As investigações do jornalista Eduardo Martín de Pozuelo nos arquivos dos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda desvelaram que Franco deixou morrer a milhares de judeus que teve em sua mão condições de salvá-los. O autor avança nestas páginas a informação que detalha em seu novo livro. O franquismo, cúmplice do Holocausto, publicado pela Librosdevanguardia depois do sucesso de "Los secretos del franquismo" (Os segredos do franquismo).
O encontro de Franco com Hitler em Hendaya em 23 de outubro de 1940 |
Os anos e a tergiversação da história fizeram com que seu antissemitismo se diluísse como um torrão de açúcar na patética frase referida. Contudo, é óbvio que em seus inflamados discursos Franco não deixou de se mostrar antissemita, mas nunca revelou que seu ódio-temor havia tido durante a Segunda Guerra Mundial uma repercussão criminosa somente descoberta graças ao conteúdo de dezenas de documentos secretos desclassificados, encontrados nos arquivos dos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda.
Até agora ninguém pensava em Franco quando se falava do Holocausto, como se a Espanha pró-nazi do início dos anos quarenta, claramente desenhada pelos documentos que um dia foram secretos, houvesse assistido de longe como a Alemanha nazi deportava e assassinava milhões de judeus e outras minorias. Mas na realidade, espantosa, como aflora nos documentos citados mostra que Franco pode salvar a dezenas de milhares de sefarditas, mas preferiu deixá-los morrer apesar dos reiterados ultimatos alemães que lhe advertiam das medidas extremas (lê-se extermínio) de que eles seriam objeto se sua Espanha não aceitasse acolhe-los.
O corolário de investigação documental que se recolhe no livro que é adiantado por Magazine tem vários pontos essenciais; o primeiro dos quais é que apenas restam dúvidas de que os nazis alentaram o golpe de Estado de julho de 1936, ao que não deixariam de apoiar até a vitória em 1939. Como consequência do apoio germânico, Franco - que em essência era, a si mesmo, franquista - inclinou dramaticamente os destinos da Espanha pelo lado alemão e não do italiano, pelo que cabe afirmar que a natureza do franquismo se percebe como sendo muito mais nazi que fascista. De fato, até a vitória dos nacionais na Guerra Civil, o III Reich desembarcou com armas e bagagens na Espanha com uma proporção de meios e humanos infinitamente superior a de qualquer outro país dos que se veriam implicados na iminente contenda mundial. Como consequência disso, os alemães influenciaram toda a política e economia espanhola, imprensa incluída, e uma vez iniciada a Segunda Guerra Mundial as relações entre a cúpula do nazismo e Franco e seus ministros foi muito estreita, e a nova Alemanha, cujo império deveria durar mil anos, teve um esquisito trato de favor ante o Generalíssimo. Esta deferência se traduziu na oferta nazi de dar fim dos judeus espanhóis espalhados pela Europa dos que eram previstos serem assassinados industrialmente. Mas Franco não os salvou, sabendo do que ia lhes acontecer, muito bem informado por embaixadores espanhóis, testemunhas de exceção das deportações. Desta forma, a ditadura espanhola se converteu em cúmplice ativa do Holocausto.
As espantosas imagens que foram encontradas por soldados britânicos no campo de concentração de Bergen-Belsen em abril de 1945 |
Um resumo, parcial sem dúvida, do que aconteceu se deve a Eberhard von Thadden, conexão entre Von Ribbentrop (ministro de relações exteriores) e Adolf Eichmann (responsável pelas deportações), num telegrama cifrado para sua embaixada em Madri que enviou em 27 de dezembro de 1943: "O governo espanhol insistiu durante as negociações que houve entre 1942 e fevereiro de 1943 de que não estava interessado nos judeus espanhóis. Mais tarde foi autorizada [por parte da Alemanha] a repatriação de todos os judeus espanhóis. Repetidas vezes, a Espanha não cumpriu o prazo acordado para seu regresso. (...) Apesar disso e por precaução, a expulsão dos judeus espanhóis não começou até 16 de novembro. Por favor, explique inequivocadamente a situação ao governo espanhol e enfatize que o governo do Reich fez todo o possível para resolver o problema amigavelmente e evitar dificuldades. Fizemos isso tendo em consideração a nacionalidade espanhola [dos judeus] apesar de que se pode entender que todos os judeus têm uma atitude antialemã."
A oferta nazi continha certa piedade ante os judeus sefarditas? Não. Não se tratava disso. Era a deferência ao amigo e ao mesmo tempo uma medida para baratear os custos do extermínio. Quer dizer, antes de proceder a aplicação em toda sua dimensão da solução final, o governo do Reich deu oportunidade ao amigo Franco de decidir sobre a sorte dos spanischer Juden, de tal sorte que se lhes fossem acolhidos para que se tomasse suas próprias medidas contra eles - como supunham que aconteceria - o operativo nazi de extermínio humano se veria substancialmente reduzido.
Fonte: Magazine Digital, do Lavanguardia.com (Espanha)
http://www.magazinedigital.com/reportajes/los_reportajes_de_la_semana/reportaje/cnt_id/8416
Tradução: Roberto Lucena
Franco e o extermínio - Parte 2
O inimigo judeu-maçônico na propaganda franquista (1936-1945)
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