Alemanha, novembro de 1918. Ao fim da Primeira Guerra Mundial, o imperador Guilherme 2º era forçado a renunciar. O caos dominava o país: quem deveria assumir o futuro governo? Já durante os últimos meses de guerra, os socialistas radicais e os moderados social-democratas disputavam o poder. Em 9 de novembro, a República Alemã era proclamada tanto pelo socialista Karl Liebknecht como pelo social-democrata Philipp Scheidemann.
No dia seguinte, o então líder do Partido Social-Democrata, Friedrich Ebert, ligou para Wilhelm Groener, comandante supremo das Forças Armadas. Sua intenção era fazer um pacto com os militares. Por telefone, Ebert conseguiu persuadir o general a combaterem juntos os radicais de esquerda e Liebknecht, evitando assim uma iminente guerra civil e garantindo uma transição pacífica para a formação da República Alemã.
Isso acabaria com a revolução e permitiria negociar a paz com os aliados. A cooperação com os militares garantiu aos social-democratas, representados por Ebert e Scheidemann, a responsabilidade pelo governo da nova República. Em janeiro de 1919, uma insurgência da esquerda, conhecida como Levante Espartaquista, foi reprimida com apoio das Forças Armadas. Agora, o caminho estava livre para a Constituição formulada pelos social-democratas, aprovada em março de 1919. Assim nascia a República de Weimar.
Contra o nacionalismo e o militarismo
Exército imperial teve posição de peso na República de Weimar |
"Para Tucholsky e tantos outros de sua geração, a Primeira Guerra Mundial representou uma ruptura decisiva. Ele esperava que fossem tiradas lições dessa catástrofe e se decepcionou por isso não acontecer na medida suficiente", afirma Rolf Hosfeld, autor da biografia publicada em 2012 Tucholsky – ein deutsches Leben (Uma vida alemã). Apesar de se considerar de esquerda, jamais teria passado pela cabeça de Tucholsky se associar ao Partido Comunista Alemão (KPD, do alemão), que se orientava por Moscou.
Em vez disso, como muitos outros de esquerda que não queriam ligar-se a Moscou, o autor combateu sua frustração com papel e caneta. A revista semanal Die Weltbühne era a sua arena. Aqui ele atacava os militares que, por falta de controle do Parlamento, tornaram-se ao longo dos anos um Estado dentro do Estado. Ele também escrevia contra as tendências nacional-socialistas, as quais considerava um resquício de tempos passados e uma ameaça à jovem democracia.
"A Alemanha tem uma anatomia peculiar: escreve com a esquerda, mas age com a direita", diria o autor em 1920. O que ele queria dizer é que apesar de a esquerda ter uma influência intelectual sobre a República de Weimar, a propensão geral era marcada pelo militarismo e nacionalismo. Tucholsky foi, assim, um dos primeiros a vislumbrar o fracasso da República e a ascensão do nazismo.
"É impressionante com que precisão ele previu na época situações que, realmente, vieram a acontecer. A cooperação de Paul von Hindenburg com o governo de Hitler, essa forma de tomada do poder", comenta Hosfeld.
Restrição à liberdade de imprensa
Rolf Hosfeld, biógrafo de Tucholsky |
"Procurava-se de toda forma silenciar as vozes críticas contra a autonomia do Exército", acrescenta Hosfeld. Os jornalistas do semanário Weltbühne, entre eles o futuro Prêmio Nobel da Paz Carl von Ossietzky, foram condenados a 18 meses de prisão por revelar segredos de Estado. Na época, Tucholsky já vivia a maior parte do tempo no exterior. O processo deixou claro que "escrever com a esquerda" não era permitido.
A crise econômica mundial precipitou a profecia de Tucholsky: a temida ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, do alemão), de Adolf Hitler. Nas eleições de 1930, eles alcançaram 18% dos votos. O grave desapontamento com a situação política, as restrições à imprensa e vários outros motivos pessoais fizeram Tucholsky optar definitivamente pelo exílio na Suécia, país de seus sonhos.
Em exílio
Semanário "Weltbühne" era principal plataforma para intelectuais de esquerda nos anos 1920 |
Em 1946, na revista Weltbühne, que havia sido reinstituída, o autor Erich Kästner descreveu Tucholsky como "berlinense gordo e baixinho, que queria impedir uma catástrofe com a máquina de escrever", um homem que condenava o fato de tantos não terem aprendido nada com a Primeira Guerra Mundial. Tal processo de aprendizado só começaria na Alemanha nas décadas após 1945.
O que Tucholsky acharia da Alemanha de hoje? "Tucholsky gostaria de viver na República Federal da Alemanha. O que não significa que ele não tivesse críticas", afirma Hosfeld com convicção. As missões de guerra do Exército alemão, as ações do governo na crise bancária, "com certeza, o tiraria do sério, como jogam com o capital à custa do cidadão comum", diz Hosfeld. Portanto, típico de alguém que escreve com a esquerda.
Autoria: Friedel Taube (smc)
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: Deutsche Welle
http://www.dw.de/kurt-tucholsky-alemanha-tem-anatomia-peculiar-escreve-com-a-esquerda-e-age-com-a-direita/a-16660040
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