terça-feira, 14 de agosto de 2007

O exterminador do racismo

Artigo - Sonia Bloomfield Ramagem
Folha de S. Paulo
25/5/2004

Em artigo publicado pela Folha no dia 3/5 ("O caso Ellwanger", pág. A3), o editor e auto-intitulado historiador Siegfried Ellwanger, condenado por crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal em 2003, pretende rebater "uma série de informações incompletas ou distorcidas constantes do artigo "O STF e o racismo; o caso Ellwanger", de Celso Lafer, voltadas a apresentar-me, novamente, como racista".




Ellwanger segue a trilha de outro negador do Holocausto e falso historiador, o inglês David Irving, da Inglaterra. Irving processou a historiadora Deborah Lipstadt, autora do livro "Denying the Holocaust: the Growing Assault on Truth and Memory", que o acusava de falsificar a história.

Um dos pilares da defesa de Lipstadt foi Richard J. Evans, professor de história da Universidade de Cambridge, que analisou as qualificações profissionais e as obras de Irving a partir das seguintes questões: "Existe objetividade histórica? Quando podemos saber se um historiador está falando a verdade? Será que todos os historiadores estão apenas apresentando suas diferentes versões do passado?". Respondendo-as, Evans disse que sim, existe objetividade no estudo da história, e que para isso "o treino de um historiador profissional há muito tempo é dependente de um doutorado, o qual requer provas de domínio de todas as técnicas necessárias em pesquisa em arquivos e pesquisa histórica baseada em documentos originais". Evans concluiu que Irving e outros que se passam por historiadores e negam o Holocausto, como é o caso de Ellwanger, não podem usar tal título, pois lhes faltam as qualificações necessárias.

Por Ellwanger haver escolhido o caminho do falseamento da realidade, ele se sente perseguido

Deborah Lipstadt afirmou que a negação do Holocausto é, na maioria dos casos, anti-semita e está ligada a uma agenda política antijudaica. A agenda anti-semita de Ellwanger é baseada na farsa "Os Protocolos dos Sábios de Sião", em especial nos protocolos de número 1, 3, 4, 5, 9, 11, 15, 16 e 17, que tratam de leis e liberdades. Ele ataca o professor Celso Lafer e o rabino Henry Sobel como os articuladores de uma trama diabólica de controle do Supremo Tribunal Federal pelos "sionistas", isto é, judeus, e acusa o ministro Maurício Corrêa de títere dos mesmos, além de insinuar que ele plagiou Celso Lafer na redação de seu voto. Ellwanger levanta também sérias suspeitas sobre a competência e probidade profissional dos ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, a quem acusa de votarem contra seu pedido de habeas corpus "por antecipação, isto é, sem pedir vistas do processo, mas citando o estranho parecer inimigo...". Em bom português: Ellwanger insinua serem os mesmos corruptos e incompetentes.

Ainda baseado nos "Protocolos", afirma ele que "todos os sete livros que motivaram o processo contra mim foram editados antes da lei 8.081, que foi encomendada pela Federação Israelita do Rio Grande do Sul ao então deputado Ibsen Pinheiro, [que] não consegu[iu] explicar, entre muitas acusações, a origem de valioso apartamento adquirido à vista no bairro judaico". Aí está a teoria básica dos "Protocolos": a de que os judeus dominam o mundo. Segundo ele, a lei foi "encomendada" a um deputado, a quem ele acusa de ter ganhado um "valioso apartamento (...) no bairro judaico" (implicando, com isso, que o imóvel está em local onde seu proprietário possa ser controlado). No entanto, como um deputado sozinho não é suficiente para aprovar uma lei, fica implícito em suas palavras que os deputados que votaram em favor da lei 8.081 são, no mínimo, corruptos!

Com relação à data da promulgação da referida lei, afirma ele que, até o ano de 1996, "para a ciência ainda havia distinção de raças" e que isso deveria anular sua condenação, pois, "sem lei, não há crime". Fosse ele um pesquisador como se intitula, teria procurado basear suas afirmações em trabalhos de antropologia e biologia, e não teria emitido opinião tão errônea e disparatada: há muitos e muitos anos a noção de raça humana não mais existe entre cientistas sérios.

Por Ellwanger haver escolhido o caminho do falseamento da realidade, ele se sente perseguido: "do primeiro voto até o final do processo, o auditório do STF esteve quase sempre lotado de sionistas de vários Estados". Quem realmente esteve presente às votações do Supremo sabe que havia vários assentos vagos durante as mesmas, e isso não aconteceria com o auditório lotado por tantos sionistas quanto ele criou em sua imaginação. Por outro lado, ele nem sequer menciona os negros, ciganos, indígenas e outros que lá estiveram, talvez por não considerá-los dignos de serem incluídos em sua contagem.

O mesmo sentido alterado da realidade o faz afirmar que, "em nenhum momento houve [da parte dele] incitação ao racismo. Propositada e falsamente, confundem meu anti-sionismo com anti-semitismo e racismo". E, mais ainda, declarando-se "anti-sionista", diz ele que "sionismo é o racista movimento político judaico" (sic).
Lendo tais garatujas, só posso concluir que ele quer que acreditemos que, em última instância, ele luta contra o racismo! Todos os leitores de seu artigo publicado na Folha deveriam se sentir ofendidos com esse ataque à sua inteligência e bom senso.

Sonia Bloomfield Ramagem, 53, doutora em antropologia pela Universidade Católica da América (EUA), é professora de geografia humana na UNB (Universidade de Brasília).
http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=125218
Nas fotos, da esquerda pra direita: Deborah Lipstadt, David Irving, Siegfried Ellwanger(S.E. Castan).

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