sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Uma leitura do fascismo

Crônica da ascensão dos totalitarismos do entreguerras e análise dos regimes de Hitler e de Mussolini, o ensaio de Robert O. Paxton descuida-se a atenção ante às ditaduras como a espanhola. De qualquer forma, uma magnífica descrição do fenômeno.

Em seu elogio do livro de Paxton, Ian Kershaw sublinha acertadamente o mérito principal do mesmo: não é uma obra a mais que gira em torno das explicações habituais do fenômeno fascista, senão um estudo original e estimulante, apoiado além disso em uma impressionante bibliografia no que concerne os casos alemão e italiano. Deveria acrescentar como correção que outros fascismos menores, consumados ou frustrados, não são abordados com o mesmo rigor. É o que acontece com o fascismo espanhol, apesar da busca de um apoio eficaz em Paul Preston e em Juan Linz. Dessa debilidade se ressente tanto o tratamento específico de cada um dos mesmos como o valor da reflexão do conjunto.

Paxton opta por se esquivar na entrada do exame da conceitualização do fascismo. Prefere deixar o tema para o final, uma vez que estudou sucessivamente os processos de criação dos movimentos fascistas, sua penetração em duas sociedades e regimes políticos em crises (Itália e Alemanha nos anos vinte e trinta), a tomada do poder por parte de Mussolini e de Hitler, a forma de exercício do mesmo e a dinâmica posterior até o ponto de chegada abrupto da guerra mundial. É um relato cheio de apreciações valiosas e cláusulas de cautela contra as interpretações esquemáticas. Talvez seja este o principal valor desta Anatomia do fascismo e o que a converte numa leitura inescusável para os interessados no tema. Uma vez ou outra, Paxton insiste corrigindo a visão mecânica dos fascismos como regimes totalitários em que as decisões de um par de líderes carismáticos determinam com exatidão milimétrica o funcionamento do sistema de poder e o comportamento dos agentes sociais. A cascata de advertências é em muitas ocasiões pertinente, ao sublinhar que é justamente a capacidade dos caudilhos fascistas para impôr suas decisões e seus objetivos a agregados complexos de poder político, social e econômico, o que favorece o sucesso de seu empreendimento.

Agora bem, a ponderação
há de ser neste ponto companheira inseparável da advertência, e prescindir da essência totalitária de tais regimes, como o soviético (Paxton segue fixando-se em Stalin e esquecendo Lênin), ou relativizá-la, acaba sendo um obstáculo para a explicação. Os atos de violência dos subordinados de Hitler, o antissemitismo extendido na sociedade alemã e o fracasso das tentativas de exclusão hão de se ter em conta na hora de entender a gênesis do Holocausto, o mesmo que antes em outros fatores ocasionais como o incêndio do Reichstag propiciam a eliminação do Estado de direito, por muito que sua dimensão normativa não fosse apagada do todo. Contudo, há suficientes elementos previamente comprováveis no projeto de Hitler, começando por "Minha Luta", como para crer que o incêndio do Reichstag ou a Noite dos Cristais precipitaram uma deriva para o extermínio que já se encontrava previamente desenhado. Não é só a adoção do ritual o que faz dos fascismos - e do comunismo soviético - ensaios de religiões políticas.

Conta sobretudo a fixação como objetivo central do forjamento de um homem novo, de acordo com as respectivas ideologias, e dessa dimensão teleológica, causa e não efeito, derivam aspectos básicos do processo de construção dos regimes fascistas, que quanto ao demais Paxton descreve admiravelmente.

ANTONIO ELORZA 01/10/2005

Livro: ANATOMÍA DEL FASCISMO
Em português: A Anatomia do Fascismo
Autor: Robert O. Paxton
Tradução de J. M. Álvarez Flórez
Península. Barcelona, 2005
366 páginas

Fonte: El País(Espanha)
Consulta em PDF da página do EL PAÍS, edição nacional, de terça-feira 7 de dezembro
http://www.elpais.com/articulo/ensayo/lectura/fascismo/elpbabens/20051001elpbabens_5/Tes Tradução: Roberto Lucena

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