra Mundial.

LOGOS: O que você acha dos atuais debates sobre como interpretar o Holocausto e seu legado, pelo trabalho de pessoas como Norman Finkelstein ou Daniel Goldhagen?

RH: Bom, Finkelstein hoje é difamado por toda a parte. Há obviamente lobbies que tentam removê-lo de sua posição. Finkelstein é um cientista político. Acredito que tenha um doutorado por Princeton e, o que quer que se pense de Princeton, é um treinamento bem rigoroso para ser um cientista político profissional. Ele escreveu para mim algumas vezes. Ele foi o primeiro a enfrentar Goldhagen seriamente. Ele atacou Goldhagen em um longuíssimo ensaio que eu nunca teria escrito porque eu nunca teria tido a paciência. Goldhagen é parte de um grupo acadêmico que é um desastre no meu tipo de pesquisa…

LOGOS: Por que isto?

RH: Porque [Goldhagen] estava completamente errado sobre tudo. Completamente errado. Excepcionalmente errado. Em outras palavras, toda esta fúria do seu anti-semitismo que era, na raiz, anti-semitismo especialmente aniquilador, era totalmente absurdo. Ele fala sobre anti-semitismo entre os alemães, estonianos, ucranianos, letões, e lituanos, mas de onde este anti-semitismo aniquilador único veio? É simplesmente absurdo, totalmente absurdo. Quer dizer, completamente fora de parâmetros, vocês sabe, e factualmente sem qualquer base. Finkelstein leveu isto a sério. Eu levei um pouco menos a sério, mas só vim a atacar este Goldhagen bem mais tarde.

Agora, Finkelstein tem um segundo ponto, que, na minha opinião, estava cem por cento correto, e este é que a resposta ao caso dos bancos suíços e a indústria alemã, que tinha coincidido durante a guerra, foi coercitivo não só quanto aos judeus que se mobilizaram, mas também quanto a todas comissões de seguro, ao Senado, a Câmara, e aos comitês críticos. O único que eles não conseguiram dominar foram os tribunais, que ainda tem alguma independência. Então eles perderam nos tribunais, mas ameaçaram pessoas como Alan Hevesi em Nova York. Eles podiam fazer ameaças porque os bancos suícos queriam se expandir ali. Para Finkelstein, isto era pura extorção e não tenho certeza de quem concorda com ele exceto por eu mesmo e eu disse isto abertamente. De fato, disse isto para a imprensa em talvez sete países.

A imprensa não esperava esta minha resposta. O Congresso Judaico Mundial era liderado por um homem que parecia ser, concluindo isso em cima de suas próprias declarações autobiográficas, totalmente, nem mesmo mediano, mas infantil mesmo. O que este magnata, que assumiu o Congresso Judaico Mundial, estava dizendo era completamente absurdo. Os advogados das causas, mais o Congresso Judaico Mundial, deram uma mostra inacreditável de um comportamento totalmente inapropriado.

Agora quando ele [Finkelstein] fala sobre os árabes, alguns judeus sentem que ele é também anti-sionista, que ele é anti-Israel; que ele parece sempre enfatizar o sofrimento dos árabes. Eu não o apoio nesta área em particular porque eu tenho minha própria visão a respeito, mas também não dá para dizer que ele esteja completamente errado. Você gostaria de ser um cidadão árabe em Israel? Pense nas portas que estão fechadas [para estes]. Você pode até comer melhor e ter uma renda melhor do que se você morasse numa favela do Cairo. A grande ironia é que as condições econômicas dos árabes-israelenses são consideravelmente melhores que o proletariado de alguns países árabes, mas uma pessoa precisa de algo mais. Uma pessoa precisa de um sentimento de dignidade. Pense nas barreiras de checagem de segurança. É uma vida sobre a qual certamente alguma coisa tem que ser feita de um jeito ou de outro. Esta batalha em particular não pode durar para sempre. Não dá. Os israelenses vão cansar disto. Os israelenses vão simplesmente cansar de desconfiar das pessoas. Não é possível continuar deste jeito para sempre. Finkelstein está essencialmente na posição correta sobre estas coisas porque ele é extremamente perspicaz. Na maioria das vezes, especialmente nestes outros casos como Goldhagen e os bancos suícos, ele está certo.

LOGOS: Uma última questão, na medida que avançamos no século XXI que direção devem tomar os estudos do Holocausto?

RH: Bom, se você tivesse feito esta pergunta no início, isto já tomaria pelo menos meia hora. Corretamente, a pesquisa hoje está orientada no sentido de descobrir detalhes e principalmente o que aconteceu em nível local. Esta pesquisa já começou. Não está muito desenvolvida neste país (EUA), mas tem havido muitos avanços na Europa. Os principais pesquisadores do Holocausto hoje são alemães e austríacos. Há também alguns franceses e italianos. Não há muitos pesquisadores do Holocausto de renome neste país.

A segunda coisa que deveríamos e precisamos verificar são aqueles aspectos do que aconteceu que ainda são tabu. O que é tabu é a vida de uma comunidade judia terminal em algum gueto e a noção que algumas pessoas morriam primeiro, então outras pessoas morriam depois, e ainda outras morriam por último, e então, melhor ainda, algumas sobreviviam. O que explica estes desenvolvimentos bastante perceptíveis? Exemplo: os primeiros a morrer eram os mais probres entre os pobres. Nós temos que enfrentar este fato. Nós temos que entender que não se pode no mundo acadêmico simplesmente chamar a todos os judeus que morreram – como eu ouvi um Rabino dizendo uma vez, Kedoshim, que significa povo santo. Esta não é a minha linguagem. Nós não podemos fazer isto. Nos temos que vê-lo como eles eram e nós não temos feitos isto. Nós temos tido um roteiro estabelecido. Este é um aspecto em que eu discordo de Elie Wiesel não obstante conhecê-lo há muito tempo. Ele diz “ouçam os sobreviventes e ouçam mesmo seus filhos”. Eu digo, sim, temos que ouvir os sobreviventes. Temos escutado os sobreviventes já por bastante tempo, mas não é suficiente. Eles não vão nos dizer o que aconteceu às pessoas que não sobreviveram. Você não é uma amostragem aleatória. Isto requer muita pesquisa assídua em muitos registros que foram soterrados e que nunca foram examinados.

A terceira coisa que precisa ser feita é isto: temos que identificar mais claramente quem eram os vizinhos dos judeus. Que tipo de impacto sofreram, se sofreram? Como suas reações eram motivadas, seja para colaborar com o algoz ou para ajudar a vítima ou, na maioria dos casos, para permanecer neutro. Neutralidade não significa ignorar algo. Significa uma decisão de não fazer nada. Nós temos que examinar isto também. Então nós temos que examinar o Holocausto de todas as maneiras, e isto no fim implica fazer muita pesquisa local porque é no nível local que estão os documentos que nos dizem alguma coisa. Por exemplo, se eu leio nos registros locais que os bielorussos não estão entregando trigo o suficiente para os alemães porque eles roubam isto secretamente para fazer vodka e em enormes quantidades durante a ocupação alemã, você precisa começar a se perguntar qual o percentual daquela população que estava bêbada o tempo inteiro? Agora estas são questões muito, muito importantes e esta é a direção em que a pesquisa precisa avançar. E não é para diletantes, não é para pessoas sem treinamento, não é para filósofos, é para pessoas que sabem línguas, que sabem história, que sabem ciência política, que sabem economia, etc. Basicamente eles têm que ser bem preparados. O Holocausto hoje não é, como pode ter sido no início, um tema para leigos.

Link original da entrevista: https://logosjournal.com/issue_6.1-2/hilberg.htm

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