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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

"Ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra". Livro sobre Mengele

Josef Mengele devorou-se a si próprio

La disparition de Josef Mengele é um brilhante mergulho na intimidade de um monstro nazi, nos seus anos de fuga na América do Sul. Ao entrar no quotidiano, inicialmente ostensivo depois sórdido, do “médico” de Auschwitz, o autor explica como ele escapou à justiça dos homens durante 40 anos mas como foi castigado: devorando-se.

Jan Le Bris de Kerne. 2 de Dezembro de 2017, 16:40

O crânio de Josef Mengele mostrado aos jornalista em 1985 em Embu, Brasil
Robert Nickelsberg/Liaison
O Anjo da Morte, como lhe chamam, exerceu um fascínio perturbante. Em Auschwitz, mais tarde quando conseguiu fugir e desaparecer e depois da sua morte, quando o mundo descobriu a ignomínia das suas actividades. O doutor Mengele, médico sinistro que inflingiu sem piedade os maiores sofrimentos a milhares de deportados nos campos da morte, em nome da experiência médica e do apuramento da raça ariana, era afinal um miserável e obscuro capitão das SS proveniente da burguesia bávara, cobarde, frio e obsessivo, e que se conseguiu esconder na América do Sul durante tantos anos depois do final da II Guerrra graças à acção conjunta do dinheiro da sua família, das cumplicidades locais, tanto na Baviera como nos países de acolhimento, da solidariedade dos exilados nazis e da complacência de governos como o de Perón na Argentina, mas também do Paraguai ou Brasil. Isso permitiu ao “médico” de Auschwitz viver alguns belos anos nas melhores condições, com estreias de ópera, jantares elegantes e soirées de deboche nos bordéis chiques de Buenos Aires.

O nome “Anjo da Morte”, o seu desaparecimento quase sobrenatural, as numerosas lendas que o rodeiam, hipnotizaram as pessoas e anestesiaram percepções. É elevado a encarnação maléfica demoníaca. Ou não. Olivier Guez recusa de forma vibrante esta transfiguração de Mengele, que segundo o autor é um homem como os outros, mais normal do que quereríamos que fosse, tragicamente humano, na verdade, que obedecia às ordens, que construía a sua pequena carreira, vaidoso e indiferente ao sofrimento que o rodeava. Até ao fim viu-se como executor de ordens, obediente e ao serviço da grandeza alemã.

PÚBLICO - Foto. Olivier Guez, 43 anos,
nascido em Estrasburgo, é escritor,
jornalista, ensaísta JF
O grande interesse do romance de Olivier Guez (porque é um romance de não ficção, ou seja, muito fiel à realidade e abundantemente documentado) é que relata com precisão os protagonistas e os fatos da fuga do criminoso de guerra como uma câmara de espionagem: o autor infiltra-se o mais possível perto de Mengele. Este vai meter-se, de forma inexorável, num longo caminho da cruz feito de solidão, de terror, de raiva e paranoia. Uma lenta queda começa nas várias quintas que o aceitaram esconder a troco de somas exorbitantes.

Doente e insone, afunda-se. A sua decadência mental e física, o isolamento e abandono, o seu fim longe do seu país, entregue aos seus demônios em condições materiais sórdidas: tudo isto foi o castigo terrestre, aquele que a justiça dos homens não soube dar-lhe. Mengele acabou por se devorar a si próprio.

Na altura em que o mundo ocidental assiste ao ressurgimento dos populismos e à dissolução dos ensinamentos da paz forjados sobre as cinzas de milhões de vítimas da barbárie, Olivier Guez conclui assim a sua obra: “A cada duas ou três gerações, quando a memória se esvai e quando as últimas testemunhas dos massacres precedentes desaparecem, a razão eclipsa-se e os homens recomeçam a espalhar o mal”.

Olivier Guez, 43 anos, nascido em Estrasburgo, é escritor, jornalista, ensaísta. Co-escreveu o filme “Fritz Bauer, un héros allemand” sobre o procurador que encontrou os traços Adolf Eichmann, o cérebro do Holocausto. Fascinado pelos períodos dos pós-guerras, expõe nesta conversa o seu método, a sua intenção literária. Este livro, de uma atmosfera cirúrgica e que soa como uma premonição, vinda do passado, acaba de receber o Prix Renaudot.

Como é que organizou o seu trabalho?

Há dez anos que trabalho sobre os pós-guerras, quer seja na Europa, na Alemanha ou na América do Sul, portanto não descobria todas estas questões trabalhando sobre Mengele. Tinha escrito “L’Impossible Retour, une histoire des juifs depuis 1945» [O Regresso Impossível, a história dos judeus desde 1945], onde contava a história dos judeus na Alemanha depois da guerra e, sempre em espelho, a relação dos alemães com o seu passado, seja a nível político ou simbólico, mas também de ponto de vista judicial. De seguida escrevi [com Lars Kraume] o argumento do filme “Fritz Bauer, un héros allemand” [Fritz Bauer, um herói alemão], onde se contava como esse grande procurador tinha colaborado com a Mossad, pois é ele que lhes dá a informação da presença de Eichmann na Argentina. E ao trabalhar na preparação do filme, li muito sobre a Argentina dos anos 50 e nesse momento “cruzei-me” várias vezes com Mengele. Disse a mim próprio que ainda havia alguma coisa para fazer relativamente aos nazis na Argentina. Toda a gente sabe que muitos nazis partiram para a América do Sul, mas não se sabe grande coisa, é pouco nítido. Nem tudo tinha ainda sido dito. Existe uma grande bibliografia, mas aqui não conhecemos muito bem o contexto sul-americano. Pensei que havia uma história para contar. Mengele não foi preso, não foi julgado, e morreu velho em 1979. Então existe este mistério: por que razão nunca foi ele preso? Depois há também todas as histórias que se contava sobre ele (por exemplo, as aldeias de gêmeos que teria criado), tudo isso é uma treta. Faltava-me separar o verdadeiro do falso. E depois há a questão mais filosófica: é verdade que ele não foi julgado, mas terá ele sido castigado em algum momento? O que é que a vida lhe reservou? Quem é o “Mengele após Mengele”?

Que tom quis dar ao texto? Como classifica o ambiente estilístico do livro?

Queria qualquer coisa seca, áspera, tensa, não era necessário que o livro fosse uma zona de conforto para o leitor. Nenhum desvio, nenhuma grande demanda onde o autor se coloque em cena, nada de metáforas, nada de grandes descrições. Realmente qualquer coisa muito seca, como a dissecação de Josef Mengele na América do Sul.

PÚBLICO - Foto. Josef Mengele, à esquerda, seguido de Rudolf Hoss,
comandante de Auschwitz, de Josef Kramer, comandante de Belsen,
e de um oficial alemão não identificado Universal History Archive/Getty Images
A cada duas ou três gerações, quando a memória se esvai e quando as últimas testemunhas dos massacres precedentes desaparecem, a razão eclipsa-se e os homens recomeçam a espalhar o mal
Olivier Guez

Encontrou, na bibliografia e nos relatórios de entrevistas, matéria suficiente para reconstituir com precisão as conversas, os estados de espírito, os acontecimentos do dia-a-dia? Ou teve que entrar no campo da ficção?
Não existe diálogo no livro, ou somente discurso indirecto. Não coloquei as personagens a dialogar. Não tinha vontade de as fazer viver dessa maneira. É talvez a minha paixão por Thomas Bernhard [dramaturgo austríaco] que me levou a ter vontade de usar esse tipo de narração. Depois, na bibliografia encontra-se mesmo assim muita coisa. Vou dar-lhe um exemplo. A ligação entre Mengele e Gita Stammer [mulher do casal húngaro que durante vários anos o albergou na sua fazenda no Brasil]. Pelo que pude ler, tiveram uma relação. Onde, quando, como, durante quanto tempo, em que condições, ninguém jamais o saberá. Pelo que a partir do momento em que tenho 95 por cento de certeza que existiu uma ligação confirmada por diversas fontes, aí o romancista apodera-se da matéria e vai “inventar”, entre aspas, as condições dessa ligação.

Ou seja, teve mesmo que entrar na ficção…

Sim, claro, porque a vida de Mengele na América do Sul é totalmente de romance, a sua comitiva é de romance, a sua família é incrivelmente de romance, e consegui recolher muitas informações. Depois há também uma formatação que é ainda romanesca.

Existia já uma quantidade de obras e de estudos “sobre a pista de Mengele”. O que acha que trouxe de novo? A forma de romance permite tapar lacunas ou abrir novas vias?

O meu modelo foi “A Sangue-Frio” de Truman Capote, onde, após ter acumulado enorme quantidade de informações, ele escreveu um objeto literário sublime que ninguém contesta que seja literatura. É um romance verídico ou um romance de não-ficção. Foi o que tentei fazer. Um romancista tem mais liberdade do que um historiador ou um ensaísta. Um historiador necessita de uma carta ou um arquivo que confirme cada uma das suas frases. Eu tenho a minha própria objetividade, depois de ter lido imenso, após ter passado tanto tempo com Mengele, tinha a minha própria opinião sobre o seu perfil psicológico, mas tudo isso suportado por fatos concretos. A partir do momento em que coloquei Mengele no título, tinha uma responsabilidade direta com os leitores. Senão teria que criar uma personagem de ficção completa ou contar uma outra história. Aí está a vantagem do romancista para desenhar o retrato do criminoso em fuga. Durante toda a segunda parte brasileira Mengele já não é de todo um ator da história, ele esconde-se, e isso fornece um cenário fechado que é uma matéria literária formidável.

Você recorre frequentemente ao facto histórico como trama ou objeto dos seus livros. Por quê?

Sou obcecado pelos pós-guerras. No plural: 1914-1945 forma um período completo que é o suicídio da Europa. Há 85 milhões de mortos na Europa nesse período. É alucinante. E creio que ainda hoje vivemos nesse após. Estamos talvez na fase 2 ou na fase 3, mas penso que a Europa não consegue recuperar rapidamente de um tal trauma. Basta ver a quantidade de produção literária, cinematográfica, audiovisual, etc., sobre a guerra e o que se seguiu a ela. Assim, considerando que estamos sempre aí dentro, a fronteira entre a História e o presente é extremamente ténue. E vê-se bem na história de Mengele que ele entra na nossa modernidade. Por exemplo, enquanto ele escuta as suas peças de música clássica no gira-discos no seu terraço – aí está o velho nazi que escuta a sua música clássica –, quando vira as costas e vai embora, os adolescentes vão para lá ouvir Beatles. Eis o encontro com a nossa época. Mengele morreu em 1979, os seus restos mortais são descobertos em 1986, quando estamos já no tempo presente. À escala da História é apenas um grão de areia. Sim, interesso-me pela História, mas não escrevo sobre a Idade Média. Creio que a nossa Europa contemporânea é em larga medida constituída pelo que se passou entre 1914 e 1945.

PÚBLICO - Foto. Wolfgang Gerhard, alegadamente Josef Mengele,
ao centro, entre amigos numa fotografia tirada em data desconhecida
nos anos 70 Bettmann
Um romancista tem mais liberdade do que um historiador ou um ensaísta. Um historiador necessita de uma carta ou um arquivo que confirme cada uma das suas frases. Eu tenho a minha própria objectividade, depois de ter lido imenso, após ter passado tanto tempo com Mengele
Olivier Guez

Por que razão pode Mengele ser uma personagem de romance? O tema é delicado. Não se corre o risco de se dissolver o Mengele histórico naquele do romance, de fornecer contornos da verdade tão frágil e cruel, mais nebulosa, menos tangível, tornando-a ficção no tempo de um livro?

Desde já, não ficciono o Mengele de Auschwitz. Depois, conto a sua vida na América do Sul à minha maneira mas não atraiçoo a verdade histórica. Em terceiro lugar, invento bastante menos do que tudo aquilo que foi escrito sobre Mengele durante muito tempo. Não é por ter a palavra “romance” por baixo que se transforma numa ficção completa. É uma técnica literária [o romance de não-ficção] para contar uma história verdadeira.

Será que os contornos do Mengele de romance são mais fluidos? Não tenho essa ideia, o retrato que faço do homem e da sua cobardia é importante: eu queria mostrar que Mengele era um homem. Detesto quando se apresenta os nazis como marcianos, ou monstros, “o Anjo da Morte”, essas expressões – isso é bastante mais fácil e não é olhar de frente a verdade. E Mengele é um excelente exemplo da mediocridade do mal, que vai ainda mais longe que a banalidade do mal. Era muito importante mostrar quem se escondia por trás dessa personagem do mítico “Anjo da Morte”. Não tenho a impressão de que os seus traços sejam muito mais fluidos, na medida em que respeito a verdade histórica, não faço dele um herói, não há a menor empatia com a personagem, não estou dentro da sua cabeça, ponho-me antes ao lado dele e persigo-o como um detetive para mostrar a sua ruína.

Diz-se que o «Anjo da Morte» exercia, e talvez ainda exerça, um fascínio sobre o público. Será que o escritor e também investigador que você é também se sentiu fascinado por ele? De que forma o mal pode fascinar o escritor? E o público?

Há um mistério Mengele: por que é que ele não foi apanhado e onde é que ele se escondeu durante todos esses anos? O livro responde a isso, existem outros livros, evidentemente, e não tenho a certeza de que muita gente tenha lido as biografias de Mengele publicadas nos anos 80, que são as melhores; digamos então que Mengele se tornou o símbolo da barbárie nazi. Apesar de não ser mais do que um médico entre centenas de médicos, é um simples capitão das SS, não é, por exemplo, um Heydrich [Reinhard Heydrich, conselheiro próximo de Hitler e um dos planificadores do Holocausto]. O que ele fez em Auschwitz enquanto médico é uma traição quádrupla: há as experiências, há a triagem no cais de chegada [dos comboios de prisioneiros], há a falência absoluta das elites alemãs, o horror do que foi feito em nome da Alemanha, e depois há a sua fuga, donde o mito que foi mantido por, entre outros, Simon Wiesenthal [“caçador de nazis”]. Pessoalmente não tenho nenhum fascínio por ele, pelo que não utilizo a expressão “Anjo da Morte” no livro, excepto quando há outras personagens que a usam. Recuso esse fascínio.

Trabalhar longas semanas neste contexto pesado teve influência no seu estado mental, e isso alterou-o? Ou, pelo contrário, você trabalhou com o mesmo distanciamento de um cientista (ia dizer de um médico…)?

Isso pesou no início, quando ataquei verdadeiramente a sua biografia e o médico nazi nos campos de concentração. A partir do momento em que compreendi como iria contar esta história, a sua derrota, e como este homem era tão pequenino, e talvez o facto de nunca ter sentido a menor empatia com ele, isso permitiu-me sentir-me como um marionetista. O nome de Mengele causa um sentimento de pavor, como uma aranha, ou qualquer coisa infecta nesse nome, naquilo que ele evoca. Mas a sua ruína, e a partir do momento em que compreendi quais eram os seus traços, permitiu-me tornar-me este marionetista.

PÚBLICO -Foto. Josef Mengele no Brasil na década de 70, o segundo à esquerda,
entre amigos não identificados e Elsa Gulpian de Oliveira, a empregada com
quem teve um romance Robert Nickelsberg/The LIFE Images Collection/Getty Images
Primeiro: que é evidente que o nazismo não morreu em 1945. Segundo: que sem dinheiro ele não teria ido muito longe. Terceiro: que, no fundo, ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra (Olivier Guez)
Qual é a sua opinião pessoal, na medida do conhecimento que tem sobre o assunto, sobre o que se descobriu graças a si: a família, o círculo mais íntimo, os amigos, os cúmplices de todo o gênero, a Argentina, etc.? A inacreditável facilidade com que todos aceitaram, anulando toda a empatia e toda a compaixão pelas vítimas de Mengele?

Primeiro: que é evidente que o nazismo não morreu em 1945. Segundo: que sem dinheiro ele não teria ido muito longe. Terceiro: que, no fundo, ninguém verdadeiramente perseguiu os nazis após a guerra.

O que iria fazer sofrer mais Mengele no fim da sua vida – e o cúmulo da ironia para quem trabalhava sobre genética, filiação, raça – é o seu próprio filho. E também o facto de ter tido como últimas companhias mulheres não-arianas (uma húngara e uma brasileira, ainda por cima ambas pouco submissas). E o facto de ter sido privado do seu trabalho. Acha que Mengele recebeu na América do Sul um castigo pelos seus crimes? Que de alguma forma pagou, como numa roda de karma, pelo mal que infligiu?

Estou convencido de que se tivesse sido preso e julgado pelos alemães ele safar-se-ia. Já tinha escapado à incerteza que o roía durante 20 anos. Com os meios da sua família ele teria tido os melhores advogados da Alemanha. Depois, teria adotado a linha de defesa de Eichmann, “uma ordem é uma ordem, e para além disso eu salvei vidas” (com efeito, ele não enviava diretamente toda a gente para as câmaras de gás), e que não passava de um simples capitão. A sua família poderia vê-lo, a sua segunda mulher... Penso que ele se teria safado muito melhor se tivesse sido preso pelos alemães. Ele não teria tido que viver com essa paranoia, essa angústia que o engolia todos os dias.

Já com os israelitas teria sido diferente. Muito diferente. Eles ter-lhe-iam feito pagar caro, muito caro, num processo como o de Eichmann. Teria certamente sido condenado à morte.

Em parte, sim, ele foi castigado. Mengele autodevorou-se. Talvez seja esse o tema do livro. Como Mengele se autodevorou. Corroeu-se, corroeu-se. Sozinho. Porque no final ele era muito pouco procurado. Ele só foi verdadeiramente procurado durante três ou quatro anos. Em 30 anos isso não é nada. Mas nos anos 50 ele persuadiu-se de que por trás de cada palmeira da savana brasileira se escondia um agente da Mossad. E isso constitui uma matéria literária fascinante.

O seja?... Os ataques de paranóia, de demência? Do monstro que se volta contra si próprio?

O espaço fechado. A loucura. É preciso compreender que Mengele não é um aventureiro, é o filho de grande burguês e depois da guerra ambicionava ser professor na universidade. Fui a todo o lado. Descobri uma das fazendas no Brasil, onde ele passou dez anos. A não ser para uma estadia em viagem, você percebe o inferno que isso é para um burguês europeu. É um inferno: a humidade, o calor, os bichos, os mosquitos, as cobras…

Fonte: Público (Portugal)
https://www.publico.pt/2017/12/02/culturaipsilon/entrevista/josef-mengele-devorouse-a-si-proprio-1794028

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

As últimas horas do monstro nazista (Mengele)

Edição Brasil. el país. Política: As últimas horas do monstro nazista
Ex-cabo da Polícia Militar brasileira revela, 35 anos depois, detalhes da morte de Josef Mengele no litoral de São Paulo

Frederico Rosas Bertioga 7 FEV 2014 - 08:41 BRST

À esquerda, Josef Mengele (1911-1979). / Universal History Archive/Getty Images
Auschwitz Album
Na pequena cidade de Bertioga, no litoral do estado brasileiro de São Paulo, um monstro nazista vivia seus últimos momentos há 35 anos. De forma bem diferente da que muitos imaginariam após a descoberta de suas atrocidades, ele morreu em um banho de mar, possivelmente devido a um ataque cardíaco. Talvez o nome Josef Mengele, ou mesmo o seu apelido, Anjo da Morte, possam soar desconhecidos para as novas gerações. Mas o seu trabalho como médico do regime de Adolf Hitler simbolizou como poucos os horrores dos campos de concentração.

Um homem em particular jamais esquecerá o dia 7 de fevereiro de 1979. O brasileiro Espedito Dias Romão, então com pouco mais de 30 anos, era cabo da Polícia Militar do Estado de São Paulo e chegou ao local da ocorrência na praia da Enseada, próxima ao centro comercial de Bertioga, logo depois. No fim de uma tarde de sol, ele diz ter recebido uma chamada informando sobre um corpo na praia. Ao chegar ao local em uma viatura, ele afirma ter visto uma pequena aglomeração em volta de um senhor na areia.

Tratava-se do austríaco Wolfgang Gerhard, segundo constava na modelo 19, um documento antigo de identificação de estrangeiros no Brasil. “Quando cheguei, o corpo estava estirado na faixa de areia. Tudo indicava que ele foi retirado do mar já sem vida. Era um senhor bem branco e de bigode, e que não apresentava sinais de afogamento comuns, como vômitos e água expelida pelas laterais e pela boca. Fui levado a pensar que se tratava de um caso de mal súbito”, conta.

No boletim de ocorrência lavrado logo após a morte, e que apontava como naturezas do óbito um mal súbito e afogamento, informava-se que Wolfgang tinha 54 anos, era viúvo, trabalhava como técnico mecânico e residia no bairro do Brooklin Novo, em São Paulo. “Segundo apurado entre as testemunhas, a vítima banhava-se no mar, sentiu-se mal, vindo a perecer afogada, embora socorrida por populares”, afirma uma cópia do documento mostrada por Dias ao EL PAÍS.

Wolfgang era, na verdade, Mengele, segundo revelaria um intenso trabalho de pesquisa científica anos depois, mas que, ainda hoje, levanta polêmicas e suscita teorias de que o médico nazista teria como destino outros países, inclusive os Estados Unidos. Aquele homem encontrado morto na pequena Bertioga era um dos criminosos mais procurados do mundo desde o fim da Segunda Guerra, e teria passado por outros países da América Latina, como a Argentina, antes de aportar no Brasil.

Como médico em Auschwitz, além de capitão da força nazista SS, Mengele foi um dos responsáveis pela seleção dos prisioneiros que seguiriam para o trabalho forçado e os que morreriam nas câmaras de gás. Suas experiências em seres humanos, sobretudo crianças gêmeas judias e ciganas, foram responsáveis por alguns dos capítulos mais desumanos do século XX.

A morte de Mengele não foi presenciada por muitas pessoas no Brasil, ainda de acordo com o ex-cabo da PM. Não havia quase ninguém na praia no momento da ocorrência. Bertioga, que era um distrito da cidade de Santos até obter sua emancipação em 1991, possui atualmente cerca de 50 mil habitantes. Na época, Dias estima que o número de moradores se aproximasse de seis mil. “Estava tudo praticamente deserto e o mar, calmo. Parecia que só havia os três na Enseada”, recorda.

O ex-cabo da PM se refere, assim, ao casal de austríacos que acompanhava Mengele no passeio, Wolfram e Liselotte Bossert. Os três dividiam uma casa de temporada localizada a cerca de quatro quadras da praia, em uma área não asfaltada, ainda de acordo com Dias. Liselotte acabaria sendo processada em 1985 por falsidade ideológica no Brasil, após apresentar o documento falso de identidade de Mengeleno dia do óbito. Wolfram, por sua vez, é apontado como um ex-oficial do Exército nazista que morava no Brasil desde a década de 1950.

“O (Wolfram) Bossert acabou sendo levado para o Pronto Socorro por conta do esforço para tirar o Wolfgang da água. E ele tinha uma estrutura óssea bastante forte”, comenta Dias. O corpo de Wolfgang, por sua vez, foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) de Santos para a realização de exames complementares. A causa oficial da morte segue um mistério.

Wolfgang acabaria enterrado no dia seguinte no cemitério do Rosário, na cidade de Embu, na região metropolitana de São Paulo.

Reviravolta

Em 1985, no entanto, uma reviravolta marcou o caso registrado por Dias naquela tarde ensolarada de fevereiro. A dimensão do fato assumiu contornos históricos e atraiu a atenção de diversos meios de comunicação brasileiros e internacionais. “Um repórter me ligou e começou a perguntar se havia sido eu quem tinha atendido uma ocorrência em 1979. Daí para frente tudo começou a vir à tona.”

Ele conta que teve início uma grande busca de informações a respeito do caso, inclusive por parte dos peritos, que acabariam exumando os ossos de Mengele - análises feitas através de exames de DNA confirmariam, em 1992, que os restos mortais seriam mesmo do monstro nazista. Entre inúmeras entrevistas concedidas, Dias foi convocado para relatar a ocorrência à Polícia Federal em São Paulo. O ex-cabo da PM lembra que, com a enorme repercussão do caso no Brasil e no exterior, Bertioga alterou sua rotina na época.

“A cidade, que era mais tranquila, pacata, sofreu um impacto muito grande”, diz. “Eu ficava pensando depois quantas vezes ele (Mengele) pode ter passado por mim ainda em vida”, acrescenta. Isso porque Dias havia trabalhado também em uma base da PM em um dos pontos de entrada da cidade, a balsa que a liga ao município do Guarujá.

Hoje, o ex-cabo é chefe de fiscalização do setor de trânsito e transporte do município de Bertioga, após entrar na reserva da PM como primeiro-sargento. Aos 68 anos, o mineiro que chegou à cidade ainda no fim da década de 1960 como policial rodoviário, se dedica aos desafios da ocupação do sistema viário. E, de forma singela, mas ao mesmo tempo muito objetiva, resume o seu sentimento em torno do caso Mengele, antes de retornar à sua ocupação pública.

“Fica o sentimento de compaixão das pessoas que perderam a vida de forma tão trágica. Hoje o mundo é um lugar melhor.”

Fonte: El País (Edição Brasil)
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/07/politica/1391769715_190054.html

domingo, 25 de março de 2012

Mengele - Experimento médicos

Mengele promoveu experimentos médicos com prisioneiros, especialmente anões e gêmeos. É dito que supervisionou uma operação na qual as crianças ciganas foram costuradas uma na outra para criar gêmeos siameses; as mãos das crianças sofreram graves infecções nos pontos que uniam as veias (Snider, Louis; Encyclopedia of the Third Reich; 1997)

Cohen nos conta:
A única evidência de primeira mão destes experimentos provém de um grupo de sobreviventes e de um médico judeu, Miklos Nyiszli, que trabalhou com Mengele como patologista. Mengele submetia suas vítimas - gêmeos e anões a partir dos dois anos de idade - a exames clínicos, testes sanguíneos, raios-X e medicações antropológicas. No caso dos gêmeos, fazia perfis de cada gêmeo para comporá-los. Também infectava suas vítimas com diversas substâncias e injetava produtos químicos em seus olhos (ao que parece, tentando alterar a cor dos olhos).

Por último, o mesmo as matava injetando nelas clorofórmio no coração para depois realizar exames patológicos comparativos de seus orgãos internos. A intenção de Mengele, segundo o Dr. Nyiszli, era estabelecer as causas genéticas do nascimento de gêmeos para facilitar a formulação de um programa que dobraria a taxa de nascimento da raça 'ariana'. Os experimentos afetaram cerca de 180 pessoas, tanto adultos como crianças.

Mengele também realizou um grande número de experimentos no campo das doenças contagiosas (febres tifóide e tuberculose) para averiguar como os homens de raças distintas podiam enfrentar essas enfermidades. Utilizou gêmeos ciganos para este fim. Os experimentos de Mengele combinavam investigações científicas (talvez inclusive importantes) com fins racistas e ideológicos do regime nazi, que usaram orgãos governamentais, instituições científicas e campos de concentração.

A partir da escassa informação disponível, pode-se deduzir que suas investigações se distinguiam de outros experimentos médicos em que a morte das vítimas estava programada no experimento e era um elemento central deste. (Israel Gutman (Editor); Encyclopedia of the Holocaust, Vol. 3, página 964)
Fonte: Site Nizkor; Encyclopedia of the Third Reich; Autor: Louis S. Snyder; Encyclopedia of the Holocaust, Vol. 3 (Editor: Israel Gutman)
http://www.nizkor.org/faqs/auschwitz/auschwitz-faq-16.html
http://www.nizkor.org/faqs/auschwitz/auschwitz-faq-16-sp.html
http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Holocaust/auschwitz_faq_16.html
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Livro sobre manipulação genética revolta população da "Terra dos Gêmeos"

Porto Alegre - Um livro lançado em Janeiro cujo autor afirma que o médico nazi Josef Mengele provocou um aumento do nascimento de gémeos em Cândido Godói, no Brasil, está a revoltar a população local.

No livro "O Anjo da Morte na América do Sul", o jornalista argentino Jorge Camarasa afirma que a quantidade de gémeos na cidade gaúcha começou a aumentar após 1963, depois da suposta passagem do médico alemão pela região.

A população de Cândido de Godói, concelho com mais de 90 por cento de descendentes de alemães, situado no Estado do Rio Grande do Sul,junto à fronteira com a Argentina, está revoltada com a hipótese de manipulação genética levantada pelo jornalista.

Josef Mengele ficou conhecido pelas suas experiências médicas aterradoras em prisioneiros dos campos de concentração nazis (no complexo Auschwitz-Birkenau) durante a Segunda Guerra Mundial, inclusive com gémeos.

O município de Cândido Godói ganhou destaque na imprensa nos anos de 1990, quando geneticistas de Porto Alegre comprovaram que a taxa de nascimentos de gémeos na região era muito acima da média do resto do país.

Na época, não houve uma resposta definitiva da Ciência sobre os casos dos nascimentos dos gémeos em Cândido Godói e arredores.

Agora, o concelho, conhecido como "Terra dos Gémeos", volta à ribalta com o livro de Jorge Camarasa, que sugere a existência de experiências genéticas de Mengele na região.

O jornalista argentino visitou o concelho durante a preparação do livro e garante que conversou com pessoas que afirmam ter conhecido Josef Mengele.

O autarca do município gaúcho, Valdi Goldschmidt, alega que esta suposta ligação é "pejorativa", já que a população local é maioritariamente de origem alemã, o que pode denotar um certo preconceito.

Geneticistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) afirmam que, em 1960, a tecnologia disponível não era capaz de fazer inseminação artificial em humanos.

Segundo especialistas do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, a causa provável destes inúmeros nascimentos está na facilidade das famílias locais de terem gestações de sucesso.

Há vários anos que existem rumores sobre as experiências do médico nazi na região entre Brasil, Paraguai e Argentina, mas nunca foi comprovada oficialmente qualquer iniciativa deste género.

O livro de Jorge Camarasa descreve a fuga de Mengele para a Argentina nos anos 1950, as suas ligações com o presidente argentino Juan Perón e a sua estada em alguns países da América do Sul.

Conhecido como o "Anjo da Morte", Mengele também viveu no Paraguai e no Brasil, onde morreu em 1979, no município de Bertioga, litoral paulista.

Fonte: Angola Press
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/internacional/Livro-sobre-manipulacao-genetica-revolta-populacao-Terra-dos-Gemeos,ad2088fb-77b3-45d5-84e4-59da383bef1d.html

Foto: nazista fugitivo Josef Mengele, o "Anjo da Morte" de Auschwitz

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