quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Brasil foi o país com mais filiados ao Partido Nazista fora da Alemanha

Com base em documentos de arquivos alemães, pesquisadora identifica atuação do Partido em 83 países. O grupo brasileiro tinha o maior número de integrantes

A historiadora Ana Maria Dietrich analisou, em seu mestrado, documentos do Deops-SP que revelaram a atuação do Partido Nazista alemão (NSDAP) no Estado de São Paulo, entre 1928 e 1938. Algumas dessas descobertas incentivaram a historiadora a ir para a Alemanha, onde atualmente pesquisa o tema para o doutorado. O objetivo é compreender a atuação do NSDAP em território brasileiro sob a perspectiva do III Reich.

O doutorado é feito pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em parceria com o Centro de Estudos de Anti-Semitismo da Universidade Técnica de Berlim, onde Ana Maria atua como pesquisadora convidada. A historiadora utiliza como fontes as atas do Arquivo Federal Alemão e o Arquivo político do Ministério das Relações Exteriores, em Berlim.

A pesquisadora pretende analisar, também, revistas e jornais da linha nacional-socialista publicados no Brasil em alemão, disponíveis no Instituto de Relações Exteriores, em Stuttgart, e verificar arquivos de outras cidades alemãs. As fontes orais - entrevistas com ex-partidários ou familiares - também estão entre as suas prioridades.

"Além de revelar um capítulo da história do Brasil, minha pesquisa está fundamentada no fortalecimento dos valores democráticos no Brasil e em outros países da América Latina", conta.

Nacional-socialismo no Brasil

Entre os primeiros resultados, Ana Maria identificou que o Landesgruppe Brasilien (o grupo do país Brasil) integrava uma espécie de rede mundial com outras filiais do partido. Esta "rede" estava presente em 83 países, em todos os continentes, com 29 mil integrantes.

As filiais estavam ligadas à Organização do Partido Nazista no Exterior (AO), um departamento do governo do Reich. Todas as diretrizes, ordens e controles partiam desta central. "A estruturação como uma espécie de 'rede de aranha' me chamou a atenção, pois mostra a força mundial do movimento."

O Landesgruppe Brasilien tinha o maior número de filiados do Partido Nazista fora da Alemanha, com 2.903 integrantes, superior à Holanda (1.925), Áustria (1.678) e Polônia (1.379). Dos filiados no Brasil, 92,7% eram alemães natos e apenas 2,45% eram brasileiros. "Para o governo Vargas, o NSDAP era um pequeno partido voltado para uma minoria estrangeira (alemães). Mas para o governo de Hitler, a história era outra."

"Uma grande surpresa foi localizar documentos sobre o norte do Brasil e saber que o Partido também desempenhou um importante papel nos estados de Pernambuco, Bahia e Pará." Ana Maria pretende comparar a história do NSDAP nos diferentes estados brasileiros, principalmente na relação norte / sul do País.

"Inferno" tropical

Se nos panfletos de propaganda para imigração que circulavam na Alemanha entre 1920 e 1930 o Brasil foi descrito como paraíso tropical, Ana Maria constatou que nos relatórios da Organização do Partido Nazista no Exterior e nos artigos de alguns jornais alemães, o País era visto pelos nazistas como "inferno" tropical.

"Isso não aconteceu pelas diferenças climáticas, nem pelas doenças que os imigrados tinham de enfrentar, mas pelo fato de os "arianos puros" conviverem com negros e outras etnias na lavoura e nas cidades. A miscigenação característica da formação do povo brasileiro era absolutamente inaceitável para o III Reich."

Durante o mestrado, Ana Maria identificou Hans Henning von Cossel como chefe do Partido Nazista no Brasil e também como editor do jornal semanal Deutscher Morgen, que circulou livremente no País entre 1932 e 1940. Na Alemanha, a pesquisadora conseguiu entrevistar duas filhas de Cossel. "Elas relataram que o pai tinha uma boa relação com os estadistas da época, como Getúlio Vargas e Adolf Hitler, sendo que este último ele encontrou pessoalmente."

Segundo Ana Maria, Cossel fazia viagens pelo Brasil para divulgar o nacional-socialismo e também para a Alemanha, onde encontrou o chefe da Organização do Partido Nazista no Exterior, Ernst Wilhelm Bohle. "Cossel era, para o Partido, o "Fuhrer" no Brasil. Exercia as funções de "Vertrauensmann" (homem de confiança) do III Reich e adido cultural da Embaixada Alemã no Rio de Janeiro, além de manter o status de correspondente do III Reich, transmitindo informações importantes sobre o Brasil para a Alemanha.

Aspectos sociais

"O viés 'social' também é uma das novidades do meu trabalho, em complemento a importantes estudos de historiadores alemães e brasileiros sobre a chamada 'história política' do Partido Nazista no exterior e no Brasil."

Segundo a historiadora, ao se estudar as consequências do fenômeno do nazismo para o Brasil e para a humanidade, evita-se a proliferação da ideologia e de movimentos de extrema-direita. "Só através do debate deste período histórico poderemos informar às futuras gerações sobre a importância da democracia, contra qualquer tipo de discriminação em relação às minorias."

Ana Maria faz doutorado-sanduíche com bolsa do CNPq / DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico). A orientação no Brasil é da professora Maria Luíza Tucci Carneiro, da FFLCH, e na Alemanha é do professor Wolfgang Benz, da Universidade Técnica de Berlim. A previsão é que, em 2006, seus estudos estejam concluídos. Segundo a pesquisadora, o mestrado será publicado no segundo semestre deste ano pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

[imagens: arquivo Ana Maria Dietrich]

Valéria Dias / Agência USP

Fonte: USP Online
http://www2.usp.br/index.php/sociedade/442

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