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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Americanos esterilizados em programa de eugenia lutam por indenização do Estado

Mais de 60 mil americanos foram esterilizados, muitos contra a vontade, como parte de um programa que terminou em 1979

Em 1968, nos Estados Unidos, foi violentada por um vizinho que ameaçou matá-la se ela relatasse o que havia acontecido a alguém. Criada em ambiente cercado de abusos, filha de pais violentos, na empobrecida cidadezinha de Winfall, na Carolina do Norte, a adolescente tinha 13 anos.

A americana Elaine Riddick, que foi submetida
a uma esterilização forçada aos 13 anos
Nove meses mais tarde, quando estava no hospital, dando à luz uma criança - fruto do crime de que tinha sido vítima - Riddick foi violentada pela segunda vez, agora pelo Estado - ela diz. Uma assistente social que a tinha declarado "mentalmente fraca" pediu ao Eugenics Board - órgão americano encarregado de implementar no país as ideologias da Eugenia - que esterilizasse a adolescente.

Hoje tida como uma falsa ciência, a Eugenia foi um dos pilares do Nazismo na Alemanha e chegou a ser considerada um ramo respeitável das Ciências Sociais. O termo quer dizer "bom nascimento" e foi criado em 1883 pelo britânico Francis Galton. A ideologia propunha o estudo de agentes capazes de melhorar ou suavizar as características raciais de gerações futuras, física ou mentalmente.

Mais de 60 mil americanos foram esterilizados, muitos contra a vontade, como parte de um programa que terminou em 1979. Seu objetivo, na prática, era impedir que pobres e deficientes mentais procriassem. Décadas mais tarde, um Estado americano - a Carolina do Norte - está considerando indenizar as vítimas.

Coerção

As autoridades da Carolina do Norte forçaram a avó de Riddick a escrever um "x" no formulário de autorização. Após fazer o parto do bebê por cesariana, os médicos esterilizaram Riddick. "Mataram meus filhos", diz. "Mataram os meus antes de chegarem", diz Riddick, que sofreu décadas de depressão e outras doenças, e hoje tem 57 anos.

Quase 40 anos após a última pessoa ter sido esterilizada como parte do programa de Eugenia da Carolina do Norte, o Estado criou um grupo de trabalho para tentar localizar as 2,9 mil vítimas que, estima-se, ainda estariam vivas.

O grupo espera reunir as histórias pessoais das vítimas e recomendar ao Estado que lhes ofereça alguma forma de indenização. Entretanto, com as finanças públicas sob pressão, não está claro se o Legislativo vai concordar.

"Sei que não posso corrigir (a injustiça) mas ao menos posso reconhecê-la", disse o deputado estadual Larry Womble. Ele espera "contar ao mundo que coisa horrenda o governo fez com jovens meninos e meninas". O movimento de esterilização nos Estados Unidos foi parte de um amplo esforço para "limpar" a população do país de características considerados indesejadas.

Entre as políticas adotadas estavam evitar a mistura de raças e o estabelecimento de cotas de imigração rigorosas para europeus do leste, judeus e italianos. Um total de 32 Estados americanos aprovaram leis permitindo que as autoridades esterilizassem pessoas consideradas não aptas a procriar, começando com a Indiana, em 1907.

O último programa terminou em 1979. As vítimas foram criminosos e jovens delinquentes, homossexuais, mulheres de tendências sexuais tidas como "anormais", pobres recebendo ajuda do Estado, epiléticos ou pessoas com problemas mentais. Em alguns Estados, as grandes vítimas do programa foram populações de origem africana e hispânica.

Puritanismo

Segundo historiadores, as esterilizações, aparentemente feitas com o "consentimento" de vítimas e familiares, aconteciam, na prática, à base de coerção. Camponeses analfabetos recebiam formulários para assinar, detentos eram advertidos de que não seriam libertados com seus corpos intactos, pais pobres eram ameaçados de perder assistência pública se não aprovassem a esterilização de filhas "depravadas".

Entre alguns dos pedidos de esterilização recebidos pelo Eugenics Board em outubro de 1950 estavam: uma jovem de 18 anos, separada do marido, que tinha "comportamento antissocial"; uma vítima de estupro, negra, com 25 anos, que apresentava "tendências sexuais anormais"; uma menina de 16 anos que tinha sido enviada para uma instituição do Estado por "delinquência sexual" e cuja tia havia dado "assinatura de consentimento"; uma mulher branca, casada, com três filhos, cuja família havia dependido do Estado por muitos anos e tinha um "histórico de casamentos com índios e negros".

Segundo o historiador e especialista em leis Paul Lombardo, da Georgia State University, a motivação por trás das medidas era a indignação com a ideia de que pessoas que haviam desrespeitado códigos de conduta sexual acabariam precisando de assistência pública.

"Nesse país, sempre fomos muito sensíveis a noções de histórias públicas de sexualidade inapropriada", disse. "É nossa formação puritana entrando em conflito com nosso senso de individualismo."

Os programas de esterilização também se baseavam em critérios raciais. Segundo Lombardo, o discurso era: "Quanto menos bebês negros tivermos, melhor. Vão todos acabar dependendo de ajuda do Estado."

Carolina do Norte

Embora os especialistas calculem que milhares em vários Estados americanos tenham sido esterilizados como parte do programa no século 20, a Carolina do Norte se destacou por sua eficiência em implementar as medidas.

A maioria dos Estados promoveu esterilizações de detentos e pacientes em prisões e outras instituições. Na Carolina do Norte, no entanto, assistentes sociais atuando na comunidade podiam fazer petições ao Estado para que indivíduos fossem incluídos no programa.

As autoridades de saúde calculam que dos 1.110 homens e 6.418 mulheres esterilizados na Carolina do Norte entre 1929 e 1974, cerca de 2,9 mil estejam vivos. Hoje, vários Estados examinaram seu passado e fizeram pedidos oficiais de desculpas. No caso da Carolina do Norte, isso ocorreu em 2003.

Mas alguns no Estado querem que o processo vá mais além. O deputado estadual Larry Womble continua a fazer campanha por indenização monetária para as vítimas. Com a crise nas finanças públicas, no entanto, há poucas chances de que legisladores aprovem um pedido de US$ 58 milhões em indenizações - US$ 20 mil para cada vítima.

Uma das pessoas envolvidas na campanha é Charmaine Cooper, diretora-executiva do grupo de trabalho Justice for Sterilization Victims Task Force, criado pelo Estado. "Minha esperança é de que o Estado reconheça que nunca haverá um bom momento para indenizações".

Entre as vítimas que deverão prestar depoimento está Riddick, que hoje vive em Atlanta. Para ela, a perspectiva de uma indenização de US$ 20 mil é um insulto. "Deus disse, sejam fecundos, multipliquem-se. Eles não pecaram apenas contra mim, pecaram contra Deus."

Fonte: BBC Brasil
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/americanos+esterilizados+em+programa+de+eugenia+lutam+por+indenizacao+do+estado/n1597029810792.html

domingo, 9 de maio de 2010

A Guerra contra fracos (livro) - Edwin Black. As raízes dos EUA da eugenia nazi

Raízes do Holocausto. Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos política que eliminava “raças inferiores”

Cláudio Camargo; Lloyd Wolf
Origens: Edwin Black espicaça o establishment americano

Algumas palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”, um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes” (doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é contada agora, num minucioso relato, em A guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior (editora A girafa, 860 páginas, R$ 68,00), do jornalista americano Edwin Black.

Nos domínios de Tio Sam, berço da democracia moderna, a eliminação de grupos étnicos indesejáveis não foi perpetrada por sinistras tropas de assalto, como no III Reich, mas por “respeitados professores, universidades de elite, ricos industriais e funcionários do governo”. Criada na Inglaterra no século XIX pelo matemático Francis J. Galton, a eugenia (composta do grego “bem nascido”) atravessou o oceano e encontrou campo fértil em terras americanas. Sob a batuta do zoólogo Charles Davenport, o movimento eugenista obteve apoio de instituições renomadas, como a Carnagie Institution – que montou a primeira empresa de eugenia em Long Island –, da Fundação Rockefeller e de uma plêiade de acadêmicos, políticos e intelectuais.

O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960 pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria mulheres.

Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma super-raça nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”, declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital, da Virgínia.

Desmascarado pelo genocídio hitlerista, o antes arrogante movimento eugenista baixou a guarda. Mesmo assim, entre 1972 e 1976, hospitais de quatro cidades esterilizaram 3.406 mulheres e 142 homens. Muitas mulheres pobres foram ameaçadas com a perda de benefícios sociais ou mesmo a guarda dos filhos.

Condenada pela comunidade acadêmica em 1977, a eugenia escondeu o rosto e buscou refúgio nos cromossomos da engenharia genética. Mas, assim como no passado a eugenia contaminou causas sociais, médicas e educacionais importantes, hoje ela pode inocular o vírus da intolerância em projetos científicos fundamentais, como o genoma e o processo de clonagem para fins terapêuticos. Afinal, é sabido que, ao brincar de Deus, o homem costuma fazer a obra do diabo.

Fonte: IstoÉ independente/Terra
http://www.terra.com.br/istoe-temp/1798/artes/1798_raizes_do_holocausto.htm

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