Mostrando postagens com marcador Daniel Goldhagen. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Daniel Goldhagen. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 8 de abril de 2014

O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola

O que significa o "palavrão" mixórdia (confira no link). O assunto dos cristãos-novos será tratado após o assunto do "primo do antissemitismo", embora haja correlação entre eles no que se refere a essa divulgação de sobrenomes de cristãos-novos em sites da web, por isso coloquei os assuntos juntos. O post fala sobre filossemitismo e divulgação errônea de coisas sobre cristãos-novos e procura da nacionalidade espanhola.
__________________________________

Eu havia lido sobre isso (filossemitismo) há muito tempo, justamente porque vi postura (criando problemas, pra variar) desse tipo no Orkut, e sempre deixava a ideia pendente pra tentar postar em alguma ocasião porque o tema é delicado já que quem se enquadra no rótulo provavelmente não quererá carregá-lo, mesmo com o problema existindo. Quem nutre idolatria achará que não faz "nada demais"

O filossemitismo seria um primo não muito reconhecido do antissemitismo. Por que chamo os dois de "primos"? Um é o extremo oposto do outro, teoricamente, só que o filossemitismo acaba, conscientemente ou não, provocando reações de antissemitismo pelo ato de idolatria ou exaltação em relação a judeus. As pessoas em geral não veem com bons olhos idolatria a países e grupos sem qualquer motivo relevante aparente. A etimologia (definição do termo) de filossemita literalmente seria: filo (partidário/amigo)+semita (relativo a judeus, embora o termo seja mais amplo a "povos semitas", mas é mais usado em relação a judeus nas Américas e Europa). O "filo" também pode se comportar como sufixo como em americanófilo (em relação a norte-americanos), germanófilo (em relação a alemães), francófilo (a franceses), anglófilo (a ingleses) etc, que são os correlatos do filossemitismo só que em relação a outras nacionalidades.

Os links que coloquei acima não citam o termo como idolatria, mas eu cito o termo filossemitismo neste sentido porque é como vejo o comportamento de quem nutre isso se manifestar, não só referente ao filossemitismo como a outros países. A própria germanofilia é muito semelhante a esse comportamento (uma idolatria pela Alemanha), e muitos "revis" são germanófilos e não afirmam ou "acham" que são, chegando a confundir nazismo (ideologia política) como se fosse sinônimo de "nacionalidade alemã", não conseguindo avaliar de forma fria o papel político-histórico da Alemanha, não só no período nazista. Esse tipo de idolatria lembra aqueles fãs de banda de rock endeusando seus "ídolos", os comportamentos são bastante semelhantes.

Mas feita essas considerações, traduzo abaixo um trecho onde dois autores, totalmente distintos ideologicamente, concordam em relação a este problema que citei acima, e cito os dois pois concordo integralmente com eles neste ponto. A citação deste trecho, se eu não estiver enganado, encontrava-se no verbete da Wikipedia em inglês e foi removido dela, mas como eu lembro do trecho mais ou menos decorado, consegui achá-lo facilmente. Então segue abaixo o comentário do N. Finkelstein concordando com o Daniel Goldhagen sobre o que representa o filossemitismo pra eles:

Tirado daqui: Counterfeit Courage: Reflections on “political correctness” in Germany

Texto original:
Such venomous attacks on a Jew and the son of Holocaust survivors are altogether unique in German public life which is otherwise ever so tactful and discreet on all things Holocaust. One can’t but wonder what accounts for them. In fact, the Holocaust has proven to be a valuable commodity for politically correct Germans. By “defending” Holocaust memory and Jewish elites against any and all criticism, they get to play-act at moral courage. What price do they actually pay, what sacrifice do they actually make, for this “defense”? Given Germany’s prevailing cultural ambience and the overarching power of American Jewry, such courage in fact reaps rich rewards. Pillorying a Jewish dissident costs nothing – and provides a “legitimate” outlet for latent prejudice. It happens that I agree with Daniel Goldhagen’s claim in Hitler’s Willing Executioners that philo-Semites are typically anti-Semites in “sheep’s clothing.” The philo-Semite both assumes that Jews are somehow “different” and almost always secretly harbors a mixture of envy of and loathing for this alleged difference. Philo-Semitism thus presupposes, but also engenders a frustrated version of, its opposite. A public, preferably defenseless, scapegoat is then needed to let all this pent-up ugliness ooze out.
Minha tradução:
Tais ataques venenosos contra um judeu e filho de sobreviventes do Holocausto são absolutamente únicos na vida pública alemã, que é de outra maneira sempre tão delicada e discreta em todas as coisas sobre o Holocausto. Não podemos deixar de pensar o que pesa sobre eles. Na verdade, o Holocausto provou ser uma mercadoria valiosa para os alemães politicamente corretos. Ao "defender" a memória do Holocausto e as elites judaicas contra toda e qualquer crítica, eles conseguiram uma atuação de coragem moral. Qual o preço que eles realmente pagam, que sacrifício eles realmente fazem por esta "defesa"? Dado o prevalecente ambiente cultural da Alemanha e o abrangente poder global dos judeus norte-americanos, tal coragem, de fato, colhe recompensas. Desqualificar um dissidente judeu não custa nada - e fornece uma saída "legítima" para o preconceito latente. Acontece que eu concordo com a afirmação de Daniel Goldhagen no livro "Os carrascos voluntários de Hitler" de que filossemitas são tipicamente antissemitas em "pele de cordeiro." O filossemita assume que os judeus são de alguma forma "diferentes" e quase sempre secretamente abrigam uma mistura de inveja e de ódio para esta alegada diferença. O filossemitismo pressupõe, portanto, mas também forma uma versão frustrada disso, do seu oposto. Um público, de preferência indefeso e bode expiatório, é então necessário para deixar toda essa feiura reprimida escorrer pra fora (extravasar).
Não preciso comentar de novo que não concordo com todo posicionamento do Finkelstein (tem posts sobre ele no blog) mas acho que as acusações que fazem contra ele, por exemplo, de antissemitismo, sendo ele filho de sobreviventes do Holocausto, é politicagem grosseira. O Goldhagen também é atacado porque o livro dele, "Os carrascos voluntários de Hitler", faz uma acusação dizendo, de forma resumida (você pode ler umaa crítica do livro aqui) que qualquer alemão na Alemanha nazi seria um potencial carrasco antissemita.

Pois bem, e onde entra o filossemitismo e os cristãos-novos nisso?

Saiu recentemente uma matéria no El País, edição brasileira, que toca nesse tipo de assunto (filossemitismo) sem citar o termo filossemitismo. Antes de prosseguir, adianto que não acho que tenha havido qualquer má fé na matéria e a matéria foi informativa (cumpriu o que pretendia), mas há alguns erros sobre essas questões e há uma não citação do que ocasiona esse problema do filossemitismo no Brasil no texto e da disseminação dessa ideia em torno de sobrenomes na internet, pois ficou incompleto comentar o fato na matéria (a procura de nacionalidade espanhola por descendência sefardita), sem apontar de onde surgiu esse "interesse" dessas pessoas. Mas isso poderia ser tratado noutra matéria.

A matéria a que me refiro é essa: Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol? .O assunto circulou muito no Facebook, não propriamente esta matéria do El País mas matérias correlatas (com o mesmo assunto).

Por curiosidade, quando a gente procura por genealogia na web ou mesmo o assunto cristãos-novos, logo de cara se depara com sites evangélicos (alguns até se passam por "judeus", são o que chamam ou se autodenominam como "judeus messiânicos", mas são seitas evangélicas) com sobrenomes supostamente de cristãos-novos (sobrenomes portugueses e espanhóis, alguns sobrenomes são comuns aos dois países) relatando erroneamente que quem tem sobrenome tal pode ser ou é descendente de judeus, cristãos-novos etc. Sem nem contextualizar a História. Da primeira vez que vi isso havia muitos sites religiosos (evangélicos) com isso, agora a coisa se proliferou.

A procura em demasia em torno disso se deu por conta dessa divulgação na web de forma equivocada desses sites. Isso não foi mencionado na matéria. Como eu disse acima, não era tema central dizer a origem do problema por isso pode ter sido deixado de lado essa informação que estou citando. Como a gente sabe disso? O que chegava de gente enchendo o saco no Orkut com esse bla bla bla era algo bizarro. É esse o problema da web, não dá pra se ter uma estimativa do alcance de um boato até surgir algo que atice a reação das pessoas em torno disso. Pela quantidade de procura (narrada na matéria) dá pra ver que o percentual de gente que andou lendo isso não é tão pequeno, leem e disseminam.

Há pilhas de erros nestes sites, além de raramente surgir um esclarecimento bom ao alcance de muita gente, daí a perpetuação do boato. Um dos erros desses sites é o de não comentar que muitos cristãos-novos que se converteram, ficaram de vez no cristianismo (a maioria) não retornando ao judaísmo. Sentiam-se portugueses ou espanhóis ou nativos das colônias onde se alojaram e estavam totalmente assimilados culturalmente a esses países não retornando ao judaísmo e nem se denominavam marranos, porque não seguiam o judaísmo escondidos.

Curiosamente este erro é repetido por antissemitas e neofascistas "revis", com a distorção habitual deles vendo "judeus" em tudo. Não preciso repetir que "revis" são obcecados com judeus e com as crendices antissemitas em torno desses mitos cultuados pelos "revis".

Mas voltando ao assunto. Qual a razão pros cristãos-novos ou convertidos não retornarem ao judaísmo? A principal seria: qual o interesse de uma pessoa, numa época de perseguição intensa a judeus, por motivos religiosos predominantemente, de continuar a seguir um credo religioso só por tradição, quando estas pessoas poderiam se integrar a esses países totalmente se tornando um cristão numa sociedade profundamente cristã (carola)? É isto que ocorre em Portugal e Espanha na época da expansão marítima e na colonização das Américas quando eram Impérios mercantis e marítimos (militares).

A mudança de visão de boa parte das pessoas (brasileiros) sobre judeus e judaísmo em relação a essas questões (cristãos-novos) é algo recente, não é algo antigo, por sinal, antes da internet esse tipo de assunto não devia causar qualquer "fascínio" no povo. Passaram-se séculos reprimindo a história por conta da própria assimilação, por isso é errado dizer que esse assunto era algo oculto, apenas não chamava atenção. Boa parte das pessoas não tinha acesso ou interesse nisso porque não via nada de relevante em ser ou não judeu.

Eu só ouvi falar nessa questão desses grupos evangélicos explorando esse assunto na própria internet. Assusta a abordagem dele em torno disso pois há uma mistura de crença religiosa (já citei isso em outro post) com história, o que acaba mitificando as coisas já que essas pessoas não têm interesse histórico nos assuntos e só querem "confirmar" suas crendices através da História. Essa postura deles vem de uma pregação que ocorre nos EUA dessas denominações que misturam apoio político (com destaque a Israel) com credo religioso, alguns rotulam isso nos EUA de sionismo cristão. A meu ver uma mistura bem perigosa pois se este mesmo grupo que apoia ou idolatra judeus hoje, amanhã se enfezar por algum motivo banal qualquer (quem pensa que controla fanatismo religioso quase sempre quebra a cara), tornarão-se os inimigos mais cascas-grossas que poderão se deparar.

Voltando ao assunto, a presença de cristãos-novos nas Américas, não só no Brasil, é um fato. Acabei lendo sobre isso paralelamente, pois quando a gente lê sobre Holocausto acaba checando temas correlatos pra tentar entender a razão do ódio a judeus, sendo que esse assunto tem a ver com a formação do Brasil e acho relevante que o povo entenda a história do país pra não sair propagando abobrinha fascista datada da segunda guerra. A meu ver o ódio religioso (antissemitismo religioso) teve e tem um peso considerável (a maior parte dele) na propagação do antissemitismo e estereótipos racistas até hoje.

Já vi textos de cristãos-novos no México, Peru, Venezuela, Brasil, de memória me lembro disso. O autor antissemita integralista Gustavo Barroso adora fazer firula do assunto em livros dele como "História secreta do Brasil" como se fosse algo "escondido" ou que só ele soubesse disso (mais uma desonestidade intelectual dele) distorcendo pra criar um bode expiatório (judeus) pra "explicar" com coitadismo os insucessos do país. Não é algo original, os próprios nazis faziam isso pra alimentar o ódio, mediante crenças, entre o povo.

Voltando de novo ao assunto cristãos-novos, alguns desses conversos acabavam aderindo de vez à religião nova (catolicismo) e outros mantinham a crença no judaísmo de forma oculta, uma minoria, tanto que o grupo que se denomina como marranos até hoje é muito pequeno (eu pensei que nem existiam). Os que continuavam seguindo o judaísmo ocultamente eram rotulados de cripto-judeus e/ou marranos. Mas marranos eram os que continuavam seguindo o judaísmo (escondido) não os que deixaram de vez o judaísmo, são coisas distintas. Sempre "esquecem" deste "detalhe" quando fazem matérias sobre esses temas, pelo menos das que eu já li e lembro.

Caso alguém tenha preguiça de ver o link do El País: o que acaba ocorrendo e é citado na matéria do jornal espanhol é a procura exacerbada por passaportes espanhóis (nacionalidade espanhola), por brasileiros, por conta dessas abobrinhas (bobagens) espalhadas na internet sobre conversos e sobrenomes.

Esses sites apologéticos evangélicos sobre sobrenomes de cristãos-novos, difundem de forma errônea, como já comentei, esse tipo de assunto e acabam causando mais confusão com essa questão do que esclarecendo as pessoas, que hoje, pelo antissemitismo não ser o mesmo de décadas, séculos atrás, acham que ter alguma origem judaica ao invés da portuguesa causa algum tipo de distinção, o que é uma bobagem. Pelo menos eu considero.

Este comportamento de "vergonha de ter algo com Portugal" não é um fenômeno exclusivo de brasileiros descendentes de portugueses no Brasil, há um comportamento oriundo do complexo de vira-latas onde boa parte do povo parece que tem vergonha de se dizer ou ser descendente de português e eu diria que também em relação à ascendência espanhola, só que esse em menor escala. É um comportamento que beira a idiotice (e é um complexo de inferioridade) mas existe, a matéria do El País não errou quando comentou sobre esse comportamento.

Pra frustração dessas pessoas "adeptas" do complexo de vira-latas, é bom elas entenderem o Brasil como um "Grande Portugal" (culturalmente falando), pro "bem ou pro mal". Podem ralhar e chiar à vontade, essa falta de entendimento sobre o que seja o Brasil gera esse tipo de complexo doentio e auto-depreciativo com os famosos dizeres de "Eu odeio o Brasil" etc, algo que enche o saco, essa auto-piedade não "comove" ninguém. Há mais semelhanças entre o Brasil e Portugal do que muita gente pensa, não é só pelo idioma e pela cultura herdada e pelos milhões de brasileiros descendentes de portugueses, mas isso não é assunto do post, citei a questão pra mostrar o quão é tosco essa mentalidade alienada de parte do país procurando por "raízes nobres" pra ver se levantam a "auto-estima", algo ridículo. O outro extremo desse complexo de vira-latas é o ufanismo exacerbado, dois comportamentos repulsivos e idiotas.

Voltando ao assunto (de novo), nem toda pessoa que possui algum sobrenome nessas listas tem necessariamente um ancestral judeu (converso) pois os conversos adotavam algum sobrenome de "cristãos-velhos" pra esconder a origem judaica. Havia uma distinção de grupos cristãos na época em que ocorreu essas divisões, uma espécie de preconceito que deu origem a ideia de "pureza de sangue" que os nazis séculos depois adotaram, que era a divisão entre cristãos-velhos e cristãos-novos (agora entendem porque o termo surgiu). Os cristãos-novos acabavam sendo assimilados à sociedade como cristão caso adotassem de vez o catolicismo.

Esta "busca" por retorno ao judaísmo só vai interessar a quem de fato sente alguma "necessidade espiritual/cultural" ou "identitária" de procurar raízes judaicas em épocas remotas (na colonização do Brasil etc), não creio que a maioria das pessoas sinta isso. Grupos evangélicos que cultuam o filossemitismo acabam espalhando esse tipo de informação totalmente distorcida como comentei acima.


Como dizia acima, com o tempo as pessoas esqueciam a origem judaica, até porque o biotipo das pessoas (judeus, portugueses, espanhóis), dos ditos "povos do Mediterrâneo" (da região que abrange o Mar Mediterrâneo) é próximo/semelhante e ajuda nessa assimilação étnica (pelo biotipo, aparência física). Não é tão difícil que uma pessoa vinda dessa região se assimile a qualquer país do Mediterrâneo hoje ou numa época mais remota, um italiano não teria dificuldade em "virar" português e vice-versa, um judeu ou libanês idem. Fisicamente esses povos possuem biotipos semelhantes.

Então, resumindo, as pessoas que procuraram de forma tresloucada nacionalidade espanhola por conta desses leituras enviesadas de sobrenomes supostamente de "judeus convertidos", que leram nesse tipo de site evangélico, vão em geral quebrar a cara.

Eu acho essa procura algo repulsivo pois a maioria dessas pessoas só está indo atrás da nacionalidade espanhola, porque adquirindo a nacionalidade daquele país acabam tendo acesso à União Europeia (como é dito na matéria). O interesse é meramente mercantil/material e não de busca de raízes de antepassados sefarditas (judeus ibéricos) e bla bla bla.

Não acho só a demanda/procura por isso algo repulsivo, a própria "oferta" da Espanha não é algo que eu chamaria de 'louvável' ou "nobre", parece que está se prestando um favor ou um "ato nobre" quando não há favor ou ato nobre algum, não há reparo histórico algum com essa atitude (e nem creio nisso, a meu ver estão dando por outras razões) pois as vidas tiradas de pessoas por questões religiosas e de preconceito no passado (e põe passado nisso, mais de 500 anos) não serão recuperadas com um gesto com um "atraso" de mais de meio milênio. Demoraram muito pra "reparar" erros do passado, era melhor que ficasse num discurso de perdão e uma mudança de postura com o preconceito (que há também contra brasileiros), que já estaria de bom tamanho.

Essa questão de dupla-nacionalidade também ocorreu quando a Itália e outros países nos anos oitenta ou antes, atrás de mão-de-obra no Brasil (de gente "etnicamente semelhante"), começaram a fazer esse "resgate" dos descendentes daqueles (imigrantes) que foram "expelidos" desses países por serem o "excedente" da sociedade (ou seja, a sobra, o resto, o estorvo, eram um "peso" pra esses países lá pelos idos do século XIX e até século XX).

Essas questões sempre são curiosas pois acabam discutindo aspectos da nossa própria identidade como povo. Vê-se no Brasil muita gente com "orgulho" de ter origem em "país tal" (geralmente dos que estão em boa condição social e econômica hoje, pois quando não estavam ninguém sentia "orgulho" e queriam só ser "brasileiros"), ignorando o fato de que o vovô ou tataravô (ou avó, ou tataravó) foi "expelido" desses países como "excesso ou sobra". No lugar dessas pessoas eu teria asco ou nojo de um país desses que expulsou um antepassado meu como lixo se viessem "oferecer" esse "pacote de bondades", só por uma questão biológica (de cunho racista) por alguém ser descendente de alguém vindo desses países. Essa oferta de "excesso de carinho e bondade" é no mínimo algo repulsivo (opinião pessoal). É uma questão de orgulho, não vejo com bons olhos isso, até porque o intuito disso é meramente econômico, estão atrás de mão-de-obra "etnicamente" parecida com esses países pra evitarem choques culturais por não terem muita tolerância com imigrantes de outros países.

Há um erro na matéria quando cita um caso sobre procura de nacionalidade da Polônia como se houvesse uma comparação com essa busca pela nacionalidade espanhola (decorrente do caso dos cristãos-novos etc). São coisas distintas.

Não existiu a questão dos cristãos-novos/marranos e cripto-judeus na Polônia ou no leste europeu ou mesmo em outros países europeus, esta questão dos cristãos-novos é uma questão portuguesa e espanhola por conta de suas inquisições, formação de Estado-nação (nacionalismo exacerbado) e formação de Império transnacional quando judeus acabaram sendo expulsos desses países e os que se converteram foram assimilados (a grande maioria) e só uma minoria ínfima manteve ocultamente o credo judaico. Poucos países colonizaram as Américas, o destaque fica por conta de Portugal mas mais ainda a Espanha que tinha terra do Sul até a grande parte territorial do que hoje são os Estados Unidos.

O fenômeno dos marranos/cristãos-novos e cripto-judeus são parte da História de Portugal e Espanha e principalmente de suas respectivas colônias nas Américas. Alguns grupos de conversos também fugiram pra Turquia e Norte da África, caso alguém queira ler sobre isso e algum outro país, mas sem serem algo expressivo numericamente.

O fato é que a cultura judaica na Espanha e em Portugal praticamente se extinguiu. Não houve um extermínio físico em massa, mas houve um "extermínio" cultural. É tanto que se tem a impressão que esses países nunca tiveram judeus.

Outro trecho da matéria que destaco é esse:
"“Há uma crença, de que todos os judeus são gente culta e exitosa. Isto é: ter uma origem sefardita é muito valorizado, mais ainda se a isso se soma a possibilidade de adquirir a nacionalidade europeia [...] Há como que um sentimento de orgulho em se imaginar descendente de cristãos-novos". O professor adverte ainda, que se confunde ser sefardita ou descendente de sefarditas com ser descendente de cristãos-novos que assumiram o cristianismo enquanto professavam o judaísmo em segredo (os cripto-judeus), o que pode ter aumentado o alcance da proposta."
Isto é outro estereótipo reproduzido e perigoso, sendo que não há uma distinção por parte do povo de asquenazis e sefarditas, pro povo em geral (senso comum) são "tudo uma coisa só" (judeus).

Mas vou citar 'causos' que vi no Orkut que põe em cheque totalmente esse tipo de visão. Boa parte dos judeus que vi no Orkut participando de comunidades de discussão não eram "cultos" como diz o trecho acima, pelo contrário, era o extremo oposto disto. Não chega a ser algo que me espanta pois não dou a mínima pra estereótipos, sou cético com estereótipos mesmo, não acredito em mitificações sobre pessoas. Houve uma vez uma discussão entre mim e o ex-dono de uma comuna sobre Oriente Médio (o cara era pró-Israel e chegou a dizer que iria se converter ao judaísmo) em que ele desabafando atordoado porque só via os caras tomarem "toco" dos pró-palestinos na rede (quem puxou a discussão foi ele), isto se dava pelo fato de que essas pessoas não liam praticamente nada sobre Oriente Médio pra discutirem e mesmo assim iam pra discussão, eram "vidradas" nisso mas não liam nada a não ser folhetos e sites com viés político declarado. A maioria só repetia discursos que saem em sites ligados a essas questões e fica por aí, não vão muito além disso.

Essa afirmação dele procede? Infelizmente sim. O pessoal no site do Google (Orkut) meio que se escorava em quem rebatia, no geral ficavam nisso. Não liam nada de relevante sobre o assunto a não ser cartilha ideológica de jornais ou revistas manjadas (de alinhamento à direita) e um ou outro lia algum livro mas pra reforçar pregação política, não pra discutir de fato o assunto pois quem ignora os problemas do conflito não está discutindo e sim tentando criar uma nuvém de fumaça sobre o assunto.

O que se via é que as pessoas em geral não se interessavam em se aprofundar nos assuntos, ficavam em pânico com qualquer crítica a alguma "verdade" estabelecida (na cabeça deles) enquanto o lado pró-palestino geralmente lia boa parte dos livros que saia no Brasil sobre essas questões, sendo em grande maioria composto por alguns descendentes de árabes e outros não (engajados na coisa). Ou seja, a parte intelectualizada da "peleja" era do lado pró-palestino. Por isso que toda vez que leio algo com esse tipo de afirmação de "crença de que todos os judeus são cultos" isso e aquilo, fico perplexo como levam a sério estereótipos.

Esse mito de "judeus são cultos" (de forma genérica), é mito mesmo, o certo seria dizer "alguns judeus são cultos", como existe gente culta em todo tipo de grupo. Essa exacerbação de grupos como "especiais" acaba fatalmente provocando algum preconceito. Esse tratamento como "algo especial" resvala no filossemitismo que é o problema inicial citado no post. Quase toda a discussão e citações do post são atreladas à questão do filossemitismo e os problemas derivados dele no Brasil (principalmente), apesar deu não citar o termo muitas vezes no decorrer do post após a explicação inicial.

Vejam o problema que a disseminação de informações falsas ou distorcidas (com meias verdades) podem causar. Como já disse acima, acho vergonhosa a demanda de gente atrás desses passaportes ou nacionalidade como já comentei acima (não irei repetir o comentário).

E discordo de uma parte da matéria que fala da "vontade do brasileiro em ganhar uma nacionalidade europeia", eu não tenho vontade alguma disso. E já que falaram no assunto, eu não sou muito favorável e simpático à questão da dupla nacionalidade que há no Brasil (posso estar enganado, mas acho que foi a bancada fluminense que fez isso no congresso por conta das ligações de vários deles com Portugal e da mudança que houve quando Portugal passou a ser parte da União Europeia), mas isso só pode ser mudado com outra constituição. Encontrei o ano da modificação disso, 1994, governo Itamar Franco, ler a parte de dupla nacionalidade.

Acho um absurdo haver tratamento diferenciado (discriminatório) favorável a portugueses na Constituição/legislação como se fossem nacionais, brasileiros. Não é nada contra os portugueses ou a qualquer grupo estrangeiro, a culpa não é deles, quem fez essa legislação bizarra e étnica foram brasileiros, mas se trata de uma legislação racista feita por governos de caráter nacionalista de direita (Vargas e mantida após a saída dele do poder) e mantida na constituinte de 86-88 ou acrescentada depois (ler o caso da dupla nacionalidade acima), algo com um forte apego étnico/eugênico pois ao darem privilégios a um povo em detrimento de todos os outros, há uma conotação étnica implicada nisso.

O país costuma vender como imagem no exterior a imagem de "nação multiétnica" etc, tudo balela, basta ver esses "detalhes" pra ver como a História do Brasil, principalmente quando há o deslocamento do eixo econômico do país pro Rio e depois São Paulo (séculos XIX e XX), é muito apegada a essas questões étnicas (racistas), mais do que a população em geral pensa (a maioria no fundo tem noção sobre isso).

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Entrevista com Raul Hilberg

Existe um novo anti-semitismo? Entrevista com Raul Hilberg à Revista Logos

LOGOS: Há um argumento seu bastante famoso de que havia três soluções para o problema judeu: conversão, expulsão e finalmente extermínio. Pode explicar o que queria dizer com isto?

RH: Este é um padrão recorrente que encontrei bem cedo em minha pesquisa. Olhando ao longo da história fica claro que conversão era um elemento do mundo cristão. As expulsões começam na baixa Idade Média quando parecia que os judeus não estavam dispostos a se tornarem cristãos. Este padrão existiu por vários séculos. Pode-se localizá-lo no início em Oxford, e depois até a Espanha de 1492 e Portugal alguns anos mais tarde. Então estamos realmente falando do final da Idade Média e do início dos tempos modernos para as expulsões.

Agora, para a questão de uma solução final, aquela solução permanente, esta é uma idéia nazista. Você pode ir até o início do partido nazista e descobrir que eles ainda estavam pensando em termos de emigração dos judeus – havia um plano chamado Plano Madagascar, que também tinha sido considerado na Polônia e mesmo na França (Madagascar era uma possessão francesa), e talvez todos os judeus pudessem ser enviados para lá. Então esta idéia ainda estava circulando no departamento de relações exteriores alemão e toda a burocracia até Hitler até pelo menos 1940, especialmente em 1940 quando a França se rendeu. No entanto, quando a guerra ainda não havia terminado (como os alemães esperavam que terminaria) com o ocidente (eles já estavam fazendo preparativos para atacar a União Soviética), considerações mais sérias de aniquilar os judeus emergiram. A primeira indicação que temos destas considerações é um encontro que Hitler teve com um grupo de membros do partido no início de fevereiro de 1941. Ele ainda não tinha completamente formulado a decisão, mas estava em processo de fazê-lo.

LOGOS: Houve uma conferência revisionista no Irã alguns meses atrás. Qual a preocupação que devem ter os estudiosos e o público em geral sobre a capacidade deste tipo de revisionismo de gerar anti-semitismo?

RH: Este revisionismo começou nos anos 60. Não é novo. Boicotei a Alemanha por bastante tempo, mas quando passei por Munique há um bom tempo atrás fui a uma banca e comprei um jornal local de extrema-direita, um jornal alemão, e para meu enorme espanto descobri que eu era mencionado na primeira página como um líder sionista. Agora, isto era uma grande novidade para mim, mas a manchete era: “A Mentira do Holocausto”. Então, na Alemanha nos anos 60 havia seguidores para esta crença, mesmo que eles lá devessem estar mais bem informados que em qualquer outro lugar. Havia um francês que já publicava sobre isto nos anos 60. Metade do seu livro era devotado a mim. Era uma publicação neo-nazista. Assim que o meu livro, 'A destruição dos judeus europeus', saiu em 1961, me tornei um alvo destes grupos.

Para mim, os desenvolvimentos seguintes em negação do Holocausto foram apenas uma lenta expansão, nem mesmo um crescimento, mas uma expansão da França e Alemanha para os EUA e para o Canadá, e finalmente chegou ao mundo árabe. O mundo árabe é bastante desorientado quando se trata da Europa, de qualquer maneira. Eles são tão confusos sobre o Ocidente como nós somos em relação a eles. Mesmo assim, a conferência no Irã não foi bem sucedida nem mesmo no Irã – era um problema e dificuldade sem necessidade. Havia iranianos que denunciavam publicamente esta conferência. Então, eu não estou terrivelmente preocupado sobre isto mesmo que no período desta conferência em dezembro último, eu houvesse sido convidado pelo governo alemão para tomar parte em uma contra-conferência que ocorreu ao mesmo tempo em Berlim, como o palestrante de honra.

Normalmente não me envolvo em debates com revisionistas do Holocausto. E continuei não fazendo isto em Berlim, mas a essência da minha fala era que, sim, houve um Holocausto, o que é, por sinal, mais fácil de dizer que de demonstrar. Demonstrei isto e houve um bom público naquela conferência. Ainda assim, os jornais alemães não deram publicidade à contra-conferência em Berlim porque eles não podiam resistir a publicar as caras dos rabinos que tinham ido ao Irã.

Cheguei à conclusão, não apenas uma vez, mas várias vezes, que, no que me concerne, não concordo com a legislação que torna ilegal fazer pronunciamentos declarando que não houve o Holocausto. Não quero criar amordaças para nada disto porque é um sinal de fraqueza e não de força quando você tenta calar alguém. Sim, tem sempre um risco. Nada na vida é sem risco, mas temos que tomar decisões racionais sobre todas as coisas.

LOGOS: Muitos dos recentes incidentes anti-semitas na Europa levaram as pessoas a falar de um novo anti-semitismo. Isto é algo que realmente deveríamos considerar seriamente ou se trata apenas da continuação de um anti-semitismo anterior?

RH: Não é nem isto. É como se alguém pegasse uns pedregulhos do passado e os jogasse nas janelas. Tenho idade o suficiente para lembrar os efeitos reais de atitudes anti-judaicas. Aqui, na Universidade de Vermont era impensável, mesmo neste estado bem liberal, ter um judeu como Decano até os anos 70, imagine como presidente. Em outras palavras, havia muita segregação nos EUA. Se você olhar para trás e pegar qualquer New York Times dos anos 30 ou mesmo dos anos 40, vai ver anúncios de apartamentos na cidade de New York e a palavra “restrito”. É um jornal cujo proprietário é judeu e eles publicam anúncios que excluem judeus. E isto era um regime anti-judaico entranhado na sociedade, que a sociedade mesmo apoiava e agora se foi. Simplesmente não mais existe.

Não se pode nem mesmo falar de restrições contra judeus no mundo islâmico porque judeus deixaram o mundo islâmico. Eles não estão mais lá exceto em Marrocos e talvez algumas dezenas de milhares aqui e ali, mas isto é o remanescente de duzentos mil que ainda estavam lá quando o estado de Israel foi criado. Então o anti-semitismo do passado pertence ao passado, e particularmente a palavra “anti-semitismo”. Havia um partido anti-semita na Alemanha e havia um partido anti-semita na Áustria. O lider do regime húngaro, Almirante Horthy, quando alguns caras de extrema-direita estavam tentando se apossar de negócios judaicos, acabou com a festa (os calou). Ele disse, mais ou menos com estas palavras, “vocês não vão tomar estas empresas/companhias/negócios porque os judeus ao menos sabem como dirigí-los e vocês, vocês quem são? E não me respondam porque eu já era anti-semita antes de vocês terem nascido”.

Adolf Hitler mesmo, e ninguém lê de fato o 'Mein Kampf', afirma que seu pai não seria um anti-semita porque isto o degradaria socialmente. A irmã de Nietzsche casou com um líder anti-semita e Nietzsche se referia ao cunhado, em todas as cartas para sua irmã, como “o seu marido anti-semita”. Agora, você pode ver que o anti-semitismo era de alguma forma relacionado a uma característica de atraso. Pertencia ao século 19 com todos os seus “ismos”, com o imperialismo, o colonialismo, com o racismo. Parece bizarro que eu diga que os Nazistas não se chamavam de anti-semitas. Você não consegue nem encontrar a palavra.

LOGOS: Mesmo?

RH: Sim, havia uma sensação de que Nazismo era algo novo. O anti-semita tinha parado num certo ponto; o anti-semita podia falar em eliminar judeus, mas não sabia como fazê-lo. O anti-semita não tinha o poder, o anti-semita era um propagandista. Os Nazistas eram sérios sobre o assunto e isto era uma proposição muito diferente. Quando vocês virem a atual legislação na Alemanha, Áustria e em outros lugares que declara que é um crime negar que houve um holocausto, é porque estes governos têm que se distanciar do Nazismo. Hoje em dia obviamente Nazismo e anti-semitismo confluíram em um tipo comum de ideologia, mas é um fenômeno diferente. Havia um jornal extremamente anti-semita na Alemanha, Der Stürmer, que era publicado por Julius Streicher. Não lembro se foi Höss, o comandante de Auschwitz, ou outra pessoa, a quem perguntaram se lia o Der Stürmer. Ele respondeu basicamente o seguinte, “Olha, eu sou um tenente-coronel das SS, nem morto me pegariam lendo Der Stürmer”. Era como ler o mais baixo dos mais baixos tablóides de fofocas dos EUA. Havia uma questão de status, de posição social.


LOGOS: O que você acha do uso retórico e simbólico da palavra “Holocausto”?

RH: Eu resisti ao uso da palavra “Holocausto”, primeiro por causa das suas implicações religiosas. No fim, é como tudo que se torna de uso comum; não dá para escapar. Mas “Holocausto” se torna problemático de várias formas, e uma delas é a que é menos discutida, porque é politicamente incorreto dizer isto, é que tudo se torna um Holocausto. Vou dar um exemplo: eu estava andando em Berlim um dia e vi uma placa “Holocausto” e vi alguns manifestantes nas ruas com cartazes que diziam “Holocausto, Holocausto, Holocausto”. Eu não conseguia entender sobre o que era a manifestação até que eu vi uma gaiola/jaula e entendi que estavam falando de crueldade contra animais. A palavra “genocídio” é também usada em muitas situações, e é claro que a Convenção de Genocídio tem uma definição que vai muito além do que eles chamam de “Holocausto”. Então se você sequestra crianças para forçá-los a fazer algo isto é genocídio, se você usar ópio, isto é genocídio, etc. Porque é uma convenção internacional, os gregos incluíram algo, os chineses incluíram outra coisa, e por aí vai.

Holocausto é uma palavra que é frequentemente utilizada erroneamente porque significa, especialmente quando em letra maiúscula, a catástrofe judaica e quando você a usa em todo o tipo de contexto ela perde sua eficácia. Agora há livros sendo escritos dizendo que os armênios não foram realmente sujeitos a um genocídio ou que os ciganos não foram realmente sujeitos ao genocídio – ainda que na minha opinião ambos foram – mas acaba nestas disputas e é uma situação inevitável. Assim que a Comissão Presidencial sobre o Holocausto foi criada –e foi este mesmo presidente Carter que hoje está sendo chamado de anti-semita quem criou a comissão – todos apareceram: os armênios, claro, compareceram, os poloneses apareceram, os ucranianos apareceram, os tchecos apareceram. Há todos estes problemas de definição e disputas que emergem quando se usa palavras como “Holocausto” ou “genocídio”.

LOGOS:Além da forma como estas palavras são empregadas simbólica e retoricamente, qual a relação que você vê entre o Holocausto e outros genocídios históricos e contemporâneos? Como podemos usar as lições [do Holocausto] para confrontar o tipo de violência e perseguição de grupos que ocorre hoje, considerando-os ou não genocídios sociologicamente?

RH: Eu não sabia o que fazer com o Camboja ou outros eventos como aquele, mas Ruanda me convenceu. Por isto que na terceira edição do meu livro eu incluí Ruanda. O que eu escrevi lá é a resposta à sua questão . Em Buchenwald e possivelmente em outros campos quando a guerra terminou, os prisioneiros colocaram grandes sinais que diziam “nunca mais”. Eu acho que foram os comunistas que organizaram aquilo, mas não tenho certeza. Os sinais diziam “nunca mais” em várias línguas porque era uma Babel de línguas naqueles campos. Milhões de pessoas, homens, mulheres e crianças mortos apenas porque eram classificados como judeus. Agora, aquilo não deveria acontecer de novo e isto era responsabilidade do mundo. O resultado foi, de fato, a Convenção de Genocídio. A palavra genocídio foi criada por Raphael Lemkin, um advogado judeu da Polônia cuja prévia especialidade era terrorismo. Quando o Holocausto acontecia, ele publicou um livro em 1944, 'O comando do Eixo na Europa ocupada'. Neste livro ele inventou a palavra genocídio porque ele dizia que a lei devia ter este conceito como um crime. É claro que os EUA não queriam assinar a Convenção de Genocídio porque o Departamento de Estado e outros políticos tinham suas dúvidas. A dúvida maior era que se tivéssemos uma Convenção de Genocídio, então os negros neste país poderiam questionar legalmente as leis de segregação. A Convenção de Genocídio é um tratado, e se é um tratado sob o Artigo 6 da Constituição nós não podemos assinar esta convenção porque seria superior às nossas sagradas leis estaduais que discriminavam contra negros. Este era o argumento deles. No final este argumento desabou.

O que permanece hoje, contudo, é que o “Nunca mais” é implícito. E no entanto, chega Ruanda e o Presidente Clinton se recusa a chamar de genocídio quando de fato era! Dizemos que nunca mais vamos tolerar este tipo de coisa, mas permitimos mais de meio milhão de pessoas serem mortas em três ou quatro meses em Ruanda. Depois que dez belgas foram mortos, as forças de paz internacionais começaram a se retirar. Foi a mesma coisa como na Alemanha, os Hutu decidiram que agora 'nós vamos resolver o problema Tutsi como os alemães fizeram com os judeus'. Era óbvio que eles tinham decidido isto meses antes de começarem a matar porque eles importaram machetes e fizeram preparações como os alemães. Então aqui estamos, o mundo inteiro, não há Segunda Guerra Mundial acontecendo, não há desculpas de que nós precisamos de todos os aviões que temos, portanto não podemos bombardear Auschwitz porque precisamos deles na Frente Ocidental, e não se faz nada. É tempo de paz, são os anos 90, e não se faz nada. Grandes coisas para o “Nunca Mais”. Então o problema obviamente não desapareceu.

Você tem que tomar decisões. Quando você está sentado no Departamento de Defesa ou no Departamento de Estado na Casa Branca você nunca pode predizer exatamente quais as configurações que algum evento vai mostrar. Você tem que pensar todas as possibilidades e esta gente não tem tempo nenhum para pensar. Eles tem que fazer todas as considerações antes de assumir os cargos. Este é um problema crucial. Mesmo assim, esta é a primeira vez na história que a assumimos um tipo de responsabilidade global. Eu não estou dizendo que estamos sozinhos, temos parceiros fazendo isto e a noção de responsabilidade global é realmente muito nova, é de depois da Segunda Guerra Mundial.

LOGOS: O que você acha dos atuais debates sobre como interpretar o Holocausto e seu legado, pelo trabalho de pessoas como Norman Finkelstein ou Daniel Goldhagen?

RH: Bom, Finkelstein hoje é difamado por toda a parte. Há obviamente lobbies que tentam removê-lo de sua posição. Finkelstein é um cientista político. Acredito que tenha um doutorado por Princeton e, o que quer que se pense de Princeton, é um treinamento bem rigoroso para ser um cientista político profissional. Ele escreveu para mim algumas vezes. Ele foi o primeiro a enfrentar Goldhagen seriamente. Ele atacou Goldhagen em um longuíssimo ensaio que eu nunca teria escrito porque eu nunca teria tido a paciência. Goldhagen é parte de um grupo acadêmico que é um desastre no meu tipo de pesquisa…

LOGOS: Por que isto?

RH: Porque [Goldhagen] estava completamente errado sobre tudo. Completamente errado. Excepcionalmente errado. Em outras palavras, toda esta fúria do seu anti-semitismo que era, na raiz, anti-semitismo especialmente aniquilador, era totalmente absurdo. Ele fala sobre anti-semitismo entre os alemães, estonianos, ucranianos, letões, e lituanos, mas de onde este anti-semitismo aniquilador único veio? É simplesmente absurdo, totalmente absurdo. Quer dizer, completamente fora de parâmetros, vocês sabe, e factualmente sem qualquer base. Finkelstein leveu isto a sério. Eu levei um pouco menos a sério, mas só vim a atacar este Goldhagen bem mais tarde.

Agora, Finkelstein tem um segundo ponto, que, na minha opinião, estava cem por cento correto, e este é que a resposta ao caso dos bancos suíços e a indústria alemã, que tinha coincidido durante a guerra, foi coercitivo não só quanto aos judeus que se mobilizaram, mas também quanto a todas comissões de seguro, ao Senado, a Câmara, e aos comitês críticos. O único que eles não conseguiram dominar foram os tribunais, que ainda tem alguma independência. Então eles perderam nos tribunais, mas ameaçaram pessoas como Alan Hevesi em Nova York. Eles podiam fazer ameaças porque os bancos suícos queriam se expandir ali. Para Finkelstein, isto era pura extorção e não tenho certeza de quem concorda com ele exceto por eu mesmo e eu disse isto abertamente. De fato, disse isto para a imprensa em talvez sete países.

A imprensa não esperava esta minha resposta. O Congresso Judaico Mundial era liderado por um homem que parecia ser, concluindo isso em cima de suas próprias declarações autobiográficas, totalmente, nem mesmo mediano, mas infantil mesmo. O que este magnata, que assumiu o Congresso Judaico Mundial, estava dizendo era completamente absurdo. Os advogados das causas, mais o Congresso Judaico Mundial, deram uma mostra inacreditável de um comportamento totalmente inapropriado.

Agora quando ele [Finkelstein] fala sobre os árabes, alguns judeus sentem que ele é também anti-sionista, que ele é anti-Israel; que ele parece sempre enfatizar o sofrimento dos árabes. Eu não o apoio nesta área em particular porque eu tenho minha própria visão a respeito, mas também não dá para dizer que ele esteja completamente errado. Você gostaria de ser um cidadão árabe em Israel? Pense nas portas que estão fechadas [para estes]. Você pode até comer melhor e ter uma renda melhor do que se você morasse numa favela do Cairo. A grande ironia é que as condições econômicas dos árabes-israelenses são consideravelmente melhores que o proletariado de alguns países árabes, mas uma pessoa precisa de algo mais. Uma pessoa precisa de um sentimento de dignidade. Pense nas barreiras de checagem de segurança. É uma vida sobre a qual certamente alguma coisa tem que ser feita de um jeito ou de outro. Esta batalha em particular não pode durar para sempre. Não dá. Os israelenses vão cansar disto. Os israelenses vão simplesmente cansar de desconfiar das pessoas. Não é possível continuar deste jeito para sempre. Finkelstein está essencialmente na posição correta sobre estas coisas porque ele é extremamente perspicaz. Na maioria das vezes, especialmente nestes outros casos como Goldhagen e os bancos suícos, ele está certo.

LOGOS: Uma última questão, na medida que avançamos no século XXI que direção devem tomar os estudos do Holocausto?

RH: Bom, se você tivesse feito esta pergunta no início, isto já tomaria pelo menos meia hora. Corretamente, a pesquisa hoje está orientada no sentido de descobrir detalhes e principalmente o que aconteceu em nível local. Esta pesquisa já começou. Não está muito desenvolvida neste país (EUA), mas tem havido muitos avanços na Europa. Os principais pesquisadores do Holocausto hoje são alemães e austríacos. Há também alguns franceses e italianos. Não há muitos pesquisadores do Holocausto de renome neste país.

A segunda coisa que deveríamos e precisamos verificar são aqueles aspectos do que aconteceu que ainda são tabu. O que é tabu é a vida de uma comunidade judia terminal em algum gueto e a noção que algumas pessoas morriam primeiro, então outras pessoas morriam depois, e ainda outras morriam por último, e então, melhor ainda, algumas sobreviviam. O que explica estes desenvolvimentos bastante perceptíveis? Exemplo: os primeiros a morrer eram os mais probres entre os pobres. Nós temos que enfrentar este fato. Nós temos que entender que não se pode no mundo acadêmico simplesmente chamar a todos os judeus que morreram – como eu ouvi um Rabino dizendo uma vez, Kedoshim, que significa povo santo. Esta não é a minha linguagem. Nós não podemos fazer isto. Nos temos que vê-lo como eles eram e nós não temos feitos isto. Nós temos tido um roteiro estabelecido. Este é um aspecto em que eu discordo de Elie Wiesel não obstante conhecê-lo há muito tempo. Ele diz “ouçam os sobreviventes e ouçam mesmo seus filhos”. Eu digo, sim, temos que ouvir os sobreviventes. Temos escutado os sobreviventes já por bastante tempo, mas não é suficiente. Eles não vão nos dizer o que aconteceu às pessoas que não sobreviveram. Você não é uma amostragem aleatória. Isto requer muita pesquisa assídua em muitos registros que foram soterrados e que nunca foram examinados.

A terceira coisa que precisa ser feita é isto: temos que identificar mais claramente quem eram os vizinhos dos judeus. Que tipo de impacto sofreram, se sofreram? Como suas reações eram motivadas, seja para colaborar com o algoz ou para ajudar a vítima ou, na maioria dos casos, para permanecer neutro. Neutralidade não significa ignorar algo. Significa uma decisão de não fazer nada. Nós temos que examinar isto também. Então nós temos que examinar o Holocausto de todas as maneiras, e isto no fim implica fazer muita pesquisa local porque é no nível local que estão os documentos que nos dizem alguma coisa. Por exemplo, se eu leio nos registros locais que os bielorussos não estão entregando trigo o suficiente para os alemães porque eles roubam isto secretamente para fazer vodka e em enormes quantidades durante a ocupação alemã, você precisa começar a se perguntar qual o percentual daquela população que estava bêbada o tempo inteiro? Agora estas são questões muito, muito importantes e esta é a direção em que a pesquisa precisa avançar. E não é para diletantes, não é para pessoas sem treinamento, não é para filósofos, é para pessoas que sabem línguas, que sabem história, que sabem ciência política, que sabem economia, etc. Basicamente eles têm que ser bem preparados. O Holocausto hoje não é, como pode ter sido no início, um tema para leigos.

Link original da entrevista: https://logosjournal.com/issue_6.1-2/hilberg.htm

sábado, 18 de agosto de 2007

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro I

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro (parte I)

Relatório de uma discussão do trabalho de Goldhagen realizado no Instituto de Pesqui-sas do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto.

Por Maria Mitchell e Peter Caldwell
Fonte:
http://www.h-net.org/~german/discuss/goldhagen/gold5.html

[...]

É importante notar que nós saímos depois da apresentação de Christopher Browning. Nenhum de nós ficou para ouvir o trabalho de Hans-Heinrich Wilhelm, a resposta de Daniel Goldhagen para Christopher Browning, ou os comentários conclusivos de Leon Wieseltier.

Berenbaum introduziu a conferência com um apelo por "discurso civilizado" e obser-vando que o Instituto de Pesquisas [USHMM, n. do t.] havia sido criticado por sediar um simpósio sobre o livro de Goldhagen. Ele então apresentou as seguintes questões: Quão essencial foi o anti-semitismo para a motivação dos perpetradores? Quão endêmico era o anti-semitismo para a cultura social e política alemã?

Para os propósitos de sua apresentação, Goldhagen organizou sua tese em três grandes pontos: (a) "anti-semitismo exterminacionista" era uma "norma cultural" na Alemanha já no final do século dezenove; (b)todos os perpetradores partilhavam de uma visão hitlerista dos judeus; (c) a maioria dos cidadãos alemães também partilhava dessa visão. Sua conclusão com base nesses três pontos era de que a maioria dos alemães comuns estava preparada para matar judeus. Ao afirmar que o "anti-semitismo exter-minacionista" era uma "norma cultural" pelo final do século dezenove na Alemanha, Goldhagen argumentou que "o anti-semitismo exterminacionista" tornou-se parte da cultura alemã devido a um certo conjunto de circunstâncias históricas as quais, afirmou ele, mudaram fundamentalmente depois da II Guerra Mundial. Os judeus tornaram-se um símbolo de tudo o que era mau na Alemanha do final do século dezenove à medida em que o anti-semitismo misturava-se com o "conceito de raça"; o objetivo deste tipo de anti-semitismo, bastante difundido em todas culturas e classes sociais na Alemanha do final do século dezenove, era exclusivamente eliminar os judeus. Esta versão do anti-semitismo se tornou, de acordo com Goldhagen, a ideologia pública oficial incontestável dentro da sociedade alemã.

Ela afirmava que os judeus eram racialmente diferentes dos alemães, nocivos à Alemanha, e portanto tinham que ser eliminados. Por não haver um ponto de vista alternativo apoiado institucionalmente na Alemanha antes de 1945, os alemães foram criados sobre o anti-semitismo eliminacionista tanto quanto eram sobre seu "leite materno". É por isto que, de acordo com Goldhagen, os perpetradores tiveram tão pouca dificuldade em assassinar os judeus.

Carreirismo, pressão dos colegas, "burocracia mióptica" (tudo o que ele rotulou como "não-histórico") não representaram papel algum; pelo fato de que alguns dos pressionados resistiram à "coerção governamental" para matar, era claro que não havia nenhuma "coerção real". O anti-semitismo exterminacionista era a única motivação e a colaboração dos alemães deve então ser atribuída - e exclusivamente atribuída - a virulento anti-semitismo. Isto explicava, nas palavras de Goldhagen, por que os alemães estavam não apenas entusiasmados em eliminar os judeus mas excepcionalmente cruéis em fazê-lo. Isto era verdadeiro, além disso, não apenas para a colaboração dos perpetradores, mas também para os cidadãos alemães, cuja recusa em intervir refletiu sua adesão ao anti-semitismo exterminacionista. Nos anos 30, concluiu Goldhagen, a grande maioria dos cidadãos alemães apoiava a Solução Final.

Kwiet começou acusando Goldhagen de ter escrito e promovido o livro a fim de ficar famoso, afirmando que - não importando qual o resultado deste debate - Goldhagen tinha-o "feito". Para exibir-se e atrair a atenção da mídia entre as numerosas publicações na Holocaust Studies, disse Kwiet, deve-se advogar uma tese espetacular; isto foi exatamente o que Goldhagen fez. Em particular, Kwiet criticou a embalagem do livro feita por Knopf, especialmente sua alegação de que a tese embasava-se em "material novo". A maioria do material, de acordo com Kwiet, foi emprestada do livro de Christopher Browning "Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101" E a Solução Final na Polônia". Muito pouco além disso era realmente novo, de acordo com Kwiet; o grosso do livro baseava-se em fontes secundárias.

Não só era bem conhecido o material de Goldhagen, continuou Kwiet, como também nada sobre a tese de Goldhagen era original. A dependência em generalizações sobre o caráter nacional e a representação dos Alemães como "excepcionais" representava o coração da tese "Sonderweg", de acordo com Kwiet, que foi refutada há mais de uma década. Por esse motivo, Kwiet achou particularmente "irritante" o pedido de Goldhagen para entender completa e finalmente o Holocausto. Nenhum outro estudioso, disse Kwiet, jamais fez tal pedido arrogante. Neste contexto, ele citou Hilberg e Friedlaender, que disseram do livro (parafraseado): É inútil, apesar de toda a publicidade feita por Knopf. No nível mais específico, Kwiet desafiou a representação das mulheres feita por Goldhagen como igualmente envolvidas/anti-semitas e seu desprezo pelas vítimas não-judaicas do regime nazista. Como Goldhagen explica o assassinato de ciganos e outros grupos, perguntou ele, se o assassinato foi motivado exclusivamente pelo anti-semitismo exterminacionista? Kwiet também criticou a interpretação da sociedade alemã do pós-guerra feita por Goldhagen, particularmente sua alegação de que o anti-semitismo desapareceu depois de 1945. Kwiet citou Goldhagen, em resumo, que os alemães de hoje são "como nós". Se é assim, afirmou Kwiet, então nós não podemos esperar que os alemães demonstrem nenhum tipo de sensibilidade ou responsabilidade com relação ao Holocausto; ele poderia muito bem ser esquecido. Kwiet concluiu descrevendo a perspectiva de Goldhagen como "mais do que assustadora". Em contraste a Goldhagen, que havia recebido aplausos ruidosos da audiência, Kwiet recebeu quase o silêncio.

Kwiet foi seguido por Yehuda Bauer, que começou afirmando que a tese de Goldhagen é simplesmente um argumento "Sonderweg" requentado, que foi difundido pelas décadas depois da II Guerra Mundial. Esta interpretação, sustentou Bauer, foi de fato a mesma que ele, Bauer, havia debatido pelos últimos trinta anos, embora numa forma muito mais sofisticada.

Seu próprio trabalho, afirmou Bauer, explorava estruturas políticas e culturais assim como vozes e instituições contestadoras na sociedade alemã. Ele também dependia de trabalhos que estudiosos poloneses e israelenses haviam produzido pelas últimas décadas, trabalho ao qual Goldhagen, de acordo com Bauer, não teve acesso porque ele não lia naqueles idiomas. O fato de que o argumento de Goldhagen assentava-se sobre fontes de língua alemã e inglesa representava um sério problema, continuou Bauer; entre suas poucas fontes não-alemãs/inglesas havia uma em tcheco - "provavelmente copiada de mim", disse Bauer.*

*continua na parte abaixo.
http://holocausto-doc.blogspot.com/2007/08/carrascos-voluntrios-de-hitler-crticas.html

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro II

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro(parte II)
continuação da parte I:
http://holocausto-doc.blogspot.com/2007/08/carrascos-voluntrios-de-hitler-crticas_18.html

A falta de pesquisa comparativa por parte de Goldhagen foi problemática não somente em termos de outro material secundário, de acordo com Bauer, mas também em termos de sua própria tese. E quanto à Romênia, ele perguntou, e sua tradição de anti-semitismo exclusionista datado do século dezenove?

E quanto ao entusiasmo romeno pela captura e matança de homens, mulheres e crianças judias? Por que Goldhagen não lidou com nenhuma outra tradição de anti-semitismo, inclusive a polonesa, a russa, e a francesa? Nesse respeito, Bauer fez referência à afirmação de George Mosse de que, se você tivesse dito às pessoas em 1900 que haveria uma Solução Final, a resposta delas teria sido (parafraseado), "Oh, aqueles franceses maus, muito maus". Bauer então atacou o consultor de Goldhagen em Harvard. Goldhagen, disse ele, não deveria ser responsabilizado por este trabalho de mal feito, em particular por sua falta de foco comparativo.

Em vez disso, é seu consultor que deve ser culpado: Como este trabalho recebeu um PhD em Harvard quando ele não cobre as questões mais básicas? Bauer então criticou Goldhagen por ignorar as forças concorrentes da história alemã e, ao fazê-lo, por não ser capaz de responder às questões: se o anti-semitismo eliminacionista era dominante já no século dezenove, então por que o Holocausto não aconteceu antes do século vinte? Qual foi a diferença? Como foi que Hitler chegou ao poder? Bauer censurou Goldhagen por não lidar adequadamente com o colapso da República de Weimar.

A esse respeito, ele citou o fato de que, na última eleição livre da República de Weimar, 67% dos alemães não votaram em Hitler. Hitler foi votado, perguntou Bauer, somente porque as pessoas apoiavam seu anti-semitismo?

Bauer concluiu dizendo que, enquanto a resposta de Goldhagen estava "errada", sua questão continuava importante. Mas, continuou ele, ela precisa ser tratada com "humildade", e não arrogância. Ao afirmar que, "Eu estou certo e todos aqueles que vieram antes de mim estão errados", Goldhagen, de acordo com Bauer, mostrou uma surpreendente falta de sensibilidade com relação ao assunto. Goldhagen também correu o risco, continou Bauer, de se tornar um outro Arno Mayer depois de "Why Did the Heavens Not Darken?". Seguido por uma grande exposição da mídia e muita discussão, disse Bauer, o livro de Mayer foi completamente e justificadamente esquecido. O trabalho de Mayer se foi, disse ele, e com razão; ninguém mais o cita ou fala sobre ele. Você, disse ele, virando-se para Goldhagen, não quer terminar como Arno Mayer. Você iniciou sua carreira do jeito errado, concluiu ele; você não começa com Relações Públicas, você termina com elas.

Lawrence Langer então falou como moderador. Fazendo referência ao fato de Goldhagen ter excedido o tempo limite para sua apresentação inicial, Langer sugeriu que ele fosse "generoso" e abrisse mão de seu comentário para que a discussão pudesse começar. Goldhagen respondeu, entretanto, - com muito aplauso - começando a afirmar que seu livro era um produto de seu próprio trabalho, então não se deveria respon-sabilizar seu tutor. "Eu sou mais velho do que aparento", disse ele. "Eu posso me responsabilizar por mim mesmo". Sua tese, continuou Goldhagen, era nova, mesmo que sua documentação não o fosse. Kwiet, afirmou ele, compreendeu meu livro de forma totalmente errada, enquanto Bauer e eu concordamos mais do que discordamos. Despois de Goldhagen ter-se sentado, a discussão começou. Dentre as questões/comentários da audiência, perguntaram a Goldhagen sobre o marketing do livro.

Em resposta, ele disse que tudo o que Knopf havia feito para promover o livro havia sido autorizado por ele, e que ele aprovou o pedido do editor, de que ele "reescreveria completamente a história do Holocausto".

Kwiet então afirmou que não havia prova histórica de que os cidadãos alemães haviam aplaudido a Solução Final. Os alemães responderam com indiferença e silêncio, disse Kwiet, não com aplauso. Em sua resposta a Kwiet, Goldhagen contra-argumentou que indiferença era o mesmo que apoio. Pouco depois, numa pergunta, Jerry Muller da Universidade Católica disse que ele agora lamenta ter convidado seus estudantes graduados para o simpósio. Este era um exemplo excepcionalmente pobre de discussão acadêmica, disse ele, porque vocês, acadêmicos mais velhos, têm sido imensamente desrespeitosos para com este jovem. Vocês estão demonstrando desprezo e ciúmes sobre o fato de que ele se tornou importante, e traindo o propósito de nosso projeto. Em resposta ao comentário de Muller, a audiência irrompeu em calorosos aplausos. Lawrence Langer interrompeu em meio à confusão, [dizendo] que discordâncias acadêmicas honestas não tinham que ser caracterizadas como "desprezo". As luzes foram ligadas e o intervalo programado começou.

Aparentemente, toda a audiência retornou no intervalo. Começando a segunda metade do processo, Richard Breitman introduziu Christopher Browning, que começou observando que ele havia escrito em "Ordinary Men" que outra pessoa cm uma perspectiva diferente poderia não ler os mesmos documentos de forma similar. Eu não esperava, continou ele, que isso acontecesse tão rapidamente e tão dramaticamente. Browning então afirmou que a tese de Goldhagen não era de forma alguma nova, "apesar dos apelos da promoção do livro". (Ele recebeu uma sonora desaprovação da platéia). O maior defeito da tese de Goldhagen, continuou ele, foi sua "monocausalidade" e foco sobre o "anti-semitismo demonológico". De acordo com Goldhagen, disse Browning, não houve relutância para os alemães superarem a fim de poderem matar. Eles mataram por prazer e porque eles pensaram estar fazendo a coisa certa; eles gostavam disso.

Browning continuou, dizendo que muito da tese de Goldhagen baseava-se em seu tratamento de fontes, muitas das quais ele mesmo usou em "Ordinary Men". Browning criticou a metodologia de Goldhagen da seguinte forma: Ao desprezar qualquer testemunho de julgamentos do pós-guerra nos quais os perpetradores alemães expressaram reservas ou remorso - com base no argumento de que isto era uma simples tentativa de receber clemência - Goldhagen garantiu que as fontes apoiariam sua conclusão pré-formulada.

O princípío exclusionista foi "determinístico", de acordo com Browning, e não conseguiu explicar exemplos de Schutzpolizei que ajudaram judeus ou outros que sofreram emocionalmente pelo que eles fizeram. A abordagem de Goldhagen também excluía a possibilidade de que alemães pudessem distinguir, como fizeram, entre anti-semitismo socialmente aceitável e planos inaceitáveis de extermínio em massa. O ponto seguinte de Browning relacionava-se à questão dos perpetradores não-alemães no Holocausto e particularmente o desprezo de Goldhagen por fontes que tratavam desta questão. Aqui, Browning confiou num estudo de caso de luxemburgueses que haviam sido integrados nas forças de extermínio alemãs. Esses homens, argumentou ele, presumivelmente não haviam sido imbuído com a "norma cultural" do anti-semitismo exclusionista, e entretanto eles participaram nos crimes no mesmo grau que os homens alemães. Isto mostrou o poder da pressão de grupo e outras forças sociais em ação, afirmou Browning. Tais pressões específicas de tempo e situacionais não encontraram lugar no trabalho de Goldhagen.

Goldhagen, concluiu Browning, escreveu um livro de história "buraco de fechadura", encon-trando na história alemã somente o que ele queria ver e ignorando essas forças poderosas e competidoras, como catolicismo, socialismo, etc. Goldhagen operou fora de um contexto histórico, de acordo com Browning; conseqüentemente, ele ofereceu uma análise unidimen-sional. Goldhagen deprezou, além disso, o grau de controle nazista da sociedade e as reais penalidades que existiam para se falar abertamente. Browning acusou Goldhagen de escrever história simplista, maniqueísta e "popular", e concluiu com uma citação de Primo Levi,em outras palavras, de que as coisas nunca são tão simples quanto as pessoas gostariam que elas fossem. Nada em história é muito fácil.

Nós saímos enquanto Hans-Heinrich Wilhelm da Universidade de Colônia começou a falar."

Maria D. Mitchell, m_mitchell@...
Professora Assistente de História, Franklin & Marshall College
American Institute for Contemporary German Studies, 1995-1996

Peter Caldwell, caldwell@...
Professor Assistente de História, Rice University
Fellow at the Center for German and European Studies,
Georgetown University, 1995-96

Tradução: Marcelo Oliveira
http://br.groups.yahoo.com/group/Holocausto-Doc/message/6332

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...